Sugestão de Lula para nova eleição na Venezuela é inviável e problemática, dizem analistas


Rejeitada tanto pela oposição quanto pelo chavismo, proposta esbarra na lei eleitoral venezuelana e na recente escalada de repressão do regime em que muitos opositores foram presos

Por Carolina Marins

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou primeira vez abertamente nesta quinta-feira, 15, sobre a ideia de convocar novas eleições na Venezuela, em uma espécie de “segundo turno” entre o ditador Nicolás Maduro e o opositor Edmundo González Urrutia. Ambos reivindicam a vitória, mas só o último apresentou mais de 80% das atas que corroborariam os resultados. A proposta, porém, chega em um contexto em que o chavismo apertou a repressão contra opositores, com muitos já presos e outros escondidos.

A proposta, avaliam analistas ouvidos pelo Estadão, já nasceu problemática, uma vez que ambas as partes rejeitam ir um novo pleito. Esta ainda não é uma proposição formal do Brasil e há poucos detalhes de como uma nova eleição seria feita. O primeiro pleito já ocorreu sob um clima de suspeição e sem respeitar as regras eleitorais desde o princípio - com a inabilitação de candidatos competitivos, exclusão de eleitores e, finalmente, a não publicação das atas.

“Certamente é uma abordagem que desconhece a natureza institucional de uma ditadura que se consolidou ao longo de anos e que tem um sistema eleitoral viciado em uma série de condições que muito dificilmente se possam reparar em uma repetição eleitoral”, afirma o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco, apresentador do podcast Mirada Semanal.

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“Se as eleições forem repetidas perante a comunidade internacional, tem que se dizer um porquê, ante o qual o governo sim ou sim terá que dar uma resposta. Por quê? Porque houve uma fraude? Vai dizer que foi o suposto hackeamento, que já foi dito de forma sustentada principalmente pelo centro Carter que não é crível?”, completa.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro Foto: Matias Delacroix/AP

Rejeitado por ambos

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Depois que Lula afirmou em entrevista que “se Maduro tiver bom senso” chamaria novas eleições, a líder opositora María Corina Machada afirmou que a proposta era uma “falta de respeito” com o povo venezuelano. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos”, disse. “As eleições já ocorreram”.

Para a oposição, a ideia de “segundo turno”, que não é previsto na lei eleitoral venezuelana, seria o mesmo que ignorar o pleito de 28 de julho que teria dado ampla vitória para González Urrutia de acordo com 25 mil cópias de atas eleitorais (83% do total) disponibilizadas na internet. O chavismo, porém, diz que Maduro recebeu 52% dos votos contra 44% de González Urrutia, sem nunca ter apresentado as atas originais.

“Alguns propuseram realizar novas eleições e nós acreditamos que esse não é o caminho porque realizar novas eleições implica desconhecer um processo válido”, afirmou Perkins Rocha, porta-voz do Comando com Venezuela, coalizão de campanha liderada por María Corina Machado, em entrevista ao Estadão realizada antes que fosse revelado as movimentações dentro do governo brasileiro.

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Se fosse um processo inválido ou nulo, tudo bem, vamos a outro processo, mas quando foi tudo válido e eficaz. As atas são absolutamente indubitáveis, documentos perfeitamente auditáveis. Não acreditamos que o caminho seja outras eleições, mas sim respeitar os resultados desse dia 28 de julho.

Perkins Rocha, porta-voz da coalizão opositora Comando com Venezuela

O chavismo, por meio de seu número 2 Diosdado Cabello, também rejeitou a proposta hoje, a qual chamou de estupidez. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los”.

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Para justificar o atraso na divulgação do boletim com resultado - que apontava a vitória de Maduro - e depois a não divulgação das atas é um suposto hackeamento do sistema do Conselho Nacional Eleitoral do qual o chavismo acusa María Corina Machado e Edmundo González Urrutia de ter promovido. Pela acusação foi pedida uma investigação contra os dois no Ministério Público, controlado pelo chavista Tarek William Saab.

Parece que o esforço é repetir essas eleições o quanto for necessário até que Nicolás Maduro seja eleito.

Xavier Rodríguez-Franco, analista político venezuelano

A afirmação também foi feita nesta quinta por María Corina durante entrevista coletiva a jornalistas estrangeiros. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse.

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“Todos sabemos que o problema não foi a não realização de eleições, o problema é o que veio no contexto do pleito e depois do pleito”, afirma o professor da UERJ Paulo Velasco. “Novas eleições é uma solução que desagrada a ambos os lados. É o tipo da medida que compromete o papel do Brasil como mediador, que deveria buscar construir confiança com ambos os lados.”

Segundo Velasco, já que não existe um segundo turno na lei eleitoral venezuelana, o pleito teria de ser inteiramente refeito, incluindo candidatos que foram inabilitados, como María Corina e outros.

“Essas eleições foram marcadas por uma falta de simetria brutal em termos de recursos. Maduro com uma disponibilidade quase que infinita de recursos, gastando o que não podia no país ainda em crise; e a oposição com dificuldade enorme, praticamente não aparecendo em cartazes, realizando uma coisa quase caseira para arrecadar fundos e recursos. Para refazer isso em uma nova eleição em alguns meses seria um desafio imenso, quase que inviável para a oposição do país”, continua o professor.

