Suprema Corte dos EUA acumula cada vez mais poder e preocupa juristas


Magistrados aumentam suas atribuições e questionam interpretações de tribunais estaduais

Por Adam Liptak

WASHINGTON - A crítica feita habitualmente à Suprema Corte americana estes dias é que ela se desviou muito para a direita e está fora de sintonia com o público sobre muitas questões. Isso é verdade, mas não é toda a verdade.

Uma série de estudos jurídicos recentes explicitam um problema mais profundo, dizendo que a Suprema Corte atual é singular sob um aspecto diferente: ela vem acumulando poder rapidamente às expensas de praticamente todas as outras partes do governo.

Esse fenômeno foi documentado no mês passado pelo professor de direito na Universidade Stanford Mark A. Lemley em artigo publicado na Harvard Law Review sob o título “A Suprema Corte imperial”.

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Taylor Dumpson e sua mãe Kimberly Dumpson ouvem os argumentos da Suprema Corte por telefone enquanto esperam na fila para assistir aos argumentos no caso de ação afirmativa, Foto: Jonathan Ernst/Reuters

“A corte não tem favorecido um dos ramos do governo em detrimento do outro, nem os estados sobre o governo federal ou os direitos dos indivíduos em detrimento dos governos”, escreveu Lemley. “O que está fazendo é subtrair poder de todos ao mesmo tempo.”

“É uma corte que está consolidando seu poder, enfraquecendo sistematicamente qualquer ramo do governo federal ou estadual que possa ameaçar seu poder e ao mesmo tempo enfraquecendo os direitos individuais.”

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Esse ponto parece ter sido ilustrado pelas discussões travadas este mês em torno do papel das legislaturas estaduais na definição das regras das eleições federais. O questionamento sugeriu que a Suprema Corte não está preparada para adotar uma teoria legal inovadora que anularia os freios e contrapesos habituais ao nível estadual em litígios eleitorais.

Em vez disso, os juízes da Suprema Corte parecem dispostos a aumentar seu próprio papel no processo, outorgando-se o direito de fazer algo que normalmente é interdito: questionar as interpretações das leis estaduais feitas por tribunais estaduais.

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De forma semelhante, a juíza Elena Kagan destacou o viés imperial da maioria na Suprema Corte numa dissensão de uma decisão anunciada em junho que limitou a capacidade da Agência de Proteção Ambiental (EPA) de combater a mudança climática.

“A Suprema Corte nomeou a si própria –em lugar do Congresso ou da agência especializada— a tomadora de decisões sobre política climática”, escreveu Kagan. “Não consigo pensar em muitas coisas que sejam mais assustadoras que isso.”

Um segundo estudo, este a ser publicado na Presidential Studies Quarterly, enfocou processos envolvendo o Executivo e apresentou dados reforçando as observações de Lemley. Com base em 3.660 decisões da Suprema Corte desde 1937, o estudo concluiu que a Corte liderada pelo juiz chefe John Roberts desde 2005 tem demonstrado “disposição singular de coibir a autoridade executiva”.

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Essa tendência foi ainda mais pronunciada em casos discutidos em textos de escolas de direito, tendo sido destacada na primeira página do New York Times. Na era em que a Suprema Corte é presidida por John Roberts, o Executivo ganhou esses casos apenas 35% do tempo –mais de 20 pontos percentuais abaixo da média histórica.

Juízes da Suprema Corte dos EUA Amy Coney Barrett, Neil M. Gorsuch, Brett M. Kavanaugh, Ketanji Brown Jackson, Sonia Sotomayor, Clarence Thomas, Chief Justice John G. Roberts, Jr., Samuel A. Alito, Jr. e Elena Kagan posam para o retrato de grupo em 7 de outubro de 2022 Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

Os autores do estudo, Rebecca L. Brown e Lee Epstein, ambos da University of Southern California, escreveram que “há poucos indícios de que a disposição da Suprema Corte de Roberts de tomar decisões contrárias ao presidente guarde qualquer relação consistente com a preservação do equilíbrio entre os poderes ou com o funcionamento e a responsabilização do processo democrático”.

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“Em vez disso”, escreveram, “há indícios cada vez mais frequentes de que a Corte está estabelecendo uma posição de supremacia judicial sobre o presidente e o Congresso.”

