Ésquilo dificilmente seria capaz de colocar melhor. Assim como poucos saberão melhor do que o próprio Boris Johnson, famoso por suas citações em latim e sua paixão pelos clássicos, como sua trajetória pela vida – que se iniciou como uma comédia fálica em estilo pastelão e posteriormente se abrilhantou com momentos de heroísmo épico durante a pandemia – conformou-se lindamente na semana passada às convenções da tragédia grega.
A cena estava pronta havia muito tempo para a queda do herói. A plateia estava preparada. O coro trágico ululava no Twitter. Os discursos dos mensageiros, que sempre aparecem pouco antes dos clímax das tragédias gregas para alertar o herói que seu fim está próximo, já tinham sido lidos – todos os 50.
É verdade que nem a prosa de Rishi Sunak (“Ambos queremos impostos baixos e alto crescimento na economia”) nem a de Sajid Javid (“Trabalhei duro por uma ampla modernização no NHS”) poderiam se confundir facilmente com a de Sófocles. Mas poucos estadistas modernos ousariam afirmar, como Sófocles: “Há muitas coisas terríveis, mas nada mais terrível do que o homem”.
No entanto, há sim coisas piores, mesmo que poucas. Porque o próprio Johnson citou essa fala em um discurso à ONU, em 2021. Mais precisamente, a citou no original, em grego, diante de uma plateia que ficou encantada com isso. As pessoas com frequência adoravam Johnson quando ele falava. A Oração Fúnebre, de Péricles, dificilmente poderia ter sido mais adorada do que durante o discurso de Johnson ao Parlamento ucraniano, que foi aplaudido de pé pelos presentes.
E essa era a tragédia do homem. O herói trágico não é, de acordo com Aristóteles, totalmente terrível – afinal, que graça haveria nisso? Uma apresentação teatral realmente boa (e tanto a tragédia quanto o mandato de Johnson como primeiro-ministro tratam-se de formas vívidas de entretenimento) exige algo mais complexo. Exige que um personagem seja eminente, mas também tem de haver a “hamartia”, uma falha trágica que os leva “da felicidade ao infortúnio”. A falha pode ser profunda – ou surpreendentemente trivial. O herói grego Agamenon caiu em razão do suave mobiliário escolhido por sua mulher – não por algum papel de parede de Lulu Lytle sofisticado demais, mas por um tapete luxuoso demais. Sem dúvida, Johnson se identificaria.
Alexander Boris de Pfeffel Johnson fora agraciado pelos deuses com todos os atributos: berço, refinamento, brilhantismo, ambição (de ser “o rei do mundo”) e, em sua juventude, por uma beleza apolínea. Mas desperdiçou isso tudo. Porque Johnson não possui meramente uma única falha, possui muitas. Desonestidade, arrogância, incontinência sexual, incompetência e irresponsabilidade infantil. As divindades os abençoam. E depois os arruínam – para maior divertimento, por sua própria mão. Tirésias, um profeta grego, não precisou ver o futuro para prever a queda de certo herói trágico: “Julgo a partir de suas próprias ações insensatas”.
Catarse
Na tragédia, elas os arruínam de maneira divertida de assistir. Pois a regra final de Aristóteles para a tragédia era a obra acabar em “catarse” – aquele momento de satisfação, quando o herói ensanguentado é retirado do palco e todos voltam para suas vidas normais. E aqui, outra vez, Johnson seguiu (ao menos uma vez) as regras. Pois há um momento no clímax de toda tragédia grega em que fica dolorosamente claro para todos – para os outros personagens no palco, para o coro murmurante e certamente para a plateia – que o herói caiu, que a peça acabou, que é hora de ir para casa.
E, ainda assim, o falho e desiludido herói de alguma maneira não o percebe. Quando os deuses querem destruí-lo, como em Sófocles, eles primeiro mexem com a sua mente. Ou, como no caso de Johnson, o fazem esperar até o meio-dia de 7 de julho para renunciar. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
©️ 2022 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS
ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM