Terremoto na Turquia ameaça Erdogan e causa temor de aumento de autoritarismo


Eleição presidencial de março é vista como a primeira em uma geração que pode redefinir rumos do país

Por Redação

O terremoto que destruiu partes do sudeste da Turquia e do noroeste da Síria, deixando 25 mil mortos, milhares de feridos e milhões de desabrigados pode ter um efeito político devastador. Com uma das popularidades mais baixas em 20 anos de governo, a três meses de uma eleição, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, vê, pela primeira vez em duas décadas, a sombra de uma derrota eleitoral. Já seus adversários políticos enxergam outra coisa: o risco do aumento do autoritarismo em seu governo.

Analistas políticos turcos consideram a eleição presidencial de maio a primeira em uma geração que pode redefinir os rumos do país. Em 1999, foi justamente Erdogan que se aproveitou de uma situação parecida para impulsionar sua vitória presidencial. Erdogan chegou ao poder depois de uma resposta fracassada do governo a um terremoto de 1999 que deixou mais de 17 mil mortos e uma crise financeira dois anos depois. Ele dominou a política turca por duas décadas desde então - mas seu apoio foi enfraquecido recentemente pela inflação vertiginosa que prejudicou sua reputação de administrador capaz.

“Este terremoto, aliado à disparada inflacionária, tem potencial de destruir a imagem de Erdogan como um líder eficiente e capaz, apesar de autocrático”, diz Soner Cagaptay, que chefia a pesquisa sobre a Turquia no Washington Institute, uma organização de pesquisa política, e é autor do livro Um sultão no outono, sobre as mazelas do período Erdogan no poder.

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Equipes de resgate da Turquia carregam sobrevivente encontrado sob os escombros cinco dias depois do terremoto que destruiu o país, em imagem deste sábado, 11 Foto: Can Ozer / AP

Erdogan tem uma imagem que cultivou nos últimos 20 anos: autocrático, mas eficaz, um patriarca que substituiu o chamado devlet baba, o Estado paterno. O resultado: sua base o ama e seus oponentes o temem. “O argumento de que a Turquia precisa de um líder autocrático eficaz desmorona se as pessoas disserem que o Estado não está lá quando precisam”, disse Cagaptay. “Sua base terá dificuldade em aceitar a parte autocrática de sua identidade política sem alívio efetivo após o terremoto.”

Na quarta-feira, a situação de calamidade fez o presidente turco visitar o epicentro do terremoto de 7,8 de magnitude, e enfrentou a a raiva e a frustração de muitos. Os sobreviventes nas regiões mais atingidas reclamavam de jamais terem visto sinais de equipes de socorristas, além de passarem frio e fome. “Onde está o Estado? Onde está?”, gritava desesperado um homem que se identificou como Ali, enquanto diminuíam suas esperanças de encontrar com vida o irmão e o sobrinho presos entre os escombros em Kahramanmaras.

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“Onde estão as tendas, os food trucks?”, questionou Melek, de 64 anos, em Antakya, no sul do país, à agência de notícias Reuters. “Não vimos nenhuma distribuição de comida aqui, ao contrário do que houve em desastres anteriores. Sobrevivemos ao terremoto, mas vamos morrer de fome ou de frio aqui”, afirmou.

A insensibilidade de Erdogan na vista também não ajudou a arrefecer os ânimos. “O que acontece, acontece, isso faz parte do plano do destino”, disse ele a uma pessoa em Pazarcık, repetindo suas declarações de meses antes, após um desastre mortal em uma mina de carvão estatal, quando o presidente culpou o “desígnio do destino” por um explosão que deixou 41 mortos. “Claro, existem deficiências, mas as condições são claras para ver. Não é possível estar preparado para um desastre como este”, completou. Muitos discordaram de seu discurso.

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Enquanto Erdogan discursava em Pazarcık, agências de notícias recolheram depoimentos de pessoas que ignoravam a vista presidencial para tentar resgatar vítimas dos escombros. “É mentira. Se houvesse mais ajuda, eles conseguiriam retirá-los”, disse à Associated Press Ayşe Kep, olhando para a estrada principal em Pazarcık. “Estamos aqui para esperar pelos funerais”, disse ela. “Eu só tenho esperança, mas não acredito que eles estejam vivos. Na minha aldeia é pior, não tem eletricidade nem água, não tem ajuda nenhuma.”

Efeito devastador na popularidade

Ainda não está claro o efeito do terremoto nas chances de reeleição de Erdogan. A maioria das províncias devastadas pelo terremoto no sul da Turquia são socialmente conservadoras e redutos do partido de Erdogan, o AKP, de raízes islâmicas. “O desempenho do AKP nessas províncias tem estado acima da média nacional”, disse ao Washington Post Sinan Ulgen, ex-diplomata turco e presidente do centro de estudos EDAM, com sede em Istambul. Segundo ele, as províncias dominadas pelo AKP geralmente receberam mais apoio do governo, em comparação com as da oposição.

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As dez províncias mais afetadas pelo terremoto representam cerca de 15% da população de 85 milhões da Turquia e uma proporção semelhante do Parlamento de 600 assentos. Durante a votação de 2018, Erdogan e o AKP venceram as eleições presidenciais e parlamentares, respectivamente, em todas essas províncias, exceto em Diyarbakir. Essa região votou no partido pró-curdo HDP e em seu candidato Selahattin Demirtas, que concorreu às eleições da prisão.

Duas grandes pesquisas realizadas em janeiro mostraram que 40% dos entrevistados disseram que votariam em Erdogan. A maior delas, realizada pelo Centro de Estudos de Impacto Social (Equipe), mostrou que 37,5% das pessoas aprovam Erdogan. É o número mais alto em dois anos, mas muito longe de sua popularidade nas últimas eleições, que girava em torno de 65% de aprovação.