Brown acrescentou em entrevista que a natureza do raciocínio da Corte mudou. “No passado, quando a Corte decidia em favor do presidente, o fazia com uma espécie de humildade”, ela escreveu. “Os juízes diziam: ‘Não cabe a nós tomar esta decisão. Vamos respeitar a posição do presidente. Ele é o vencedor.’ Hoje a corte fala: ‘O presidente vence porque nós achamos que ele está com a razão.’”

E a Suprema Corte parece não confiar mais nos tribunais federais de instância inferior. Por exemplo, ela vem habitualmente julgando casos antes de os tribunais federais de recursos os terem julgado, usando um procedimento intitulado “certiorari antes do julgamento”. No passado, isso era reservado para casos excepcionais, como a recusa do presidente Richard Nixon em entregar gravações a um promotor especial ou a tomada da indústria siderúrgica pelo presidente Harry Truman.

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Antes de 2019 a Suprema Corte não utilizara esse procedimento havia 15 anos, segundo estatísticas compiladas por Stephen Vladeck, professor de direito na Universidade do Texas em Austin. Desde então, ele descobriu, ela o usou em 19 ocasiões.

A Suprema Corte vem utilizando outro tipo de atalho para aumentar seu poder, como duas professoras de direito –Lisa Tucker, da Drexel University, e Stefanie A. Lindquist, da Arizona State University— demonstraram num ensaio recente. Elas escreveram que, cada vez mais, a Suprema Corte “vem ignorando decisões legalmente importantes de tribunais de instâncias inferiores, como se nunca tivessem acontecido, invalidando-as em ordens processuais sumárias”.

Manifestantes antiaborto comemoram do lado de fora da Suprema Corte dos Estados Unidos quando o tribunal anulou a histórica decisão sobre o aborto Roe vs Wade em 24 de junho de 2022 Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

Ainda outro estudo, este de Tejas Narechania, professor de direito da Universidade da Califórnia em Berkeley, examinou os casos selecionados pelos juízes da Suprema Corte para uma revisão completa com base em seus méritos.

“Mais que qualquer outra Suprema Corte na história, a Suprema Corte de Roberts usa seu poder discricionário para selecionar casos que lhe permitam rever e passar por cima de precedentes”, concluiu Narechania no estudo, que será publicado no St. Louis University Law Journal e que expandiu um estudo anterior que saiu na Columbia Law Review.

Em setembro, falando em uma conferência de juristas, John Roberts insistiu sobre a primazia da Suprema Corte.

“Não queremos que os ramos políticos nos digam o que é a lei”, ele disse, ecoando declaração famosa do juiz chefe da Suprema Corte John Marshall numa decisão fundamental de 1803 do processo Marbury v. Madison: “É enfaticamente da competência do ramo judicial e seu dever dizer o que é a lei”.

Essa frase é apreciada pela Suprema Corte atual. Brown e Epstein escreveram: “Na história da Suprema Corte, mais de metade do número total de opiniões da maioria ou concordantes que citaram essa declaração de Marbury foram escritas pela Suprema Corte de Roberts”.

WASHINGTON - A crítica feita habitualmente à Suprema Corte americana estes dias é que ela se desviou muito para a direita e está fora de sintonia com o público sobre muitas questões. Isso é verdade, mas não é toda a verdade.

Uma série de estudos jurídicos recentes explicitam um problema mais profundo, dizendo que a Suprema Corte atual é singular sob um aspecto diferente: ela vem acumulando poder rapidamente às expensas de praticamente todas as outras partes do governo.

Esse fenômeno foi documentado no mês passado pelo professor de direito na Universidade Stanford Mark A. Lemley em artigo publicado na Harvard Law Review sob o título “A Suprema Corte imperial”.

Taylor Dumpson e sua mãe Kimberly Dumpson ouvem os argumentos da Suprema Corte por telefone enquanto esperam na fila para assistir aos argumentos no caso de ação afirmativa, Foto: Jonathan Ernst/Reuters

“A corte não tem favorecido um dos ramos do governo em detrimento do outro, nem os estados sobre o governo federal ou os direitos dos indivíduos em detrimento dos governos”, escreveu Lemley. “O que está fazendo é subtrair poder de todos ao mesmo tempo.”

“É uma corte que está consolidando seu poder, enfraquecendo sistematicamente qualquer ramo do governo federal ou estadual que possa ameaçar seu poder e ao mesmo tempo enfraquecendo os direitos individuais.”