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A líder da oposição María Corina Machado durante protesto em Caracas em 3 de agosto Foto: Matias Delacroix/AP

Rodríguez-Franco questiona as garantias que o governo brasileiro teria de que um novo pleito seria realizado de forma livre e justa e não uma repetição do que ocorreu antes e depois de 28 de julho. “Parece-me muito lamentável que o Brasil, o México e a Colômbia, que vivenciam de perto o drama venezuelano e que têm chancelarias com pessoal diplomático profissional de alto nível, que estão muito bem informados sobre todos os detalhes que ocorreram na Venezuela nos últimos 25 anos, simplesmente não tenham mais a oferecer como proposta”, diz.

O México, porém, já deu alguns passos atrás na participação do país na iniciativa diplomática ao lado de Brasil e Colômbia. O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador disse que não pretende atender a uma ligação da oposição e está esperando uma resolução do tribunal venezuelano, controlado pelo chavismo. Hoje, López Obrador disse não achar prudente convocar novas eleições.

Repressão

Os analistas também se questionam como que um novo pleito poderia ser feito em um contexto em que mais de 1300 pessoas já foram presas desde 28 de julho, segundo contabilizou a organização Foro Penal. Números do chavismo, porém, já ultrapassam 2000. Outras 23 pessoas morreram e centenas ficaram feridas durante manifestações ou episódios de violência envolvendo os chamados “coletivos” - espécie de paramilitarismo chavista.

Nas suas redes sociais, a líder María Corina denuncia que membros da oposição e venezuelanos comuns tem tido medo de sair às ruas desde a escalada de repressão. Ela própria, bem como González Urrutia, não tem sido vistos em público por “temerem pela própria vida”, segundo a líder escreveu no Wall Street Journal.

“Há mais pessoas presas, há mais pessoas perseguidas, há mais pessoas mortas do que atas publicadas, então isso já fala de uma natureza violenta muito evidente que dificilmente vai ser resolvida com novas eleições”, afirma Rodríguez-Franco.

“Que garantias se tem de se voltar a enfrentar em condições eleitorais tão adversas, ou seja, quem garante a vida das pessoas? É como repetir um evento onde já houve mortos. Há pessoas fugindo do país, há pessoas se escondendo em casa, mudando a identidade até no Twitter, mudando até seu número de telefone. Em um estado de pânico, é moralmente insustentável uma repetição eleitoral”, continua.

Venezuelanos fazem uma vigila convocada pela oposição para pedir a libertação de prisioneiros políticos em 8 de agosto Foto: Yuri Cortez/AFP

O tempo prejudica a oposição

Uma hipótese que foi aventada pelo ex-presidente da Colômbia Ivan Duque é de que o chavismo estaria apostando todas as suas fichas de que o tempo fará a comunidade internacional e sua própria população esquecerem as irregularidade do processo eleitoral anterior. A estratégia não seria nova, já que Maduro utilizou em outros momentos de crise, como quando diversos países reconheceram Juan Guiadó como presidente do país e anos depois voltaram atrás em meio a guerra na Ucrânia.

“O tempo joga um pouco a favor do chavismo”, afirma Rafael Villa, venezuelano e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP. “Pode haver essa estratégia de tender que as pessoas vão esquecer a fazer com que a fraude se transforme numa questão de fato, de maneira quase politicamente inercial. Inercialmente se faz de conta que Maduro ganhou a eleição”.

“Essa opção daria até ao chavismo de alguma maneira uma saída diante da fraude realizada em que eles argumentam que as atas foram hackeadas. Uma nova eleição seria mais oportuna para poder deslegitimar quem aponta que o governo fraudou a eleição”, continua. Mas o próprio professor observa que muito dificilmente a fraude seria esquecida frente a uma forte resposta popular e com diversos países pressionando pela divulgação das atas.

É o que também argumenta o analista e colunista do Estadão Andrés Oppenheimer em sua última coluna. “O plano de Maduro para tentar ganhar tempo e esperar que a sua fraude eleitoral seja esquecida pelo restante do mundo está fracassando. Sua fraude eleitoral é tão grosseira e a perspectiva de um novo êxodo de milhões de venezuelanos é tão real que América Latina, Europa e Washington provavelmente manterão a pressão por uma transição democrática na Venezuela”, escreveu.

“A mobilização contra a fraude cometida pelo governo Maduro vai continuar, porque são sociais. Essas pressões internacionais vão continuar independentemente de se passarem quatro, cinco, seis meses ou mais”, concorda Villa.

Já para o professor da UERJ, realizar um novo pleito poderia provocar uma desmobilização da oposição. “O que a gente viu foi uma mobilização que há muito tempo não se via na Venezuela em torno da liderança de María Corina. Seria difícil, em um país onde o voto não é obrigatório, convencer todo mundo a sair de casa para votar de novo, porque o que que garantiria a esses eleitores que dessa vez as eleições seriam sempre respeitadas?”.

Outro fator seria se a oposição conseguiria repetir o feito inédito se ir novamente unida a um novo pleito depois de anos de brigas internas e fragmentação.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou primeira vez abertamente nesta quinta-feira, 15, sobre a ideia de convocar novas eleições na Venezuela, em uma espécie de “segundo turno” entre o ditador Nicolás Maduro e o opositor Edmundo González Urrutia. Ambos reivindicam a vitória, mas só o último apresentou mais de 80% das atas que corroborariam os resultados. A proposta, porém, chega em um contexto em que o chavismo apertou a repressão contra opositores, com muitos já presos e outros escondidos.

A proposta, avaliam analistas ouvidos pelo Estadão, já nasceu problemática, uma vez que ambas as partes rejeitam ir um novo pleito. Esta ainda não é uma proposição formal do Brasil e há poucos detalhes de como uma nova eleição seria feita. O primeiro pleito já ocorreu sob um clima de suspeição e sem respeitar as regras eleitorais desde o princípio - com a inabilitação de candidatos competitivos, exclusão de eleitores e, finalmente, a não publicação das atas.

“Certamente é uma abordagem que desconhece a natureza institucional de uma ditadura que se consolidou ao longo de anos e que tem um sistema eleitoral viciado em uma série de condições que muito dificilmente se possam reparar em uma repetição eleitoral”, afirma o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco, apresentador do podcast Mirada Semanal.

“Se as eleições forem repetidas perante a comunidade internacional, tem que se dizer um porquê, ante o qual o governo sim ou sim terá que dar uma resposta. Por quê? Porque houve uma fraude? Vai dizer que foi o suposto hackeamento, que já foi dito de forma sustentada principalmente pelo centro Carter que não é crível?”, completa.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro Foto: Matias Delacroix/AP

Rejeitado por ambos

Depois que Lula afirmou em entrevista que “se Maduro tiver bom senso” chamaria novas eleições, a líder opositora María Corina Machada afirmou que a proposta era uma “falta de respeito” com o povo venezuelano. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos”, disse. “As eleições já ocorreram”.

Para a oposição, a ideia de “segundo turno”, que não é previsto na lei eleitoral venezuelana, seria o mesmo que ignorar o pleito de 28 de julho que teria dado ampla vitória para González Urrutia de acordo com 25 mil cópias de atas eleitorais (83% do total) disponibilizadas na internet. O chavismo, porém, diz que Maduro recebeu 52% dos votos contra 44% de González Urrutia, sem nunca ter apresentado as atas originais.

“Alguns propuseram realizar novas eleições e nós acreditamos que esse não é o caminho porque realizar novas eleições implica desconhecer um processo válido”, afirmou Perkins Rocha, porta-voz do Comando com Venezuela, coalizão de campanha liderada por María Corina Machado, em entrevista ao Estadão realizada antes que fosse revelado as movimentações dentro do governo brasileiro.

Se fosse um processo inválido ou nulo, tudo bem, vamos a outro processo, mas quando foi tudo válido e eficaz. As atas são absolutamente indubitáveis, documentos perfeitamente auditáveis. Não acreditamos que o caminho seja outras eleições, mas sim respeitar os resultados desse dia 28 de julho.

Perkins Rocha, porta-voz da coalizão opositora Comando com Venezuela

O chavismo, por meio de seu número 2 Diosdado Cabello, também rejeitou a proposta hoje, a qual chamou de estupidez. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los”.

Para justificar o atraso na divulgação do boletim com resultado - que apontava a vitória de Maduro - e depois a não divulgação das atas é um suposto hackeamento do sistema do Conselho Nacional Eleitoral do qual o chavismo acusa María Corina Machado e Edmundo González Urrutia de ter promovido. Pela acusação foi pedida uma investigação contra os dois no Ministério Público, controlado pelo chavista Tarek William Saab.

Parece que o esforço é repetir essas eleições o quanto for necessário até que Nicolás Maduro seja eleito.

Xavier Rodríguez-Franco, analista político venezuelano

A afirmação também foi feita nesta quinta por María Corina durante entrevista coletiva a jornalistas estrangeiros. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse.

“Todos sabemos que o problema não foi a não realização de eleições, o problema é o que veio no contexto do pleito e depois do pleito”, afirma o professor da UERJ Paulo Velasco. “Novas eleições é uma solução que desagrada a ambos os lados. É o tipo da medida que compromete o papel do Brasil como mediador, que deveria buscar construir confiança com ambos os lados.”

Segundo Velasco, já que não existe um segundo turno na lei eleitoral venezuelana, o pleito teria de ser inteiramente refeito, incluindo candidatos que foram inabilitados, como María Corina e outros.

“Essas eleições foram marcadas por uma falta de simetria brutal em termos de recursos. Maduro com uma disponibilidade quase que infinita de recursos, gastando o que não podia no país ainda em crise; e a oposição com dificuldade enorme, praticamente não aparecendo em cartazes, realizando uma coisa quase caseira para arrecadar fundos e recursos. Para refazer isso em uma nova eleição em alguns meses seria um desafio imenso, quase que inviável para a oposição do país”, continua o professor.

