Suprema Corte dos EUA pode rediscutir casamento LGBT e contraceptivos, indica voto de conservador


Justificativa para derrubar a decisão Roe vs Wade pode ser utilizada para rediscutir outros direitos, diz Clarence Thomas

Atualização:

O ministro da Suprema Corte dos EUA Clarence Thomas expôs durante a argumentação do seu voto para derrubar a decisão Roe versus Wade uma visão a respeito de outros direitos que poderiam desaparecer. De acordo com ele, a mesma justificativa para o direito ao aborto como inexistente deveria ser usada para pôr fim a decisões que estabeleceram os direitos a contracepção, relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo e casamento LGBT.

A opinião da maioria da corte, redigida pelo ministro Samuel Alito, é que nada na decisão desta sexta-feira, 24, “deveria ser entendido para colocar em dúvida precedentes que não tangem o aborto”.

O ministro Clarence Thomas afirmou concordar com essa posição. Contudo, notou em sua justificativa que a maioria da corte considerou que o direito ao aborto não é uma forma de “liberdade” protegida pela cláusula que garante o devido processo prevista na 14.ª Emenda à Constituição — conforme a corte havia decidido no caso Roe versus Wade.

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Juízes da Suprema Corte Clarence Thomas (esquerda) e Brett M. Kavanaugh (centro) ao lado de juiz Harvie Wilkinson (direita) em imagem de 13 de setembro de 2019 Foto: Bill O'Leary/Washington Post

Então, ele mirou em três outros casos emblemáticos que se valeram da mesma argumentação legal: Griswold versus Connecticut, uma decisão de 1965 que declarou que pessoas do mesmo sexo que fossem casadas tinham direito à contracepção; Lawrence versus Texas, um caso de 2003 que invalidou leis contra sodomia e legalizou atividades sexuais entre pessoas do mesmo sexo em todo o país; e Obergefell versus Hodges, o caso de 2015 que estabeleceu o direito de casamento aos casais LGBTs.

O ministro Thomas escreveu que a corte “deveria reconsiderar” as três decisões, afirmando que o tribunal tem o dever de “corrigir o equívoco” estabelecido nesses precedentes. Então, afirmou ele, “revertendo essas decisões comprovadamente errôneas, a questão que restaria seria sobre outras provisões constitucionais” protegidas pelos direitos que elas estabeleceram.

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Esse tipo de discurso é exatamente o que defensores de direitos reprodutivos e de pessoas LGBT+ temiam. Defensores do direito ao aborto alertaram repetidamente que, se Roe versus Wade caísse, os direitos a contracepção e casamentos entre pessoas do mesmo sexo seriam os próximos.

Os contrários ao aborto, que lutaram arduamente para reverter Roe versus Wade, insistiram que não tinham nenhum interesse em tentar aniquilar o direito à contracepção.

Entretanto, Estados como Missouri já tentam restringir o acesso à contracepção banindo fundos públicos destinados a esses métodos: dispositivos intrauterinos e as chamadas pílulas do dia seguinte. E alguns republicanos, notadamente a senadora Marsha Blackburn, do Tennessee, têm afirmado que a decisão do caso Griswold versus Connecticut foi equivocada. Anteriormente este mês, Blackburn qualificou o caso Griswold versus Connecticut como “infundado constitucionalmente”.

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Somente o ministro Thomas assinou a opinião dissertativa que expuseram esses pontos.

Lawrence Gostin, professor da Faculdade de Direito da Universidade Georgetown e especialista em legislação de saúde pública, afirmou que seria “fácil desprezar Thomas qualificando-o como um lobo solitário” e que fazer isso seria um erro. Agora que a maioria da corte destruiu o fundamento sobre o qual o argumento de Roe versus Wade foi construído, afirmou ele, “outros direitos também poderão ruir”.

