Tarifas, China e meio ambiente: o que muda para o Brasil com Trump ou Kamala na Casa Branca


Caso Kamala seja eleita, a tendência é de continuidade da relação que Lula tem com Biden, que é considerada boa, mas teve poucos frutos; em caso de vitória de Trump, Brasília deve esperar tarifas, mudanças de postura sobre o clima e possíveis conflitos ideológicos

Por Daniel Gateno

SÃO PAULO-A comunidade internacional aguarda com ansiedade o resultado da corrida presidencial nos Estados Unidos, que será decidida nesta terça-feira, 5. Países ao redor do globo calculam os próximos passos em um mundo que pode mudar de direção, dependendo do vencedor da disputa. O Brasil não é diferente.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou publicamente na sexta-feira, 1, que prefere uma vitória da vice-presidente americana e candidata presidencial democrata, Kamala Harris.

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“A Kamala ganhando as eleições é muito mais seguro para a gente fortalecer a democracia nos EUA”, afirmou Lula, em entrevista ao canal de TV francês TF1. “Nós vimos o que foi o presidente Trump no final do seu mandato, fazendo aquele ataque ao Capitólio, uma coisa que era impensável de acontecer nos EUA, porque os EUA se apresentavam ao mundo como um modelo de democracia. Esse modelo ruiu.”

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, enfrenta a vice-presidente americana e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, nas eleições presidenciais dos EUA  Foto: AP / AP

Quando o candidato democrata era o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, Lula também havia sinalizado que ele era o seu preferido. Com Kamala e Trump na disputa o cenário é incerto para o Brasil. A reportagem do Estadão entrevistou analistas para entender o que mudaria nas relações entre os dois países em caso de vitória da democrata ou do republicano.

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Kamala Harris

Política externa não é uma das áreas em que a vice-presidente se sente confortável, como é o caso de Biden, mas muitas posições do atual governo devem ser mantidas em relação a meio ambiente, direitos trabalhistas e relação com a China.

Kamala Harris é uma incógnita, afirma a professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),Cristina Pecequilo. “Não sabemos qual vai ser a equipe dela e nem se vai manter as posições intervencionistas da atual equipe de Biden. Eu não vejo grandes mudanças das políticas do atual presidente e o Brasil não é uma prioridade”.

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A vice-presidente dos Estados Unidos e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, participa de um comício na Casa Branca, em Washington  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

A relação entre Lula e Biden é considerada boa, mas rendeu poucos frutos. “Os dois presidentes tem uma convergência pessoal entre temas que são importantes para eles, como a questão do meio ambiente e também de direitos trabalhistas, mas, na prática, a dinâmica foi um pouco diferente”, avalia a especialista.

Em setembro de 2023, Lula e Biden lançaram a chamada Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores, para promover o trabalho digno e fomentar um desenvolvimento “inclusivo, sustentável e amplamente compartilhado com todos os trabalhadores”, segundo uma nota do Ministério do Trabalho e Emprego. Mas a iniciativa foi considerada tímida por analistas.

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O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de uma reunião na Casa Branca, em Washington, Estados Unidos  Foto: Alex Brandon/AP

“Brasil e Estados Unidos não aproveitaram em termos práticos este relacionamento entre Lula e Biden”, avalia Vitelio Brustolin, pesquisador da Universidade de Harvard e professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Simplesmente não vemos resultado”.

Falta de consenso

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Com Kamala, a tendência é que exista a mesma falta de consenso sobre temas importantes. Brasilia e Washington não concordaram sobre as cifras que os EUA enviariam para o Fundo Amazônia e os americanos também se opuseram a posicionamentos geopolíticos do Brasil sobre a guerra na Ucrânia e o conflito entre Israel, o grupo terrorista Hamas e a milícia xiita radical libanesa Hezbollah.

Enquanto os EUA são os principais aliados de Kiev e Tel-Aviv, Lula já se envolveu em diversas polêmicas por declarações sobre o conflito no Leste Europeu e também no Oriente Médio.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião com governadores e seu gabinete para discutir questões de segurança pública, em Brasília, Brasil  Foto: Sergio Lima/AFP
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Os EUA também são contrários a uma maior aproximação do Brasil com a China, principal parceiro comercial do País. Esta posição deve se manter independente do próximo presidente. Em um evento realizado pela Bloomberg em São Paulo no dia 23 de outubro, a representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, afirmou que Brasília deveria considerar os riscos de aderir à chamada Nova Rota da Seda, projeto de investimentos de Pequim.

Lula já afirmou que considera aderir à iniciativa. A embaixada da China em Brasília criticou as declarações da americana. “Tal ato carece de respeito ao Brasil, um país soberano, e despreza o fato de que a cooperação sino-brasileira é igualitária e mutuamente benéfica”, afirmou o corpo consular, em um comunicado.

Apesar das divergências, o momento é de respeito mútuo entre Brasil e EUA e as relações entre os dois países são sólidas, segundo a professora de relações internacionais da Unifesp. “Os países completaram 200 anos de relações diplomáticas e o chanceler Mauro Vieira já declarou que independente do presidente é uma relação estrutural para a diplomacia brasileira”.