A líder da oposição María Corina Machado durante protesto em Caracas em 3 de agosto Foto: Matias Delacroix/AP

Rodríguez-Franco questiona as garantias que o governo brasileiro teria de que um novo pleito seria realizado de forma livre e justa e não uma repetição do que ocorreu antes e depois de 28 de julho. “Parece-me muito lamentável que o Brasil, o México e a Colômbia, que vivenciam de perto o drama venezuelano e que têm chancelarias com pessoal diplomático profissional de alto nível, que estão muito bem informados sobre todos os detalhes que ocorreram na Venezuela nos últimos 25 anos, simplesmente não tenham mais a oferecer como proposta”, diz.

O México, porém, já deu alguns passos atrás na participação do país na iniciativa diplomática ao lado de Brasil e Colômbia. O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador disse que não pretende atender a uma ligação da oposição e está esperando uma resolução do tribunal venezuelano, controlado pelo chavismo. Hoje, López Obrador disse não achar prudente convocar novas eleições.

Repressão

Os analistas também se questionam como que um novo pleito poderia ser feito em um contexto em que mais de 1300 pessoas já foram presas desde 28 de julho, segundo contabilizou a organização Foro Penal. Números do chavismo, porém, já ultrapassam 2000. Outras 23 pessoas morreram e centenas ficaram feridas durante manifestações ou episódios de violência envolvendo os chamados “coletivos” - espécie de paramilitarismo chavista.

Nas suas redes sociais, a líder María Corina denuncia que membros da oposição e venezuelanos comuns tem tido medo de sair às ruas desde a escalada de repressão. Ela própria, bem como González Urrutia, não tem sido vistos em público por “temerem pela própria vida”, segundo a líder escreveu no Wall Street Journal.

“Há mais pessoas presas, há mais pessoas perseguidas, há mais pessoas mortas do que atas publicadas, então isso já fala de uma natureza violenta muito evidente que dificilmente vai ser resolvida com novas eleições”, afirma Rodríguez-Franco.

“Que garantias se tem de se voltar a enfrentar em condições eleitorais tão adversas, ou seja, quem garante a vida das pessoas? É como repetir um evento onde já houve mortos. Há pessoas fugindo do país, há pessoas se escondendo em casa, mudando a identidade até no Twitter, mudando até seu número de telefone. Em um estado de pânico, é moralmente insustentável uma repetição eleitoral”, continua.

Venezuelanos fazem uma vigila convocada pela oposição para pedir a libertação de prisioneiros políticos em 8 de agosto Foto: Yuri Cortez/AFP

O tempo prejudica a oposição

Uma hipótese que foi aventada pelo ex-presidente da Colômbia Ivan Duque é de que o chavismo estaria apostando todas as suas fichas de que o tempo fará a comunidade internacional e sua própria população esquecerem as irregularidade do processo eleitoral anterior. A estratégia não seria nova, já que Maduro utilizou em outros momentos de crise, como quando diversos países reconheceram Juan Guiadó como presidente do país e anos depois voltaram atrás em meio a guerra na Ucrânia.

“O tempo joga um pouco a favor do chavismo”, afirma Rafael Villa, venezuelano e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP. “Pode haver essa estratégia de tender que as pessoas vão esquecer a fazer com que a fraude se transforme numa questão de fato, de maneira quase politicamente inercial. Inercialmente se faz de conta que Maduro ganhou a eleição”.

“Essa opção daria até ao chavismo de alguma maneira uma saída diante da fraude realizada em que eles argumentam que as atas foram hackeadas. Uma nova eleição seria mais oportuna para poder deslegitimar quem aponta que o governo fraudou a eleição”, continua. Mas o próprio professor observa que muito dificilmente a fraude seria esquecida frente a uma forte resposta popular e com diversos países pressionando pela divulgação das atas.

É o que também argumenta o analista e colunista do Estadão Andrés Oppenheimer em sua última coluna. “O plano de Maduro para tentar ganhar tempo e esperar que a sua fraude eleitoral seja esquecida pelo restante do mundo está fracassando. Sua fraude eleitoral é tão grosseira e a perspectiva de um novo êxodo de milhões de venezuelanos é tão real que América Latina, Europa e Washington provavelmente manterão a pressão por uma transição democrática na Venezuela”, escreveu.

“A mobilização contra a fraude cometida pelo governo Maduro vai continuar, porque são sociais. Essas pressões internacionais vão continuar independentemente de se passarem quatro, cinco, seis meses ou mais”, concorda Villa.

Já para o professor da UERJ, realizar um novo pleito poderia provocar uma desmobilização da oposição. “O que a gente viu foi uma mobilização que há muito tempo não se via na Venezuela em torno da liderança de María Corina. Seria difícil, em um país onde o voto não é obrigatório, convencer todo mundo a sair de casa para votar de novo, porque o que que garantiria a esses eleitores que dessa vez as eleições seriam sempre respeitadas?”.

