Itamaraty abandona cartilha bolsonarista e terá desafios em um mundo polarizado


Brasil retornou a acordo migratório e de integração com a América Latina, dando início à saída do isolamento internacional, mas guerra, China e Venezuela ainda são posições pendentes

Por Carolina Marins

Na primeira semana sob comando do novo chanceler Mauro Vieira, o Ministério das Relações Exteriores já inicia o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometia ser uma ruptura da política externa de Jair Bolsonaro. Segundo analistas ouvidos pelo Estadão, os primeiros dias de atuação do novo Itamaraty já demonstram um retorno à tradicional política de integração regional que marcou os primeiros dois governos Lula. No entanto, mudanças no cenário global, marcado pela guerra na Ucrânia e disputa entre Estados Unidos e China serão desafios para o novo ministério.

Assim como fez o governo anterior de sair do Pacto Global para Migração já nos primeiros dias de mandato, o Itamaraty anunciou na última terça-feira, 3, o retorno ao acordo da Organização das Nações Unidas (ONU). Dois dias depois, o país retornou à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), citando a “plena reinserção do País ao convívio internacional” em comunicado oficial.

“A política externa vai ganhar um vigor como não teve no passado”, aponta o ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa. “Veremos uma política de diplomacia presidencial e de Meio Ambiente sendo colocadas no centro da política externa, dando prioridade para América do Sul, América Latina. Tudo isso vai dar um foco para política externa que a gente não tinha tido nesses últimos quatro anos, especialmente nos primeiros dois anos de governo Bolsonaro”.

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O novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira  Foto: Evaristo Sa/AFP

De acordo com Maria Villarreal, professora adjunta do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Unirio), há uma reorientação do Itamaraty com relação a vários temas: migração, Israel, Venezuela, Meio Ambiente e outros. “Temos um direcionamento muito claro do que vai ser a retomada da integração regional e a promoção do multilateralismo”, afirma. “Temos também mudanças relevantes dentro da própria estrutura do Itamaraty, que não é uma coisa menor, como a nomeação da Maria Laura da Rocha, como a primeira mulher secretária-geral das relações exteriores no país”.

Retorno a acordos multilaterais

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Os retornos tanto ao Pacto Global para Migração quanto à Celac são vistos como naturais e necessários deste novo ministério, especialmente em um contexto em que há mais de 4 milhões de brasileiros vivendo fora do Brasil contra 1 milhão de migrantes dentro do país. “O absurdo era o Brasil não participar do acordo”, afirma Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e Conselheiro Emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

“O Brasil tem hoje milhões de emigrantes. Ele passou a ser um país muito mais de produzir migrantes do que de receber, então é claro que o Brasil tem todo o interesse neste acordo, porque é a maneira de tratamento dessas pessoas que está em jogo”, completa. O Itamaraty, então sob comando do olavista Ernesto Araújo, se retirou do acordo semanas depois de assiná-lo e já nos primeiros dias de governo em 2019, sob argumento de ferir a soberania nacional.

A consequência, aponta Maria Villarreal, veio poucos meses depois. “O Brasil tinha suspendido no passado os voos de deportação de brasileiros provenientes dos Estados Unidos, que infelizmente foi retomada durante o governo Bolsonaro em 2019″, relembra. De outubro de 2019 a novembro de 2022, mais de 7,5 mil brasileiros foram deportados sob a política facilitada entre Bolsonaro e Donald Trump - e mantida por Joe Biden. “A gente teve um governo que abdicou abertamente da defesa dos direitos dos brasileiros no exterior. E o pacto retoma isso”.

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Novo Itamaraty

Sob Bolsonaro, o Itamaraty foi marcado por uma fase ideológica, com Ernesto Araújo entrando em embates diretos com parceiros estratégicos do Brasil, como a China, e se alinhando automaticamente com Donald Trump. Mas as rusgas na área ambiental, principalmente com a Europa, provocou a substituição de Araújo por Carlos França, de perfil menos ideológico e mais silencioso. Sob Mauro Vieira, segundo os analistas, a expectativa é de ruptura das duas fases, mas principalmente dos embates de Araújo.