O presidente da China, Xi Jinping, participa de uma reunião com o presidente da Finlândia, Alexander Stubb, em Pequim, China  Foto: Kazuki Kozaki/AP

Donald Trump

Se Donald Trump for eleito na terça-feira, 5, é certo que a palavra tarifa fará parte do nosso cotidiano. O republicano já chegou a declarar que tarifa é a sua palavra preferida no dicionário e o Brasil não deve passar ileso do impacto de possíveis medidas protecionistas do americano. Em seu primeiro mandato, o republicano chegou a anunciar tarifas para o aço e alumínio produzidos no Brasil.

“Trump vai fazer de tudo para priorizar a indústria americana e fazer com que empresas voltem para lá. O Brasil faz parte disso”, opina a especialista da Unifesp. “Existem setores econômicos brasileiros que competem com os setores econômicos americanos, como é o caso do agronegócio brasileiro”.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump. participa de um comício no Madison Square Garden, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Evan Vucci/AP

Pressões relacionadas à China também devem continuar com Trump. O republicano se envolveu em uma guerra comercial com Pequim em seu primeiro mandato. O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro foi pressionado por Trump e Biden sobre o uso de equipamentos da empresa chinesa Huawei na rede de telecomunicações 5G do Brasil.

“O Brasil precisa se conscientizar que caso Trump seja eleito o governo precisará navegar em águas mais turvas”, avalia a professora de relações internacionais. Apesar de uma possível tensão por conta da relação com a China, Washington não deve ter uma contrapartida para oferecer ao Brasil. “Os EUA não tem um plano de investimentos para o Brasil e nem para a América Latina. Brasília precisa do investimento de Pequim”.

Para Brustolin, uma vitória de Trump também seria muito ruim para a questão climática, um dos temas que o Brasil consegue se destacar mundialmente. O republicano retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, em 2017, por considerar que os termos não eram justos para Washington. Os EUA se reintegraram aos tratados quando Biden foi eleito presidente, em 2021.

“Trump nega as mudanças climáticas. Se os EUA saírem novamente dos Acordos de Paris, esta medida teria um efeito negativo para o Brasil, que vai sediar a COP 30 em Belém, no ano que vem”, aponta o pesquisador da Universidade de Harvard. O especialista destaca que o evento ficaria muito esvaziado sem a presença dos EUA nos acordos.

A maneira que Trump lidaria com a Venezuela também é incerta. No primeiro mandato do republicano, a estratégia para Caracas era a de “pressão máxima”, com sanções econômicas que contribuíram para a piora da economia venezuelana, e o reconhecimento do então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino do país. Quando o atual mandatário americano Joe Biden assumiu a Casa Branca a abordagem mudou, com a flexibilização de sanções, um acordo para a deportação de venezuelanos e o apoio de Washington aos acordos de Barbados.

Biden credenciou o Brasil como interlocutor em relação ao regime. Não está claro se Brasília conseguirá continuar neste papel, já que o governo Lula está em litigio com a ditadura de Maduro após o Brasil barrar a entrada de Caracas no Brics.

Posicionamentos brasileiros

Um eventual governo Trump também poderia punir posicionamentos brasileiros em política externa, segundo o professor de relações internacionais da UFF. Lula já questionou a hegemonia do dólar nas relações comerciais mundiais. A iniciativa interessa a países do Brics, como Rússia e China.

O presidente brasileiro tenta se colocar como líder do chamado Sul Global. Durante uma visita a Pequim em abril de 2023, o mandatário discursou duramente contra a hegemonia da moeda americana. “Por que não podemos fazer nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que não temos o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda, depois que desapareceu o ouro como paridade?”, questionou Lula.

Países que defendem uma desdolarização podem sofrer retaliações, opina Brustolin. “Nós vemos claramente que o governo Lula prefere se alinhar a países do Brics como China e Rússia do que com os Estados Unidos”.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião em Brasília  Foto: Wilton Junior/Estadão

Ideologia

As diferenças ideológicas entre Lula e Trump também devem aparecer em um eventual governo do americano. O presidente brasileiro rompeu com o protocolo ao sinalizar uma preferência por Kamala, mas ele não foi o único.

O ex-presidente Jair Bolsonaro tinha uma boa relação com o republicano e declarou sem cerimônia que preferia uma nova vitória do aliado em 2020, quando Trump tentava a reeleição. Após a vitória de Biden, Bolsonaro foi um dos últimos mandatários a reconhecer o pleito e teve uma relação distante com o democrata.

Após sair da Casa Branca, Trump retribuiu e gravou um vídeo em 2022 pedindo que os brasileiros elegessem Bolsonaro para um segundo mandato. O republicano também tem uma relação próxima com o atual presidente da Argentina, Javier Milei, que já teve rusgas públicas com Lula, e se alinha totalmente ao lado de Washington.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um comício em Lititz, Pensilvânia  Foto: Evan Vucci/AP

Para a professora de relações internacionais da Unifesp, apesar das diferenças entre Trump e Lula, um conflito ideológico não seria uma prioridade na agenda do republicano.