Outro fator seria se a oposição conseguiria repetir o feito inédito se ir novamente unida a um novo pleito depois de anos de brigas internas e fragmentação.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou primeira vez abertamente nesta quinta-feira, 15, sobre a ideia de convocar novas eleições na Venezuela, em uma espécie de “segundo turno” entre o ditador Nicolás Maduro e o opositor Edmundo González Urrutia. Ambos reivindicam a vitória, mas só o último apresentou mais de 80% das atas que corroborariam os resultados. A proposta, porém, chega em um contexto em que o chavismo apertou a repressão contra opositores, com muitos já presos e outros escondidos.

A proposta, avaliam analistas ouvidos pelo Estadão, já nasceu problemática, uma vez que ambas as partes rejeitam ir um novo pleito. Esta ainda não é uma proposição formal do Brasil e há poucos detalhes de como uma nova eleição seria feita. O primeiro pleito já ocorreu sob um clima de suspeição e sem respeitar as regras eleitorais desde o princípio - com a inabilitação de candidatos competitivos, exclusão de eleitores e, finalmente, a não publicação das atas.

“Certamente é uma abordagem que desconhece a natureza institucional de uma ditadura que se consolidou ao longo de anos e que tem um sistema eleitoral viciado em uma série de condições que muito dificilmente se possam reparar em uma repetição eleitoral”, afirma o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco, apresentador do podcast Mirada Semanal.

“Se as eleições forem repetidas perante a comunidade internacional, tem que se dizer um porquê, ante o qual o governo sim ou sim terá que dar uma resposta. Por quê? Porque houve uma fraude? Vai dizer que foi o suposto hackeamento, que já foi dito de forma sustentada principalmente pelo centro Carter que não é crível?”, completa.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro Foto: Matias Delacroix/AP

Rejeitado por ambos

Depois que Lula afirmou em entrevista que “se Maduro tiver bom senso” chamaria novas eleições, a líder opositora María Corina Machada afirmou que a proposta era uma “falta de respeito” com o povo venezuelano. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos”, disse. “As eleições já ocorreram”.

Para a oposição, a ideia de “segundo turno”, que não é previsto na lei eleitoral venezuelana, seria o mesmo que ignorar o pleito de 28 de julho que teria dado ampla vitória para González Urrutia de acordo com 25 mil cópias de atas eleitorais (83% do total) disponibilizadas na internet. O chavismo, porém, diz que Maduro recebeu 52% dos votos contra 44% de González Urrutia, sem nunca ter apresentado as atas originais.

“Alguns propuseram realizar novas eleições e nós acreditamos que esse não é o caminho porque realizar novas eleições implica desconhecer um processo válido”, afirmou Perkins Rocha, porta-voz do Comando com Venezuela, coalizão de campanha liderada por María Corina Machado, em entrevista ao Estadão realizada antes que fosse revelado as movimentações dentro do governo brasileiro.

Se fosse um processo inválido ou nulo, tudo bem, vamos a outro processo, mas quando foi tudo válido e eficaz. As atas são absolutamente indubitáveis, documentos perfeitamente auditáveis. Não acreditamos que o caminho seja outras eleições, mas sim respeitar os resultados desse dia 28 de julho.

Perkins Rocha, porta-voz da coalizão opositora Comando com Venezuela

O chavismo, por meio de seu número 2 Diosdado Cabello, também rejeitou a proposta hoje, a qual chamou de estupidez. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los”.

Para justificar o atraso na divulgação do boletim com resultado - que apontava a vitória de Maduro - e depois a não divulgação das atas é um suposto hackeamento do sistema do Conselho Nacional Eleitoral do qual o chavismo acusa María Corina Machado e Edmundo González Urrutia de ter promovido. Pela acusação foi pedida uma investigação contra os dois no Ministério Público, controlado pelo chavista Tarek William Saab.

Parece que o esforço é repetir essas eleições o quanto for necessário até que Nicolás Maduro seja eleito.

Xavier Rodríguez-Franco, analista político venezuelano

A afirmação também foi feita nesta quinta por María Corina durante entrevista coletiva a jornalistas estrangeiros. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse.

“Todos sabemos que o problema não foi a não realização de eleições, o problema é o que veio no contexto do pleito e depois do pleito”, afirma o professor da UERJ Paulo Velasco. “Novas eleições é uma solução que desagrada a ambos os lados. É o tipo da medida que compromete o papel do Brasil como mediador, que deveria buscar construir confiança com ambos os lados.”

Segundo Velasco, já que não existe um segundo turno na lei eleitoral venezuelana, o pleito teria de ser inteiramente refeito, incluindo candidatos que foram inabilitados, como María Corina e outros.

“Essas eleições foram marcadas por uma falta de simetria brutal em termos de recursos. Maduro com uma disponibilidade quase que infinita de recursos, gastando o que não podia no país ainda em crise; e a oposição com dificuldade enorme, praticamente não aparecendo em cartazes, realizando uma coisa quase caseira para arrecadar fundos e recursos. Para refazer isso em uma nova eleição em alguns meses seria um desafio imenso, quase que inviável para a oposição do país”, continua o professor.

