Suspensão de vendas e disparada de preços marcam ressaca eleitoral na Argentina


Desvalorização do peso, aumentos descontrolados e incerteza devem disparar inflação de agosto

Por Luciana Taddeo
Atualização:

ESPECIAL PARA O ESTADÃO, DE BUENOS AIRES - O argentino Rubén Carballo recusou cerca de 60 vendas de pneus somente na manhã de segunda-feira. Apesar da frustração dos clientes, essa foi a solução que ele, dono de uma oficina mecânica em Buenos Aires, encontrou diante da falta de definição dos aumentos de produtos por fornecedores após a vitória de Javier Milei nas eleições primárias da Argentina. Desde sexta, o dólar paralelo - no qual muitos argentinos miram para estabelecer preços - saltou de 605 para 780 pesos e na segunda, a cotação oficial da moeda argentina sofreu sua maior desvalorização em um dia desde 2019.

“A fábrica nos avisou que não tinha uma lista de preços por não saber o que iria acontecer com a cotação do peso e que estava esperando a situação se estabilizar. Se vendêssemos ao preço de sábado e o aumento fosse de 30%, que era o que alguns fornecedores diziam que aumentaria, estaríamos em problemas para repor as mercadorias. Então decidimos não vender”, disse Carballo ao Estadão, do sofá de um escritório no fundo da oficina, onde teve que levar clientes para explicar — e acalmá-los — não só sobre a impossibilidade de vender, como posteriormente, sobre os aumentos dos preços.

Nesta terça, um cliente do local se indignou ao saber que o orçamento de quatro pneus, feito há mais de um mês, não poderia ser mantido. “Os preços já estavam desatualizados pelo aumento mensal de 8% que costumamos ter devido à desvalorização do peso, e agora ainda tinham esses 14% que aumentaram na segunda”, diz, relatando a conversa com o comprador, que se ofendeu, mas acabou trocando os pneus do carro.

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Rubén Carballo, dono de uma oficina em Buenos Aires, sofre com as incertezas na economia Foto: Luciana Taddeo/Estadão

Numa loja de peças de reposição de eletrodomésticos, todos os preços subiram desde segunda, inclusive o de reparações. “Atualizamos imediatamente quando os fornecedores nos avisaram dos aumentos. Um copo de liquidificador passou de 11 para 14 mil pesos, e os consertos subiram entre 10 e 15%. Arrumar um secador foi de 8 para 9,6 mil”, relata o vendedor Adrián Aguerrido. “Os consumidores sempre ficam com cara de assustados, mas não sabemos o que vai acontecer amanhã. Tudo está aumentando, não dá para ficar quieto e não alterar os preços”, justifica.

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O temor acerca do futuro da economia paira sobre praticamente todos os setores. Os argentinos, que já viam seu poder aquisitivo corroído por uma inflação que fechou em 6,3% em julho e acumulou 113,4% nos últimos 12 meses, agora veem os preços dispararem de forma descontrolada, inclusive quando se trata de insumos básicos, como alimentos.

“Nesta segunda, havia muitos rumores de aumentos entre 10 e 20% e muitos colegas me mandaram áudios preocupados, perguntando se deveriam abrir seus armazéns, ou fechar por dois dias”, conta Fernando Savore, presidente da Federação de Donos de Armazéns da província de Buenos Aires. “Disse que temos a obrigação de abrir, porque somos comércios de bairro que vendem alimentos. Mas se eles não tiverem como repor os produtos, ficam em uma situação muito delicada”, explica.

Fernando Savore, presidente da Federação de Donos de Armazéns da província de Buenos Aires. Foto: Luciana Taddeo/Estadão
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Desde terça, parte dos fornecedores passou a divulgar os reajustes, mas a informação não agradou nem a clientes nem a comerciantes. “Não tem mercadoria no comércio que se salve”, lamenta ele, na sua mercearia na cidade de Morón, na Grande Buenos Aires, contando que um fornecedor de alimentos aumentou todos os seus produtos em 25%. “Uma empresa de bolachas hoje veio com 20% de aumento, produtos refrigerados ou congelados com reajustes entre 10 e 12%, a erva-mate com 20% e também já fomos avisados de um aumento dos lácteos, apesar de já terem subido entre 6 e 9% no começo do mês”, diz, acrescentando que a cerveja também aumentou 15% no início de agosto e agora foi reajustada em mais 10%.