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Gostin citou outra área jurídica contenciosa, o direito a possuir armas de fogo, como exemplo. Em decisões em que a 2.ª Emenda se aplica a indivíduos, afirmou ele, a corte rejeitou um antigo e duradouro precedente. Na época, afirmou ele, o ministro Antonin Scalia afirmou que a decisão não afetaria outras regulações de controle de armas. Mas “aquela promessa não durou”, afirmou ele, notando que na quinta-feira a corte emitiu uma importante decisão expandindo o direito às armas de fogo.

Para entender

Roe v Wade foi um caso levado à Suprema Corte em 1973 por duas advogadas do Texas que, para garantir o direito ao aborto de sua cliente Jane Roe, argumentaram que a 14ª emenda da Constituição americana, por meio da “cláusula do devido processo’, protege a privacidade da mulher que pretende terminar a gravidez. O argumento foi acatado por 7 votos a 2 na ocasião e, com isso, o aborto legal saiu da esfera estadual, nos EUA, e a passou a obter uma proteção constitucional, de nível federal.

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Os juízes da Suprema Corte reviram hoje a jurisprudência de quase 50 anos ao julgar uma lei de 2018 do Estado do Mississipi que proibia abortos se “a idade gestacional provável do feto humano” fosse determinada em mais de 15 semanas. Tribunais federais de instâncias menores tinham bloqueadoa legislação, justamente com o argumento de que ela esbarrava na jurisprudência estabelecida em Roe v Wade e reafirmada em outros julgamentos da Corte.

Mas dessa vez, com uma maioria conservadoras de seis juízes dos nove que compõem a Corte, a jurisprudência foi revista.

Toda a mudança envolvendo o aborto nos EUA aconteceu em parte porque o direito americano deriva da common law inglesa, que se baseia no conceito de stare decisis (decisão por precedentes). Além disso, o caráter federalista da enxuta Constituição americana delega ao máximo aos Estados a maior parte das legislações sobre a vida comum e temas de escopo federal são bastante raros. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O ministro da Suprema Corte dos EUA Clarence Thomas expôs durante a argumentação do seu voto para derrubar a decisão Roe versus Wade uma visão a respeito de outros direitos que poderiam desaparecer. De acordo com ele, a mesma justificativa para o direito ao aborto como inexistente deveria ser usada para pôr fim a decisões que estabeleceram os direitos a contracepção, relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo e casamento LGBT.

A opinião da maioria da corte, redigida pelo ministro Samuel Alito, é que nada na decisão desta sexta-feira, 24, “deveria ser entendido para colocar em dúvida precedentes que não tangem o aborto”.

O ministro Clarence Thomas afirmou concordar com essa posição. Contudo, notou em sua justificativa que a maioria da corte considerou que o direito ao aborto não é uma forma de “liberdade” protegida pela cláusula que garante o devido processo prevista na 14.ª Emenda à Constituição — conforme a corte havia decidido no caso Roe versus Wade.

Juízes da Suprema Corte Clarence Thomas (esquerda) e Brett M. Kavanaugh (centro) ao lado de juiz Harvie Wilkinson (direita) em imagem de 13 de setembro de 2019 Foto: Bill O'Leary/Washington Post

Então, ele mirou em três outros casos emblemáticos que se valeram da mesma argumentação legal: Griswold versus Connecticut, uma decisão de 1965 que declarou que pessoas do mesmo sexo que fossem casadas tinham direito à contracepção; Lawrence versus Texas, um caso de 2003 que invalidou leis contra sodomia e legalizou atividades sexuais entre pessoas do mesmo sexo em todo o país; e Obergefell versus Hodges, o caso de 2015 que estabeleceu o direito de casamento aos casais LGBTs.

O ministro Thomas escreveu que a corte “deveria reconsiderar” as três decisões, afirmando que o tribunal tem o dever de “corrigir o equívoco” estabelecido nesses precedentes. Então, afirmou ele, “revertendo essas decisões comprovadamente errôneas, a questão que restaria seria sobre outras provisões constitucionais” protegidas pelos direitos que elas estabeleceram.

