TAIPÉ - Taiwan anunciou nesta terça-feira, 27, uma ampliação do serviço militar obrigatório, de quatro meses para um ano, em meio à crescente ameaça militar da China, incluindo uma recente mobilização aérea considerada a maior da história de Pequim. Em seu anúncio de extensão, Taipé citou a ameaça da China como justificativa.
A ilha de governo democrático vive sob a ameaça constante de uma invasão da China, cada vez mais beligerante, que a considera um território próprio que deve ser recuperado no futuro, inclusive pela força. Essa ameaça se intensificou desde que Pequim cortou as comunicações com o governo de Taiwan após a eleição da presidente taiwanesa Tsai Ing-wen em 2016, vista como pró-independência.
Tsai anunciou hoje o aumento do período de serviço militar para todos os homens nascidos a partir de 1º de janeiro de 2005 em uma entrevista coletiva, após uma reunião do governo sobre a segurança nacional. “Ninguém quer a guerra, mas, meus compatriotas, a paz não vai cair do céu”, afirmou Tsai Ing-wen. “O atual serviço militar de quatro meses não é suficiente para enfrentar uma situação que muda de maneira rápida e constante”.
“Nós decidimos restaurar o serviço militar de um ano a partir de 2024″, afirmou a presidente, antes de destacar que “as intimidações e ameaças da China contra Taiwan estão se tornando cada vez mais evidentes”.
Desde 2013, todos os homens com mais de 18 anos são obrigados a servir a partir de 1° de Janeiro do ano seguinte por pelo menos quatro meses em Taiwan. Ficar por mais tempo, bem como o serviço feminino, é completamente voluntário. Dos 188.000 militares de Taiwan, 90% são voluntários e 10% são homens cumprindo os quatro meses de serviço obrigatórios.
Mas com a nova regra, os homens nascidos após 2005 serão obrigados a servir no Exército por um ano, enquanto os nascidos antes de 2005 continuarão servindo quatro meses, mas sob um currículo de treinamento reformulado com o objetivo de fortalecer as forças de reserva da ilha, que somam 2,3 milhões de homens.
O serviço militar obrigatório era muito impopular em Taiwan, porque recordava a ditadura que comandou o país por muitas décadas. O governo anterior reduziu o período de um ano para quatro meses com o objetivo de criar uma força principalmente voluntária. Pesquisas recentes mostram, no entanto, que mais de 75% dos taiwaneses consideram o período muito curto.
Segundo Tsai, a ampliação é uma decisão extremamente difícil que permitirá assegurar o modo de vida democrático para as futuras gerações. “Só conseguiremos evitar a guerra se nos prepararmos para uma guerra. E só podemos impedir uma guerra se tivermos capacidade de combater uma guerra”.
Ameaça constante
A perspectiva de uma invasão chinesa preocupa cada vez mais Taipé e seus aliados ocidentais, principalmente depois da ofensiva da Rússia contra a Ucrânia. Durante a presidência de Xi Jinping, a China intensificou as ações beligerantes contra a ilha.
O Exército Popular de Libertação da China, em particular, intensificou seu assédio militar, enviando aviões de combate e navios da marinha para Taiwan quase diariamente nos últimos anos. Em resposta, os militares da ilha rastreiam ativamente esses movimentos, que muitas vezes servem como treinamento para seus próprios militares.
No último domingo, 25, os militares chineses enviaram 71 aviões e sete navios para Taiwan em um período de 24 horas, na maior mobilização aérea de sua história contra as defesas da ilha. Segundo o Ministério da Defesa taiwanês, 47 aviões cruzaram a chamada linha mediana, que divide sem reconhecimento oficial as áreas chinesa e de Taipé, sobre o estreito marítimo que separa os territórios.
Separada de fato da China continental desde 1949, Taiwan seria amplamente superada em um conflito hipotético, com 188.000 soldados contra mais de um milhão do Exército de Pequim, segundo as estimativas do Pentágono. A China também supera a ilha em equipamentos militares.
A perspectiva de uma invasão chinesa preocupa cada vez mais os países ocidentais e muitos vizinhos da China. Xi Jinping, o presidente chinês mais autoritário em décadas, já afirmou que o que Pequim chama de reunificação de Taiwan não pode ser deixado para as futuras gerações.
Taiwan e China se dividiram após a Guerra Civil da China em 1949. Tsai já declarou que a reintegração a Pequim não é aceitável para a população da ilha. O terreno montanhoso da ilha é desafiador para uma força invasora, mas a China supera amplamente Taiwan em soldados e armamento.
Taiwan aumentou o treinamento de reservistas e a compra de aviões de combate e mísseis para fortalecer suas defesas, mas os especialistas consideram que isto é insuficiente. “Pelo nível de ameaça e o exemplo da Rússia na Ucrânia, espero que a população taiwanesa entenda que estas medidas são necessárias”, disse Michael Cole, analista que mora em Taipé.
Apoio dos EUA
A Casa Branca saudou o anúncio de Taiwan. “Continuaremos a ajudar Taiwan a manter uma capacidade de autodefesa suficiente, de acordo com nossos compromissos sob a Lei de Relações com Taiwan e nossa política de uma só China”, disse, acrescentando que continua a se opor a qualquer mudança unilateral no status quo por ambos os lados.
Pequim costuma usar exercícios militares para responder a movimentos que considera desafiar suas reivindicações de soberania. Em agosto, a presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, visitou Taiwan, e a China respondeu com os exercícios militares de maior escala realizados em décadas, porque viu a visita de Pelosi como uma troca diplomática oficial. Embora os EUA sejam o maior aliado não oficial da ilha, os dois governos tecnicamente não têm relações diplomáticas, já que Washington não reconhece formalmente Taiwan como um estado soberano.
O plano de extensão prepara Taiwan para aumentar suas capacidades de defesa, mas o que resta saber é quão bem o Ministério da Defesa realizará as reformas, disse Arthur Zhin-Sheng Wang, especialista em defesa da Universidade Central da Polícia de Taiwan.
“Esta é uma das etapas básicas que deveriam ter sido feitas há muito tempo”, disse Paul Huang, pesquisador da Fundação de Opinião Pública de Taiwan. Huang disse que o período de implementação em 2024, quando Taiwan elegerá um novo presidente, significa que Tsai está “passando a responsabilidade” para seu sucessor./AFP e AP