Bandeira da Turquia pendurada em janela de prédio parcialmente destruído pelo terremoto, em imagem deste sábado, 11 Foto: Emilie Madi/Reuters
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O efeito de políticas monetárias fracassadas, como a de obrigar o Banco Central da Turquia a baixar os juros do país a partir de 2018, levaram à disparada da inflação a uma taxa de mais de 50%. O aumento do custo de vida da população e as dificuldades econômicas minaram a popularidade de Erdogan e do AKP.

Agora, o colapso de tantos edifícios na Turquia – quase 6 mil, de acordo com o governo – revolta ainda mais a população. Há evidências de que o conselho de especialistas em terremotos foi ignorado e os códigos de construção foram desrespeitados, enquanto supervisores corruptos ou incompetentes fizeram vista grossa.

Uma característica do boom econômico que tornou Erdogan popular em sua primeira década no poder foi um aumento na construção civil. Muitos se perguntam onde foi parar o dinheiro da chamada “taxa de terremoto”, um imposto criado depois do tremor de 1999 cuja renda devia ser usada na prevenção de catástrofes e no desenvolvimento dos serviços de resgate. Estima-se que o imposto tenha arrecadado 88 bilhões de libras turcas (cerca de R$ 23 bilhões).

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“O AKP não conquistou suas primeiras vitórias eleitorais prometendo islamismo e beligerância internacional, mas sim boa governança e transparência. Eles prometeram competência, não revolução, e isso pode estar estourando na cara deles agora”, escreveu em um artigo Howard Eissenstat, especialistas em Turquia no Middle East Institute.

Essa competência de Erdogan e do AKP estão agora em questão, especialmente depois de anos de Erdogan divulgando o sucesso de seus vastos projetos de construção em todo o país. No sábado, o governo começou a deter empreiteiros em todo o país e pelo menos 100 pessoas foram presas.

Mais autocracia

O desafio político de Erdogan pode acabar levando a um cenário de mais autocracia. Ele enfrenta um sério desafio político: pesquisas recentes sugerem que ninguém venceria no primeiro turno da eleição presidencial de maio, e que qualquer um dos dois possíveis candidatos da oposição poderia vencer Erdogan no segundo turno, com margens de pesquisa variando de um dígito a mais de 20 pontos porcentuais.

Opositores turcos e autoridades ocidentais acusaram Erdogan de empurrar o país para a autocracia. Em 2017, o líder turco alterou a Constituição para mudar o sistema de governo de parlamentar para presidencial. Segundo analistas, a medida abriu a prerrogativa para que Erdogan emitisse decretos, regulasse ministérios e removesse funcionários públicos sem precisar da aprovação do Parlamento.

Na terça-feira, ele declarou estado de emergência por três meses em 10 províncias afetadas pelo terremoto, permitindo limitações às liberdades que podem incluir toque de recolher, proibição de viagens e designação compulsória para funcionários públicos.

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O epicentro foi próximo a Gaziantepe, cidade turca de aproximadamente dois milhões de habitantes perto da fronteira com a Síria

A medida levantou preocupações imediatas, dadas as medidas que Erdogan tomou em 2016 após uma tentativa fracassada de golpe contra ele. Inicialmente, o estado de emergência em todo o país deveria durar três meses, mas foi estendido por um total de dois anos. Durante esse período, mais de 100 mil pessoas foram detidas e 150 mil funcionários públicos foram afastados de seus cargos.

“Claro que existe uma razão prática para o estado de emergência, mas não podemos negar que isso vai tornar mais fácil para Erdogan encerrar as críticas ou atividades da oposição”, afirma ao Estadão Sinan Ciddi, especialista em política turca da Marine Corps University e professor adjunto da Georgetown University. “É um movimento que ele tem intensificado desde 2017, e que aumentou nos últimos meses”.

Críticos de Erdogan dizem que isso já começou. O acesso ao Twitter ficou restrito depois que as pessoas o usaram para criticar a resposta do governo aos terremotos, na quinta-feira. Foi por apenas algumas horas, mas teve o efeito esperado de diminuir a revolta da população.

Erdogan agora também pode adiar as eleições ou tomar medidas contra opositores com base na necessidade de manter a “ordem pública”. No mês passado, Erdogan antecipou as eleições presidenciais e parlamentares de junho para maio, uma tentativa de minar os esforços da oposição, que ainda não conseguiu se unificar em torno de um único candidato ao cargo principal.

Embora não tenha havido anúncios oficiais para adiar as eleições de 14 de maio, alguns analistas esperam que Erdogan e a oposição cheguem a um acordo sobre uma data posterior. É improvável que as condições nas províncias afetadas permitam a realização da votação.

A urgência da crise e a necessidade de união podem prejudicar a oposição, que pode ser compelida a mostrar união com o governo em um momento de catástrofe. Além disso, Erdogan e seu partido no poder poderiam se beneficiar da implementação de uma resposta robusta, desde que o presidente permaneça visível no terreno e mantenha o ímpeto até as urnas, não apenas com ajuda imediata, mas também com promessas de reconstrução de longo prazo.

Dada a manifestação de apoio internacional à Turquia e à Síria, a crise pode oferecer a Erdogan uma chance de recomeçar no cenário mundial, aliviando algumas tensões com vários países ocidentais.