“Uma vitória do Trump teria um impacto interno maior do que externo no Brasil, já que poderia inflamar a extrema direita, que teve resultados ruins nas eleições municipais”, avalia Cristina Pecequilo. “Trump pode até ressaltar uma sintonia maior com políticos como Jair Bolsonaro, mas o republicano deve focar em outros temas em caso de vitória”.

SÃO PAULO-A comunidade internacional aguarda com ansiedade o resultado da corrida presidencial nos Estados Unidos, que será decidida nesta terça-feira, 5. Países ao redor do globo calculam os próximos passos em um mundo que pode mudar de direção, dependendo do vencedor da disputa. O Brasil não é diferente.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou publicamente na sexta-feira, 1, que prefere uma vitória da vice-presidente americana e candidata presidencial democrata, Kamala Harris.

“A Kamala ganhando as eleições é muito mais seguro para a gente fortalecer a democracia nos EUA”, afirmou Lula, em entrevista ao canal de TV francês TF1. “Nós vimos o que foi o presidente Trump no final do seu mandato, fazendo aquele ataque ao Capitólio, uma coisa que era impensável de acontecer nos EUA, porque os EUA se apresentavam ao mundo como um modelo de democracia. Esse modelo ruiu.”

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, enfrenta a vice-presidente americana e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, nas eleições presidenciais dos EUA  Foto: AP / AP

Quando o candidato democrata era o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, Lula também havia sinalizado que ele era o seu preferido. Com Kamala e Trump na disputa o cenário é incerto para o Brasil. A reportagem do Estadão entrevistou analistas para entender o que mudaria nas relações entre os dois países em caso de vitória da democrata ou do republicano.

Kamala Harris

Política externa não é uma das áreas em que a vice-presidente se sente confortável, como é o caso de Biden, mas muitas posições do atual governo devem ser mantidas em relação a meio ambiente, direitos trabalhistas e relação com a China.

Kamala Harris é uma incógnita, afirma a professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),Cristina Pecequilo. “Não sabemos qual vai ser a equipe dela e nem se vai manter as posições intervencionistas da atual equipe de Biden. Eu não vejo grandes mudanças das políticas do atual presidente e o Brasil não é uma prioridade”.

A vice-presidente dos Estados Unidos e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, participa de um comício na Casa Branca, em Washington  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

A relação entre Lula e Biden é considerada boa, mas rendeu poucos frutos. “Os dois presidentes tem uma convergência pessoal entre temas que são importantes para eles, como a questão do meio ambiente e também de direitos trabalhistas, mas, na prática, a dinâmica foi um pouco diferente”, avalia a especialista.

Em setembro de 2023, Lula e Biden lançaram a chamada Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores, para promover o trabalho digno e fomentar um desenvolvimento “inclusivo, sustentável e amplamente compartilhado com todos os trabalhadores”, segundo uma nota do Ministério do Trabalho e Emprego. Mas a iniciativa foi considerada tímida por analistas.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de uma reunião na Casa Branca, em Washington, Estados Unidos  Foto: Alex Brandon/AP

“Brasil e Estados Unidos não aproveitaram em termos práticos este relacionamento entre Lula e Biden”, avalia Vitelio Brustolin, pesquisador da Universidade de Harvard e professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Simplesmente não vemos resultado”.

Falta de consenso

Com Kamala, a tendência é que exista a mesma falta de consenso sobre temas importantes. Brasilia e Washington não concordaram sobre as cifras que os EUA enviariam para o Fundo Amazônia e os americanos também se opuseram a posicionamentos geopolíticos do Brasil sobre a guerra na Ucrânia e o conflito entre Israel, o grupo terrorista Hamas e a milícia xiita radical libanesa Hezbollah.

Enquanto os EUA são os principais aliados de Kiev e Tel-Aviv, Lula já se envolveu em diversas polêmicas por declarações sobre o conflito no Leste Europeu e também no Oriente Médio.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião com governadores e seu gabinete para discutir questões de segurança pública, em Brasília, Brasil  Foto: Sergio Lima/AFP

Os EUA também são contrários a uma maior aproximação do Brasil com a China, principal parceiro comercial do País. Esta posição deve se manter independente do próximo presidente. Em um evento realizado pela Bloomberg em São Paulo no dia 23 de outubro, a representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, afirmou que Brasília deveria considerar os riscos de aderir à chamada Nova Rota da Seda, projeto de investimentos de Pequim.

Lula já afirmou que considera aderir à iniciativa. A embaixada da China em Brasília criticou as declarações da americana. “Tal ato carece de respeito ao Brasil, um país soberano, e despreza o fato de que a cooperação sino-brasileira é igualitária e mutuamente benéfica”, afirmou o corpo consular, em um comunicado.

Apesar das divergências, o momento é de respeito mútuo entre Brasil e EUA e as relações entre os dois países são sólidas, segundo a professora de relações internacionais da Unifesp. “Os países completaram 200 anos de relações diplomáticas e o chanceler Mauro Vieira já declarou que independente do presidente é uma relação estrutural para a diplomacia brasileira”.