“Mauro Vieira tem duas grandes missões e que estiveram inclusive no discurso de posse dele”, afirma o professor de Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Guilherme Casarões. “A primeira é normalizar as relações do Brasil com o mundo depois de quatro anos de um isolamento sem precedente na história do País. A segunda é a liderança multilateral, cuja derrocada foi grande no governo Bolsonaro, por questões ideológicas, visões de mundo e várias outras questões”.

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O ministro das relações exteriores, Mauro Vieira com o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva Foto: Wilton Junior/Estadão

De acordo com o professor, outra dificuldade será lidar com um Itamaraty que foi esvaziado de suas funções e compreender qual será sua atuação frente a outros ministérios que ganharam espaço nas discussões internacionais, especialmente a pasta da Agricultura sob Tereza Cristina que foi muito ativa em comércio exterior, e a pasta de Direitos Humanos comandada por Damares Alves que tomou a frente em discussões nos organismos multilaterais, como a ONU.

“Vamos ver quando começarem os problemas mais difíceis”, concorda Rubens Ricupero. “Até agora não houve, até agora o trabalho foi consertar os erros anteriores que é a tarefa mais simples, que é revogar políticas e deixar de fazer bobagem. Teremos que observar o que virá depois disso.”

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Um novo mundo

O erro de esperar um Itamaraty no terceiro governo Lula semelhante aos primeiros dois, de 2003 a 2010, é a transformação tanto do Brasil como do mundo. O país retorna mais fragilizado, sem conseguir se projetar como uma potência e uma das maiores economias. Ao mesmo tempo, o mundo se encontra mais polarizado, com a Rússia - um parceiro estratégico do Brasil e pária internacional - invadindo a Ucrânia, Estados Unidos em embates com a China e novos governos autoritários.

“Essa polarização não existia 20 anos atrás”, lembra Casarões. “Vale ressaltar que quando o Lula tomou posse em 2003, nem a guerra do Iraque tinha começado ainda. Era outro mundo”. Para os analistas, ainda não está claro como o Ministério de Relações Exteriores vai se comportar frente a esses novos desafios.

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“Uma das coisas que não não foi mencionado nas apresentações [do novo governo] é a questão do quadro Global, justamente esse novo mundo”, concorda Rubens Barbosa. “E eu acho que dependendo da evolução dos acontecimentos vai haver uma divisão do mundo real. Como é que vai ficar o Brasil? Está insinuada, mas não está claramente dita essa posição de distância do Brasil de defender os valores ocidentais.”

Outro grande desafio para o novo Itamaraty será lidar com os governos autoritários de esquerda da América Latina, como Venezuela - como as relações diplomáticas foram retomadas - e Nicarágua. “Eu diria que o encaminhamento da questão venezuelana é importante até pra esquerda brasileira e latino-americana, de poder dizer claramente que esquerda é democrática e não compactou com regimes autoritários dessa natureza”, afirma Casarões. “É um desafio difícil.”

Na primeira semana sob comando do novo chanceler Mauro Vieira, o Ministério das Relações Exteriores já inicia o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometia ser uma ruptura da política externa de Jair Bolsonaro. Segundo analistas ouvidos pelo Estadão, os primeiros dias de atuação do novo Itamaraty já demonstram um retorno à tradicional política de integração regional que marcou os primeiros dois governos Lula. No entanto, mudanças no cenário global, marcado pela guerra na Ucrânia e disputa entre Estados Unidos e China serão desafios para o novo ministério.

Assim como fez o governo anterior de sair do Pacto Global para Migração já nos primeiros dias de mandato, o Itamaraty anunciou na última terça-feira, 3, o retorno ao acordo da Organização das Nações Unidas (ONU). Dois dias depois, o país retornou à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), citando a “plena reinserção do País ao convívio internacional” em comunicado oficial.

“A política externa vai ganhar um vigor como não teve no passado”, aponta o ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa. “Veremos uma política de diplomacia presidencial e de Meio Ambiente sendo colocadas no centro da política externa, dando prioridade para América do Sul, América Latina. Tudo isso vai dar um foco para política externa que a gente não tinha tido nesses últimos quatro anos, especialmente nos primeiros dois anos de governo Bolsonaro”.

O novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira  Foto: Evaristo Sa/AFP

De acordo com Maria Villarreal, professora adjunta do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Unirio), há uma reorientação do Itamaraty com relação a vários temas: migração, Israel, Venezuela, Meio Ambiente e outros. “Temos um direcionamento muito claro do que vai ser a retomada da integração regional e a promoção do multilateralismo”, afirma. “Temos também mudanças relevantes dentro da própria estrutura do Itamaraty, que não é uma coisa menor, como a nomeação da Maria Laura da Rocha, como a primeira mulher secretária-geral das relações exteriores no país”.

Retorno a acordos multilaterais

Os retornos tanto ao Pacto Global para Migração quanto à Celac são vistos como naturais e necessários deste novo ministério, especialmente em um contexto em que há mais de 4 milhões de brasileiros vivendo fora do Brasil contra 1 milhão de migrantes dentro do país. “O absurdo era o Brasil não participar do acordo”, afirma Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e Conselheiro Emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

“O Brasil tem hoje milhões de emigrantes. Ele passou a ser um país muito mais de produzir migrantes do que de receber, então é claro que o Brasil tem todo o interesse neste acordo, porque é a maneira de tratamento dessas pessoas que está em jogo”, completa. O Itamaraty, então sob comando do olavista Ernesto Araújo, se retirou do acordo semanas depois de assiná-lo e já nos primeiros dias de governo em 2019, sob argumento de ferir a soberania nacional.

A consequência, aponta Maria Villarreal, veio poucos meses depois. “O Brasil tinha suspendido no passado os voos de deportação de brasileiros provenientes dos Estados Unidos, que infelizmente foi retomada durante o governo Bolsonaro em 2019″, relembra. De outubro de 2019 a novembro de 2022, mais de 7,5 mil brasileiros foram deportados sob a política facilitada entre Bolsonaro e Donald Trump - e mantida por Joe Biden. “A gente teve um governo que abdicou abertamente da defesa dos direitos dos brasileiros no exterior. E o pacto retoma isso”.

Novo Itamaraty

Sob Bolsonaro, o Itamaraty foi marcado por uma fase ideológica, com Ernesto Araújo entrando em embates diretos com parceiros estratégicos do Brasil, como a China, e se alinhando automaticamente com Donald Trump. Mas as rusgas na área ambiental, principalmente com a Europa, provocou a substituição de Araújo por Carlos França, de perfil menos ideológico e mais silencioso. Sob Mauro Vieira, segundo os analistas, a expectativa é de ruptura das duas fases, mas principalmente dos embates de Araújo.

“Mauro Vieira tem duas grandes missões e que estiveram inclusive no discurso de posse dele”, afirma o professor de Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Guilherme Casarões. “A primeira é normalizar as relações do Brasil com o mundo depois de quatro anos de um isolamento sem precedente na história do País. A segunda é a liderança multilateral, cuja derrocada foi grande no governo Bolsonaro, por questões ideológicas, visões de mundo e várias outras questões”.

O ministro das relações exteriores, Mauro Vieira com o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva Foto: Wilton Junior/Estadão

De acordo com o professor, outra dificuldade será lidar com um Itamaraty que foi esvaziado de suas funções e compreender qual será sua atuação frente a outros ministérios que ganharam espaço nas discussões internacionais, especialmente a pasta da Agricultura sob Tereza Cristina que foi muito ativa em comércio exterior, e a pasta de Direitos Humanos comandada por Damares Alves que tomou a frente em discussões nos organismos multilaterais, como a ONU.

“Vamos ver quando começarem os problemas mais difíceis”, concorda Rubens Ricupero. “Até agora não houve, até agora o trabalho foi consertar os erros anteriores que é a tarefa mais simples, que é revogar políticas e deixar de fazer bobagem. Teremos que observar o que virá depois disso.”

Um novo mundo

O erro de esperar um Itamaraty no terceiro governo Lula semelhante aos primeiros dois, de 2003 a 2010, é a transformação tanto do Brasil como do mundo. O país retorna mais fragilizado, sem conseguir se projetar como uma potência e uma das maiores economias. Ao mesmo tempo, o mundo se encontra mais polarizado, com a Rússia - um parceiro estratégico do Brasil e pária internacional - invadindo a Ucrânia, Estados Unidos em embates com a China e novos governos autoritários.

“Essa polarização não existia 20 anos atrás”, lembra Casarões. “Vale ressaltar que quando o Lula tomou posse em 2003, nem a guerra do Iraque tinha começado ainda. Era outro mundo”. Para os analistas, ainda não está claro como o Ministério de Relações Exteriores vai se comportar frente a esses novos desafios.