Para Sinan Ciddi, a situação pode até favorecer Erdogan. “Erdogan é um sujeito que acostumado a vencer calamidades e crises. Ele superou um golpe de Estado. Ele superou os protestos públicos em massa em 2013, os protestos de Gezi. Ele tem um controle extremamente forte da grande mídia. Ele está no controle do Estado, da burocracia e das agências do governo. Ele tem muito poder, e bom não subestimá-lo”. /RODRIGO TURRER, com NYT, W.P. e AP

O terremoto que destruiu partes do sudeste da Turquia e do noroeste da Síria, deixando 25 mil mortos, milhares de feridos e milhões de desabrigados pode ter um efeito político devastador. Com uma das popularidades mais baixas em 20 anos de governo, a três meses de uma eleição, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, vê, pela primeira vez em duas décadas, a sombra de uma derrota eleitoral. Já seus adversários políticos enxergam outra coisa: o risco do aumento do autoritarismo em seu governo.

Analistas políticos turcos consideram a eleição presidencial de maio a primeira em uma geração que pode redefinir os rumos do país. Em 1999, foi justamente Erdogan que se aproveitou de uma situação parecida para impulsionar sua vitória presidencial. Erdogan chegou ao poder depois de uma resposta fracassada do governo a um terremoto de 1999 que deixou mais de 17 mil mortos e uma crise financeira dois anos depois. Ele dominou a política turca por duas décadas desde então - mas seu apoio foi enfraquecido recentemente pela inflação vertiginosa que prejudicou sua reputação de administrador capaz.

“Este terremoto, aliado à disparada inflacionária, tem potencial de destruir a imagem de Erdogan como um líder eficiente e capaz, apesar de autocrático”, diz Soner Cagaptay, que chefia a pesquisa sobre a Turquia no Washington Institute, uma organização de pesquisa política, e é autor do livro Um sultão no outono, sobre as mazelas do período Erdogan no poder.

Equipes de resgate da Turquia carregam sobrevivente encontrado sob os escombros cinco dias depois do terremoto que destruiu o país, em imagem deste sábado, 11 Foto: Can Ozer / AP

Erdogan tem uma imagem que cultivou nos últimos 20 anos: autocrático, mas eficaz, um patriarca que substituiu o chamado devlet baba, o Estado paterno. O resultado: sua base o ama e seus oponentes o temem. “O argumento de que a Turquia precisa de um líder autocrático eficaz desmorona se as pessoas disserem que o Estado não está lá quando precisam”, disse Cagaptay. “Sua base terá dificuldade em aceitar a parte autocrática de sua identidade política sem alívio efetivo após o terremoto.”

Na quarta-feira, a situação de calamidade fez o presidente turco visitar o epicentro do terremoto de 7,8 de magnitude, e enfrentou a a raiva e a frustração de muitos. Os sobreviventes nas regiões mais atingidas reclamavam de jamais terem visto sinais de equipes de socorristas, além de passarem frio e fome. “Onde está o Estado? Onde está?”, gritava desesperado um homem que se identificou como Ali, enquanto diminuíam suas esperanças de encontrar com vida o irmão e o sobrinho presos entre os escombros em Kahramanmaras.

“Onde estão as tendas, os food trucks?”, questionou Melek, de 64 anos, em Antakya, no sul do país, à agência de notícias Reuters. “Não vimos nenhuma distribuição de comida aqui, ao contrário do que houve em desastres anteriores. Sobrevivemos ao terremoto, mas vamos morrer de fome ou de frio aqui”, afirmou.

A insensibilidade de Erdogan na vista também não ajudou a arrefecer os ânimos. “O que acontece, acontece, isso faz parte do plano do destino”, disse ele a uma pessoa em Pazarcık, repetindo suas declarações de meses antes, após um desastre mortal em uma mina de carvão estatal, quando o presidente culpou o “desígnio do destino” por um explosão que deixou 41 mortos. “Claro, existem deficiências, mas as condições são claras para ver. Não é possível estar preparado para um desastre como este”, completou. Muitos discordaram de seu discurso.

Enquanto Erdogan discursava em Pazarcık, agências de notícias recolheram depoimentos de pessoas que ignoravam a vista presidencial para tentar resgatar vítimas dos escombros. “É mentira. Se houvesse mais ajuda, eles conseguiriam retirá-los”, disse à Associated Press Ayşe Kep, olhando para a estrada principal em Pazarcık. “Estamos aqui para esperar pelos funerais”, disse ela. “Eu só tenho esperança, mas não acredito que eles estejam vivos. Na minha aldeia é pior, não tem eletricidade nem água, não tem ajuda nenhuma.”

Efeito devastador na popularidade

Ainda não está claro o efeito do terremoto nas chances de reeleição de Erdogan. A maioria das províncias devastadas pelo terremoto no sul da Turquia são socialmente conservadoras e redutos do partido de Erdogan, o AKP, de raízes islâmicas. “O desempenho do AKP nessas províncias tem estado acima da média nacional”, disse ao Washington Post Sinan Ulgen, ex-diplomata turco e presidente do centro de estudos EDAM, com sede em Istambul. Segundo ele, as províncias dominadas pelo AKP geralmente receberam mais apoio do governo, em comparação com as da oposição.

As dez províncias mais afetadas pelo terremoto representam cerca de 15% da população de 85 milhões da Turquia e uma proporção semelhante do Parlamento de 600 assentos. Durante a votação de 2018, Erdogan e o AKP venceram as eleições presidenciais e parlamentares, respectivamente, em todas essas províncias, exceto em Diyarbakir. Essa região votou no partido pró-curdo HDP e em seu candidato Selahattin Demirtas, que concorreu às eleições da prisão.

Duas grandes pesquisas realizadas em janeiro mostraram que 40% dos entrevistados disseram que votariam em Erdogan. A maior delas, realizada pelo Centro de Estudos de Impacto Social (Equipe), mostrou que 37,5% das pessoas aprovam Erdogan. É o número mais alto em dois anos, mas muito longe de sua popularidade nas últimas eleições, que girava em torno de 65% de aprovação.

