BERLIM - Walter Frankenstein tinha 14 anos de idade quando um policial chegou ao orfanato judeu em que o garoto morava em Berlim, exigindo que as crianças saíssem do prédio imediatamente e alertando: “Algo ruim vai acontecer nesta noite." “Então nós soubemos: as sinagogas estavam queimando”, ele disse. “Na manhã seguinte, quando eu tinha de ir para a escola, havia vidro quebrado por todas as ruas.”
Frankenstein, agora com 94, descreveu o Kristallnacht - a “Noite dos Cristais” -, quando nazistas, e entre eles vários outros alemães comuns, aterrorizaram judeus por toda a Alemanha e Áustria em 1938. Eles mataram ao menos 91 pessoas e destruíram 7.500 lojas de judeus. Também atearam fogo a mais de 1.400 sinagogas, de acordo com o memorial sobre o Holocausto Yad Vashem, em Israel.
Mais de 30 mil homens judeus foram presos, muitos levados para campos de concentração, como de Dachau ou de Buchenwald. Centenas cometeram suicídio ou morreram como resultado do mau tratamento dos campos, anos antes das deportações em massa.
Enquanto a Alemanha relembra o 80.º aniversário dos pogroms anti-judeus nesta semana com uma série de eventos, Frankenstein retorna ao lugar onde ele testemunhou a violência quando era adolescente.
Um dos poucos sobreviventes do Holocausto, Frankenstein precisou de um andador enquanto entrava devagar em uma instalação onde antes ficava o seu orfanato. Mas a sua memória ainda é afiada e ele se lembra exatamente de como os eventos se desenrolaram.
“Umas horas depois o policial nos alertou, um grupo de homens em uniformes chegou e nos disse: ‘Vocês precisam sair agora, nós queremos atear fogo ao edifício’”, disse Frankenstein durante uma entrevista com a Associated Press nesta semana.
Não havia jeito de levar os mais jovens para um lugar seguro rapidamente, disse. Frankenstein e alguns outros garotos da casa conseguiram convencer os homens uniformizados, que eram da polícia paramilitar Sturmabteilung (SA), de que se eles incendiassem o orfanato, o fogo iria se espalhar para outros prédios.
“Em vez disso, ele foi para a nossa sinagoga e desligou a luz do santuário em frente à arca sagrada”, disse Frankenstein. “Eles não desligaram o gás depois que saíram, nós de repente sentimos o cheiro por todo o prédio.” Frankenstein e seus colegas correram para dentro da sinagoga, escancararam todas as janelas e desligaram o gás antes que houvesse uma explosão.
Noite dos Cristais
A Noite dos Cristais é lembrada como o início do Holocausto. Isso seria anos antes de os nazistas formalmente adotarem a “Solução Final” para os judeus da Europa, quando boicotes, legislação antissemita e expulsões evoluiriam para uma política de mortes em massa. No total, 6 milhões de judeus da Europa foram mortos no Holocausto.
Guy Miron, que chefia o Centro de Pesquisa sobre Holocausto na Alemanha, do memorial Yad Vashem, em Israel, disse que a Noite dos Cristais representou o fim de uma era na vida judia na Alemanha, um ponto sem retorno.
Noite dos Cristais
“Até então, os judeus ainda poderiam tentar se convencer de que a roda voltaria a girar. Depois disso, a ruptura foi completa. Eles imaginaram que acabou”, ele disse em um evento no Yad Vashem nesta semana. “Antes da Noite dos Cristais, as pessoas imigravam. Depois disso, fugiam.”
Sob uma velha árvore de álamo perdendo suas folhas amareladas, Frankenstein fitou uma parede de tijolos vermelhos - a única remanescente do orfanato no bairro de Prenzlauer Berg. A construção foi seriamente destruída durante os ataques aéreos da 2.ª Guerra Mundial em 1943. As ruínas foram demolidas na década de 1950.
Essa parte se tornou um memorial para os judeus órfãos que não sobreviveram ao Holocausto e traz 140 nomes e idades de crianças escritos nas paredes. A mais jovem, Cilla Fuks, tinha dez meses de idade quando foi morta.
Frankenstein foi um dos poucos que sobreviveram. Em 1943, ele se escondeu com a sua mulher Leonie, que conheceu no orfanato, quando os nazistas deportaram milhares de judeus de Berlim para Auschwitz. “Nós prometemos a nós mesmos não fazer o que Hitler queria”, disse. “Então nós nos escondemos.”
Juntos do filho recém-nascido, Uri, o casal passou 25 meses escondidos em Berlim. Um segundo filho, Michael, nasceu em 1944, durante o refúgio. Em 1945, depois do colapso do Terceiro Reich nazista, a familia imigrou para o que ainda era a Palestina. Onze anos depois, em 1956, eles se mudaram de Israel para a Suécia, onde ficaram de vez.
Walter retorna para a Alemanha diversas vezes por ano. Ele frequentemente fala com crianças nas escolas sobre a sua vida. Na sexta-feira, 9, no aniversário de 80 anos da Noite dos Cristais, ele será homenageado em uma cerimônia pela ministra da Cultura alemã, Monika Gruetters. Em 2014, ele recebeu a maior honra civil do país, a Medalha Federal de Mérito.
Toda vez que Frankenstein viaja para Berlim, ele leva uma pequena maleta azul com a medalha. Dentro, ele colocou a primeira “marca” que ganhou dos alemães: a Estrela Amarela, ou a Estrela de Davi, que ele teve de usar durante o governo nazista para ser identificado como judeu.
Em memória dos 80 anos da Noite dos Cristais ou Kristallnacht (em alemão) - ataque violento indiscriminado contra a população judaica da Alemanha e da Áustria, chamado assimem referência às vidraças, janelas e vitrines destruídas pelas tropas de choque nazistas, em 9 de novembro de 1938 -o Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto recordará o acontecimento no dia 12 de novembro (segunda-feira), às 19h, com a presença da comunidade judaica, sobreviventes do Holocausto, autoridades civis e religiosas. No evento, será exibido um filme original sobre a “Noite dos Cristais” e serão lançados o Volume 3 e 4 da coleção “Vozes do Holocausto”, com mais de 300 relatos. Também será lançado o álbum fotográfico “Sobreviventes do Holocausto". / AP