“Uma das coisas que não não foi mencionado nas apresentações [do novo governo] é a questão do quadro Global, justamente esse novo mundo”, concorda Rubens Barbosa. “E eu acho que dependendo da evolução dos acontecimentos vai haver uma divisão do mundo real. Como é que vai ficar o Brasil? Está insinuada, mas não está claramente dita essa posição de distância do Brasil de defender os valores ocidentais.”

Outro grande desafio para o novo Itamaraty será lidar com os governos autoritários de esquerda da América Latina, como Venezuela - como as relações diplomáticas foram retomadas - e Nicarágua. “Eu diria que o encaminhamento da questão venezuelana é importante até pra esquerda brasileira e latino-americana, de poder dizer claramente que esquerda é democrática e não compactou com regimes autoritários dessa natureza”, afirma Casarões. “É um desafio difícil.”

Na primeira semana sob comando do novo chanceler Mauro Vieira, o Ministério das Relações Exteriores já inicia o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometia ser uma ruptura da política externa de Jair Bolsonaro. Segundo analistas ouvidos pelo Estadão, os primeiros dias de atuação do novo Itamaraty já demonstram um retorno à tradicional política de integração regional que marcou os primeiros dois governos Lula. No entanto, mudanças no cenário global, marcado pela guerra na Ucrânia e disputa entre Estados Unidos e China serão desafios para o novo ministério.

Assim como fez o governo anterior de sair do Pacto Global para Migração já nos primeiros dias de mandato, o Itamaraty anunciou na última terça-feira, 3, o retorno ao acordo da Organização das Nações Unidas (ONU). Dois dias depois, o país retornou à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), citando a “plena reinserção do País ao convívio internacional” em comunicado oficial.

“A política externa vai ganhar um vigor como não teve no passado”, aponta o ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa. “Veremos uma política de diplomacia presidencial e de Meio Ambiente sendo colocadas no centro da política externa, dando prioridade para América do Sul, América Latina. Tudo isso vai dar um foco para política externa que a gente não tinha tido nesses últimos quatro anos, especialmente nos primeiros dois anos de governo Bolsonaro”.

O novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira  Foto: Evaristo Sa/AFP

De acordo com Maria Villarreal, professora adjunta do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Unirio), há uma reorientação do Itamaraty com relação a vários temas: migração, Israel, Venezuela, Meio Ambiente e outros. “Temos um direcionamento muito claro do que vai ser a retomada da integração regional e a promoção do multilateralismo”, afirma. “Temos também mudanças relevantes dentro da própria estrutura do Itamaraty, que não é uma coisa menor, como a nomeação da Maria Laura da Rocha, como a primeira mulher secretária-geral das relações exteriores no país”.

Retorno a acordos multilaterais

Os retornos tanto ao Pacto Global para Migração quanto à Celac são vistos como naturais e necessários deste novo ministério, especialmente em um contexto em que há mais de 4 milhões de brasileiros vivendo fora do Brasil contra 1 milhão de migrantes dentro do país. “O absurdo era o Brasil não participar do acordo”, afirma Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e Conselheiro Emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

“O Brasil tem hoje milhões de emigrantes. Ele passou a ser um país muito mais de produzir migrantes do que de receber, então é claro que o Brasil tem todo o interesse neste acordo, porque é a maneira de tratamento dessas pessoas que está em jogo”, completa. O Itamaraty, então sob comando do olavista Ernesto Araújo, se retirou do acordo semanas depois de assiná-lo e já nos primeiros dias de governo em 2019, sob argumento de ferir a soberania nacional.

A consequência, aponta Maria Villarreal, veio poucos meses depois. “O Brasil tinha suspendido no passado os voos de deportação de brasileiros provenientes dos Estados Unidos, que infelizmente foi retomada durante o governo Bolsonaro em 2019″, relembra. De outubro de 2019 a novembro de 2022, mais de 7,5 mil brasileiros foram deportados sob a política facilitada entre Bolsonaro e Donald Trump - e mantida por Joe Biden. “A gente teve um governo que abdicou abertamente da defesa dos direitos dos brasileiros no exterior. E o pacto retoma isso”.