Bandeira da Turquia pendurada em janela de prédio parcialmente destruído pelo terremoto, em imagem deste sábado, 11 Foto: Emilie Madi/Reuters

O efeito de políticas monetárias fracassadas, como a de obrigar o Banco Central da Turquia a baixar os juros do país a partir de 2018, levaram à disparada da inflação a uma taxa de mais de 50%. O aumento do custo de vida da população e as dificuldades econômicas minaram a popularidade de Erdogan e do AKP.

Agora, o colapso de tantos edifícios na Turquia – quase 6 mil, de acordo com o governo – revolta ainda mais a população. Há evidências de que o conselho de especialistas em terremotos foi ignorado e os códigos de construção foram desrespeitados, enquanto supervisores corruptos ou incompetentes fizeram vista grossa.

Uma característica do boom econômico que tornou Erdogan popular em sua primeira década no poder foi um aumento na construção civil. Muitos se perguntam onde foi parar o dinheiro da chamada “taxa de terremoto”, um imposto criado depois do tremor de 1999 cuja renda devia ser usada na prevenção de catástrofes e no desenvolvimento dos serviços de resgate. Estima-se que o imposto tenha arrecadado 88 bilhões de libras turcas (cerca de R$ 23 bilhões).

“O AKP não conquistou suas primeiras vitórias eleitorais prometendo islamismo e beligerância internacional, mas sim boa governança e transparência. Eles prometeram competência, não revolução, e isso pode estar estourando na cara deles agora”, escreveu em um artigo Howard Eissenstat, especialistas em Turquia no Middle East Institute.

Essa competência de Erdogan e do AKP estão agora em questão, especialmente depois de anos de Erdogan divulgando o sucesso de seus vastos projetos de construção em todo o país. No sábado, o governo começou a deter empreiteiros em todo o país e pelo menos 100 pessoas foram presas.

Mais autocracia

O desafio político de Erdogan pode acabar levando a um cenário de mais autocracia. Ele enfrenta um sério desafio político: pesquisas recentes sugerem que ninguém venceria no primeiro turno da eleição presidencial de maio, e que qualquer um dos dois possíveis candidatos da oposição poderia vencer Erdogan no segundo turno, com margens de pesquisa variando de um dígito a mais de 20 pontos porcentuais.

Opositores turcos e autoridades ocidentais acusaram Erdogan de empurrar o país para a autocracia. Em 2017, o líder turco alterou a Constituição para mudar o sistema de governo de parlamentar para presidencial. Segundo analistas, a medida abriu a prerrogativa para que Erdogan emitisse decretos, regulasse ministérios e removesse funcionários públicos sem precisar da aprovação do Parlamento.

Na terça-feira, ele declarou estado de emergência por três meses em 10 províncias afetadas pelo terremoto, permitindo limitações às liberdades que podem incluir toque de recolher, proibição de viagens e designação compulsória para funcionários públicos.

Seu navegador não suporta esse video.

O epicentro foi próximo a Gaziantepe, cidade turca de aproximadamente dois milhões de habitantes perto da fronteira com a Síria

A medida levantou preocupações imediatas, dadas as medidas que Erdogan tomou em 2016 após uma tentativa fracassada de golpe contra ele. Inicialmente, o estado de emergência em todo o país deveria durar três meses, mas foi estendido por um total de dois anos. Durante esse período, mais de 100 mil pessoas foram detidas e 150 mil funcionários públicos foram afastados de seus cargos.

“Claro que existe uma razão prática para o estado de emergência, mas não podemos negar que isso vai tornar mais fácil para Erdogan encerrar as críticas ou atividades da oposição”, afirma ao Estadão Sinan Ciddi, especialista em política turca da Marine Corps University e professor adjunto da Georgetown University. “É um movimento que ele tem intensificado desde 2017, e que aumentou nos últimos meses”.

Críticos de Erdogan dizem que isso já começou. O acesso ao Twitter ficou restrito depois que as pessoas o usaram para criticar a resposta do governo aos terremotos, na quinta-feira. Foi por apenas algumas horas, mas teve o efeito esperado de diminuir a revolta da população.

Erdogan agora também pode adiar as eleições ou tomar medidas contra opositores com base na necessidade de manter a “ordem pública”. No mês passado, Erdogan antecipou as eleições presidenciais e parlamentares de junho para maio, uma tentativa de minar os esforços da oposição, que ainda não conseguiu se unificar em torno de um único candidato ao cargo principal.

Embora não tenha havido anúncios oficiais para adiar as eleições de 14 de maio, alguns analistas esperam que Erdogan e a oposição cheguem a um acordo sobre uma data posterior. É improvável que as condições nas províncias afetadas permitam a realização da votação.

A urgência da crise e a necessidade de união podem prejudicar a oposição, que pode ser compelida a mostrar união com o governo em um momento de catástrofe. Além disso, Erdogan e seu partido no poder poderiam se beneficiar da implementação de uma resposta robusta, desde que o presidente permaneça visível no terreno e mantenha o ímpeto até as urnas, não apenas com ajuda imediata, mas também com promessas de reconstrução de longo prazo.

Dada a manifestação de apoio internacional à Turquia e à Síria, a crise pode oferecer a Erdogan uma chance de recomeçar no cenário mundial, aliviando algumas tensões com vários países ocidentais.

