THE NEW YORK TIMES — Ele ainda se lembra do primeiro tiro. Por um instante, enquanto acompanhava o comboio presidencial, ele chegou a alimentar uma vã esperança de que aquele estouro fora apenas um fogo de artifício ou um pneu furado. Mas ele era letrado em armas e conhecia bem seus estampidos. Então veio mais um tiro. E outro. E o presidente tombou.
Por incontáveis noites depois, ele reviveu em pesadelos aquele momento obscuro. Agora, passados 60 anos, Paul Landis, um dos agentes do Serviço Secreto que estava a poucos metros do presidente John F. Kennedy naquele dia fatídico em Dallas, está contando sua história completa pela primeira vez. E em pelo menos um aspecto fundamental seu relato difere da versão oficial de uma maneira que poderá mudar o entendimento sobre o que aconteceu na Dealey Plaza.
Desde então, Landis passou a maioria dos anos fugindo da história, tentando se esquivar daquele momento impossível de esquecer cravado na consciência de uma nação de luto. A memória da explosão de violência e da corrida desesperada para o hospital, do devastador voo para casa e do doloroso funeral, com John Jr. saudando seu pai assassinado — aquilo tudo foi sofrimento demais para Landis, lhe causou uma aflição tão imensa que ele deixou para trás o Serviço Secreto e Washington.
Até que, finalmente, depois que seus pesadelos por fim cessaram, ele conseguiu pensar sobre isso outra vez. E conseguiu ler sobre o assunto. E percebeu que aquelas palavras não relatavam exatamente o que tinha acontecido, não da maneira como ele se lembrava. No fim das contas, se as recordações de Landis estiverem corretas, a tão discutida “bala mágica” pode não ter sido tão mágica assim.
A memória de Landis contraria a teoria desenvolvida pela Comissão Warren que foi objeto de tanta especulação e debate ao longo dos anos — de que um dos projéteis disparados contra a limusine do presidente atingiu não apenas Kennedy, mas também o ex-governador do Texas John Connally Jr, que o acompanhava no carro, em vários pontos de seu corpo.
A pergunta que não quer calar
O relato de Landis, parte de um livro de memórias ainda não publicado, poderá reescrever a narrativa sobre um dos dias mais turbulentos da história americana de um modo importante. Poderá não fazer mais do que isso, mas também poderá encorajar investigadores que suspeitam há muito tempo do envolvimento de mais um atirador em 22 de novembro de 1963 em Dallas, acrescentando novas conjecturas a um dos mistérios mais duradouros do país.
Como em relação a tudo sobre o assassinato de Kennedy, evidentemente, o relato de Landis levanta suas próprias suspeitas. Landis permaneceu calado por 60 anos, o que alimentou dúvidas até de seu ex-parceiro no Serviço Secreto, e livros de memórias podem confundir até indivíduos que sinceramente não duvidam de suas recordações. Dois elementos de seu relato contradizem declarações oficiais que ele registrou junto às autoridades imediatamente após os disparos, e algumas das implicações de sua versão não são facilmente conciliáveis com os registros existentes.
Mas Landis estava lá, testemunhou o assassinato em primeira-mão, e é raro que novos testemunhos emerjam seis décadas após o fato. Ele nunca aderiu a teorias de conspiração e enfatiza que não está promovendo uma agora. Aos 88 anos, Landis diz que tudo o que quer é contar o que viu e o que fez. As conclusões, ele deixará para os outros.
“Não há um objetivo neste ponto”, afirmou ele em entrevista concedida no mês passado, em Cleveland, na primeira vez que ele conversou com um repórter sobre o assunto, em meio aos preparativos para o lançamento de seu livro, The Final Witness (A Testemunha Final), que será publicado pela editora Chicago Review Press em 10 de outubro. “Passou o tempo que eu precisava para contar minha história.”
A bala mágica
A narrativa gira em torno de um projétil revestido de cobre, de calibre 6,5 milímetros. A Comissão Warren decidiu que uma das balas disparadas naquele dia atingiu o presidente nas costas, saiu pela frente de sua garganta e continuou sua trajetória atingindo Connally e, de alguma maneira, feriu suas costas, seu tórax, um pulso e uma perna. Parecia inacreditável que um único projétil fosse capaz de fazer isso tudo, portanto céticos batizaram a versão como teoria da bala mágica.
Os investigadores chegaram a essa conclusão em parte porque o projétil foi encontrado numa maca em que, acreditava-se, Connally teria sido tratado no Hospital Parkland Memorial. Eles assumiram, por isso, que a bala tinha saído de seu corpo durante os esforços para salvar sua vida. Mas Landis, que não foi entrevistado pela Comissão Warren, afirmou que não foi isso o que aconteceu.