Segundo ele, já era perceptível a falta de algumas marcas de produtos em atacadistas, onde os donos de armazém costumam fazer compras. “Não havia abastecimento total, e sabemos que quando isso acontece, vem um salto nos preços”, afirma, alegando que o país atravessa um momento crítico mas que “também tem muita especulação”. “Ainda não temos listas de preços de alguns distribuidores, simplesmente te falam de aumentos de 15 a 20%”. “Tudo está freado pela incerteza em relação à cotação do dólar, que não para de subir”, lamenta.

Martin Pinto, representante do Centro de Padeiros de Merlo, na Área Metropolitana de Buenos Aires, conta que vários fornecedores informaram que não venderiam matéria-prima como farinha de trigo e açúcar nesta semana, enquanto não tiverem um valor estipulado para os produtos. “Isso está acontecendo em todos os setores. Hoje eu andava pelo centro de Merlo e tinha lojas e açougues fechados, porque não há preços fixos. É como o que vivemos em 2001, diz ele, que já informou que devido ao encarecimento dos insumos, o preço do pão aumentará 15%.

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Padeiro Alfredo Botusansky tem dificuldades para encontrar os queijos prato e roquefort. Foto: Luciana Taddeo/Estadão

Dono de uma pequena padaria na capital, Alfredo Botusansky conta que está com problemas para conseguir queijo prato e roquefort para elaborar os tradicionais “sanduíches de miga”, com pão de forma branco e fino, sem casca. “Liguei para pedir para pedir para esta terça e me disseram que não tem. Só vão me mandar presunto e outro tipo de queijo, e já me avisaram que essa será a última vez ao preço antigo, porque os frios vão subir entre 20 e 25%”, diz, explicando que só aumentará os valores dos seus produtos quando esses reajustes forem aplicados.

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Já acostumado aos impactos econômicos do país, ele se preparou antes do fim de semana eleitoral, estocando açúcar, manteiga, margarina e chocolates para elaborar seus quitutes nos dias de instabilidade. E lamenta que os aumentos façam com que os clientes comprem cada vez menos: “Antes os clientes levavam um quarto, meio quilo ou um quilo de pão, agora pedem exatamente o valor que tem nas mãos. A mesma coisa com os croissants, antes compravam de dúzia, agora pedem duas, oito. Diminuíram as quantidades, é bem perceptível”, detalha.

Em um açougue portenho, os clientes foram surpreendidos por um aumento de 18% nos cortes de carne na segunda pós-eleitoral e um novo aumento de 38% somente nesta quarta. Javier Vilanova, 39 anos, responsável pelo local, conta que em 27 anos de experiência no setor, nunca viu um aumento tão brusco: “Tinha visto algo assim somente na na crise de 2001, 2002, quando houve um aumento de 35%”, lembra, sobre a mais grave crise do país até então.

Açougue em Buenos Aires tem aumento de preços como efeito da incerteza política Foto: Luciana Taddeo/Estadão
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O governo de Alberto Fernández anunciou negociações com frigoríficos para tentar mitigar os aumentos. Para Vilanova, os clientes não devem diminuir a qualidade da carne que consomem, mas sim as quantidades. “A Argentina vai deixar de ser carnívora?”, questiona a reportagem para o caixa do açougue. “Duvido”, responde ele rindo e, apesar de tudo, otimista: “Podem parar de comer arroz e massa, mas carne vão continuar comprando”.

ESPECIAL PARA O ESTADÃO, DE BUENOS AIRES - O argentino Rubén Carballo recusou cerca de 60 vendas de pneus somente na manhã de segunda-feira. Apesar da frustração dos clientes, essa foi a solução que ele, dono de uma oficina mecânica em Buenos Aires, encontrou diante da falta de definição dos aumentos de produtos por fornecedores após a vitória de Javier Milei nas eleições primárias da Argentina. Desde sexta, o dólar paralelo - no qual muitos argentinos miram para estabelecer preços - saltou de 605 para 780 pesos e na segunda, a cotação oficial da moeda argentina sofreu sua maior desvalorização em um dia desde 2019.

“A fábrica nos avisou que não tinha uma lista de preços por não saber o que iria acontecer com a cotação do peso e que estava esperando a situação se estabilizar. Se vendêssemos ao preço de sábado e o aumento fosse de 30%, que era o que alguns fornecedores diziam que aumentaria, estaríamos em problemas para repor as mercadorias. Então decidimos não vender”, disse Carballo ao Estadão, do sofá de um escritório no fundo da oficina, onde teve que levar clientes para explicar — e acalmá-los — não só sobre a impossibilidade de vender, como posteriormente, sobre os aumentos dos preços.