Para Sinan Ciddi, a situação pode até favorecer Erdogan. “Erdogan é um sujeito que acostumado a vencer calamidades e crises. Ele superou um golpe de Estado. Ele superou os protestos públicos em massa em 2013, os protestos de Gezi. Ele tem um controle extremamente forte da grande mídia. Ele está no controle do Estado, da burocracia e das agências do governo. Ele tem muito poder, e bom não subestimá-lo”. /RODRIGO TURRER, com NYT, W.P. e AP

O terremoto que destruiu partes do sudeste da Turquia e do noroeste da Síria, deixando 25 mil mortos, milhares de feridos e milhões de desabrigados pode ter um efeito político devastador. Com uma das popularidades mais baixas em 20 anos de governo, a três meses de uma eleição, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, vê, pela primeira vez em duas décadas, a sombra de uma derrota eleitoral. Já seus adversários políticos enxergam outra coisa: o risco do aumento do autoritarismo em seu governo.

Analistas políticos turcos consideram a eleição presidencial de maio a primeira em uma geração que pode redefinir os rumos do país. Em 1999, foi justamente Erdogan que se aproveitou de uma situação parecida para impulsionar sua vitória presidencial. Erdogan chegou ao poder depois de uma resposta fracassada do governo a um terremoto de 1999 que deixou mais de 17 mil mortos e uma crise financeira dois anos depois. Ele dominou a política turca por duas décadas desde então - mas seu apoio foi enfraquecido recentemente pela inflação vertiginosa que prejudicou sua reputação de administrador capaz.

“Este terremoto, aliado à disparada inflacionária, tem potencial de destruir a imagem de Erdogan como um líder eficiente e capaz, apesar de autocrático”, diz Soner Cagaptay, que chefia a pesquisa sobre a Turquia no Washington Institute, uma organização de pesquisa política, e é autor do livro Um sultão no outono, sobre as mazelas do período Erdogan no poder.

Equipes de resgate da Turquia carregam sobrevivente encontrado sob os escombros cinco dias depois do terremoto que destruiu o país, em imagem deste sábado, 11 Foto: Can Ozer / AP

Erdogan tem uma imagem que cultivou nos últimos 20 anos: autocrático, mas eficaz, um patriarca que substituiu o chamado devlet baba, o Estado paterno. O resultado: sua base o ama e seus oponentes o temem. “O argumento de que a Turquia precisa de um líder autocrático eficaz desmorona se as pessoas disserem que o Estado não está lá quando precisam”, disse Cagaptay. “Sua base terá dificuldade em aceitar a parte autocrática de sua identidade política sem alívio efetivo após o terremoto.”

Na quarta-feira, a situação de calamidade fez o presidente turco visitar o epicentro do terremoto de 7,8 de magnitude, e enfrentou a a raiva e a frustração de muitos. Os sobreviventes nas regiões mais atingidas reclamavam de jamais terem visto sinais de equipes de socorristas, além de passarem frio e fome. “Onde está o Estado? Onde está?”, gritava desesperado um homem que se identificou como Ali, enquanto diminuíam suas esperanças de encontrar com vida o irmão e o sobrinho presos entre os escombros em Kahramanmaras.

“Onde estão as tendas, os food trucks?”, questionou Melek, de 64 anos, em Antakya, no sul do país, à agência de notícias Reuters. “Não vimos nenhuma distribuição de comida aqui, ao contrário do que houve em desastres anteriores. Sobrevivemos ao terremoto, mas vamos morrer de fome ou de frio aqui”, afirmou.

A insensibilidade de Erdogan na vista também não ajudou a arrefecer os ânimos. “O que acontece, acontece, isso faz parte do plano do destino”, disse ele a uma pessoa em Pazarcık, repetindo suas declarações de meses antes, após um desastre mortal em uma mina de carvão estatal, quando o presidente culpou o “desígnio do destino” por um explosão que deixou 41 mortos. “Claro, existem deficiências, mas as condições são claras para ver. Não é possível estar preparado para um desastre como este”, completou. Muitos discordaram de seu discurso.

Enquanto Erdogan discursava em Pazarcık, agências de notícias recolheram depoimentos de pessoas que ignoravam a vista presidencial para tentar resgatar vítimas dos escombros. “É mentira. Se houvesse mais ajuda, eles conseguiriam retirá-los”, disse à Associated Press Ayşe Kep, olhando para a estrada principal em Pazarcık. “Estamos aqui para esperar pelos funerais”, disse ela. “Eu só tenho esperança, mas não acredito que eles estejam vivos. Na minha aldeia é pior, não tem eletricidade nem água, não tem ajuda nenhuma.”

Efeito devastador na popularidade

Ainda não está claro o efeito do terremoto nas chances de reeleição de Erdogan. A maioria das províncias devastadas pelo terremoto no sul da Turquia são socialmente conservadoras e redutos do partido de Erdogan, o AKP, de raízes islâmicas. “O desempenho do AKP nessas províncias tem estado acima da média nacional”, disse ao Washington Post Sinan Ulgen, ex-diplomata turco e presidente do centro de estudos EDAM, com sede em Istambul. Segundo ele, as províncias dominadas pelo AKP geralmente receberam mais apoio do governo, em comparação com as da oposição.

As dez províncias mais afetadas pelo terremoto representam cerca de 15% da população de 85 milhões da Turquia e uma proporção semelhante do Parlamento de 600 assentos. Durante a votação de 2018, Erdogan e o AKP venceram as eleições presidenciais e parlamentares, respectivamente, em todas essas províncias, exceto em Diyarbakir. Essa região votou no partido pró-curdo HDP e em seu candidato Selahattin Demirtas, que concorreu às eleições da prisão.

Duas grandes pesquisas realizadas em janeiro mostraram que 40% dos entrevistados disseram que votariam em Erdogan. A maior delas, realizada pelo Centro de Estudos de Impacto Social (Equipe), mostrou que 37,5% das pessoas aprovam Erdogan. É o número mais alto em dois anos, mas muito longe de sua popularidade nas últimas eleições, que girava em torno de 65% de aprovação.

