PARIS - O grupo extremista Estado Islâmico (EI) tinha a reputação de apenas reivindicar atentados que havia organizado ou inspirado. Porém, nos últimos meses, após ter perdido terreno em seu "califado" na Síria e no Iraque, surgem dúvidas a respeito de suas reivindicações, segundo especialistas e autoridades.
O EI afirmou que o assassino de Las Vegas, Stephen Paddock, um contador aposentado e assíduo apostador, era na verdade "Abu Abdelberr, o americano", "soldado do califado", recentemente convertido ao Islã. Na noite de domingo, 1º, Paddock assassinou 59 pessoas e deixou mais de 500 feridos ao atirar de um quarto de hotel em uma multidão que acompanhava um show.
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Investigadores e serviços de inteligência se mostraram céticos quanto a essa declaração. O FBI publicou um comunicado no qual descartou, até o momento, qualquer ligação entre Paddock com alguma organização terrorista.
"Atualmente o EI tende a reivindicar todos os atentados porque sofreu perdas militares e, ao mesmo tempo, tem que seguir ganhando espaço na mídia", declarou nesta terça-feira, 3, o ministro do Interior francês, Gérard Collomb.
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O procedimento de assinatura de um ataque ou tentativa de atentado, incluindo frustrado ou abortado, manteve-se o mesmo por muito tempo: antes de realizar o ato, o extremista deveria jurar fidelidade ao chefe do grupo e reivindicar a sua ação em nome da jihad.
Também deveria deixar em evidência, em sua casa ou carro, uma bandeira na cor preta, pertencente ao EI. Poderia também gravar um vídeo ou áudio para postá-lo na internet.
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Desde o atentado em Nice, sul da França, em 2016, no qual morreram 86 pessoas quando um tunisiano que dirigia uma van atropelou uma multidão que comemorava o 14 de julho (feriado nacional francês), começaram a surgir dúvidas.
Na ocasião, o Estado Islâmico se apressou em reivindicar a autoria do ataque, mas até o momento não foi confirmado nada que pudesse vincular o autor com o grupo extremista ou qualquer outro movimento.
"Esse massacre não pode ser creditado ao extremismo, o autor tinha grandes problemas mentais", afirmou Farhad Khosrokhavar, da Escola Francesa de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS). "Porém, ninguém escuta. Há momentos em que a sociedade é cega. E ajudam, portanto, a causa (terrorista)", ressalta.
Com o EI perdendo território na Síria e no Iraque, as reivindicações duvidosas se multiplicam. Para Paul Cruickshank, do Centro de Combate ao Terrorismo de West Point, o "EI reivindicou falsamente nos últimos meses ataques e incidentes que não possuíam relação com o extremismo". Para Cruickshank, o objetivo é chamar a atenção. "Vão reivindicar a autoria de qualquer coisa, sabendo que os seus simpatizantes não acreditam no governo ou na imprensa".
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Shiraz Maher, especialista em radicalização islâmica do King's College de Londres, considera que, caso o autor tivesse contato com o EI, alguém saberia. "Seus amigos, familiares, as forças de segurança terão que esclarecer esse tópico", disse.
Para o especialista em movimentos islâmicos Mathieu Guidère, a perda de território do EI explica certa improvisação nas reivindicações. "O EI, que publica os comunicados através da agência Amaq (órgão de propagando do EI) está diante de uma televisão, assistindo CNN e AL Jazeera, e aí os reivindica", disse. / AFP