O presidente da China, Xi Jinping, participa de uma reunião com o presidente da Finlândia, Alexander Stubb, em Pequim, China  Foto: Kazuki Kozaki/AP

Donald Trump

Se Donald Trump for eleito na terça-feira, 5, é certo que a palavra tarifa fará parte do nosso cotidiano. O republicano já chegou a declarar que tarifa é a sua palavra preferida no dicionário e o Brasil não deve passar ileso do impacto de possíveis medidas protecionistas do americano. Em seu primeiro mandato, o republicano chegou a anunciar tarifas para o aço e alumínio produzidos no Brasil.

“Trump vai fazer de tudo para priorizar a indústria americana e fazer com que empresas voltem para lá. O Brasil faz parte disso”, opina a especialista da Unifesp. “Existem setores econômicos brasileiros que competem com os setores econômicos americanos, como é o caso do agronegócio brasileiro”.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump. participa de um comício no Madison Square Garden, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Evan Vucci/AP

Pressões relacionadas à China também devem continuar com Trump. O republicano se envolveu em uma guerra comercial com Pequim em seu primeiro mandato. O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro foi pressionado por Trump e Biden sobre o uso de equipamentos da empresa chinesa Huawei na rede de telecomunicações 5G do Brasil.

“O Brasil precisa se conscientizar que caso Trump seja eleito o governo precisará navegar em águas mais turvas”, avalia a professora de relações internacionais. Apesar de uma possível tensão por conta da relação com a China, Washington não deve ter uma contrapartida para oferecer ao Brasil. “Os EUA não tem um plano de investimentos para o Brasil e nem para a América Latina. Brasília precisa do investimento de Pequim”.

Para Brustolin, uma vitória de Trump também seria muito ruim para a questão climática, um dos temas que o Brasil consegue se destacar mundialmente. O republicano retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, em 2017, por considerar que os termos não eram justos para Washington. Os EUA se reintegraram aos tratados quando Biden foi eleito presidente, em 2021.

“Trump nega as mudanças climáticas. Se os EUA saírem novamente dos Acordos de Paris, esta medida teria um efeito negativo para o Brasil, que vai sediar a COP 30 em Belém, no ano que vem”, aponta o pesquisador da Universidade de Harvard. O especialista destaca que o evento ficaria muito esvaziado sem a presença dos EUA nos acordos.

A maneira que Trump lidaria com a Venezuela também é incerta. No primeiro mandato do republicano, a estratégia para Caracas era a de “pressão máxima”, com sanções econômicas que contribuíram para a piora da economia venezuelana, e o reconhecimento do então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino do país. Quando o atual mandatário americano Joe Biden assumiu a Casa Branca a abordagem mudou, com a flexibilização de sanções, um acordo para a deportação de venezuelanos e o apoio de Washington aos acordos de Barbados.

Biden credenciou o Brasil como interlocutor em relação ao regime. Não está claro se Brasília conseguirá continuar neste papel, já que o governo Lula está em litigio com a ditadura de Maduro após o Brasil barrar a entrada de Caracas no Brics.

Posicionamentos brasileiros

Um eventual governo Trump também poderia punir posicionamentos brasileiros em política externa, segundo o professor de relações internacionais da UFF. Lula já questionou a hegemonia do dólar nas relações comerciais mundiais. A iniciativa interessa a países do Brics, como Rússia e China.

O presidente brasileiro tenta se colocar como líder do chamado Sul Global. Durante uma visita a Pequim em abril de 2023, o mandatário discursou duramente contra a hegemonia da moeda americana. “Por que não podemos fazer nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que não temos o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda, depois que desapareceu o ouro como paridade?”, questionou Lula.

Países que defendem uma desdolarização podem sofrer retaliações, opina Brustolin. “Nós vemos claramente que o governo Lula prefere se alinhar a países do Brics como China e Rússia do que com os Estados Unidos”.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião em Brasília  Foto: Wilton Junior/Estadão

Ideologia

As diferenças ideológicas entre Lula e Trump também devem aparecer em um eventual governo do americano. O presidente brasileiro rompeu com o protocolo ao sinalizar uma preferência por Kamala, mas ele não foi o único.

O ex-presidente Jair Bolsonaro tinha uma boa relação com o republicano e declarou sem cerimônia que preferia uma nova vitória do aliado em 2020, quando Trump tentava a reeleição. Após a vitória de Biden, Bolsonaro foi um dos últimos mandatários a reconhecer o pleito e teve uma relação distante com o democrata.

Após sair da Casa Branca, Trump retribuiu e gravou um vídeo em 2022 pedindo que os brasileiros elegessem Bolsonaro para um segundo mandato. O republicano também tem uma relação próxima com o atual presidente da Argentina, Javier Milei, que já teve rusgas públicas com Lula, e se alinha totalmente ao lado de Washington.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um comício em Lititz, Pensilvânia  Foto: Evan Vucci/AP

Para a professora de relações internacionais da Unifesp, apesar das diferenças entre Trump e Lula, um conflito ideológico não seria uma prioridade na agenda do republicano.

“Uma vitória do Trump teria um impacto interno maior do que externo no Brasil, já que poderia inflamar a extrema direita, que teve resultados ruins nas eleições municipais”, avalia Cristina Pecequilo. “Trump pode até ressaltar uma sintonia maior com políticos como Jair Bolsonaro, mas o republicano deve focar em outros temas em caso de vitória”.