Bandeira da Turquia pendurada em janela de prédio parcialmente destruído pelo terremoto, em imagem deste sábado, 11 Foto: Emilie Madi/Reuters

O efeito de políticas monetárias fracassadas, como a de obrigar o Banco Central da Turquia a baixar os juros do país a partir de 2018, levaram à disparada da inflação a uma taxa de mais de 50%. O aumento do custo de vida da população e as dificuldades econômicas minaram a popularidade de Erdogan e do AKP.

Agora, o colapso de tantos edifícios na Turquia – quase 6 mil, de acordo com o governo – revolta ainda mais a população. Há evidências de que o conselho de especialistas em terremotos foi ignorado e os códigos de construção foram desrespeitados, enquanto supervisores corruptos ou incompetentes fizeram vista grossa.

Uma característica do boom econômico que tornou Erdogan popular em sua primeira década no poder foi um aumento na construção civil. Muitos se perguntam onde foi parar o dinheiro da chamada “taxa de terremoto”, um imposto criado depois do tremor de 1999 cuja renda devia ser usada na prevenção de catástrofes e no desenvolvimento dos serviços de resgate. Estima-se que o imposto tenha arrecadado 88 bilhões de libras turcas (cerca de R$ 23 bilhões).

“O AKP não conquistou suas primeiras vitórias eleitorais prometendo islamismo e beligerância internacional, mas sim boa governança e transparência. Eles prometeram competência, não revolução, e isso pode estar estourando na cara deles agora”, escreveu em um artigo Howard Eissenstat, especialistas em Turquia no Middle East Institute.

Essa competência de Erdogan e do AKP estão agora em questão, especialmente depois de anos de Erdogan divulgando o sucesso de seus vastos projetos de construção em todo o país. No sábado, o governo começou a deter empreiteiros em todo o país e pelo menos 100 pessoas foram presas.

Mais autocracia

O desafio político de Erdogan pode acabar levando a um cenário de mais autocracia. Ele enfrenta um sério desafio político: pesquisas recentes sugerem que ninguém venceria no primeiro turno da eleição presidencial de maio, e que qualquer um dos dois possíveis candidatos da oposição poderia vencer Erdogan no segundo turno, com margens de pesquisa variando de um dígito a mais de 20 pontos porcentuais.

Opositores turcos e autoridades ocidentais acusaram Erdogan de empurrar o país para a autocracia. Em 2017, o líder turco alterou a Constituição para mudar o sistema de governo de parlamentar para presidencial. Segundo analistas, a medida abriu a prerrogativa para que Erdogan emitisse decretos, regulasse ministérios e removesse funcionários públicos sem precisar da aprovação do Parlamento.

Na terça-feira, ele declarou estado de emergência por três meses em 10 províncias afetadas pelo terremoto, permitindo limitações às liberdades que podem incluir toque de recolher, proibição de viagens e designação compulsória para funcionários públicos.

Seu navegador não suporta esse video.

O epicentro foi próximo a Gaziantepe, cidade turca de aproximadamente dois milhões de habitantes perto da fronteira com a Síria

A medida levantou preocupações imediatas, dadas as medidas que Erdogan tomou em 2016 após uma tentativa fracassada de golpe contra ele. Inicialmente, o estado de emergência em todo o país deveria durar três meses, mas foi estendido por um total de dois anos. Durante esse período, mais de 100 mil pessoas foram detidas e 150 mil funcionários públicos foram afastados de seus cargos.

“Claro que existe uma razão prática para o estado de emergência, mas não podemos negar que isso vai tornar mais fácil para Erdogan encerrar as críticas ou atividades da oposição”, afirma ao Estadão Sinan Ciddi, especialista em política turca da Marine Corps University e professor adjunto da Georgetown University. “É um movimento que ele tem intensificado desde 2017, e que aumentou nos últimos meses”.

Críticos de Erdogan dizem que isso já começou. O acesso ao Twitter ficou restrito depois que as pessoas o usaram para criticar a resposta do governo aos terremotos, na quinta-feira. Foi por apenas algumas horas, mas teve o efeito esperado de diminuir a revolta da população.

Erdogan agora também pode adiar as eleições ou tomar medidas contra opositores com base na necessidade de manter a “ordem pública”. No mês passado, Erdogan antecipou as eleições presidenciais e parlamentares de junho para maio, uma tentativa de minar os esforços da oposição, que ainda não conseguiu se unificar em torno de um único candidato ao cargo principal.

Embora não tenha havido anúncios oficiais para adiar as eleições de 14 de maio, alguns analistas esperam que Erdogan e a oposição cheguem a um acordo sobre uma data posterior. É improvável que as condições nas províncias afetadas permitam a realização da votação.

A urgência da crise e a necessidade de união podem prejudicar a oposição, que pode ser compelida a mostrar união com o governo em um momento de catástrofe. Além disso, Erdogan e seu partido no poder poderiam se beneficiar da implementação de uma resposta robusta, desde que o presidente permaneça visível no terreno e mantenha o ímpeto até as urnas, não apenas com ajuda imediata, mas também com promessas de reconstrução de longo prazo.

Dada a manifestação de apoio internacional à Turquia e à Síria, a crise pode oferecer a Erdogan uma chance de recomeçar no cenário mundial, aliviando algumas tensões com vários países ocidentais.

