A Suécia sinalizou nesta sexta-feira, 13, que deve seguir o exemplo da Finlândia e solicitar formalmente a adesão à Otan, após o governo liderado pela primeira-ministra Magdalena Andersson apresentar um um relatório estratégico ao Parlamento indicando o ingresso do país no bloco.
A manifestação de Estocolmo vêm um dia depois de Helsinque sinalizar a formalização do pedido de adesão à aliança, encerrando mais de 200 anos de neutralidade e não alinhamento militar. O caminho até a entrada de fato no bloco, no entanto, ainda depende de processos legislativos nos dois países e da aceitação dos países-membros da Otan, que devem acatar a solicitação em seus próprios parlamentos -- algo que parecia ponto pacífico até esta sexta-feira, quando o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, se disse contrário ao ingresso dos nórdicos, o que pode representar um importante entrave no processo.
Em uma coletiva de imprensa após a entrega do relatório no Parlamento, a ministra das Relações Exteriores da Suécia, Ann Linde, afirmou que a entrada na Otan ajudaria a estabilizar o país, além de beneficiar outras nações ao redor do Mar Báltico.
“A adesão da Suécia à Otan aumentaria o limite para conflitos militares e, portanto, teria um efeito de prevenção de conflitos no norte da Europa”, disse Linde a repórteres.
De acordo com o documento elaborado pelo governo e por partidos no Parlamento, apresentado antes da decisão final sobre o pedido de ingresso -- que, segundo a agência Reuters, pode ser tomada na segunda-feira --, a participação na aliança militar elevaria “o limiar (de deflagração) dos conflitos militares” da Suécia e teria um efeito dissuasivo.
O governo sueco informou relatório não constitui uma recomendação para aderir à Otan. Apesar disso, os únicos partidos que não apoiaram as conclusões do relatório foram os Verdes e A Esquerda.
Caso a decisão se confirme, o país romperá com uma tradição de quase 200 anos de neutralidade e não alinhamento militar. “O não alinhamento militar nos serviu bem, mas estamos em uma nova situação agora”, acrescentou Linde.
A aproximação de um pedido formal de ingresso na aliança militar revela uma grande mudança de percepção entre autoridades suecas e também entre a população. Em 8 de março, a premiê social-democrata Magdalena Andersson descartou uma adesão ao bloco mesmo após a invasão da Ucrânia -- o que mudou em meados de abril.
“Há um antes e depois de 24 de fevereiro, o cenário de segurança mudou completamente”, disse ela.
A opinião pública no país também caminhou no mesmo sentido. Pesquisas apontar que 52% da população se diz a favor da adesão à Otan, especialmente se a Finlândia também aderir -- um patamar muito superior aos 27% registrados no período pré-guerra.
Em entrevista ao Estadão na quinta-feira, 12, logo após o anúncio da Finlândia sobre a entrada no bloco, o analista político Oliver Stuenkel destacou a demanda popular como um importante fator para entender o rompimento dos países nórdicos com a posição histórica de neutralidade de ambos, apontando que a decisão gera garantias e obrigações ao mesmo tempo.
“Para a Finlândia e a Suécia, a adesão à Otan não era vista como necessária antes da guerra, porque a Rússia não era entendida como uma ameaça próxima. Esse cálculo mudou, e há para os dois um ganho estratégico, porque passam a não depender mais da sua própria capacidade de proteção, assumindo que as candidaturas serão aceitas, mas também traz obrigações, porque ficarão obrigados a participar da defesa conjunta do bloco”, explicou o coordenador do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da FGV-SP.
Tanto no relatório apresentado pelo governo ao Parlamento sueco nesta sexta, intitulado “Deterioração do ambiente de segurança – implicações para a Suécia”, quanto nas falas da chanceler, fica expressa essa mudança de cálculo. O documento conclui que “se a Suécia e a Finlândia fossem membros da Otan, todos os países nórdicos e bálticos seriam cobertos por garantias de defesa coletiva”.