SÃO PAULO-A comunidade internacional aguarda com ansiedade o resultado da corrida presidencial nos Estados Unidos, que será decidida nesta terça-feira, 5. Países ao redor do globo calculam os próximos passos em um mundo que pode mudar de direção, dependendo do vencedor da disputa. O Brasil não é diferente.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou publicamente na sexta-feira, 1, que prefere uma vitória da vice-presidente americana e candidata presidencial democrata, Kamala Harris.

“A Kamala ganhando as eleições é muito mais seguro para a gente fortalecer a democracia nos EUA”, afirmou Lula, em entrevista ao canal de TV francês TF1. “Nós vimos o que foi o presidente Trump no final do seu mandato, fazendo aquele ataque ao Capitólio, uma coisa que era impensável de acontecer nos EUA, porque os EUA se apresentavam ao mundo como um modelo de democracia. Esse modelo ruiu.”

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, enfrenta a vice-presidente americana e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, nas eleições presidenciais dos EUA  Foto: AP / AP

Quando o candidato democrata era o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, Lula também havia sinalizado que ele era o seu preferido. Com Kamala e Trump na disputa o cenário é incerto para o Brasil. A reportagem do Estadão entrevistou analistas para entender o que mudaria nas relações entre os dois países em caso de vitória da democrata ou do republicano.

Kamala Harris

Política externa não é uma das áreas em que a vice-presidente se sente confortável, como é o caso de Biden, mas muitas posições do atual governo devem ser mantidas em relação a meio ambiente, direitos trabalhistas e relação com a China.

Kamala Harris é uma incógnita, afirma a professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),Cristina Pecequilo. “Não sabemos qual vai ser a equipe dela e nem se vai manter as posições intervencionistas da atual equipe de Biden. Eu não vejo grandes mudanças das políticas do atual presidente e o Brasil não é uma prioridade”.

A vice-presidente dos Estados Unidos e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, participa de um comício na Casa Branca, em Washington  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

A relação entre Lula e Biden é considerada boa, mas rendeu poucos frutos. “Os dois presidentes tem uma convergência pessoal entre temas que são importantes para eles, como a questão do meio ambiente e também de direitos trabalhistas, mas, na prática, a dinâmica foi um pouco diferente”, avalia a especialista.

Em setembro de 2023, Lula e Biden lançaram a chamada Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores, para promover o trabalho digno e fomentar um desenvolvimento “inclusivo, sustentável e amplamente compartilhado com todos os trabalhadores”, segundo uma nota do Ministério do Trabalho e Emprego. Mas a iniciativa foi considerada tímida por analistas.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de uma reunião na Casa Branca, em Washington, Estados Unidos  Foto: Alex Brandon/AP

“Brasil e Estados Unidos não aproveitaram em termos práticos este relacionamento entre Lula e Biden”, avalia Vitelio Brustolin, pesquisador da Universidade de Harvard e professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Simplesmente não vemos resultado”.

Falta de consenso

Com Kamala, a tendência é que exista a mesma falta de consenso sobre temas importantes. Brasilia e Washington não concordaram sobre as cifras que os EUA enviariam para o Fundo Amazônia e os americanos também se opuseram a posicionamentos geopolíticos do Brasil sobre a guerra na Ucrânia e o conflito entre Israel, o grupo terrorista Hamas e a milícia xiita radical libanesa Hezbollah.

Enquanto os EUA são os principais aliados de Kiev e Tel-Aviv, Lula já se envolveu em diversas polêmicas por declarações sobre o conflito no Leste Europeu e também no Oriente Médio.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião com governadores e seu gabinete para discutir questões de segurança pública, em Brasília, Brasil  Foto: Sergio Lima/AFP

Os EUA também são contrários a uma maior aproximação do Brasil com a China, principal parceiro comercial do País. Esta posição deve se manter independente do próximo presidente. Em um evento realizado pela Bloomberg em São Paulo no dia 23 de outubro, a representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, afirmou que Brasília deveria considerar os riscos de aderir à chamada Nova Rota da Seda, projeto de investimentos de Pequim.

Lula já afirmou que considera aderir à iniciativa. A embaixada da China em Brasília criticou as declarações da americana. “Tal ato carece de respeito ao Brasil, um país soberano, e despreza o fato de que a cooperação sino-brasileira é igualitária e mutuamente benéfica”, afirmou o corpo consular, em um comunicado.

Apesar das divergências, o momento é de respeito mútuo entre Brasil e EUA e as relações entre os dois países são sólidas, segundo a professora de relações internacionais da Unifesp. “Os países completaram 200 anos de relações diplomáticas e o chanceler Mauro Vieira já declarou que independente do presidente é uma relação estrutural para a diplomacia brasileira”.

O presidente da China, Xi Jinping, participa de uma reunião com o presidente da Finlândia, Alexander Stubb, em Pequim, China  Foto: Kazuki Kozaki/AP

Donald Trump

Se Donald Trump for eleito na terça-feira, 5, é certo que a palavra tarifa fará parte do nosso cotidiano. O republicano já chegou a declarar que tarifa é a sua palavra preferida no dicionário e o Brasil não deve passar ileso do impacto de possíveis medidas protecionistas do americano. Em seu primeiro mandato, o republicano chegou a anunciar tarifas para o aço e alumínio produzidos no Brasil.