Para Sinan Ciddi, a situação pode até favorecer Erdogan. “Erdogan é um sujeito que acostumado a vencer calamidades e crises. Ele superou um golpe de Estado. Ele superou os protestos públicos em massa em 2013, os protestos de Gezi. Ele tem um controle extremamente forte da grande mídia. Ele está no controle do Estado, da burocracia e das agências do governo. Ele tem muito poder, e bom não subestimá-lo”. /RODRIGO TURRER, com NYT, W.P. e AP

O terremoto que destruiu partes do sudeste da Turquia e do noroeste da Síria, deixando 25 mil mortos, milhares de feridos e milhões de desabrigados pode ter um efeito político devastador. Com uma das popularidades mais baixas em 20 anos de governo, a três meses de uma eleição, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, vê, pela primeira vez em duas décadas, a sombra de uma derrota eleitoral. Já seus adversários políticos enxergam outra coisa: o risco do aumento do autoritarismo em seu governo.

Analistas políticos turcos consideram a eleição presidencial de maio a primeira em uma geração que pode redefinir os rumos do país. Em 1999, foi justamente Erdogan que se aproveitou de uma situação parecida para impulsionar sua vitória presidencial. Erdogan chegou ao poder depois de uma resposta fracassada do governo a um terremoto de 1999 que deixou mais de 17 mil mortos e uma crise financeira dois anos depois. Ele dominou a política turca por duas décadas desde então - mas seu apoio foi enfraquecido recentemente pela inflação vertiginosa que prejudicou sua reputação de administrador capaz.

“Este terremoto, aliado à disparada inflacionária, tem potencial de destruir a imagem de Erdogan como um líder eficiente e capaz, apesar de autocrático”, diz Soner Cagaptay, que chefia a pesquisa sobre a Turquia no Washington Institute, uma organização de pesquisa política, e é autor do livro Um sultão no outono, sobre as mazelas do período Erdogan no poder.

Equipes de resgate da Turquia carregam sobrevivente encontrado sob os escombros cinco dias depois do terremoto que destruiu o país, em imagem deste sábado, 11 Foto: Can Ozer / AP

Erdogan tem uma imagem que cultivou nos últimos 20 anos: autocrático, mas eficaz, um patriarca que substituiu o chamado devlet baba, o Estado paterno. O resultado: sua base o ama e seus oponentes o temem. “O argumento de que a Turquia precisa de um líder autocrático eficaz desmorona se as pessoas disserem que o Estado não está lá quando precisam”, disse Cagaptay. “Sua base terá dificuldade em aceitar a parte autocrática de sua identidade política sem alívio efetivo após o terremoto.”

Na quarta-feira, a situação de calamidade fez o presidente turco visitar o epicentro do terremoto de 7,8 de magnitude, e enfrentou a a raiva e a frustração de muitos. Os sobreviventes nas regiões mais atingidas reclamavam de jamais terem visto sinais de equipes de socorristas, além de passarem frio e fome. “Onde está o Estado? Onde está?”, gritava desesperado um homem que se identificou como Ali, enquanto diminuíam suas esperanças de encontrar com vida o irmão e o sobrinho presos entre os escombros em Kahramanmaras.

“Onde estão as tendas, os food trucks?”, questionou Melek, de 64 anos, em Antakya, no sul do país, à agência de notícias Reuters. “Não vimos nenhuma distribuição de comida aqui, ao contrário do que houve em desastres anteriores. Sobrevivemos ao terremoto, mas vamos morrer de fome ou de frio aqui”, afirmou.

A insensibilidade de Erdogan na vista também não ajudou a arrefecer os ânimos. “O que acontece, acontece, isso faz parte do plano do destino”, disse ele a uma pessoa em Pazarcık, repetindo suas declarações de meses antes, após um desastre mortal em uma mina de carvão estatal, quando o presidente culpou o “desígnio do destino” por um explosão que deixou 41 mortos. “Claro, existem deficiências, mas as condições são claras para ver. Não é possível estar preparado para um desastre como este”, completou. Muitos discordaram de seu discurso.

Enquanto Erdogan discursava em Pazarcık, agências de notícias recolheram depoimentos de pessoas que ignoravam a vista presidencial para tentar resgatar vítimas dos escombros. “É mentira. Se houvesse mais ajuda, eles conseguiriam retirá-los”, disse à Associated Press Ayşe Kep, olhando para a estrada principal em Pazarcık. “Estamos aqui para esperar pelos funerais”, disse ela. “Eu só tenho esperança, mas não acredito que eles estejam vivos. Na minha aldeia é pior, não tem eletricidade nem água, não tem ajuda nenhuma.”

Efeito devastador na popularidade

Ainda não está claro o efeito do terremoto nas chances de reeleição de Erdogan. A maioria das províncias devastadas pelo terremoto no sul da Turquia são socialmente conservadoras e redutos do partido de Erdogan, o AKP, de raízes islâmicas. “O desempenho do AKP nessas províncias tem estado acima da média nacional”, disse ao Washington Post Sinan Ulgen, ex-diplomata turco e presidente do centro de estudos EDAM, com sede em Istambul. Segundo ele, as províncias dominadas pelo AKP geralmente receberam mais apoio do governo, em comparação com as da oposição.

As dez províncias mais afetadas pelo terremoto representam cerca de 15% da população de 85 milhões da Turquia e uma proporção semelhante do Parlamento de 600 assentos. Durante a votação de 2018, Erdogan e o AKP venceram as eleições presidenciais e parlamentares, respectivamente, em todas essas províncias, exceto em Diyarbakir. Essa região votou no partido pró-curdo HDP e em seu candidato Selahattin Demirtas, que concorreu às eleições da prisão.

Duas grandes pesquisas realizadas em janeiro mostraram que 40% dos entrevistados disseram que votariam em Erdogan. A maior delas, realizada pelo Centro de Estudos de Impacto Social (Equipe), mostrou que 37,5% das pessoas aprovam Erdogan. É o número mais alto em dois anos, mas muito longe de sua popularidade nas últimas eleições, que girava em torno de 65% de aprovação.

Bandeira da Turquia pendurada em janela de prédio parcialmente destruído pelo terremoto, em imagem deste sábado, 11 Foto: Emilie Madi/Reuters

O efeito de políticas monetárias fracassadas, como a de obrigar o Banco Central da Turquia a baixar os juros do país a partir de 2018, levaram à disparada da inflação a uma taxa de mais de 50%. O aumento do custo de vida da população e as dificuldades econômicas minaram a popularidade de Erdogan e do AKP.

Agora, o colapso de tantos edifícios na Turquia – quase 6 mil, de acordo com o governo – revolta ainda mais a população. Há evidências de que o conselho de especialistas em terremotos foi ignorado e os códigos de construção foram desrespeitados, enquanto supervisores corruptos ou incompetentes fizeram vista grossa.

Uma característica do boom econômico que tornou Erdogan popular em sua primeira década no poder foi um aumento na construção civil. Muitos se perguntam onde foi parar o dinheiro da chamada “taxa de terremoto”, um imposto criado depois do tremor de 1999 cuja renda devia ser usada na prevenção de catástrofes e no desenvolvimento dos serviços de resgate. Estima-se que o imposto tenha arrecadado 88 bilhões de libras turcas (cerca de R$ 23 bilhões).

“O AKP não conquistou suas primeiras vitórias eleitorais prometendo islamismo e beligerância internacional, mas sim boa governança e transparência. Eles prometeram competência, não revolução, e isso pode estar estourando na cara deles agora”, escreveu em um artigo Howard Eissenstat, especialistas em Turquia no Middle East Institute.

Essa competência de Erdogan e do AKP estão agora em questão, especialmente depois de anos de Erdogan divulgando o sucesso de seus vastos projetos de construção em todo o país. No sábado, o governo começou a deter empreiteiros em todo o país e pelo menos 100 pessoas foram presas.

Mais autocracia

O desafio político de Erdogan pode acabar levando a um cenário de mais autocracia. Ele enfrenta um sério desafio político: pesquisas recentes sugerem que ninguém venceria no primeiro turno da eleição presidencial de maio, e que qualquer um dos dois possíveis candidatos da oposição poderia vencer Erdogan no segundo turno, com margens de pesquisa variando de um dígito a mais de 20 pontos porcentuais.

Opositores turcos e autoridades ocidentais acusaram Erdogan de empurrar o país para a autocracia. Em 2017, o líder turco alterou a Constituição para mudar o sistema de governo de parlamentar para presidencial. Segundo analistas, a medida abriu a prerrogativa para que Erdogan emitisse decretos, regulasse ministérios e removesse funcionários públicos sem precisar da aprovação do Parlamento.

Na terça-feira, ele declarou estado de emergência por três meses em 10 províncias afetadas pelo terremoto, permitindo limitações às liberdades que podem incluir toque de recolher, proibição de viagens e designação compulsória para funcionários públicos.

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O epicentro foi próximo a Gaziantepe, cidade turca de aproximadamente dois milhões de habitantes perto da fronteira com a Síria

A medida levantou preocupações imediatas, dadas as medidas que Erdogan tomou em 2016 após uma tentativa fracassada de golpe contra ele. Inicialmente, o estado de emergência em todo o país deveria durar três meses, mas foi estendido por um total de dois anos. Durante esse período, mais de 100 mil pessoas foram detidas e 150 mil funcionários públicos foram afastados de seus cargos.

“Claro que existe uma razão prática para o estado de emergência, mas não podemos negar que isso vai tornar mais fácil para Erdogan encerrar as críticas ou atividades da oposição”, afirma ao Estadão Sinan Ciddi, especialista em política turca da Marine Corps University e professor adjunto da Georgetown University. “É um movimento que ele tem intensificado desde 2017, e que aumentou nos últimos meses”.

Críticos de Erdogan dizem que isso já começou. O acesso ao Twitter ficou restrito depois que as pessoas o usaram para criticar a resposta do governo aos terremotos, na quinta-feira. Foi por apenas algumas horas, mas teve o efeito esperado de diminuir a revolta da população.

Erdogan agora também pode adiar as eleições ou tomar medidas contra opositores com base na necessidade de manter a “ordem pública”. No mês passado, Erdogan antecipou as eleições presidenciais e parlamentares de junho para maio, uma tentativa de minar os esforços da oposição, que ainda não conseguiu se unificar em torno de um único candidato ao cargo principal.

Embora não tenha havido anúncios oficiais para adiar as eleições de 14 de maio, alguns analistas esperam que Erdogan e a oposição cheguem a um acordo sobre uma data posterior. É improvável que as condições nas províncias afetadas permitam a realização da votação.

A urgência da crise e a necessidade de união podem prejudicar a oposição, que pode ser compelida a mostrar união com o governo em um momento de catástrofe. Além disso, Erdogan e seu partido no poder poderiam se beneficiar da implementação de uma resposta robusta, desde que o presidente permaneça visível no terreno e mantenha o ímpeto até as urnas, não apenas com ajuda imediata, mas também com promessas de reconstrução de longo prazo.

Dada a manifestação de apoio internacional à Turquia e à Síria, a crise pode oferecer a Erdogan uma chance de recomeçar no cenário mundial, aliviando algumas tensões com vários países ocidentais.

Para Sinan Ciddi, a situação pode até favorecer Erdogan. “Erdogan é um sujeito que acostumado a vencer calamidades e crises. Ele superou um golpe de Estado. Ele superou os protestos públicos em massa em 2013, os protestos de Gezi. Ele tem um controle extremamente forte da grande mídia. Ele está no controle do Estado, da burocracia e das agências do governo. Ele tem muito poder, e bom não subestimá-lo”. /RODRIGO TURRER, com NYT, W.P. e AP

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