A líder da oposição María Corina Machado durante protesto em Caracas em 3 de agosto Foto: Matias Delacroix/AP

Rodríguez-Franco questiona as garantias que o governo brasileiro teria de que um novo pleito seria realizado de forma livre e justa e não uma repetição do que ocorreu antes e depois de 28 de julho. “Parece-me muito lamentável que o Brasil, o México e a Colômbia, que vivenciam de perto o drama venezuelano e que têm chancelarias com pessoal diplomático profissional de alto nível, que estão muito bem informados sobre todos os detalhes que ocorreram na Venezuela nos últimos 25 anos, simplesmente não tenham mais a oferecer como proposta”, diz.

O México, porém, já deu alguns passos atrás na participação do país na iniciativa diplomática ao lado de Brasil e Colômbia. O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador disse que não pretende atender a uma ligação da oposição e está esperando uma resolução do tribunal venezuelano, controlado pelo chavismo. Hoje, López Obrador disse não achar prudente convocar novas eleições.

Repressão

Os analistas também se questionam como que um novo pleito poderia ser feito em um contexto em que mais de 1300 pessoas já foram presas desde 28 de julho, segundo contabilizou a organização Foro Penal. Números do chavismo, porém, já ultrapassam 2000. Outras 23 pessoas morreram e centenas ficaram feridas durante manifestações ou episódios de violência envolvendo os chamados “coletivos” - espécie de paramilitarismo chavista.

Nas suas redes sociais, a líder María Corina denuncia que membros da oposição e venezuelanos comuns tem tido medo de sair às ruas desde a escalada de repressão. Ela própria, bem como González Urrutia, não tem sido vistos em público por “temerem pela própria vida”, segundo a líder escreveu no Wall Street Journal.

“Há mais pessoas presas, há mais pessoas perseguidas, há mais pessoas mortas do que atas publicadas, então isso já fala de uma natureza violenta muito evidente que dificilmente vai ser resolvida com novas eleições”, afirma Rodríguez-Franco.

“Que garantias se tem de se voltar a enfrentar em condições eleitorais tão adversas, ou seja, quem garante a vida das pessoas? É como repetir um evento onde já houve mortos. Há pessoas fugindo do país, há pessoas se escondendo em casa, mudando a identidade até no Twitter, mudando até seu número de telefone. Em um estado de pânico, é moralmente insustentável uma repetição eleitoral”, continua.

Venezuelanos fazem uma vigila convocada pela oposição para pedir a libertação de prisioneiros políticos em 8 de agosto Foto: Yuri Cortez/AFP

O tempo prejudica a oposição

Uma hipótese que foi aventada pelo ex-presidente da Colômbia Ivan Duque é de que o chavismo estaria apostando todas as suas fichas de que o tempo fará a comunidade internacional e sua própria população esquecerem as irregularidade do processo eleitoral anterior. A estratégia não seria nova, já que Maduro utilizou em outros momentos de crise, como quando diversos países reconheceram Juan Guiadó como presidente do país e anos depois voltaram atrás em meio a guerra na Ucrânia.

“O tempo joga um pouco a favor do chavismo”, afirma Rafael Villa, venezuelano e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP. “Pode haver essa estratégia de tender que as pessoas vão esquecer a fazer com que a fraude se transforme numa questão de fato, de maneira quase politicamente inercial. Inercialmente se faz de conta que Maduro ganhou a eleição”.

“Essa opção daria até ao chavismo de alguma maneira uma saída diante da fraude realizada em que eles argumentam que as atas foram hackeadas. Uma nova eleição seria mais oportuna para poder deslegitimar quem aponta que o governo fraudou a eleição”, continua. Mas o próprio professor observa que muito dificilmente a fraude seria esquecida frente a uma forte resposta popular e com diversos países pressionando pela divulgação das atas.

É o que também argumenta o analista e colunista do Estadão Andrés Oppenheimer em sua última coluna. “O plano de Maduro para tentar ganhar tempo e esperar que a sua fraude eleitoral seja esquecida pelo restante do mundo está fracassando. Sua fraude eleitoral é tão grosseira e a perspectiva de um novo êxodo de milhões de venezuelanos é tão real que América Latina, Europa e Washington provavelmente manterão a pressão por uma transição democrática na Venezuela”, escreveu.

“A mobilização contra a fraude cometida pelo governo Maduro vai continuar, porque são sociais. Essas pressões internacionais vão continuar independentemente de se passarem quatro, cinco, seis meses ou mais”, concorda Villa.

Já para o professor da UERJ, realizar um novo pleito poderia provocar uma desmobilização da oposição. “O que a gente viu foi uma mobilização que há muito tempo não se via na Venezuela em torno da liderança de María Corina. Seria difícil, em um país onde o voto não é obrigatório, convencer todo mundo a sair de casa para votar de novo, porque o que que garantiria a esses eleitores que dessa vez as eleições seriam sempre respeitadas?”.