Novo Itamaraty

Sob Bolsonaro, o Itamaraty foi marcado por uma fase ideológica, com Ernesto Araújo entrando em embates diretos com parceiros estratégicos do Brasil, como a China, e se alinhando automaticamente com Donald Trump. Mas as rusgas na área ambiental, principalmente com a Europa, provocou a substituição de Araújo por Carlos França, de perfil menos ideológico e mais silencioso. Sob Mauro Vieira, segundo os analistas, a expectativa é de ruptura das duas fases, mas principalmente dos embates de Araújo.

“Mauro Vieira tem duas grandes missões e que estiveram inclusive no discurso de posse dele”, afirma o professor de Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Guilherme Casarões. “A primeira é normalizar as relações do Brasil com o mundo depois de quatro anos de um isolamento sem precedente na história do País. A segunda é a liderança multilateral, cuja derrocada foi grande no governo Bolsonaro, por questões ideológicas, visões de mundo e várias outras questões”.

O ministro das relações exteriores, Mauro Vieira com o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva Foto: Wilton Junior/Estadão

De acordo com o professor, outra dificuldade será lidar com um Itamaraty que foi esvaziado de suas funções e compreender qual será sua atuação frente a outros ministérios que ganharam espaço nas discussões internacionais, especialmente a pasta da Agricultura sob Tereza Cristina que foi muito ativa em comércio exterior, e a pasta de Direitos Humanos comandada por Damares Alves que tomou a frente em discussões nos organismos multilaterais, como a ONU.

“Vamos ver quando começarem os problemas mais difíceis”, concorda Rubens Ricupero. “Até agora não houve, até agora o trabalho foi consertar os erros anteriores que é a tarefa mais simples, que é revogar políticas e deixar de fazer bobagem. Teremos que observar o que virá depois disso.”

Um novo mundo

O erro de esperar um Itamaraty no terceiro governo Lula semelhante aos primeiros dois, de 2003 a 2010, é a transformação tanto do Brasil como do mundo. O país retorna mais fragilizado, sem conseguir se projetar como uma potência e uma das maiores economias. Ao mesmo tempo, o mundo se encontra mais polarizado, com a Rússia - um parceiro estratégico do Brasil e pária internacional - invadindo a Ucrânia, Estados Unidos em embates com a China e novos governos autoritários.

“Essa polarização não existia 20 anos atrás”, lembra Casarões. “Vale ressaltar que quando o Lula tomou posse em 2003, nem a guerra do Iraque tinha começado ainda. Era outro mundo”. Para os analistas, ainda não está claro como o Ministério de Relações Exteriores vai se comportar frente a esses novos desafios.

“Uma das coisas que não não foi mencionado nas apresentações [do novo governo] é a questão do quadro Global, justamente esse novo mundo”, concorda Rubens Barbosa. “E eu acho que dependendo da evolução dos acontecimentos vai haver uma divisão do mundo real. Como é que vai ficar o Brasil? Está insinuada, mas não está claramente dita essa posição de distância do Brasil de defender os valores ocidentais.”

Outro grande desafio para o novo Itamaraty será lidar com os governos autoritários de esquerda da América Latina, como Venezuela - como as relações diplomáticas foram retomadas - e Nicarágua. “Eu diria que o encaminhamento da questão venezuelana é importante até pra esquerda brasileira e latino-americana, de poder dizer claramente que esquerda é democrática e não compactou com regimes autoritários dessa natureza”, afirma Casarões. “É um desafio difícil.”

Na primeira semana sob comando do novo chanceler Mauro Vieira, o Ministério das Relações Exteriores já inicia o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometia ser uma ruptura da política externa de Jair Bolsonaro. Segundo analistas ouvidos pelo Estadão, os primeiros dias de atuação do novo Itamaraty já demonstram um retorno à tradicional política de integração regional que marcou os primeiros dois governos Lula. No entanto, mudanças no cenário global, marcado pela guerra na Ucrânia e disputa entre Estados Unidos e China serão desafios para o novo ministério.

Assim como fez o governo anterior de sair do Pacto Global para Migração já nos primeiros dias de mandato, o Itamaraty anunciou na última terça-feira, 3, o retorno ao acordo da Organização das Nações Unidas (ONU). Dois dias depois, o país retornou à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), citando a “plena reinserção do País ao convívio internacional” em comunicado oficial.