Nesta terça, um cliente do local se indignou ao saber que o orçamento de quatro pneus, feito há mais de um mês, não poderia ser mantido. “Os preços já estavam desatualizados pelo aumento mensal de 8% que costumamos ter devido à desvalorização do peso, e agora ainda tinham esses 14% que aumentaram na segunda”, diz, relatando a conversa com o comprador, que se ofendeu, mas acabou trocando os pneus do carro.

Rubén Carballo, dono de uma oficina em Buenos Aires, sofre com as incertezas na economia Foto: Luciana Taddeo/Estadão

Numa loja de peças de reposição de eletrodomésticos, todos os preços subiram desde segunda, inclusive o de reparações. “Atualizamos imediatamente quando os fornecedores nos avisaram dos aumentos. Um copo de liquidificador passou de 11 para 14 mil pesos, e os consertos subiram entre 10 e 15%. Arrumar um secador foi de 8 para 9,6 mil”, relata o vendedor Adrián Aguerrido. “Os consumidores sempre ficam com cara de assustados, mas não sabemos o que vai acontecer amanhã. Tudo está aumentando, não dá para ficar quieto e não alterar os preços”, justifica.

O temor acerca do futuro da economia paira sobre praticamente todos os setores. Os argentinos, que já viam seu poder aquisitivo corroído por uma inflação que fechou em 6,3% em julho e acumulou 113,4% nos últimos 12 meses, agora veem os preços dispararem de forma descontrolada, inclusive quando se trata de insumos básicos, como alimentos.

“Nesta segunda, havia muitos rumores de aumentos entre 10 e 20% e muitos colegas me mandaram áudios preocupados, perguntando se deveriam abrir seus armazéns, ou fechar por dois dias”, conta Fernando Savore, presidente da Federação de Donos de Armazéns da província de Buenos Aires. “Disse que temos a obrigação de abrir, porque somos comércios de bairro que vendem alimentos. Mas se eles não tiverem como repor os produtos, ficam em uma situação muito delicada”, explica.

Fernando Savore, presidente da Federação de Donos de Armazéns da província de Buenos Aires. Foto: Luciana Taddeo/Estadão

Desde terça, parte dos fornecedores passou a divulgar os reajustes, mas a informação não agradou nem a clientes nem a comerciantes. “Não tem mercadoria no comércio que se salve”, lamenta ele, na sua mercearia na cidade de Morón, na Grande Buenos Aires, contando que um fornecedor de alimentos aumentou todos os seus produtos em 25%. “Uma empresa de bolachas hoje veio com 20% de aumento, produtos refrigerados ou congelados com reajustes entre 10 e 12%, a erva-mate com 20% e também já fomos avisados de um aumento dos lácteos, apesar de já terem subido entre 6 e 9% no começo do mês”, diz, acrescentando que a cerveja também aumentou 15% no início de agosto e agora foi reajustada em mais 10%.

Segundo ele, já era perceptível a falta de algumas marcas de produtos em atacadistas, onde os donos de armazém costumam fazer compras. “Não havia abastecimento total, e sabemos que quando isso acontece, vem um salto nos preços”, afirma, alegando que o país atravessa um momento crítico mas que “também tem muita especulação”. “Ainda não temos listas de preços de alguns distribuidores, simplesmente te falam de aumentos de 15 a 20%”. “Tudo está freado pela incerteza em relação à cotação do dólar, que não para de subir”, lamenta.

Martin Pinto, representante do Centro de Padeiros de Merlo, na Área Metropolitana de Buenos Aires, conta que vários fornecedores informaram que não venderiam matéria-prima como farinha de trigo e açúcar nesta semana, enquanto não tiverem um valor estipulado para os produtos. “Isso está acontecendo em todos os setores. Hoje eu andava pelo centro de Merlo e tinha lojas e açougues fechados, porque não há preços fixos. É como o que vivemos em 2001, diz ele, que já informou que devido ao encarecimento dos insumos, o preço do pão aumentará 15%.

Padeiro Alfredo Botusansky tem dificuldades para encontrar os queijos prato e roquefort. Foto: Luciana Taddeo/Estadão

Dono de uma pequena padaria na capital, Alfredo Botusansky conta que está com problemas para conseguir queijo prato e roquefort para elaborar os tradicionais “sanduíches de miga”, com pão de forma branco e fino, sem casca. “Liguei para pedir para pedir para esta terça e me disseram que não tem. Só vão me mandar presunto e outro tipo de queijo, e já me avisaram que essa será a última vez ao preço antigo, porque os frios vão subir entre 20 e 25%”, diz, explicando que só aumentará os valores dos seus produtos quando esses reajustes forem aplicados.