Outro fator seria se a oposição conseguiria repetir o feito inédito se ir novamente unida a um novo pleito depois de anos de brigas internas e fragmentação.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou primeira vez abertamente nesta quinta-feira, 15, sobre a ideia de convocar novas eleições na Venezuela, em uma espécie de “segundo turno” entre o ditador Nicolás Maduro e o opositor Edmundo González Urrutia. Ambos reivindicam a vitória, mas só o último apresentou mais de 80% das atas que corroborariam os resultados. A proposta, porém, chega em um contexto em que o chavismo apertou a repressão contra opositores, com muitos já presos e outros escondidos.

A proposta, avaliam analistas ouvidos pelo Estadão, já nasceu problemática, uma vez que ambas as partes rejeitam ir um novo pleito. Esta ainda não é uma proposição formal do Brasil e há poucos detalhes de como uma nova eleição seria feita. O primeiro pleito já ocorreu sob um clima de suspeição e sem respeitar as regras eleitorais desde o princípio - com a inabilitação de candidatos competitivos, exclusão de eleitores e, finalmente, a não publicação das atas.

“Certamente é uma abordagem que desconhece a natureza institucional de uma ditadura que se consolidou ao longo de anos e que tem um sistema eleitoral viciado em uma série de condições que muito dificilmente se possam reparar em uma repetição eleitoral”, afirma o cientista político venezuelano Xavier Rodríguez-Franco, apresentador do podcast Mirada Semanal.

“Se as eleições forem repetidas perante a comunidade internacional, tem que se dizer um porquê, ante o qual o governo sim ou sim terá que dar uma resposta. Por quê? Porque houve uma fraude? Vai dizer que foi o suposto hackeamento, que já foi dito de forma sustentada principalmente pelo centro Carter que não é crível?”, completa.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro Foto: Matias Delacroix/AP

Rejeitado por ambos

Depois que Lula afirmou em entrevista que “se Maduro tiver bom senso” chamaria novas eleições, a líder opositora María Corina Machada afirmou que a proposta era uma “falta de respeito” com o povo venezuelano. “Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeitos aos venezuelanos”, disse. “As eleições já ocorreram”.

Para a oposição, a ideia de “segundo turno”, que não é previsto na lei eleitoral venezuelana, seria o mesmo que ignorar o pleito de 28 de julho que teria dado ampla vitória para González Urrutia de acordo com 25 mil cópias de atas eleitorais (83% do total) disponibilizadas na internet. O chavismo, porém, diz que Maduro recebeu 52% dos votos contra 44% de González Urrutia, sem nunca ter apresentado as atas originais.

“Alguns propuseram realizar novas eleições e nós acreditamos que esse não é o caminho porque realizar novas eleições implica desconhecer um processo válido”, afirmou Perkins Rocha, porta-voz do Comando com Venezuela, coalizão de campanha liderada por María Corina Machado, em entrevista ao Estadão realizada antes que fosse revelado as movimentações dentro do governo brasileiro.

Se fosse um processo inválido ou nulo, tudo bem, vamos a outro processo, mas quando foi tudo válido e eficaz. As atas são absolutamente indubitáveis, documentos perfeitamente auditáveis. Não acreditamos que o caminho seja outras eleições, mas sim respeitar os resultados desse dia 28 de julho.

Perkins Rocha, porta-voz da coalizão opositora Comando com Venezuela

O chavismo, por meio de seu número 2 Diosdado Cabello, também rejeitou a proposta hoje, a qual chamou de estupidez. “Não vamos repetir eleições coisa nenhuma”, disse o vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança. “Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores... Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los”.

Para justificar o atraso na divulgação do boletim com resultado - que apontava a vitória de Maduro - e depois a não divulgação das atas é um suposto hackeamento do sistema do Conselho Nacional Eleitoral do qual o chavismo acusa María Corina Machado e Edmundo González Urrutia de ter promovido. Pela acusação foi pedida uma investigação contra os dois no Ministério Público, controlado pelo chavista Tarek William Saab.

Parece que o esforço é repetir essas eleições o quanto for necessário até que Nicolás Maduro seja eleito.

Xavier Rodríguez-Franco, analista político venezuelano

A afirmação também foi feita nesta quinta por María Corina durante entrevista coletiva a jornalistas estrangeiros. “Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos por uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país?”, disse.

“Todos sabemos que o problema não foi a não realização de eleições, o problema é o que veio no contexto do pleito e depois do pleito”, afirma o professor da UERJ Paulo Velasco. “Novas eleições é uma solução que desagrada a ambos os lados. É o tipo da medida que compromete o papel do Brasil como mediador, que deveria buscar construir confiança com ambos os lados.”

Segundo Velasco, já que não existe um segundo turno na lei eleitoral venezuelana, o pleito teria de ser inteiramente refeito, incluindo candidatos que foram inabilitados, como María Corina e outros.

“Essas eleições foram marcadas por uma falta de simetria brutal em termos de recursos. Maduro com uma disponibilidade quase que infinita de recursos, gastando o que não podia no país ainda em crise; e a oposição com dificuldade enorme, praticamente não aparecendo em cartazes, realizando uma coisa quase caseira para arrecadar fundos e recursos. Para refazer isso em uma nova eleição em alguns meses seria um desafio imenso, quase que inviável para a oposição do país”, continua o professor.