“A política externa vai ganhar um vigor como não teve no passado”, aponta o ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa. “Veremos uma política de diplomacia presidencial e de Meio Ambiente sendo colocadas no centro da política externa, dando prioridade para América do Sul, América Latina. Tudo isso vai dar um foco para política externa que a gente não tinha tido nesses últimos quatro anos, especialmente nos primeiros dois anos de governo Bolsonaro”.

O novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira  Foto: Evaristo Sa/AFP

De acordo com Maria Villarreal, professora adjunta do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Unirio), há uma reorientação do Itamaraty com relação a vários temas: migração, Israel, Venezuela, Meio Ambiente e outros. “Temos um direcionamento muito claro do que vai ser a retomada da integração regional e a promoção do multilateralismo”, afirma. “Temos também mudanças relevantes dentro da própria estrutura do Itamaraty, que não é uma coisa menor, como a nomeação da Maria Laura da Rocha, como a primeira mulher secretária-geral das relações exteriores no país”.

Retorno a acordos multilaterais

Os retornos tanto ao Pacto Global para Migração quanto à Celac são vistos como naturais e necessários deste novo ministério, especialmente em um contexto em que há mais de 4 milhões de brasileiros vivendo fora do Brasil contra 1 milhão de migrantes dentro do país. “O absurdo era o Brasil não participar do acordo”, afirma Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e Conselheiro Emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

“O Brasil tem hoje milhões de emigrantes. Ele passou a ser um país muito mais de produzir migrantes do que de receber, então é claro que o Brasil tem todo o interesse neste acordo, porque é a maneira de tratamento dessas pessoas que está em jogo”, completa. O Itamaraty, então sob comando do olavista Ernesto Araújo, se retirou do acordo semanas depois de assiná-lo e já nos primeiros dias de governo em 2019, sob argumento de ferir a soberania nacional.

A consequência, aponta Maria Villarreal, veio poucos meses depois. “O Brasil tinha suspendido no passado os voos de deportação de brasileiros provenientes dos Estados Unidos, que infelizmente foi retomada durante o governo Bolsonaro em 2019″, relembra. De outubro de 2019 a novembro de 2022, mais de 7,5 mil brasileiros foram deportados sob a política facilitada entre Bolsonaro e Donald Trump - e mantida por Joe Biden. “A gente teve um governo que abdicou abertamente da defesa dos direitos dos brasileiros no exterior. E o pacto retoma isso”.

Novo Itamaraty

Sob Bolsonaro, o Itamaraty foi marcado por uma fase ideológica, com Ernesto Araújo entrando em embates diretos com parceiros estratégicos do Brasil, como a China, e se alinhando automaticamente com Donald Trump. Mas as rusgas na área ambiental, principalmente com a Europa, provocou a substituição de Araújo por Carlos França, de perfil menos ideológico e mais silencioso. Sob Mauro Vieira, segundo os analistas, a expectativa é de ruptura das duas fases, mas principalmente dos embates de Araújo.

“Mauro Vieira tem duas grandes missões e que estiveram inclusive no discurso de posse dele”, afirma o professor de Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Guilherme Casarões. “A primeira é normalizar as relações do Brasil com o mundo depois de quatro anos de um isolamento sem precedente na história do País. A segunda é a liderança multilateral, cuja derrocada foi grande no governo Bolsonaro, por questões ideológicas, visões de mundo e várias outras questões”.

O ministro das relações exteriores, Mauro Vieira com o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva Foto: Wilton Junior/Estadão

De acordo com o professor, outra dificuldade será lidar com um Itamaraty que foi esvaziado de suas funções e compreender qual será sua atuação frente a outros ministérios que ganharam espaço nas discussões internacionais, especialmente a pasta da Agricultura sob Tereza Cristina que foi muito ativa em comércio exterior, e a pasta de Direitos Humanos comandada por Damares Alves que tomou a frente em discussões nos organismos multilaterais, como a ONU.

“Vamos ver quando começarem os problemas mais difíceis”, concorda Rubens Ricupero. “Até agora não houve, até agora o trabalho foi consertar os erros anteriores que é a tarefa mais simples, que é revogar políticas e deixar de fazer bobagem. Teremos que observar o que virá depois disso.”