“Trump vai fazer de tudo para priorizar a indústria americana e fazer com que empresas voltem para lá. O Brasil faz parte disso”, opina a especialista da Unifesp. “Existem setores econômicos brasileiros que competem com os setores econômicos americanos, como é o caso do agronegócio brasileiro”.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump. participa de um comício no Madison Square Garden, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Evan Vucci/AP

Pressões relacionadas à China também devem continuar com Trump. O republicano se envolveu em uma guerra comercial com Pequim em seu primeiro mandato. O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro foi pressionado por Trump e Biden sobre o uso de equipamentos da empresa chinesa Huawei na rede de telecomunicações 5G do Brasil.

“O Brasil precisa se conscientizar que caso Trump seja eleito o governo precisará navegar em águas mais turvas”, avalia a professora de relações internacionais. Apesar de uma possível tensão por conta da relação com a China, Washington não deve ter uma contrapartida para oferecer ao Brasil. “Os EUA não tem um plano de investimentos para o Brasil e nem para a América Latina. Brasília precisa do investimento de Pequim”.

Para Brustolin, uma vitória de Trump também seria muito ruim para a questão climática, um dos temas que o Brasil consegue se destacar mundialmente. O republicano retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, em 2017, por considerar que os termos não eram justos para Washington. Os EUA se reintegraram aos tratados quando Biden foi eleito presidente, em 2021.

“Trump nega as mudanças climáticas. Se os EUA saírem novamente dos Acordos de Paris, esta medida teria um efeito negativo para o Brasil, que vai sediar a COP 30 em Belém, no ano que vem”, aponta o pesquisador da Universidade de Harvard. O especialista destaca que o evento ficaria muito esvaziado sem a presença dos EUA nos acordos.

A maneira que Trump lidaria com a Venezuela também é incerta. No primeiro mandato do republicano, a estratégia para Caracas era a de “pressão máxima”, com sanções econômicas que contribuíram para a piora da economia venezuelana, e o reconhecimento do então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino do país. Quando o atual mandatário americano Joe Biden assumiu a Casa Branca a abordagem mudou, com a flexibilização de sanções, um acordo para a deportação de venezuelanos e o apoio de Washington aos acordos de Barbados.

Biden credenciou o Brasil como interlocutor em relação ao regime. Não está claro se Brasília conseguirá continuar neste papel, já que o governo Lula está em litigio com a ditadura de Maduro após o Brasil barrar a entrada de Caracas no Brics.

Posicionamentos brasileiros

Um eventual governo Trump também poderia punir posicionamentos brasileiros em política externa, segundo o professor de relações internacionais da UFF. Lula já questionou a hegemonia do dólar nas relações comerciais mundiais. A iniciativa interessa a países do Brics, como Rússia e China.

O presidente brasileiro tenta se colocar como líder do chamado Sul Global. Durante uma visita a Pequim em abril de 2023, o mandatário discursou duramente contra a hegemonia da moeda americana. “Por que não podemos fazer nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que não temos o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda, depois que desapareceu o ouro como paridade?”, questionou Lula.

Países que defendem uma desdolarização podem sofrer retaliações, opina Brustolin. “Nós vemos claramente que o governo Lula prefere se alinhar a países do Brics como China e Rússia do que com os Estados Unidos”.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião em Brasília  Foto: Wilton Junior/Estadão

Ideologia

As diferenças ideológicas entre Lula e Trump também devem aparecer em um eventual governo do americano. O presidente brasileiro rompeu com o protocolo ao sinalizar uma preferência por Kamala, mas ele não foi o único.

O ex-presidente Jair Bolsonaro tinha uma boa relação com o republicano e declarou sem cerimônia que preferia uma nova vitória do aliado em 2020, quando Trump tentava a reeleição. Após a vitória de Biden, Bolsonaro foi um dos últimos mandatários a reconhecer o pleito e teve uma relação distante com o democrata.

Após sair da Casa Branca, Trump retribuiu e gravou um vídeo em 2022 pedindo que os brasileiros elegessem Bolsonaro para um segundo mandato. O republicano também tem uma relação próxima com o atual presidente da Argentina, Javier Milei, que já teve rusgas públicas com Lula, e se alinha totalmente ao lado de Washington.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um comício em Lititz, Pensilvânia  Foto: Evan Vucci/AP

Para a professora de relações internacionais da Unifesp, apesar das diferenças entre Trump e Lula, um conflito ideológico não seria uma prioridade na agenda do republicano.

“Uma vitória do Trump teria um impacto interno maior do que externo no Brasil, já que poderia inflamar a extrema direita, que teve resultados ruins nas eleições municipais”, avalia Cristina Pecequilo. “Trump pode até ressaltar uma sintonia maior com políticos como Jair Bolsonaro, mas o republicano deve focar em outros temas em caso de vitória”.

