LONDRES - O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, anunciou nesta quarta-feira, 19, que encerrará na próxima semana as principais restrições contra a disseminação da covid-19 impostas para combater a variante Ômicron. Além disso, em março ele planeja encerrar o isolamento para casos positivos. A medida, porém, ocorre em meio a pressões depois que a imprensa revelou festas em sua residência oficial durante o lockdown.
A partir de quinta-feira, dia 27 de janeiro, o uso da máscara deixará de ser obrigatório, o teletrabalho não será oficialmente recomendado e o passaporte sanitário não será obrigatório para ter acesso a discotecas e a grandes aglomerações, anunciou o líder conservador no Parlamento.
“À medida que a covid se torna endêmica, temos que substituir as obrigações legais por conselhos e recomendações”, argumentou Johnson. Ele disse que não tinha intenção de estender as regras que impõem o isolamento para casos positivos de covid-19 que expira em 24 de março. Essa data poderia até ser antecipada.
A decisão vai contra o que o primeiro-ministro vinha fazendo no combate à pandemia desde que ele próprio foi infectado em 2020. Desde o fim do ano passado, o país vinha registrando números recordes de casos devido à disseminação da variante Ômicron. Os números dão sinais de queda agora, mas internações ainda preocupam e o número de óbitos foi o maior na última terça-feira, 18, do que o registrado em quase um ano.
Esse relaxamento das medidas não tem razões sanitárias, mas sim políticas. Ele ocorre em meio a um escândalo sobre festas do governo durante o confinamento, que afetou diretamente o primeiro-ministro. Johnson luta para reprimir uma revolta interna de seus próprios legisladores que estão irritados com as festas em Downing Street, o escritório e residência do primeiro-ministro.
Recusa à renunciar
O premiê disse ao Parlamento nesta quarta-feira que não renunciará. Johnson, que em 2019 conquistou o maior número de votos de seu partido em mais de 30 anos com a promessa de "Concluir o Brexit", pediu desculpas repetidamente pelas festas e disse que não sabia de muitas delas.
No entanto, ele participou do que disse que achava ser um evento de trabalho em 20 de maio de 2020, no qual os convidados foram instruídos a "trazer sua própria bebida".
"Toda semana, o primeiro-ministro oferece defesas absurdas e francamente inacreditáveis aos partidos de Downing Street, e a cada semana isso se desfaz", disse Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista de oposição, ao parlamento.
A pressão sobre o primeiro-ministro cresceu quando um parlamentar conservador desertou para o Partido Trabalhista de oposição e um ex-membro do gabinete de Johnson lhe disse: “Em nome de Deus, vá!”
A demanda do ex-ministro do Brexit, David Davis, veio durante uma combativa sessão de perguntas na Câmara dos Comuns, onde Johnson defendeu o histórico de seu governo em administrar a economia, combater o crime e a pandemia de coronavírus. Ele também tentou deixar de lado as perguntas sobre o escândalo “partygate” que ameaça sua carreira.
Johnson ignorou os pedidos de renúncia, mas sua performance foi recebida com aplausos abafados do lado conservador da Câmara dos Comuns.
Voto de desconfiança
Os legisladores conservadores estão julgando se devem abrir um voto de desconfiança contra Johnson em meio à raiva pública pelo escândalo do “partygate”. De acordo com as regras do Partido Conservador, um voto de desconfiança no líder do partido pode ser acionado se 54 parlamentares do partido escreverem cartas exigindo isso.
Até agora, apenas alguns membros conservadores do Parlamento pediram abertamente que Johnson renuncie, embora se acredite que várias dezenas tenham enviado cartas, incluindo algumas eleitas como parte de uma vitória esmagadora liderada por Johnson em dezembro de 2019.
O legislador conservador Andrew Bridgen, que está pedindo uma mudança de liderança, disse acreditar que o limite de 54 assinaturas seria atingido “esta semana”, preparando o terreno para um voto de desconfiança em poucos dias.
Se Johnson perdesse o voto de confiança entre os 359 legisladores do partido, isso desencadearia uma disputa para substituí-lo como líder conservador. O vencedor também se tornaria primeiro-ministro.
Derrubar Johnson deixaria o Reino Unido no limbo por meses, enquanto o Ocidente lida com a crise da Ucrânia e a quinta maior economia do mundo lida com a onda inflacionária desencadeada pela pandemia de covid-19, com a inflação no Reino Unido subindo para o nível mais alto em quase 30 anos.
Os principais rivais dentro do Partido Conservador incluem o Chanceler do Tesouro Rishi Sunak, 41, e a Secretária de Relações Exteriores Liz Truss, 46.
Ao menos 14 festas
Do lockdown anunciado por Johnson, no dia 23 de março de 2020, até abril do ano passado, houve pelo menos 14 festas em Downing Street, a sede do governo britânico, no coração de Londres. Uma delas aconteceu na véspera do funeral do príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth II – o premiê imediatamente pediu desculpas à família real.
Na semana passada, a imprensa britânica noticiou que, uma das festinhas, em maio de 2020, saiu do controle e adentrou a madrugada nos jardins da residência oficial. Um dos convidados, um pouco mais animado, quebrou o balanço de Wilf Johnson, filho de 1 ano do primeiro-ministro. Relatos de alguns frequentadores garantem que uma geladeira especial foi instalada na sala de imprensa para armazenar garrafas de vinho.
O futuro do premiê depende agora do resultado da investigação de Sue Gray, uma alta funcionária do gabinete responsável pelo monitoramento da ética no governo. Aos 64 anos, ela tem reputação de ser independente e fama impecável.
Johnson disse aos legisladores que o relatório de Gray seria publicado na próxima semana e instou seu partido a reter o julgamento até então. “Cabe ao inquérito apresentar uma explicação do que aconteceu”, disse.
As desculpas de Johnson - nas quais ele reconheceu "erros de julgamento", mas não quebra de regras pessoais - parecem ter enfraquecido, em vez de fortalecido, sua posição no partido. Mesmo os legisladores que apoiaram Johnson dizem que ele teria que renunciar se for descoberto que mentiu./ AP, AFP e REUTERS