Um novo mundo

O erro de esperar um Itamaraty no terceiro governo Lula semelhante aos primeiros dois, de 2003 a 2010, é a transformação tanto do Brasil como do mundo. O país retorna mais fragilizado, sem conseguir se projetar como uma potência e uma das maiores economias. Ao mesmo tempo, o mundo se encontra mais polarizado, com a Rússia - um parceiro estratégico do Brasil e pária internacional - invadindo a Ucrânia, Estados Unidos em embates com a China e novos governos autoritários.

“Essa polarização não existia 20 anos atrás”, lembra Casarões. “Vale ressaltar que quando o Lula tomou posse em 2003, nem a guerra do Iraque tinha começado ainda. Era outro mundo”. Para os analistas, ainda não está claro como o Ministério de Relações Exteriores vai se comportar frente a esses novos desafios.

“Uma das coisas que não não foi mencionado nas apresentações [do novo governo] é a questão do quadro Global, justamente esse novo mundo”, concorda Rubens Barbosa. “E eu acho que dependendo da evolução dos acontecimentos vai haver uma divisão do mundo real. Como é que vai ficar o Brasil? Está insinuada, mas não está claramente dita essa posição de distância do Brasil de defender os valores ocidentais.”

Outro grande desafio para o novo Itamaraty será lidar com os governos autoritários de esquerda da América Latina, como Venezuela - como as relações diplomáticas foram retomadas - e Nicarágua. “Eu diria que o encaminhamento da questão venezuelana é importante até pra esquerda brasileira e latino-americana, de poder dizer claramente que esquerda é democrática e não compactou com regimes autoritários dessa natureza”, afirma Casarões. “É um desafio difícil.”

Na primeira semana sob comando do novo chanceler Mauro Vieira, o Ministério das Relações Exteriores já inicia o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometia ser uma ruptura da política externa de Jair Bolsonaro. Segundo analistas ouvidos pelo Estadão, os primeiros dias de atuação do novo Itamaraty já demonstram um retorno à tradicional política de integração regional que marcou os primeiros dois governos Lula. No entanto, mudanças no cenário global, marcado pela guerra na Ucrânia e disputa entre Estados Unidos e China serão desafios para o novo ministério.

Assim como fez o governo anterior de sair do Pacto Global para Migração já nos primeiros dias de mandato, o Itamaraty anunciou na última terça-feira, 3, o retorno ao acordo da Organização das Nações Unidas (ONU). Dois dias depois, o país retornou à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), citando a “plena reinserção do País ao convívio internacional” em comunicado oficial.

“A política externa vai ganhar um vigor como não teve no passado”, aponta o ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, Rubens Barbosa. “Veremos uma política de diplomacia presidencial e de Meio Ambiente sendo colocadas no centro da política externa, dando prioridade para América do Sul, América Latina. Tudo isso vai dar um foco para política externa que a gente não tinha tido nesses últimos quatro anos, especialmente nos primeiros dois anos de governo Bolsonaro”.

O novo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira  Foto: Evaristo Sa/AFP

De acordo com Maria Villarreal, professora adjunta do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Unirio), há uma reorientação do Itamaraty com relação a vários temas: migração, Israel, Venezuela, Meio Ambiente e outros. “Temos um direcionamento muito claro do que vai ser a retomada da integração regional e a promoção do multilateralismo”, afirma. “Temos também mudanças relevantes dentro da própria estrutura do Itamaraty, que não é uma coisa menor, como a nomeação da Maria Laura da Rocha, como a primeira mulher secretária-geral das relações exteriores no país”.

Retorno a acordos multilaterais

Os retornos tanto ao Pacto Global para Migração quanto à Celac são vistos como naturais e necessários deste novo ministério, especialmente em um contexto em que há mais de 4 milhões de brasileiros vivendo fora do Brasil contra 1 milhão de migrantes dentro do país. “O absurdo era o Brasil não participar do acordo”, afirma Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e Conselheiro Emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

“O Brasil tem hoje milhões de emigrantes. Ele passou a ser um país muito mais de produzir migrantes do que de receber, então é claro que o Brasil tem todo o interesse neste acordo, porque é a maneira de tratamento dessas pessoas que está em jogo”, completa. O Itamaraty, então sob comando do olavista Ernesto Araújo, se retirou do acordo semanas depois de assiná-lo e já nos primeiros dias de governo em 2019, sob argumento de ferir a soberania nacional.