Esse tipo de discurso é exatamente o que defensores de direitos reprodutivos e de pessoas LGBT+ temiam. Defensores do direito ao aborto alertaram repetidamente que, se Roe versus Wade caísse, os direitos a contracepção e casamentos entre pessoas do mesmo sexo seriam os próximos.

Os contrários ao aborto, que lutaram arduamente para reverter Roe versus Wade, insistiram que não tinham nenhum interesse em tentar aniquilar o direito à contracepção.

Entretanto, Estados como Missouri já tentam restringir o acesso à contracepção banindo fundos públicos destinados a esses métodos: dispositivos intrauterinos e as chamadas pílulas do dia seguinte. E alguns republicanos, notadamente a senadora Marsha Blackburn, do Tennessee, têm afirmado que a decisão do caso Griswold versus Connecticut foi equivocada. Anteriormente este mês, Blackburn qualificou o caso Griswold versus Connecticut como “infundado constitucionalmente”.

Somente o ministro Thomas assinou a opinião dissertativa que expuseram esses pontos.

Lawrence Gostin, professor da Faculdade de Direito da Universidade Georgetown e especialista em legislação de saúde pública, afirmou que seria “fácil desprezar Thomas qualificando-o como um lobo solitário” e que fazer isso seria um erro. Agora que a maioria da corte destruiu o fundamento sobre o qual o argumento de Roe versus Wade foi construído, afirmou ele, “outros direitos também poderão ruir”.

Gostin citou outra área jurídica contenciosa, o direito a possuir armas de fogo, como exemplo. Em decisões em que a 2.ª Emenda se aplica a indivíduos, afirmou ele, a corte rejeitou um antigo e duradouro precedente. Na época, afirmou ele, o ministro Antonin Scalia afirmou que a decisão não afetaria outras regulações de controle de armas. Mas “aquela promessa não durou”, afirmou ele, notando que na quinta-feira a corte emitiu uma importante decisão expandindo o direito às armas de fogo.

Para entender

Roe v Wade foi um caso levado à Suprema Corte em 1973 por duas advogadas do Texas que, para garantir o direito ao aborto de sua cliente Jane Roe, argumentaram que a 14ª emenda da Constituição americana, por meio da “cláusula do devido processo’, protege a privacidade da mulher que pretende terminar a gravidez. O argumento foi acatado por 7 votos a 2 na ocasião e, com isso, o aborto legal saiu da esfera estadual, nos EUA, e a passou a obter uma proteção constitucional, de nível federal.

Os juízes da Suprema Corte reviram hoje a jurisprudência de quase 50 anos ao julgar uma lei de 2018 do Estado do Mississipi que proibia abortos se “a idade gestacional provável do feto humano” fosse determinada em mais de 15 semanas. Tribunais federais de instâncias menores tinham bloqueadoa legislação, justamente com o argumento de que ela esbarrava na jurisprudência estabelecida em Roe v Wade e reafirmada em outros julgamentos da Corte.

Mas dessa vez, com uma maioria conservadoras de seis juízes dos nove que compõem a Corte, a jurisprudência foi revista.

Toda a mudança envolvendo o aborto nos EUA aconteceu em parte porque o direito americano deriva da common law inglesa, que se baseia no conceito de stare decisis (decisão por precedentes). Além disso, o caráter federalista da enxuta Constituição americana delega ao máximo aos Estados a maior parte das legislações sobre a vida comum e temas de escopo federal são bastante raros. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O ministro da Suprema Corte dos EUA Clarence Thomas expôs durante a argumentação do seu voto para derrubar a decisão Roe versus Wade uma visão a respeito de outros direitos que poderiam desaparecer. De acordo com ele, a mesma justificativa para o direito ao aborto como inexistente deveria ser usada para pôr fim a decisões que estabeleceram os direitos a contracepção, relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo e casamento LGBT.

A opinião da maioria da corte, redigida pelo ministro Samuel Alito, é que nada na decisão desta sexta-feira, 24, “deveria ser entendido para colocar em dúvida precedentes que não tangem o aborto”.