Já acostumado aos impactos econômicos do país, ele se preparou antes do fim de semana eleitoral, estocando açúcar, manteiga, margarina e chocolates para elaborar seus quitutes nos dias de instabilidade. E lamenta que os aumentos façam com que os clientes comprem cada vez menos: “Antes os clientes levavam um quarto, meio quilo ou um quilo de pão, agora pedem exatamente o valor que tem nas mãos. A mesma coisa com os croissants, antes compravam de dúzia, agora pedem duas, oito. Diminuíram as quantidades, é bem perceptível”, detalha.

Em um açougue portenho, os clientes foram surpreendidos por um aumento de 18% nos cortes de carne na segunda pós-eleitoral e um novo aumento de 38% somente nesta quarta. Javier Vilanova, 39 anos, responsável pelo local, conta que em 27 anos de experiência no setor, nunca viu um aumento tão brusco: “Tinha visto algo assim somente na na crise de 2001, 2002, quando houve um aumento de 35%”, lembra, sobre a mais grave crise do país até então.

Açougue em Buenos Aires tem aumento de preços como efeito da incerteza política Foto: Luciana Taddeo/Estadão

O governo de Alberto Fernández anunciou negociações com frigoríficos para tentar mitigar os aumentos. Para Vilanova, os clientes não devem diminuir a qualidade da carne que consomem, mas sim as quantidades. “A Argentina vai deixar de ser carnívora?”, questiona a reportagem para o caixa do açougue. “Duvido”, responde ele rindo e, apesar de tudo, otimista: “Podem parar de comer arroz e massa, mas carne vão continuar comprando”.

ESPECIAL PARA O ESTADÃO, DE BUENOS AIRES - O argentino Rubén Carballo recusou cerca de 60 vendas de pneus somente na manhã de segunda-feira. Apesar da frustração dos clientes, essa foi a solução que ele, dono de uma oficina mecânica em Buenos Aires, encontrou diante da falta de definição dos aumentos de produtos por fornecedores após a vitória de Javier Milei nas eleições primárias da Argentina. Desde sexta, o dólar paralelo - no qual muitos argentinos miram para estabelecer preços - saltou de 605 para 780 pesos e na segunda, a cotação oficial da moeda argentina sofreu sua maior desvalorização em um dia desde 2019.

“A fábrica nos avisou que não tinha uma lista de preços por não saber o que iria acontecer com a cotação do peso e que estava esperando a situação se estabilizar. Se vendêssemos ao preço de sábado e o aumento fosse de 30%, que era o que alguns fornecedores diziam que aumentaria, estaríamos em problemas para repor as mercadorias. Então decidimos não vender”, disse Carballo ao Estadão, do sofá de um escritório no fundo da oficina, onde teve que levar clientes para explicar — e acalmá-los — não só sobre a impossibilidade de vender, como posteriormente, sobre os aumentos dos preços.

Nesta terça, um cliente do local se indignou ao saber que o orçamento de quatro pneus, feito há mais de um mês, não poderia ser mantido. “Os preços já estavam desatualizados pelo aumento mensal de 8% que costumamos ter devido à desvalorização do peso, e agora ainda tinham esses 14% que aumentaram na segunda”, diz, relatando a conversa com o comprador, que se ofendeu, mas acabou trocando os pneus do carro.

Rubén Carballo, dono de uma oficina em Buenos Aires, sofre com as incertezas na economia Foto: Luciana Taddeo/Estadão

Numa loja de peças de reposição de eletrodomésticos, todos os preços subiram desde segunda, inclusive o de reparações. “Atualizamos imediatamente quando os fornecedores nos avisaram dos aumentos. Um copo de liquidificador passou de 11 para 14 mil pesos, e os consertos subiram entre 10 e 15%. Arrumar um secador foi de 8 para 9,6 mil”, relata o vendedor Adrián Aguerrido. “Os consumidores sempre ficam com cara de assustados, mas não sabemos o que vai acontecer amanhã. Tudo está aumentando, não dá para ficar quieto e não alterar os preços”, justifica.

O temor acerca do futuro da economia paira sobre praticamente todos os setores. Os argentinos, que já viam seu poder aquisitivo corroído por uma inflação que fechou em 6,3% em julho e acumulou 113,4% nos últimos 12 meses, agora veem os preços dispararem de forma descontrolada, inclusive quando se trata de insumos básicos, como alimentos.