Esse ponto parece ter sido ilustrado pelas discussões travadas este mês em torno do papel das legislaturas estaduais na definição das regras das eleições federais. O questionamento sugeriu que a Suprema Corte não está preparada para adotar uma teoria legal inovadora que anularia os freios e contrapesos habituais ao nível estadual em litígios eleitorais.

Em vez disso, os juízes da Suprema Corte parecem dispostos a aumentar seu próprio papel no processo, outorgando-se o direito de fazer algo que normalmente é interdito: questionar as interpretações das leis estaduais feitas por tribunais estaduais.

De forma semelhante, a juíza Elena Kagan destacou o viés imperial da maioria na Suprema Corte numa dissensão de uma decisão anunciada em junho que limitou a capacidade da Agência de Proteção Ambiental (EPA) de combater a mudança climática.

“A Suprema Corte nomeou a si própria –em lugar do Congresso ou da agência especializada— a tomadora de decisões sobre política climática”, escreveu Kagan. “Não consigo pensar em muitas coisas que sejam mais assustadoras que isso.”

Um segundo estudo, este a ser publicado na Presidential Studies Quarterly, enfocou processos envolvendo o Executivo e apresentou dados reforçando as observações de Lemley. Com base em 3.660 decisões da Suprema Corte desde 1937, o estudo concluiu que a Corte liderada pelo juiz chefe John Roberts desde 2005 tem demonstrado “disposição singular de coibir a autoridade executiva”.

Essa tendência foi ainda mais pronunciada em casos discutidos em textos de escolas de direito, tendo sido destacada na primeira página do New York Times. Na era em que a Suprema Corte é presidida por John Roberts, o Executivo ganhou esses casos apenas 35% do tempo –mais de 20 pontos percentuais abaixo da média histórica.

Juízes da Suprema Corte dos EUA Amy Coney Barrett, Neil M. Gorsuch, Brett M. Kavanaugh, Ketanji Brown Jackson, Sonia Sotomayor, Clarence Thomas, Chief Justice John G. Roberts, Jr., Samuel A. Alito, Jr. e Elena Kagan posam para o retrato de grupo em 7 de outubro de 2022 Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

Os autores do estudo, Rebecca L. Brown e Lee Epstein, ambos da University of Southern California, escreveram que “há poucos indícios de que a disposição da Suprema Corte de Roberts de tomar decisões contrárias ao presidente guarde qualquer relação consistente com a preservação do equilíbrio entre os poderes ou com o funcionamento e a responsabilização do processo democrático”.

“Em vez disso”, escreveram, “há indícios cada vez mais frequentes de que a Corte está estabelecendo uma posição de supremacia judicial sobre o presidente e o Congresso.”

Brown acrescentou em entrevista que a natureza do raciocínio da Corte mudou. “No passado, quando a Corte decidia em favor do presidente, o fazia com uma espécie de humildade”, ela escreveu. “Os juízes diziam: ‘Não cabe a nós tomar esta decisão. Vamos respeitar a posição do presidente. Ele é o vencedor.’ Hoje a corte fala: ‘O presidente vence porque nós achamos que ele está com a razão.’”

E a Suprema Corte parece não confiar mais nos tribunais federais de instância inferior. Por exemplo, ela vem habitualmente julgando casos antes de os tribunais federais de recursos os terem julgado, usando um procedimento intitulado “certiorari antes do julgamento”. No passado, isso era reservado para casos excepcionais, como a recusa do presidente Richard Nixon em entregar gravações a um promotor especial ou a tomada da indústria siderúrgica pelo presidente Harry Truman.

Antes de 2019 a Suprema Corte não utilizara esse procedimento havia 15 anos, segundo estatísticas compiladas por Stephen Vladeck, professor de direito na Universidade do Texas em Austin. Desde então, ele descobriu, ela o usou em 19 ocasiões.

A Suprema Corte vem utilizando outro tipo de atalho para aumentar seu poder, como duas professoras de direito –Lisa Tucker, da Drexel University, e Stefanie A. Lindquist, da Arizona State University— demonstraram num ensaio recente. Elas escreveram que, cada vez mais, a Suprema Corte “vem ignorando decisões legalmente importantes de tribunais de instâncias inferiores, como se nunca tivessem acontecido, invalidando-as em ordens processuais sumárias”.