O ministro Clarence Thomas afirmou concordar com essa posição. Contudo, notou em sua justificativa que a maioria da corte considerou que o direito ao aborto não é uma forma de “liberdade” protegida pela cláusula que garante o devido processo prevista na 14.ª Emenda à Constituição — conforme a corte havia decidido no caso Roe versus Wade.

Juízes da Suprema Corte Clarence Thomas (esquerda) e Brett M. Kavanaugh (centro) ao lado de juiz Harvie Wilkinson (direita) em imagem de 13 de setembro de 2019 Foto: Bill O'Leary/Washington Post

Então, ele mirou em três outros casos emblemáticos que se valeram da mesma argumentação legal: Griswold versus Connecticut, uma decisão de 1965 que declarou que pessoas do mesmo sexo que fossem casadas tinham direito à contracepção; Lawrence versus Texas, um caso de 2003 que invalidou leis contra sodomia e legalizou atividades sexuais entre pessoas do mesmo sexo em todo o país; e Obergefell versus Hodges, o caso de 2015 que estabeleceu o direito de casamento aos casais LGBTs.

O ministro Thomas escreveu que a corte “deveria reconsiderar” as três decisões, afirmando que o tribunal tem o dever de “corrigir o equívoco” estabelecido nesses precedentes. Então, afirmou ele, “revertendo essas decisões comprovadamente errôneas, a questão que restaria seria sobre outras provisões constitucionais” protegidas pelos direitos que elas estabeleceram.

Esse tipo de discurso é exatamente o que defensores de direitos reprodutivos e de pessoas LGBT+ temiam. Defensores do direito ao aborto alertaram repetidamente que, se Roe versus Wade caísse, os direitos a contracepção e casamentos entre pessoas do mesmo sexo seriam os próximos.

Os contrários ao aborto, que lutaram arduamente para reverter Roe versus Wade, insistiram que não tinham nenhum interesse em tentar aniquilar o direito à contracepção.

Entretanto, Estados como Missouri já tentam restringir o acesso à contracepção banindo fundos públicos destinados a esses métodos: dispositivos intrauterinos e as chamadas pílulas do dia seguinte. E alguns republicanos, notadamente a senadora Marsha Blackburn, do Tennessee, têm afirmado que a decisão do caso Griswold versus Connecticut foi equivocada. Anteriormente este mês, Blackburn qualificou o caso Griswold versus Connecticut como “infundado constitucionalmente”.

Somente o ministro Thomas assinou a opinião dissertativa que expuseram esses pontos.

Lawrence Gostin, professor da Faculdade de Direito da Universidade Georgetown e especialista em legislação de saúde pública, afirmou que seria “fácil desprezar Thomas qualificando-o como um lobo solitário” e que fazer isso seria um erro. Agora que a maioria da corte destruiu o fundamento sobre o qual o argumento de Roe versus Wade foi construído, afirmou ele, “outros direitos também poderão ruir”.

Gostin citou outra área jurídica contenciosa, o direito a possuir armas de fogo, como exemplo. Em decisões em que a 2.ª Emenda se aplica a indivíduos, afirmou ele, a corte rejeitou um antigo e duradouro precedente. Na época, afirmou ele, o ministro Antonin Scalia afirmou que a decisão não afetaria outras regulações de controle de armas. Mas “aquela promessa não durou”, afirmou ele, notando que na quinta-feira a corte emitiu uma importante decisão expandindo o direito às armas de fogo.

Para entender

Roe v Wade foi um caso levado à Suprema Corte em 1973 por duas advogadas do Texas que, para garantir o direito ao aborto de sua cliente Jane Roe, argumentaram que a 14ª emenda da Constituição americana, por meio da “cláusula do devido processo’, protege a privacidade da mulher que pretende terminar a gravidez. O argumento foi acatado por 7 votos a 2 na ocasião e, com isso, o aborto legal saiu da esfera estadual, nos EUA, e a passou a obter uma proteção constitucional, de nível federal.