“Nesta segunda, havia muitos rumores de aumentos entre 10 e 20% e muitos colegas me mandaram áudios preocupados, perguntando se deveriam abrir seus armazéns, ou fechar por dois dias”, conta Fernando Savore, presidente da Federação de Donos de Armazéns da província de Buenos Aires. “Disse que temos a obrigação de abrir, porque somos comércios de bairro que vendem alimentos. Mas se eles não tiverem como repor os produtos, ficam em uma situação muito delicada”, explica.

Fernando Savore, presidente da Federação de Donos de Armazéns da província de Buenos Aires. Foto: Luciana Taddeo/Estadão

Desde terça, parte dos fornecedores passou a divulgar os reajustes, mas a informação não agradou nem a clientes nem a comerciantes. “Não tem mercadoria no comércio que se salve”, lamenta ele, na sua mercearia na cidade de Morón, na Grande Buenos Aires, contando que um fornecedor de alimentos aumentou todos os seus produtos em 25%. “Uma empresa de bolachas hoje veio com 20% de aumento, produtos refrigerados ou congelados com reajustes entre 10 e 12%, a erva-mate com 20% e também já fomos avisados de um aumento dos lácteos, apesar de já terem subido entre 6 e 9% no começo do mês”, diz, acrescentando que a cerveja também aumentou 15% no início de agosto e agora foi reajustada em mais 10%.

Segundo ele, já era perceptível a falta de algumas marcas de produtos em atacadistas, onde os donos de armazém costumam fazer compras. “Não havia abastecimento total, e sabemos que quando isso acontece, vem um salto nos preços”, afirma, alegando que o país atravessa um momento crítico mas que “também tem muita especulação”. “Ainda não temos listas de preços de alguns distribuidores, simplesmente te falam de aumentos de 15 a 20%”. “Tudo está freado pela incerteza em relação à cotação do dólar, que não para de subir”, lamenta.

Martin Pinto, representante do Centro de Padeiros de Merlo, na Área Metropolitana de Buenos Aires, conta que vários fornecedores informaram que não venderiam matéria-prima como farinha de trigo e açúcar nesta semana, enquanto não tiverem um valor estipulado para os produtos. “Isso está acontecendo em todos os setores. Hoje eu andava pelo centro de Merlo e tinha lojas e açougues fechados, porque não há preços fixos. É como o que vivemos em 2001, diz ele, que já informou que devido ao encarecimento dos insumos, o preço do pão aumentará 15%.

Padeiro Alfredo Botusansky tem dificuldades para encontrar os queijos prato e roquefort. Foto: Luciana Taddeo/Estadão

Dono de uma pequena padaria na capital, Alfredo Botusansky conta que está com problemas para conseguir queijo prato e roquefort para elaborar os tradicionais “sanduíches de miga”, com pão de forma branco e fino, sem casca. “Liguei para pedir para pedir para esta terça e me disseram que não tem. Só vão me mandar presunto e outro tipo de queijo, e já me avisaram que essa será a última vez ao preço antigo, porque os frios vão subir entre 20 e 25%”, diz, explicando que só aumentará os valores dos seus produtos quando esses reajustes forem aplicados.

Já acostumado aos impactos econômicos do país, ele se preparou antes do fim de semana eleitoral, estocando açúcar, manteiga, margarina e chocolates para elaborar seus quitutes nos dias de instabilidade. E lamenta que os aumentos façam com que os clientes comprem cada vez menos: “Antes os clientes levavam um quarto, meio quilo ou um quilo de pão, agora pedem exatamente o valor que tem nas mãos. A mesma coisa com os croissants, antes compravam de dúzia, agora pedem duas, oito. Diminuíram as quantidades, é bem perceptível”, detalha.

Em um açougue portenho, os clientes foram surpreendidos por um aumento de 18% nos cortes de carne na segunda pós-eleitoral e um novo aumento de 38% somente nesta quarta. Javier Vilanova, 39 anos, responsável pelo local, conta que em 27 anos de experiência no setor, nunca viu um aumento tão brusco: “Tinha visto algo assim somente na na crise de 2001, 2002, quando houve um aumento de 35%”, lembra, sobre a mais grave crise do país até então.

Açougue em Buenos Aires tem aumento de preços como efeito da incerteza política Foto: Luciana Taddeo/Estadão

O governo de Alberto Fernández anunciou negociações com frigoríficos para tentar mitigar os aumentos. Para Vilanova, os clientes não devem diminuir a qualidade da carne que consomem, mas sim as quantidades. “A Argentina vai deixar de ser carnívora?”, questiona a reportagem para o caixa do açougue. “Duvido”, responde ele rindo e, apesar de tudo, otimista: “Podem parar de comer arroz e massa, mas carne vão continuar comprando”.

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