A cidade de Springfield, no estado americano de Ohio, que foi mencionada por Donald Trump e JD Vance durante a campanha presidencial com alegações falsas e ultrajantes sobre imigrantes haitianos, processou um grupo neonazista que ajudou a atrair a atenção nacional para a pequena cidade.
A ação judicial, apresentada na quinta-feira, 6, no tribunal federal, foi movida pelo prefeito, Rob Rue, junto com vários comissários da cidade e residentes de Springfield. O processo afirma que o Blood Tribe, um grupo neonazista com quatro anos de existência, iniciou uma campanha de intimidação focada em imigrantes haitianos na cidade. A campanha culminou no verão passado em “uma torrente de conduta odiosa, incluindo atos de assédio, ameaças de bomba e ameaças de morte” contra moradores que falaram em apoio aos residentes haitianos.
Os demandantes citam o Ku Klux Klan Act de 1871, que torna crime negar os direitos civis de indivíduos, e acusam o Blood Tribe de intimidação étnica e incitação à violência. Com o apoio jurídico da Liga Anti-Difamação, os demandantes estão buscando danos punitivos e compensação pelos milhares de dólares gastos com segurança extra à medida que a campanha do Blood Tribe se desenrolava.
O processo não menciona Trump, que afirmou falsamente em um debate presidencial em setembro de 2024 que imigrantes haitianos em Springfield estavam comendo cães e gatos, nem Vance, que instou seus “companheiros patriotas” a “continuar espalhando os memes de gatos”. No entanto, o processo afirma que Christopher Pohlhaus, o líder do Blood Tribe, “com prazer assumiu a responsabilidade pela crescente notoriedade” das alegações falsas sobre haitianos na cidade, “se gabando nas redes sociais de que o Blood Tribe tinha “dado a Springfield conhecimento público”.
O processo não nomeou um advogado para Pohlhaus, que não pôde ser contatado para comentar.
Nos últimos anos, entre 10 mil e 20 mil haitianos chegaram a Springfield, uma cidade de cerca de 60 mil habitantes no sudoeste de Ohio, atraídos pelas grandes necessidades de trabalho das empresas de armazéns e manufatura da região. Embora “a grande maioria” dos haitianos esteja no país legalmente e tenha sido “bem-vinda” pela cidade, o processo afirma que a chegada de tantos imigrantes em tão pouco tempo trouxe uma série de desafios, colocando uma demanda séria nos hospitais, escolas e moradias locais.
Em postagens em suas contas de mídia social em julho passado, o Blood Tribe chamou a chegada de um grande número de haitianos de “ato de guerra demográfica”, que “causou uma pressão significativa sobre os bons moradores brancos da cidade”. O processo acusa os membros do Blood Tribe, que estavam mascarados, armados e ostentando suásticas, de se reunirem em um festival de jazz local e depois em frente à casa do prefeito. Acrescenta que o grupo espalhou informações de pessoas que apoiaram a comunidade haitiana, em alguns casos colocando endereços de residências em sites que atraíam homens em busca de drogas ou sexo.
No início de setembro, no auge da campanha do Blood Tribe, uma mulher em Springfield escreveu uma postagem nas redes sociais alegando falsamente que os haitianos em Springfield estavam matando gatos. A postagem viralizou e, em 9 de setembro, JD Vance, na época senador dos EUA, citou as alegações nas redes sociais. Trump as repetiu no debate presidencial no dia seguinte.
À época, pelo menos 33 ameaças de bomba foram feitas por telefone ou e-mail contra hospitais, escolas, residências privadas e uma série de negócios em Springfield, causando várias evacuações, diz a ação judicial. O processo atribui muitas dessas ameaças a “membros e associados” do Blood Tribe, e inclui sete réus não identificados que são acusados de fazer ameaças específicas.
De acordo com um estatuto estadual que permite que cidadãos privados apresentem acusações criminais, a Haitian Bridge Alliance, um grupo de defesa, apresentou acusações no tribunal do condado contra Vance e Trump em setembro. O grupo afirmou que, ao repetir falsidades conhecidas sobre os haitianos em Springfield, os dois haviam cometido vários crimes, incluindo perturbação de serviços públicos, indução ao pânico e ameaça. Os juízes do condado encaminharam o caso para o promotor do condado, que não emitiu um mandado de prisão.
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Subodh Chandra, advogado que representa a Haitian Bridge Alliance, afirmou que, embora a ação movida na quinta-feira fosse apropriada, ela era, em última instância, incompleta, pois não menciona Trump nem Vance. “Ninguém pode razoavelmente questionar que Trump e Vance desempenharam o maior papel na causa dos danos infligidos ao governo de Springfield, aos residentes e à comunidade haitiana”, disse Chandra.
Em uma aparição na CNN em setembro, Vance rebateu críticas semelhantes. “Não há nada do que eu tenha dito que tenha levado a ameaças contra esses hospitais”, afirmou. Sobre as alegações falsas de que imigrantes haitianos estavam comendo gatos, Vance disse: “Se eu tiver que criar histórias para que a mídia americana realmente preste atenção ao sofrimento do povo americano, então é isso que eu farei”.
Há amplo apoio dentro dos grupos extremistas de direita aos objetivos da administração Trump de deportação em massa, mesmo que muitos ainda permaneçam profundamente desconfiados do governo, disse Joshua Fisher-Birch, pesquisador do Counter Extremism Project, um think tank com escritórios em Nova York e Berlim. Mas, mesmo dentro do universo dos grupos radicais, o Blood Tribe se destaca, afirmou.
“O Blood Tribe é incrivelmente confrontacional”, disse ele, apontando que um dos outros eventos extremistas proeminentes nos últimos meses — uma marcha neonazista em Columbus, Ohio, em novembro — foi organizada por um ex-membro que se tornou rival do Blood Tribe./The New York Times