Os juízes da Suprema Corte reviram hoje a jurisprudência de quase 50 anos ao julgar uma lei de 2018 do Estado do Mississipi que proibia abortos se “a idade gestacional provável do feto humano” fosse determinada em mais de 15 semanas. Tribunais federais de instâncias menores tinham bloqueadoa legislação, justamente com o argumento de que ela esbarrava na jurisprudência estabelecida em Roe v Wade e reafirmada em outros julgamentos da Corte.

Mas dessa vez, com uma maioria conservadoras de seis juízes dos nove que compõem a Corte, a jurisprudência foi revista.

Toda a mudança envolvendo o aborto nos EUA aconteceu em parte porque o direito americano deriva da common law inglesa, que se baseia no conceito de stare decisis (decisão por precedentes). Além disso, o caráter federalista da enxuta Constituição americana delega ao máximo aos Estados a maior parte das legislações sobre a vida comum e temas de escopo federal são bastante raros. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O ministro da Suprema Corte dos EUA Clarence Thomas expôs durante a argumentação do seu voto para derrubar a decisão Roe versus Wade uma visão a respeito de outros direitos que poderiam desaparecer. De acordo com ele, a mesma justificativa para o direito ao aborto como inexistente deveria ser usada para pôr fim a decisões que estabeleceram os direitos a contracepção, relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo e casamento LGBT.

A opinião da maioria da corte, redigida pelo ministro Samuel Alito, é que nada na decisão desta sexta-feira, 24, “deveria ser entendido para colocar em dúvida precedentes que não tangem o aborto”.

O ministro Clarence Thomas afirmou concordar com essa posição. Contudo, notou em sua justificativa que a maioria da corte considerou que o direito ao aborto não é uma forma de “liberdade” protegida pela cláusula que garante o devido processo prevista na 14.ª Emenda à Constituição — conforme a corte havia decidido no caso Roe versus Wade.

Juízes da Suprema Corte Clarence Thomas (esquerda) e Brett M. Kavanaugh (centro) ao lado de juiz Harvie Wilkinson (direita) em imagem de 13 de setembro de 2019 Foto: Bill O'Leary/Washington Post

Então, ele mirou em três outros casos emblemáticos que se valeram da mesma argumentação legal: Griswold versus Connecticut, uma decisão de 1965 que declarou que pessoas do mesmo sexo que fossem casadas tinham direito à contracepção; Lawrence versus Texas, um caso de 2003 que invalidou leis contra sodomia e legalizou atividades sexuais entre pessoas do mesmo sexo em todo o país; e Obergefell versus Hodges, o caso de 2015 que estabeleceu o direito de casamento aos casais LGBTs.

O ministro Thomas escreveu que a corte “deveria reconsiderar” as três decisões, afirmando que o tribunal tem o dever de “corrigir o equívoco” estabelecido nesses precedentes. Então, afirmou ele, “revertendo essas decisões comprovadamente errôneas, a questão que restaria seria sobre outras provisões constitucionais” protegidas pelos direitos que elas estabeleceram.

Esse tipo de discurso é exatamente o que defensores de direitos reprodutivos e de pessoas LGBT+ temiam. Defensores do direito ao aborto alertaram repetidamente que, se Roe versus Wade caísse, os direitos a contracepção e casamentos entre pessoas do mesmo sexo seriam os próximos.

Os contrários ao aborto, que lutaram arduamente para reverter Roe versus Wade, insistiram que não tinham nenhum interesse em tentar aniquilar o direito à contracepção.

Entretanto, Estados como Missouri já tentam restringir o acesso à contracepção banindo fundos públicos destinados a esses métodos: dispositivos intrauterinos e as chamadas pílulas do dia seguinte. E alguns republicanos, notadamente a senadora Marsha Blackburn, do Tennessee, têm afirmado que a decisão do caso Griswold versus Connecticut foi equivocada. Anteriormente este mês, Blackburn qualificou o caso Griswold versus Connecticut como “infundado constitucionalmente”.

Somente o ministro Thomas assinou a opinião dissertativa que expuseram esses pontos.