A líder da oposição María Corina Machado durante protesto em Caracas em 3 de agosto Foto: Matias Delacroix/AP

Rodríguez-Franco questiona as garantias que o governo brasileiro teria de que um novo pleito seria realizado de forma livre e justa e não uma repetição do que ocorreu antes e depois de 28 de julho. “Parece-me muito lamentável que o Brasil, o México e a Colômbia, que vivenciam de perto o drama venezuelano e que têm chancelarias com pessoal diplomático profissional de alto nível, que estão muito bem informados sobre todos os detalhes que ocorreram na Venezuela nos últimos 25 anos, simplesmente não tenham mais a oferecer como proposta”, diz.

O México, porém, já deu alguns passos atrás na participação do país na iniciativa diplomática ao lado de Brasil e Colômbia. O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador disse que não pretende atender a uma ligação da oposição e está esperando uma resolução do tribunal venezuelano, controlado pelo chavismo. Hoje, López Obrador disse não achar prudente convocar novas eleições.

Repressão

Os analistas também se questionam como que um novo pleito poderia ser feito em um contexto em que mais de 1300 pessoas já foram presas desde 28 de julho, segundo contabilizou a organização Foro Penal. Números do chavismo, porém, já ultrapassam 2000. Outras 23 pessoas morreram e centenas ficaram feridas durante manifestações ou episódios de violência envolvendo os chamados “coletivos” - espécie de paramilitarismo chavista.

Nas suas redes sociais, a líder María Corina denuncia que membros da oposição e venezuelanos comuns tem tido medo de sair às ruas desde a escalada de repressão. Ela própria, bem como González Urrutia, não tem sido vistos em público por “temerem pela própria vida”, segundo a líder escreveu no Wall Street Journal.

“Há mais pessoas presas, há mais pessoas perseguidas, há mais pessoas mortas do que atas publicadas, então isso já fala de uma natureza violenta muito evidente que dificilmente vai ser resolvida com novas eleições”, afirma Rodríguez-Franco.

“Que garantias se tem de se voltar a enfrentar em condições eleitorais tão adversas, ou seja, quem garante a vida das pessoas? É como repetir um evento onde já houve mortos. Há pessoas fugindo do país, há pessoas se escondendo em casa, mudando a identidade até no Twitter, mudando até seu número de telefone. Em um estado de pânico, é moralmente insustentável uma repetição eleitoral”, continua.

Venezuelanos fazem uma vigila convocada pela oposição para pedir a libertação de prisioneiros políticos em 8 de agosto Foto: Yuri Cortez/AFP

O tempo prejudica a oposição

Uma hipótese que foi aventada pelo ex-presidente da Colômbia Ivan Duque é de que o chavismo estaria apostando todas as suas fichas de que o tempo fará a comunidade internacional e sua própria população esquecerem as irregularidade do processo eleitoral anterior. A estratégia não seria nova, já que Maduro utilizou em outros momentos de crise, como quando diversos países reconheceram Juan Guiadó como presidente do país e anos depois voltaram atrás em meio a guerra na Ucrânia.

“O tempo joga um pouco a favor do chavismo”, afirma Rafael Villa, venezuelano e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP. “Pode haver essa estratégia de tender que as pessoas vão esquecer a fazer com que a fraude se transforme numa questão de fato, de maneira quase politicamente inercial. Inercialmente se faz de conta que Maduro ganhou a eleição”.

“Essa opção daria até ao chavismo de alguma maneira uma saída diante da fraude realizada em que eles argumentam que as atas foram hackeadas. Uma nova eleição seria mais oportuna para poder deslegitimar quem aponta que o governo fraudou a eleição”, continua. Mas o próprio professor observa que muito dificilmente a fraude seria esquecida frente a uma forte resposta popular e com diversos países pressionando pela divulgação das atas.

É o que também argumenta o analista e colunista do Estadão Andrés Oppenheimer em sua última coluna. “O plano de Maduro para tentar ganhar tempo e esperar que a sua fraude eleitoral seja esquecida pelo restante do mundo está fracassando. Sua fraude eleitoral é tão grosseira e a perspectiva de um novo êxodo de milhões de venezuelanos é tão real que América Latina, Europa e Washington provavelmente manterão a pressão por uma transição democrática na Venezuela”, escreveu.

“A mobilização contra a fraude cometida pelo governo Maduro vai continuar, porque são sociais. Essas pressões internacionais vão continuar independentemente de se passarem quatro, cinco, seis meses ou mais”, concorda Villa.

Já para o professor da UERJ, realizar um novo pleito poderia provocar uma desmobilização da oposição. “O que a gente viu foi uma mobilização que há muito tempo não se via na Venezuela em torno da liderança de María Corina. Seria difícil, em um país onde o voto não é obrigatório, convencer todo mundo a sair de casa para votar de novo, porque o que que garantiria a esses eleitores que dessa vez as eleições seriam sempre respeitadas?”.

Outro fator seria se a oposição conseguiria repetir o feito inédito se ir novamente unida a um novo pleito depois de anos de brigas internas e fragmentação.

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