REUTERS, SEUL - O surto de coronavírus na Coreia do Norte ameaça aprofundar a já terrível situação alimentar do país este ano, já que uma quarentena nacional prejudicaria os esforços contínuos contra a seca e a mobilização de trabalhadores, disseram analistas.
O Norte isolado confirmou na quinta-feira o primeiro surto de covid-19 no país desde que a pandemia surgiu, há mais de dois anos, declarando a “mais grave emergência nacional” e impondo um confinamento nacional.
Pyongyang também confirmou na quinta a primeira morte na pandemia, afirmando que quase 190 mil pessoas estão em isolamento.
O surto acontece enquanto o país intensifica uma “luta total” contra a seca, com o líder Kim Jong-un alertando para uma situação alimentar tensa devido à pandemia e aos tufões do ano passado.
A mídia estatal disse na semana passada que trabalhadores de fábricas e até autoridades do governo foram enviados para ajudar a melhorar as instalações agrícolas e garantir os recursos hídricos em todo o país.
Secas e inundações há muito representam ameaças sazonais à Coreia do Norte, e quaisquer grandes riscos naturais podem prejudicar ainda mais sua economia reclusa.
A pandemia já havia reduzido o comércio e as doações internacionais de alimentos e, em um país fortemente dependente do trabalho humano na agricultura e sem infraestrutura industrial e médica, uma crise de covid-19 pode exacerbar ainda mais a escassez de alimentos, disseram analistas.
“Na Coreia do Norte, a atividade econômica exige muitos movimentos das pessoas, e você não pode esperar comércio ou grande ajuda da China”, disse Lim Eul-chul, professor de estudos norte-coreanos da Universidade Kyungnam, na Coreia do Sul. “Mas agora a atividade agrícola poderia ser reduzida e a distribuição de fertilizantes, matérias-primas e equipamentos se tornaria difícil.”
As agências de ajuda da ONU e a maioria dos outros grupos de ajuda deixaram o país em meio a paralisações prolongadas nas fronteiras e dizem que é difícil avaliar exatamente o quão ruim está a situação por lá.
Mas Ji Seong-ho, um parlamentar sul-coreano que desertou do Norte em 2006 e fez campanha pelos direitos humanos dos norte-coreanos, disse que o vírus pode se espalhar rapidamente devido em parte à falta de um sistema médico funcional.
“O surto de covid pode atingir duramente a temporada agrícola em andamento, e a segurança alimentar pode se tornar realmente séria neste ano e no próximo”, disse em uma sessão parlamentar.
As sanções internacionais sobre os programas de armas do Norte restringem amplas faixas de seu comércio, e o país fechou sua fronteira no início de 2020 para evitar o vírus.
A reabertura do comércio fronteiriço no início deste ano levantou um vislumbre de esperança, apenas para ser interrompido em abril por causa dos surtos de covid na China, que recentemente impôs restrições extremamente rígidas em grandes cidades como Xangai. Imagens de satélite mostram mercadorias paradas por semanas ou meses em instalações portuárias terrestres e marítimas.
Cheong Seong-chang, diretor do centro de estudos da Coreia do Norte do Instituto Sejong na Coreia do Sul, disse que o Norte pode impor medidas limitadas — ao contrário dos movimentos radicais da China — para garantir que algumas atividades continuem, referindo-se à ordem de Kim de manter o confinamento nas cidades e nos condados.
“Mas, com o tempo, a falta de movimento interregional prejudicaria a oferta e a produção, e a Coreia do Norte pode eventualmente enfrentar uma séria crise alimentar e uma grande confusão que foi vista na China recentemente”, disse Cheong.
Em março, a ONU instou Pyongyang a reabrir suas fronteiras para ajudar trabalhadores e importações de alimentos, dizendo que seu isolamento cada vez mais profundo pode ter deixado muitos passando fome.
O Programa Mundial de Alimentos estimou que, mesmo antes do surgimento da pandemia, 11 milhões de pessoas, ou mais de 40% da população do Norte, estavam desnutridas e precisavam de assistência.