Paris é uma cidade habituada a manifestações de rua teatrais e periodicamente violentas. Mas, as cenas dos distúrbios desta semana não eram vistas há mais de uma década. O presidente Emmanuel Macron retornou ao país da reunião do G-20, na Argentina, para enfrentar a primeira crise política de fato da sua presidência.
O problema mais imediato é a segurança. No sábado, 412 pessoas foram presas em Paris. Houve 249 casos registrados de incêndios provocados, muitos em áreas elegantes da cidade, como a Avenida Kleber, e outras artérias que levam à Place de l’Étoile, onde está o Arco do Triunfo.
Imagens de carros incendiados em locais emblemáticos foram mostradas pelos canais de notícias durante todo o fim de semana. Desde que os coletes amarelos iniciaram seus protestos, o número de manifestantes diminuiu, de 280 mil para 136 mil, neste fim de semana. Mas, apesar da queda, a violência se intensificou.
O perfil dos manifestantes é variado. Alguns são os chamados “casseurs” (arruaceiros), de extrema direita e extrema esquerda. Os coletes amarelos que tomaram conta de rotatórias e entroncamentos nas estradas por toda a França são pessoas pacíficas. No entanto, há também uma linha indefinida entre grupos organizados de anarquistas e neofascistas.
Com um quarto dia de protestos planejado o próximo sábado, o porta-voz do governo, Benjamin Griveaux, falou da possibilidade de impor um estado de emergência. A França já recorreu a esse tipo de medida antes, especialmente após os atentados terroristas de 2015, e depois dos tumultos em áreas urbanas em 2005.
Macron, porém, pediu ao governo para analisar outras maneiras de manter a capital e outras cidades em segurança. Uma das dificuldades da força policial é o caráter dos protestos, totalmente não estruturados e sem liderança definida. A polícia está mais habituada a lidar com motins e com manifestações comandadas por sindicatos, cujos organizadores ajudam a planejar a maneira de controlar as multidões.
O movimento dos coletes amarelos teve início como um protesto contra o aumento dos impostos sobre o combustível. Os manifestantes eram pessoas com renda modesta, que viviam em zonas rurais ou suburbanas distantes e precisavam percorrer longas distâncias. Mas, depois os protestos se ampliaram, cobrindo outras queixas como o alto custo de vida, os cortes de impostos para os abastados e a percepção de que o presidente não se preocupa com o cidadão comum. Trata-se de um protesto de uma classe média que vive uma situação de aperto.
A grande dificuldade para o presidente é que ele pretende ser um líder que não cede ao clamor das ruas, como muitos dos seus predecessores. E, de fato, durante este curto período no cargo, Macron enfrentou ondas sucessivas de protestos liderados por sindicatos contra reformas que, lentamente, vêm ajudando o país a ser mais competitivo. E ele não pretende renunciar ou dissolver a Assembleia Nacional, como alguns manifestantes estão exigindo. Mas ele também não pode se dar ao luxo de se mostrar indiferente.
Os franceses estão desconcertados e não conseguem comparar o atual movimento com outros anteriores para compreender o seu caráter. O país presenciou no passado protestos em massa, mas tinham caráter mais regional. E costumavam ser organizados por sindicatos estabelecidos. Alguns analistas comparam este movimento com os protestos de Maio de 1968, ou com o “pujadisme” (ou pujadismo, evocando Pierre Poujade), movimento político e sindical dos anos 50. Outros ainda citam a revolução de 1789 ou a revolta dos camponeses em 1358.
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Centenas de manifestantes entraram em confronto com policiais neste sábado na avenida Champs-Elysées, no coração de Paris, à margem de um novo protesto dos chamados "coletes amarelos" contra o aumento dos impostos e a queda do poder de compra.
Talvez os coletes amarelos sejam a expressão de uma forma de populismo possibilitada pela comunicação digital, que permite uma conexão não contaminada com as pessoas. O movimento surgiu por meio do Facebook e e se qualificou como a expressão espontânea do “povo”. O que torna difícil para o governo lidar com ele.
Tentativas para nomear porta-vozes foram prejudicadas pela desorganização, falta de objetivos comuns e as divisões internas. Além disso, líderes populistas do país, como Jean-Luc Mélenchon, da extrema esquerda, e Marine Le Pen, da direita nacionalista, não conseguem tirar vantagem do movimento. Estão se tornando parte do establishment rejeitado.
Com base na Quinta República, o poder constitucional do presidente francês o torna líder do país e, ao mesmo tempo, o foco de esperanças infladas, da ira e da decepção. Macron fez uma campanha, em 2017, se apresentando como um político insurgente contra os partidos estabelecidos. Agora, é visado pela rebelião. A maneira como ele vai lidar com esta crise pode muito bem determinar o futuro de sua presidência. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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