Lawrence Gostin, professor da Faculdade de Direito da Universidade Georgetown e especialista em legislação de saúde pública, afirmou que seria “fácil desprezar Thomas qualificando-o como um lobo solitário” e que fazer isso seria um erro. Agora que a maioria da corte destruiu o fundamento sobre o qual o argumento de Roe versus Wade foi construído, afirmou ele, “outros direitos também poderão ruir”.

Gostin citou outra área jurídica contenciosa, o direito a possuir armas de fogo, como exemplo. Em decisões em que a 2.ª Emenda se aplica a indivíduos, afirmou ele, a corte rejeitou um antigo e duradouro precedente. Na época, afirmou ele, o ministro Antonin Scalia afirmou que a decisão não afetaria outras regulações de controle de armas. Mas “aquela promessa não durou”, afirmou ele, notando que na quinta-feira a corte emitiu uma importante decisão expandindo o direito às armas de fogo.

Para entender

Roe v Wade foi um caso levado à Suprema Corte em 1973 por duas advogadas do Texas que, para garantir o direito ao aborto de sua cliente Jane Roe, argumentaram que a 14ª emenda da Constituição americana, por meio da “cláusula do devido processo’, protege a privacidade da mulher que pretende terminar a gravidez. O argumento foi acatado por 7 votos a 2 na ocasião e, com isso, o aborto legal saiu da esfera estadual, nos EUA, e a passou a obter uma proteção constitucional, de nível federal.

Os juízes da Suprema Corte reviram hoje a jurisprudência de quase 50 anos ao julgar uma lei de 2018 do Estado do Mississipi que proibia abortos se “a idade gestacional provável do feto humano” fosse determinada em mais de 15 semanas. Tribunais federais de instâncias menores tinham bloqueadoa legislação, justamente com o argumento de que ela esbarrava na jurisprudência estabelecida em Roe v Wade e reafirmada em outros julgamentos da Corte.

Mas dessa vez, com uma maioria conservadoras de seis juízes dos nove que compõem a Corte, a jurisprudência foi revista.

Toda a mudança envolvendo o aborto nos EUA aconteceu em parte porque o direito americano deriva da common law inglesa, que se baseia no conceito de stare decisis (decisão por precedentes). Além disso, o caráter federalista da enxuta Constituição americana delega ao máximo aos Estados a maior parte das legislações sobre a vida comum e temas de escopo federal são bastante raros. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O ministro da Suprema Corte dos EUA Clarence Thomas expôs durante a argumentação do seu voto para derrubar a decisão Roe versus Wade uma visão a respeito de outros direitos que poderiam desaparecer. De acordo com ele, a mesma justificativa para o direito ao aborto como inexistente deveria ser usada para pôr fim a decisões que estabeleceram os direitos a contracepção, relações sexuais consensuais entre pessoas do mesmo sexo e casamento LGBT.

A opinião da maioria da corte, redigida pelo ministro Samuel Alito, é que nada na decisão desta sexta-feira, 24, “deveria ser entendido para colocar em dúvida precedentes que não tangem o aborto”.

O ministro Clarence Thomas afirmou concordar com essa posição. Contudo, notou em sua justificativa que a maioria da corte considerou que o direito ao aborto não é uma forma de “liberdade” protegida pela cláusula que garante o devido processo prevista na 14.ª Emenda à Constituição — conforme a corte havia decidido no caso Roe versus Wade.

Juízes da Suprema Corte Clarence Thomas (esquerda) e Brett M. Kavanaugh (centro) ao lado de juiz Harvie Wilkinson (direita) em imagem de 13 de setembro de 2019 Foto: Bill O'Leary/Washington Post

Então, ele mirou em três outros casos emblemáticos que se valeram da mesma argumentação legal: Griswold versus Connecticut, uma decisão de 1965 que declarou que pessoas do mesmo sexo que fossem casadas tinham direito à contracepção; Lawrence versus Texas, um caso de 2003 que invalidou leis contra sodomia e legalizou atividades sexuais entre pessoas do mesmo sexo em todo o país; e Obergefell versus Hodges, o caso de 2015 que estabeleceu o direito de casamento aos casais LGBTs.