A consequência, aponta Maria Villarreal, veio poucos meses depois. “O Brasil tinha suspendido no passado os voos de deportação de brasileiros provenientes dos Estados Unidos, que infelizmente foi retomada durante o governo Bolsonaro em 2019″, relembra. De outubro de 2019 a novembro de 2022, mais de 7,5 mil brasileiros foram deportados sob a política facilitada entre Bolsonaro e Donald Trump - e mantida por Joe Biden. “A gente teve um governo que abdicou abertamente da defesa dos direitos dos brasileiros no exterior. E o pacto retoma isso”.

Novo Itamaraty

Sob Bolsonaro, o Itamaraty foi marcado por uma fase ideológica, com Ernesto Araújo entrando em embates diretos com parceiros estratégicos do Brasil, como a China, e se alinhando automaticamente com Donald Trump. Mas as rusgas na área ambiental, principalmente com a Europa, provocou a substituição de Araújo por Carlos França, de perfil menos ideológico e mais silencioso. Sob Mauro Vieira, segundo os analistas, a expectativa é de ruptura das duas fases, mas principalmente dos embates de Araújo.

“Mauro Vieira tem duas grandes missões e que estiveram inclusive no discurso de posse dele”, afirma o professor de Relações Internacionais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Guilherme Casarões. “A primeira é normalizar as relações do Brasil com o mundo depois de quatro anos de um isolamento sem precedente na história do País. A segunda é a liderança multilateral, cuja derrocada foi grande no governo Bolsonaro, por questões ideológicas, visões de mundo e várias outras questões”.

O ministro das relações exteriores, Mauro Vieira com o presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva Foto: Wilton Junior/Estadão

De acordo com o professor, outra dificuldade será lidar com um Itamaraty que foi esvaziado de suas funções e compreender qual será sua atuação frente a outros ministérios que ganharam espaço nas discussões internacionais, especialmente a pasta da Agricultura sob Tereza Cristina que foi muito ativa em comércio exterior, e a pasta de Direitos Humanos comandada por Damares Alves que tomou a frente em discussões nos organismos multilaterais, como a ONU.

“Vamos ver quando começarem os problemas mais difíceis”, concorda Rubens Ricupero. “Até agora não houve, até agora o trabalho foi consertar os erros anteriores que é a tarefa mais simples, que é revogar políticas e deixar de fazer bobagem. Teremos que observar o que virá depois disso.”

Um novo mundo

O erro de esperar um Itamaraty no terceiro governo Lula semelhante aos primeiros dois, de 2003 a 2010, é a transformação tanto do Brasil como do mundo. O país retorna mais fragilizado, sem conseguir se projetar como uma potência e uma das maiores economias. Ao mesmo tempo, o mundo se encontra mais polarizado, com a Rússia - um parceiro estratégico do Brasil e pária internacional - invadindo a Ucrânia, Estados Unidos em embates com a China e novos governos autoritários.

“Essa polarização não existia 20 anos atrás”, lembra Casarões. “Vale ressaltar que quando o Lula tomou posse em 2003, nem a guerra do Iraque tinha começado ainda. Era outro mundo”. Para os analistas, ainda não está claro como o Ministério de Relações Exteriores vai se comportar frente a esses novos desafios.

“Uma das coisas que não não foi mencionado nas apresentações [do novo governo] é a questão do quadro Global, justamente esse novo mundo”, concorda Rubens Barbosa. “E eu acho que dependendo da evolução dos acontecimentos vai haver uma divisão do mundo real. Como é que vai ficar o Brasil? Está insinuada, mas não está claramente dita essa posição de distância do Brasil de defender os valores ocidentais.”

Outro grande desafio para o novo Itamaraty será lidar com os governos autoritários de esquerda da América Latina, como Venezuela - como as relações diplomáticas foram retomadas - e Nicarágua. “Eu diria que o encaminhamento da questão venezuelana é importante até pra esquerda brasileira e latino-americana, de poder dizer claramente que esquerda é democrática e não compactou com regimes autoritários dessa natureza”, afirma Casarões. “É um desafio difícil.”

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