SÃO PAULO-A comunidade internacional aguarda com ansiedade o resultado da corrida presidencial nos Estados Unidos, que será decidida nesta terça-feira, 5. Países ao redor do globo calculam os próximos passos em um mundo que pode mudar de direção, dependendo do vencedor da disputa. O Brasil não é diferente.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou publicamente na sexta-feira, 1, que prefere uma vitória da vice-presidente americana e candidata presidencial democrata, Kamala Harris.

“A Kamala ganhando as eleições é muito mais seguro para a gente fortalecer a democracia nos EUA”, afirmou Lula, em entrevista ao canal de TV francês TF1. “Nós vimos o que foi o presidente Trump no final do seu mandato, fazendo aquele ataque ao Capitólio, uma coisa que era impensável de acontecer nos EUA, porque os EUA se apresentavam ao mundo como um modelo de democracia. Esse modelo ruiu.”

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, enfrenta a vice-presidente americana e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, nas eleições presidenciais dos EUA  Foto: AP / AP

Quando o candidato democrata era o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, Lula também havia sinalizado que ele era o seu preferido. Com Kamala e Trump na disputa o cenário é incerto para o Brasil. A reportagem do Estadão entrevistou analistas para entender o que mudaria nas relações entre os dois países em caso de vitória da democrata ou do republicano.

Kamala Harris

Política externa não é uma das áreas em que a vice-presidente se sente confortável, como é o caso de Biden, mas muitas posições do atual governo devem ser mantidas em relação a meio ambiente, direitos trabalhistas e relação com a China.

Kamala Harris é uma incógnita, afirma a professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),Cristina Pecequilo. “Não sabemos qual vai ser a equipe dela e nem se vai manter as posições intervencionistas da atual equipe de Biden. Eu não vejo grandes mudanças das políticas do atual presidente e o Brasil não é uma prioridade”.

A vice-presidente dos Estados Unidos e candidata presidencial democrata, Kamala Harris, participa de um comício na Casa Branca, em Washington  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

A relação entre Lula e Biden é considerada boa, mas rendeu poucos frutos. “Os dois presidentes tem uma convergência pessoal entre temas que são importantes para eles, como a questão do meio ambiente e também de direitos trabalhistas, mas, na prática, a dinâmica foi um pouco diferente”, avalia a especialista.

Em setembro de 2023, Lula e Biden lançaram a chamada Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores, para promover o trabalho digno e fomentar um desenvolvimento “inclusivo, sustentável e amplamente compartilhado com todos os trabalhadores”, segundo uma nota do Ministério do Trabalho e Emprego. Mas a iniciativa foi considerada tímida por analistas.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de uma reunião na Casa Branca, em Washington, Estados Unidos  Foto: Alex Brandon/AP

“Brasil e Estados Unidos não aproveitaram em termos práticos este relacionamento entre Lula e Biden”, avalia Vitelio Brustolin, pesquisador da Universidade de Harvard e professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF). “Simplesmente não vemos resultado”.

Falta de consenso

Com Kamala, a tendência é que exista a mesma falta de consenso sobre temas importantes. Brasilia e Washington não concordaram sobre as cifras que os EUA enviariam para o Fundo Amazônia e os americanos também se opuseram a posicionamentos geopolíticos do Brasil sobre a guerra na Ucrânia e o conflito entre Israel, o grupo terrorista Hamas e a milícia xiita radical libanesa Hezbollah.

Enquanto os EUA são os principais aliados de Kiev e Tel-Aviv, Lula já se envolveu em diversas polêmicas por declarações sobre o conflito no Leste Europeu e também no Oriente Médio.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião com governadores e seu gabinete para discutir questões de segurança pública, em Brasília, Brasil  Foto: Sergio Lima/AFP

Os EUA também são contrários a uma maior aproximação do Brasil com a China, principal parceiro comercial do País. Esta posição deve se manter independente do próximo presidente. Em um evento realizado pela Bloomberg em São Paulo no dia 23 de outubro, a representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, afirmou que Brasília deveria considerar os riscos de aderir à chamada Nova Rota da Seda, projeto de investimentos de Pequim.

Lula já afirmou que considera aderir à iniciativa. A embaixada da China em Brasília criticou as declarações da americana. “Tal ato carece de respeito ao Brasil, um país soberano, e despreza o fato de que a cooperação sino-brasileira é igualitária e mutuamente benéfica”, afirmou o corpo consular, em um comunicado.

Apesar das divergências, o momento é de respeito mútuo entre Brasil e EUA e as relações entre os dois países são sólidas, segundo a professora de relações internacionais da Unifesp. “Os países completaram 200 anos de relações diplomáticas e o chanceler Mauro Vieira já declarou que independente do presidente é uma relação estrutural para a diplomacia brasileira”.

O presidente da China, Xi Jinping, participa de uma reunião com o presidente da Finlândia, Alexander Stubb, em Pequim, China  Foto: Kazuki Kozaki/AP

Donald Trump

Se Donald Trump for eleito na terça-feira, 5, é certo que a palavra tarifa fará parte do nosso cotidiano. O republicano já chegou a declarar que tarifa é a sua palavra preferida no dicionário e o Brasil não deve passar ileso do impacto de possíveis medidas protecionistas do americano. Em seu primeiro mandato, o republicano chegou a anunciar tarifas para o aço e alumínio produzidos no Brasil.