“A incerteza atual sobre que forma a ação coletiva tomaria se ocorresse uma crise de segurança ou um ataque armado diminuiria”, disse Linde.
Resistência à aliança nórdica
A crítica ao rearranjo de segurança envolvendo os países nórdicos ultrapassou os muros do Kremlin nesta sexta-feira, ressoando dentro dos limites da aliança ocidental, quando o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, se disse contra a entrada de Finlândia e Suécia na Otan, acusando os países escandinavos de dar abrigo a militantes curdos, considerados terroristas por Ancara.
“Não temos uma opinião positiva. Os países escandinavos são como uma casa de hóspedes para organizações terroristas”, disse Erdogan a repórteres, citando o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado um grupo terrorista pela Turquia.
A oposição turca, primeira manifestação contrária de um país-membro da Otan, pode representar um obstáculo importante para os países, uma vez que a ratificação de um pedido de adesão deve ser aprovado pelos parlamentos de todos os 30 países do bloco.
De acordo com Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM, o objetivo específico de Erdogan em se opor publicamente ao ingresso dos países nórdicos no bloco não tem relação com a questão curda, sendo endereçada diretamente aos EUA e à União Europeia.
“A Turquia tem esse poder (de vetar o ingresso), e o presidente vai jogar com isso para ganhar alguns benefícios da Europa e dos EUA. Ele não está fazendo isso só por causa dos curdos ou porque a Rússia é um grande parceiro comercial. Ele está vendo um momento estratégico para conseguir benefícios em um momento em que a Europa e os Estados Unidos estão apertando a Turquia por uma série de questões”, explicou.
Ann Linde disse que a Suécia espera, de todo modo, obter apoio unânime da Otan caso se confirme o pedido de adesão, e que os dois países nórdicos têm “apoio muito, muito forte” de importantes Estados-membros com os quais a Turquia tem interesse em manter boas relações. Ela acrescentou que discutiria a situação em uma reunião informal dos ministros das Relações Exteriores da Otan em Berlim no fim de semana, para a qual a Suécia e a Finlândia foram convidadas.
O ministro das Relações Exteriores da Finlândia, Pekka Haavisto, pediu paciência e uma abordagem passo a passo após a reação turca.
“Precisamos de um pouco de paciência neste tipo de processo, não vai acontecer em um dia... Vamos analisar as questões passo a passo”, disse Haavisto a repórteres, acrescentando que também participará da reunião dos ministros no fim de semana.
A principal diplomata dos Estados Unidos para a Europa, Karen Donfried, confirmou que os EUA planejam discutir a questão com a Turquia em Berlim. “Em termos dos comentários que o presidente Erdogan fez, estamos trabalhando para esclarecer a posição da Turquia”, disse a secretária assistente para a Europa e Assuntos Eurasianos do Departamento de Estado.
Antes da declaração de Erdogan, a crítica à aproximação dos nórdicos e do Ocidente se restringia a Moscou.
Mesmo antes da invasão da Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, havia alertado a Suécia e a Finlândia sobre a possibilidade de “retaliação” caso os países se juntassem à Otan, ameaçando com “sérias consequências políticas e militares”.
A retórica russa foi ampliada na quinta-feira, após a indicação da Finlândia de adesão ao bloco militar ocidental. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov afirmou que Moscou pode tomar novas medidas para “equilibrar a situação” caso a adesão finlandesa se confirmasse, enquanto o ex-presidente e vice-presidente do Conselho de Segurança russo, Dmitri Medvedev, afirmou que um conflito com a Otan sempre traz o risco de se transformar em uma guerra nuclear completa.
Desde o início da crise e depois da invasão russa da Ucrânia, a Turquia tem feito o possível para manter boas relações com Moscou e Kiev, com quem tem laços econômicos vitais./ Com WPOST, AFP, NYT e REUTERS