Manifestantes antiaborto comemoram do lado de fora da Suprema Corte dos Estados Unidos quando o tribunal anulou a histórica decisão sobre o aborto Roe vs Wade em 24 de junho de 2022 Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

Ainda outro estudo, este de Tejas Narechania, professor de direito da Universidade da Califórnia em Berkeley, examinou os casos selecionados pelos juízes da Suprema Corte para uma revisão completa com base em seus méritos.

“Mais que qualquer outra Suprema Corte na história, a Suprema Corte de Roberts usa seu poder discricionário para selecionar casos que lhe permitam rever e passar por cima de precedentes”, concluiu Narechania no estudo, que será publicado no St. Louis University Law Journal e que expandiu um estudo anterior que saiu na Columbia Law Review.

Em setembro, falando em uma conferência de juristas, John Roberts insistiu sobre a primazia da Suprema Corte.

“Não queremos que os ramos políticos nos digam o que é a lei”, ele disse, ecoando declaração famosa do juiz chefe da Suprema Corte John Marshall numa decisão fundamental de 1803 do processo Marbury v. Madison: “É enfaticamente da competência do ramo judicial e seu dever dizer o que é a lei”.

Essa frase é apreciada pela Suprema Corte atual. Brown e Epstein escreveram: “Na história da Suprema Corte, mais de metade do número total de opiniões da maioria ou concordantes que citaram essa declaração de Marbury foram escritas pela Suprema Corte de Roberts”.

WASHINGTON - A crítica feita habitualmente à Suprema Corte americana estes dias é que ela se desviou muito para a direita e está fora de sintonia com o público sobre muitas questões. Isso é verdade, mas não é toda a verdade.

Uma série de estudos jurídicos recentes explicitam um problema mais profundo, dizendo que a Suprema Corte atual é singular sob um aspecto diferente: ela vem acumulando poder rapidamente às expensas de praticamente todas as outras partes do governo.

Esse fenômeno foi documentado no mês passado pelo professor de direito na Universidade Stanford Mark A. Lemley em artigo publicado na Harvard Law Review sob o título “A Suprema Corte imperial”.

Taylor Dumpson e sua mãe Kimberly Dumpson ouvem os argumentos da Suprema Corte por telefone enquanto esperam na fila para assistir aos argumentos no caso de ação afirmativa, Foto: Jonathan Ernst/Reuters

“A corte não tem favorecido um dos ramos do governo em detrimento do outro, nem os estados sobre o governo federal ou os direitos dos indivíduos em detrimento dos governos”, escreveu Lemley. “O que está fazendo é subtrair poder de todos ao mesmo tempo.”

“É uma corte que está consolidando seu poder, enfraquecendo sistematicamente qualquer ramo do governo federal ou estadual que possa ameaçar seu poder e ao mesmo tempo enfraquecendo os direitos individuais.”

Esse ponto parece ter sido ilustrado pelas discussões travadas este mês em torno do papel das legislaturas estaduais na definição das regras das eleições federais. O questionamento sugeriu que a Suprema Corte não está preparada para adotar uma teoria legal inovadora que anularia os freios e contrapesos habituais ao nível estadual em litígios eleitorais.

Em vez disso, os juízes da Suprema Corte parecem dispostos a aumentar seu próprio papel no processo, outorgando-se o direito de fazer algo que normalmente é interdito: questionar as interpretações das leis estaduais feitas por tribunais estaduais.

De forma semelhante, a juíza Elena Kagan destacou o viés imperial da maioria na Suprema Corte numa dissensão de uma decisão anunciada em junho que limitou a capacidade da Agência de Proteção Ambiental (EPA) de combater a mudança climática.

“A Suprema Corte nomeou a si própria –em lugar do Congresso ou da agência especializada— a tomadora de decisões sobre política climática”, escreveu Kagan. “Não consigo pensar em muitas coisas que sejam mais assustadoras que isso.”

Um segundo estudo, este a ser publicado na Presidential Studies Quarterly, enfocou processos envolvendo o Executivo e apresentou dados reforçando as observações de Lemley. Com base em 3.660 decisões da Suprema Corte desde 1937, o estudo concluiu que a Corte liderada pelo juiz chefe John Roberts desde 2005 tem demonstrado “disposição singular de coibir a autoridade executiva”.