“Trump vai fazer de tudo para priorizar a indústria americana e fazer com que empresas voltem para lá. O Brasil faz parte disso”, opina a especialista da Unifesp. “Existem setores econômicos brasileiros que competem com os setores econômicos americanos, como é o caso do agronegócio brasileiro”.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump. participa de um comício no Madison Square Garden, em Nova York, Estados Unidos  Foto: Evan Vucci/AP

Pressões relacionadas à China também devem continuar com Trump. O republicano se envolveu em uma guerra comercial com Pequim em seu primeiro mandato. O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro foi pressionado por Trump e Biden sobre o uso de equipamentos da empresa chinesa Huawei na rede de telecomunicações 5G do Brasil.

“O Brasil precisa se conscientizar que caso Trump seja eleito o governo precisará navegar em águas mais turvas”, avalia a professora de relações internacionais. Apesar de uma possível tensão por conta da relação com a China, Washington não deve ter uma contrapartida para oferecer ao Brasil. “Os EUA não tem um plano de investimentos para o Brasil e nem para a América Latina. Brasília precisa do investimento de Pequim”.

Para Brustolin, uma vitória de Trump também seria muito ruim para a questão climática, um dos temas que o Brasil consegue se destacar mundialmente. O republicano retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, em 2017, por considerar que os termos não eram justos para Washington. Os EUA se reintegraram aos tratados quando Biden foi eleito presidente, em 2021.

“Trump nega as mudanças climáticas. Se os EUA saírem novamente dos Acordos de Paris, esta medida teria um efeito negativo para o Brasil, que vai sediar a COP 30 em Belém, no ano que vem”, aponta o pesquisador da Universidade de Harvard. O especialista destaca que o evento ficaria muito esvaziado sem a presença dos EUA nos acordos.

A maneira que Trump lidaria com a Venezuela também é incerta. No primeiro mandato do republicano, a estratégia para Caracas era a de “pressão máxima”, com sanções econômicas que contribuíram para a piora da economia venezuelana, e o reconhecimento do então presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, como presidente interino do país. Quando o atual mandatário americano Joe Biden assumiu a Casa Branca a abordagem mudou, com a flexibilização de sanções, um acordo para a deportação de venezuelanos e o apoio de Washington aos acordos de Barbados.

Biden credenciou o Brasil como interlocutor em relação ao regime. Não está claro se Brasília conseguirá continuar neste papel, já que o governo Lula está em litigio com a ditadura de Maduro após o Brasil barrar a entrada de Caracas no Brics.

Posicionamentos brasileiros

Um eventual governo Trump também poderia punir posicionamentos brasileiros em política externa, segundo o professor de relações internacionais da UFF. Lula já questionou a hegemonia do dólar nas relações comerciais mundiais. A iniciativa interessa a países do Brics, como Rússia e China.

O presidente brasileiro tenta se colocar como líder do chamado Sul Global. Durante uma visita a Pequim em abril de 2023, o mandatário discursou duramente contra a hegemonia da moeda americana. “Por que não podemos fazer nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que não temos o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda, depois que desapareceu o ouro como paridade?”, questionou Lula.

Países que defendem uma desdolarização podem sofrer retaliações, opina Brustolin. “Nós vemos claramente que o governo Lula prefere se alinhar a países do Brics como China e Rússia do que com os Estados Unidos”.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participa de uma reunião em Brasília  Foto: Wilton Junior/Estadão

Ideologia

As diferenças ideológicas entre Lula e Trump também devem aparecer em um eventual governo do americano. O presidente brasileiro rompeu com o protocolo ao sinalizar uma preferência por Kamala, mas ele não foi o único.

O ex-presidente Jair Bolsonaro tinha uma boa relação com o republicano e declarou sem cerimônia que preferia uma nova vitória do aliado em 2020, quando Trump tentava a reeleição. Após a vitória de Biden, Bolsonaro foi um dos últimos mandatários a reconhecer o pleito e teve uma relação distante com o democrata.

Após sair da Casa Branca, Trump retribuiu e gravou um vídeo em 2022 pedindo que os brasileiros elegessem Bolsonaro para um segundo mandato. O republicano também tem uma relação próxima com o atual presidente da Argentina, Javier Milei, que já teve rusgas públicas com Lula, e se alinha totalmente ao lado de Washington.

O ex-presidente dos Estados Unidos e candidato presidencial republicano, Donald Trump, participa de um comício em Lititz, Pensilvânia  Foto: Evan Vucci/AP

Para a professora de relações internacionais da Unifesp, apesar das diferenças entre Trump e Lula, um conflito ideológico não seria uma prioridade na agenda do republicano.

“Uma vitória do Trump teria um impacto interno maior do que externo no Brasil, já que poderia inflamar a extrema direita, que teve resultados ruins nas eleições municipais”, avalia Cristina Pecequilo. “Trump pode até ressaltar uma sintonia maior com políticos como Jair Bolsonaro, mas o republicano deve focar em outros temas em caso de vitória”.

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