Na verdade, disse Landis, foi ele que encontrou o projétil — e não no hospital, próximo a Connally, mas no banco de trás da limusine presidencial, onde Kennedy estava sentado.
Landis contou que, quando viu o projétil, depois que o comboio presidencial chegou ao hospital, guardou-o para evitar caçadores de souvenir. Então, por razões que ainda parecem nebulosas até mesmo para ele, Landis disse que entrou no hospital e colocou a bala ao lado de Kennedy, na maca em que o presidente estava, assumindo que ela poderia, de alguma maneira, ajudar os médicos a descobrir o que aconteceu. Em algum momento, presume ele atualmente, as macas podem ter se aproximado, e o projétil saltou de uma para outra.
“Não havia ninguém lá para guardar a cena, e isso me incomodou muito, muito mesmo”, afirmou Landis. “Todos os agentes por lá tinham foco no presidente.” Uma multidão se reuniu. “Tudo aconteceu muito rapidamente. E eu temi que o projétil pudesse desaparecer ou se perder — aquilo era uma prova, eu percebi na hora, muito importante. Então eu pensei, ‘Paul, você tem que tomar uma decisão’, e peguei.”
Landis teoriza que o projétil atingiu Kennedy nas costas mas, por alguma razão, perdeu impulso, não penetrou profundamente o torso do presidente e acabou expelida quando seu corpo foi retirado da limusine.
Landis tem relutado em especular a respeito de implicações maiores. Ele sempre acreditou que Lee Harvey Oswald tinha sido o único atirador.
Mais de um atirador?
Mas e agora? “Neste ponto, eu começo a duvidar de mim mesmo”, afirmou ele. “Agora eu começo a questionar as coisas.” Landis não se delongou.
Natural de Ohio, filho de um treinador de esporte universitário, Landis não tem o aspecto imponente de um agente de segurança. Ele teve de se esticar para chegar à altura mínima, de 1,73 metro, exigida dos candidatos ao Serviço Secreto; e hoje não atenderia mais ao requisito. “Hoje eu fiquei baixinho demais”, afirmou ele, para entrar na agência. Landis é sereno e modesto, tem cabelos grisalhos impecavelmente aparados e vestiu paletó e gravata para conceder a entrevista. Apesar de certa dificuldade na audição e da voz enfraquecida, sua mente é clara e as recordações fluem.
Nos anos recentes, ele confidenciou sua história a várias figuras importantes, incluindo o ex-diretor do Serviço Secreto Lewis Merletti. O advogado James Robenalt, autor de vários livros de história, pesquisou profundamente o assassinato de Kennedy e ajudou Landis a processar suas memórias.
“Se o que ele diz é verdadeiro, e eu tendo a acreditar que é, a questão sobre um segundo atirador ou até mais poderá ser reaberta”, afirmou Robenalt. “Se o projétil que nós conhecemos como bala mágica ou intacta parou nas costas do presidente Kennedy, isso significa que a tese central do Relatório Warren, a teoria do projétil único, é equivocada.” E se Connally foi atingido por outro projétil, acrescentou ele, parece então possível que ele não foi disparado por Oswald, que, argumentou Robenalt, não seria capaz de recarregar a arma tão rapidamente.
Merletti, que tem amizade com Landis há uma década, não sabe como interpretar seu relato. “Eu não sei se essa história é verdade ou não, mas sei que os agentes presentes naquele foram atormentados por ano pelo que aconteceu”, disse ele em entrevista.
Merletti colocou Landis em contato com o presidente da Universidade Duquesne, Ken Gormley, um proeminente historiador presidencial, que o ajudou a encontrar uma editora para publicar seu livro. Em entrevista, Gormley disse não ter ficado surpreso com o fato de um ex-agente do Serviço Secreto traumatizado viesse a público depois de tantos anos contar sua história, comparando o livro de memórias de Landis a uma declaração em leito de morte em casos jurídicos.
“É muito comum que, conforme as pessoas chegam ao fim de suas vidas”, afirmou Gormley, “elas queiram fazer as pazes com o mundo”. “Elas querem tornar públicas informações que guardaram, especialmente se são um pedaço da história cujo registro elas querem ver corrigido. Isso não parece um jogo de alguém tentando chamar a atenção para si mesmo ou atrás de dinheiro. Eu não vejo assim de jeito nenhum. Eu acho que ele acredita nisso firmemente. Se a coisa encaixa, eu não sei. Mas outras pessoas podem eventualmente descobrir.”
Versões distintas
O relato de Landis diverge em dois aspectos dos depoimentos por escrito que ele registrou na semana seguinte ao assassinato de Kennedy. Além de não mencionar ter encontrado o projétil, ele disse ser ouvido apenas dois disparos. “Eu não me recordo de ter ouvido um terceiro tiro”, escreveu ele. Ele também não mencionou ter entrado na sala de emergência aonde Kennedy levado, escrevendo que ficou “do lado de fora, na porta” quando a primeira-dama entrou.