O ministro Thomas escreveu que a corte “deveria reconsiderar” as três decisões, afirmando que o tribunal tem o dever de “corrigir o equívoco” estabelecido nesses precedentes. Então, afirmou ele, “revertendo essas decisões comprovadamente errôneas, a questão que restaria seria sobre outras provisões constitucionais” protegidas pelos direitos que elas estabeleceram.

Esse tipo de discurso é exatamente o que defensores de direitos reprodutivos e de pessoas LGBT+ temiam. Defensores do direito ao aborto alertaram repetidamente que, se Roe versus Wade caísse, os direitos a contracepção e casamentos entre pessoas do mesmo sexo seriam os próximos.

Os contrários ao aborto, que lutaram arduamente para reverter Roe versus Wade, insistiram que não tinham nenhum interesse em tentar aniquilar o direito à contracepção.

Entretanto, Estados como Missouri já tentam restringir o acesso à contracepção banindo fundos públicos destinados a esses métodos: dispositivos intrauterinos e as chamadas pílulas do dia seguinte. E alguns republicanos, notadamente a senadora Marsha Blackburn, do Tennessee, têm afirmado que a decisão do caso Griswold versus Connecticut foi equivocada. Anteriormente este mês, Blackburn qualificou o caso Griswold versus Connecticut como “infundado constitucionalmente”.

Somente o ministro Thomas assinou a opinião dissertativa que expuseram esses pontos.

Lawrence Gostin, professor da Faculdade de Direito da Universidade Georgetown e especialista em legislação de saúde pública, afirmou que seria “fácil desprezar Thomas qualificando-o como um lobo solitário” e que fazer isso seria um erro. Agora que a maioria da corte destruiu o fundamento sobre o qual o argumento de Roe versus Wade foi construído, afirmou ele, “outros direitos também poderão ruir”.

Gostin citou outra área jurídica contenciosa, o direito a possuir armas de fogo, como exemplo. Em decisões em que a 2.ª Emenda se aplica a indivíduos, afirmou ele, a corte rejeitou um antigo e duradouro precedente. Na época, afirmou ele, o ministro Antonin Scalia afirmou que a decisão não afetaria outras regulações de controle de armas. Mas “aquela promessa não durou”, afirmou ele, notando que na quinta-feira a corte emitiu uma importante decisão expandindo o direito às armas de fogo.

Para entender

Roe v Wade foi um caso levado à Suprema Corte em 1973 por duas advogadas do Texas que, para garantir o direito ao aborto de sua cliente Jane Roe, argumentaram que a 14ª emenda da Constituição americana, por meio da “cláusula do devido processo’, protege a privacidade da mulher que pretende terminar a gravidez. O argumento foi acatado por 7 votos a 2 na ocasião e, com isso, o aborto legal saiu da esfera estadual, nos EUA, e a passou a obter uma proteção constitucional, de nível federal.

Os juízes da Suprema Corte reviram hoje a jurisprudência de quase 50 anos ao julgar uma lei de 2018 do Estado do Mississipi que proibia abortos se “a idade gestacional provável do feto humano” fosse determinada em mais de 15 semanas. Tribunais federais de instâncias menores tinham bloqueadoa legislação, justamente com o argumento de que ela esbarrava na jurisprudência estabelecida em Roe v Wade e reafirmada em outros julgamentos da Corte.

Mas dessa vez, com uma maioria conservadoras de seis juízes dos nove que compõem a Corte, a jurisprudência foi revista.

Toda a mudança envolvendo o aborto nos EUA aconteceu em parte porque o direito americano deriva da common law inglesa, que se baseia no conceito de stare decisis (decisão por precedentes). Além disso, o caráter federalista da enxuta Constituição americana delega ao máximo aos Estados a maior parte das legislações sobre a vida comum e temas de escopo federal são bastante raros. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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