Essa tendência foi ainda mais pronunciada em casos discutidos em textos de escolas de direito, tendo sido destacada na primeira página do New York Times. Na era em que a Suprema Corte é presidida por John Roberts, o Executivo ganhou esses casos apenas 35% do tempo –mais de 20 pontos percentuais abaixo da média histórica.

Juízes da Suprema Corte dos EUA Amy Coney Barrett, Neil M. Gorsuch, Brett M. Kavanaugh, Ketanji Brown Jackson, Sonia Sotomayor, Clarence Thomas, Chief Justice John G. Roberts, Jr., Samuel A. Alito, Jr. e Elena Kagan posam para o retrato de grupo em 7 de outubro de 2022 Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

Os autores do estudo, Rebecca L. Brown e Lee Epstein, ambos da University of Southern California, escreveram que “há poucos indícios de que a disposição da Suprema Corte de Roberts de tomar decisões contrárias ao presidente guarde qualquer relação consistente com a preservação do equilíbrio entre os poderes ou com o funcionamento e a responsabilização do processo democrático”.

“Em vez disso”, escreveram, “há indícios cada vez mais frequentes de que a Corte está estabelecendo uma posição de supremacia judicial sobre o presidente e o Congresso.”

Brown acrescentou em entrevista que a natureza do raciocínio da Corte mudou. “No passado, quando a Corte decidia em favor do presidente, o fazia com uma espécie de humildade”, ela escreveu. “Os juízes diziam: ‘Não cabe a nós tomar esta decisão. Vamos respeitar a posição do presidente. Ele é o vencedor.’ Hoje a corte fala: ‘O presidente vence porque nós achamos que ele está com a razão.’”

E a Suprema Corte parece não confiar mais nos tribunais federais de instância inferior. Por exemplo, ela vem habitualmente julgando casos antes de os tribunais federais de recursos os terem julgado, usando um procedimento intitulado “certiorari antes do julgamento”. No passado, isso era reservado para casos excepcionais, como a recusa do presidente Richard Nixon em entregar gravações a um promotor especial ou a tomada da indústria siderúrgica pelo presidente Harry Truman.

Antes de 2019 a Suprema Corte não utilizara esse procedimento havia 15 anos, segundo estatísticas compiladas por Stephen Vladeck, professor de direito na Universidade do Texas em Austin. Desde então, ele descobriu, ela o usou em 19 ocasiões.

A Suprema Corte vem utilizando outro tipo de atalho para aumentar seu poder, como duas professoras de direito –Lisa Tucker, da Drexel University, e Stefanie A. Lindquist, da Arizona State University— demonstraram num ensaio recente. Elas escreveram que, cada vez mais, a Suprema Corte “vem ignorando decisões legalmente importantes de tribunais de instâncias inferiores, como se nunca tivessem acontecido, invalidando-as em ordens processuais sumárias”.

Manifestantes antiaborto comemoram do lado de fora da Suprema Corte dos Estados Unidos quando o tribunal anulou a histórica decisão sobre o aborto Roe vs Wade em 24 de junho de 2022 Foto: Evelyn Hockstein/Reuters

Ainda outro estudo, este de Tejas Narechania, professor de direito da Universidade da Califórnia em Berkeley, examinou os casos selecionados pelos juízes da Suprema Corte para uma revisão completa com base em seus méritos.

“Mais que qualquer outra Suprema Corte na história, a Suprema Corte de Roberts usa seu poder discricionário para selecionar casos que lhe permitam rever e passar por cima de precedentes”, concluiu Narechania no estudo, que será publicado no St. Louis University Law Journal e que expandiu um estudo anterior que saiu na Columbia Law Review.

Em setembro, falando em uma conferência de juristas, John Roberts insistiu sobre a primazia da Suprema Corte.

“Não queremos que os ramos políticos nos digam o que é a lei”, ele disse, ecoando declaração famosa do juiz chefe da Suprema Corte John Marshall numa decisão fundamental de 1803 do processo Marbury v. Madison: “É enfaticamente da competência do ramo judicial e seu dever dizer o que é a lei”.

Essa frase é apreciada pela Suprema Corte atual. Brown e Epstein escreveram: “Na história da Suprema Corte, mais de metade do número total de opiniões da maioria ou concordantes que citaram essa declaração de Marbury foram escritas pela Suprema Corte de Roberts”.

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