Gerald Posner, autor de “Case Closed” (Caso Encerrado), um livro de 1993 que conclui que Oswald realmente agiu sozinho no assassinato de Kennedy, afirmou que Landis é dúbio. Ainda que não questione a sinceridade do ex-agente, Posner afirmou que seu relato não é verossímil.
“A memória das pessoas geralmente não melhora com o tempo, e para mim isso é um sinal de alerta que acende o ceticismo que eu tenho em relação à sua história — por eu não acreditar que em relação a alguns detalhes importantes do assassinato, incluindo o número de disparos, a memória dele tenha melhorado em vez de piorar”, afirmou Posner.
“Mesmo assumindo que ele descreve acuradamente o que aconteceu com a bala”, afirmou Posner, “isso pode significar apenas que a bala que conhecemos saiu do (ex-)governador Connally dentro da limusine e não na maca do hospital Parkland em que ela foi encontrada”.
Landis afirmou que os relatórios que registrou após o assassinato continham erros. Ele disse que estava em choque e mal tinha dormido nas cinco noites anteriores, conforme ajudava a primeira-dama durante a provação, e que não dedicou atenção suficiente aos textos que entregou às autoridades. Landis disse que não lhe ocorreu mencionar o projétil.
Landis contou que percebeu a diferença entre sua memória e o relato oficial sobre a bala apenas em 2014, mas não veio a público na época por achar que tinha cometido um erro ao colocar o projétil sobre a maca sem dizer nada a ninguém naquele tempo de cenas de crime não preservadas e ausência de tecnologia.
“Eu não quis falar sobre isso”, afirmou Landis. “Eu tive medo. Eu comecei a pensar, ‘Será que fiz algo errado?’. Eu temi que pudesse ter feito algo errado e achei que não devia falar sobre isso.”
E de fato, o parceiro de Landis, Clint Hill, o lendário agente do Serviço Secreto que saltou para dentro da limusine num esforço inútil para salvar Kennedy, recomendou-lhe não falar. “Muitas ramificações”, alertou Hill em um e-mail de 2014 que Landis salvou e compartilhou com a reportagem no mês passado.
Hill, que já relatou o que testemunhou em vários livros e entrevistas, colocou em dúvida a versão de Landis sobre aquela sexta-feira. “Eu acredito que história fica suspeita quando o que ele afirma agora, 60 anos depois do fato, difere dos depoimentos que ele redigiu nos dias que se seguiram à tragédia” e dos relatos nos anos seguintes, afirmou Hill por e-mail. “Eu percebo graves inconsistências em várias declarações/versões.”
O encontro de Landis com a história começou na pequena cidade de Worthington, Ohio, ao norte de Columbus. Depois da faculdade e de uma breve passagem pela Guarda Nacional Aérea em Ohio, ele trabalhava numa loja de roupas quando um amigo de sua família descreveu seu emprego no Serviço Secreto. Admirado, Landis juntou-se ao escritório em Cincinnati em 1959, onde ele caçava delinquentes que furtavam cheques da Seguridade Social de caixas postais.
Um ano depois, Landis foi mandado para Washington, onde passou a integrar a equipe de segurança que cuidava dos netos do então presidente, Dwight Eisenhower. Depois que Kennedy foi eleito, Landis, cujo codinome era Debutante em razão de sua pouca idade, foi incumbido de proteger os filhos do presidente e posteriormente a primeira-dama, Jacqueline Kennedy, juntamente com Hill. Landis, então com 28 anos, integrou o comboio presidencial. Ele estava em um Cadillac preto conversível, de codinome Halfback , a poucos metros do lado direito da limusine presidencial, porque a primeira-dama acompanhava o marido em visita a Dallas naquela tarde de outono de 1963.
Ao ouvir o primeiro tiro, Landis olhou sobre seu ombro direito, na direção do ruído, mas não identificou de onde partiu o disparo. Então ele se voltou para a limusine e viu Kennedy levantando os braços, claramente atingido. De repente, Landis notou que Hill tinha saltado do carro de escolta e corria na direção da limusine. Landis pensou em fazer o mesmo mas não tinha ângulo.
Ele disse que ouviu um segundo disparo, que lhe pareceu mais alto, e finalmente o tiro fatal que acertou Kennedy na cabeça. Landis teve de desviar para não ser atingido pelo tecido cerebral desprendido pelo impacto. E soube naquele instante que o presidente estava morto. Hill, naquele momento dentro da limusine, virou-se para trás e confirmou a morte com um polegar voltado para baixo.
Quando chegaram ao hospital, Hill e Landis convenceram a desolada primeira-dama a soltar o marido, para que ele pudesse ser levado para dentro. Depois que todos saíram do carro, Landis notou dois fragmentos de projétil em uma poça de sangue. Ele tateou um deles mas deixou lá.
Landis disse que naquele momento percebeu o projétil intacto na dobra do estofamento de couro escuro. Ele disse que colocou a bala no bolso de seu paletó e entrou no hospital, onde planejava entregá-la para um supervisor, mas que na confusão acabou, em vez disso, colocando-a na maca de Kennedy.
O maquinista sênior do hospital descobriu o projétil posteriormente, quando estava recolhendo a maca já vazia de Connally e esbarrou com outra maca no corredor, o que derrubou a bala no chão.
O relatório da Comissão Warren afirmou que “descartou a maca do presidente Kennedy como fonte do projétil” porque o presidente permaneceu em sua maca enquanto os médicos tentavam salvar sua vida e não foi removido até que seu corpo foi colocado num caixão.
Investigadores determinaram que o projétil, designado como Prova da Comissão 399, foi disparado pelo mesmo fuzil C2766 Mannlicher-Carcano encontrado no sexto andar do Depósito de Livros Escolares do Texas. Eles concluíram que a bala atravessou Kennedy e então penetrou o ombro direito de Connally, atingiu suas costelas, saiu sob seu mamilo direito, continuou a trajetória até seu pulso direito e atingiu também sua coxa esquerda.
Médicos concordaram que um único projétil foi capaz de causar todo o dano. Mas a bala encontrada foi descrita como praticamente intacta e perdeu apenas entre 0,065 grama e 0,13 grama de seu peso original, de 10,4 gramas a 10,5 gramas, fazendo com que céticos duvidassem que o projétil tenha causado tudo aquilo que a comissão disse que causou. Ainda assim, especialistas em balística usando modernas técnicas forenses concluíram no 50.º aniversário do assassinato que a teoria do projétil único é perfeitamente plausível.
Landis disse que ficou surpreso com o fato de a Comissão Warren não tê-lo entrevistado, mas assumiu que seus supervisores estavam protegendo os agentes, que tinham socializado até tarde na madrugada anterior. (Landis até as 5h, mas ele insistiu que nenhum agente ficou bêbado). “Ninguém me questionou realmente”, afirmou ele.
Muitas fotos daqueles dias de luto mostram Landis ao lado de Jacqueline Kennedy durante os ritos presidenciais de despedida. Noite após noite, sua mente repassava aqueles segundos de violência em Dallas projetando seu próprio Filme de Zapruder em um loop infinito. “A cabeça do presidente explodindo — eu não conseguia me livrar daquela visão”, afirmou ele. “Não importa o que eu estivesse fazendo, era só nisso que eu pensava.”
Com Landis e Hill ainda fazendo sua segurança, a ex-primeira-dama esteve em constante movimento nos meses que se seguiram. “A gente ouvia ela chorando no banco de trás. Eu quis dizer algo, mas realmente não era nossa atribuição dizer nada”, recordou-se Landis.
Depois de seis meses, ele não aguentou mais e deixou o Serviço Secreto. Assombrado pela memória, Landis se mudou para Cape Cod, em Massachusetts, depois para Nova York e depois para Ohio, para uma localidade próxima a Cleveland. Por décadas, ele ganhou a vida como corretor de imóveis, vendedor e pintor de casas — qualquer coisa que não tivesse relação com proteger presidentes.
Landis soube superficialmente a respeito das teorias conspiratórias, mas nunca leu nenhum livro sobre elas nem o relatório da Comissão Warren. “Eu só prestava atenção. Eu simplesmente me retirei. Eu sentia que já tinha passado por aquilo tudo. Eu tinha visto a coisa toda. Eu sei o que vi e o que fiz. E pronto.”
Landis concedeu algumas entrevistas em 2010, mas nunca mencionou o projétil. Então, em 2014, um chefe de polícia local que ele conhecia lhe deu um exemplar de “Six Seconds in Dallas” (Seis segundos em Dallas), um livro de Josiah Thompson, de 1967, em que o autor argumenta que vários atiradores participaram do assassinato de Kennedy. Landis leu a obra e passou a acreditar que o relato oficial a respeito do projétil estava equivocado. O que levou às conversas com Merletti e Gormley — e, eventualmente, depois de muitos anos, ao seu livro.
O processo não foi fácil. Quando terminou o manuscrito, Landis olhava para a tela do computador e chorava descontroladamente. “Eu não havia percebido que tinha tantas emoções e sentimentos suprimidos”, afirmou ele. “Eu simplesmente não conseguia parar. E aquilo me trouxe um alívio emocional enorme.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO