The Economist: Como uma onda de protestos levou o caos político e a polarização ao Peru


País testemunha uma explosão de confrontos nas ruas parecidos com os vistos no Chile em 2019, na Colômbia em 2021 e no Equador no ano passado

Por The Economist

Nos dias recentes, gritos de “Dina assassina! Dina assassina!” têm reverberado pelas ruas de várias das maiores cidades do Peru. É falta de sorte da presidente do país o fato de seu nome rimar com a palavra espanhola “asesina”. Dina Boluarte é a chefe de Estado legítima e constitucional. Mas, desde que assumiu o poder, em 7 de dezembro, ao menos 58 pessoas morreram durante protestos, 46 delas civis mortos em confronto com as forças de segurança, de acordo com a Ouvidoria. O nome da presidente se tornou tóxico, e para muitos peruanos seu governo perdeu a legitimidade.

O Peru testemunha uma explosão de confrontos nas ruas parecidos com os vistos no Chile em 2019, na Colômbia em 2021 e no Equador no ano passado. Os confrontos no Peru têm sido especialmente violentos, sediciosos e perigosos. E também possuem um cunho racial: a população indígena do país é desfavorecida há muito e tem se colocado na linha de frente dos protestos. Em jogo está a capacidade de sobrevivência da democracia. A sociedade se polarizou tanto que alguns peruanos falam de uma guerra civil iminente, por mais extravagante que esse pensamento possa parecer.

Pelo menos dez pessoas morreram como resultado das ações dos manifestantes de bloquear vias. Várias estradas, especialmente nas montanhas do sul do país, permanecem bloqueadas, e algumas grandes minas, assim como a ferrovia para a cidadela inca de Machu Picchu, fecharam. Vários aeroportos ficaram inativos durante grande parte de janeiro. Há escassez de alimentos, gasolina e oxigênio para hospitais em algumas cidades. Intimidações a viajantes e empresas que desafiam os bloqueios em estradas e ordens para entrar em greve são disseminadas.

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De acordo com o Ministério da Economia, o conflito já custou cerca de US$ 625 milhões (o equivalente a 0,3% do PIB) em perdas de produção até o fim de janeiro, além do dano a infraestruturas, fábricas e fazendas. O centro de Lima está fantasmagórico, protegido atrás de gradis instalados pela polícia, e as lojas de bugigangas estão vazias de turistas. Quase todas as noites manifestantes tentam alcançar o edifício do Congresso. Grupos de jovens empunhando bastões pontudos, pedras, atiradeiras e coquetéis Molotov atacam a polícia. Em 28 de janeiro, um manifestante foi morto, a primeira fatalidade na capital.

Manifestação contra o governo de Dina Boluarte em Lima  Foto: JUAN CARLOS CISNEROS / AFP
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Crise e autogolpe

O conflito começou em 7 de dezembro, quando Pedro Castillo, um presidente de esquerda eleito em 2021 por pequena margem, ordenou o fechamento do Congresso e a tomada do Judiciário. A manobra fracassou, e Castillo foi preso – ecoando o “autogolpe” mais bem-sucedido, em 1992, de Alberto Fujimori, que governou o Peru como autocrata eleito até 2000. Por essa razão, muitos na esquerda, assim como os opositores conservadores de Castillo, a denunciaram prontamente. O Congresso votou com agilidade para removê-lo, aprovando seu impedimento por 101 votos a favor, 6 contra e 10 abstenções, e nomeou Boluarte, sua vice-presidente eleita, como sucessora.

Mas Castillo e seus apoiadores começaram rapidamente a disseminar uma narrativa alternativa, na qual o perpetrador de um golpe se tornou vítima de outro. Ex-líder de um sindicato de professores e de ascendência indígena, Castillo governou mal enquanto foi presidente, nomeando mais de 70 ministros diferentes, poucos dos quais permaneceram do que algumas semanas nos cargos. Segundo procuradores, Castillo e seu círculo eram corruptos, mas o ex-presidente nega essas acusações. Ele colocou muitos ativistas de extrema esquerda pouco qualificados para exercer funções de governo.

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Seus defensores argumentam que a direita e a elite de Lima não o deixaram governar. Seus oponentes por sua vez afirmaram, sem evidências, que ele venceu as eleições de maneira fraudulenta – e no mesmo momento começaram a tentar impedi-lo.

Castillo reteve o apoio de aproximadamente 30% dos peruanos, principalmente dos Andes, que se identificam com o político. “Ele pode ter sido inútil, corrupto, o que você quiser, mas nunca foi da elite”, afirma a ex-ministra de Assuntos Sociais Carolina Trivelli. Agora, de acordo com o especialista em pesquisas Alfredo Torres, cerca da metade do povo peruano – e dois terços da população dos Andes – acredita na falsa alegação de que Castillo foi vítima de um complô e pensam que Boluarte é uma usurpadora que se aliou com a direita.

Os manifestantes querem a renúncia de Boluarte, o fechamento do Congresso e eleições gerais imediatamente. Uma eleição este ano pode realmente ser a única maneira de restaurar a calma. Mas eles também querem que uma Assembleia Constituinte redija uma nova Constituição. E querem que Castillo seja libertado, apesar de essa demanda estar se enfraquecendo.

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Grande parte dessa pauta é enormemente popular. Em uma sondagem publicada em 29 de janeiro pelo Instituto de Estudos Peruanos, um centro de pesquisas, quase 90% dos entrevistados reprovaram o Congresso, e 74% afirmaram desejar a renúncia de Boluarte. Essas demandas tanto refletem quanto aceleram o colapso do sistema político em um país que durante grande parte deste século pareceu uma história de sucesso na América Latina.

Paralisação de trabalhadores do setor mineiro no Peru  Foto: Sebastián Castañeda / REUTERS

Herança fujimorista

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Nos anos 80, como hoje, o Peru chegou a um impasse. O país sofria com hiperinflação, declínio econômico e a insurgência terrorista do Sendero Luminoso, uma organização maoista fundamentalista fundada em Ayacucho, uma cidade nos Andes. Muitos consideram que Alberto Fujimori salvou o país. Seu governo autoritário esmagou os terroristas. Suas políticas de livre mercado, refletidas em uma nova Constituição, de 1993, desencadearam mais de duas décadas de rápido crescimento econômico. A renda per capita cresceu a uma média anual de 3% entre 1990 e 2013, em comparação à média de 1,7% no restante da região. Enquanto cerca de 55% dos peruanos eram oficialmente pobres em 1992, em 2014 essa fatia caiu para 23%, na redução de pobreza mais rápida na região.

Mas Fujimori, que cumpre sentença de prisão por abusos de direitos humanos na mesma penitenciária em que Castillo é mantido, também plantou sementes de parte dos males recentes. Seu regime praticou chantagem e corrupção para alcançar objetivos. Fujimori não tinha tempo para partidos políticos. E, de algumas maneiras, ele enfraqueceu o Estado. O crescimento econômico e as políticas favoráveis ao livre mercado continuaram sob governos democráticos desde 2000. Mas a corrupção floresceu, e o sistema político decaiu.

O crescimento não veio acompanhado de desenvolvimento institucional. Três quartos da força de trabalho atuam na economia informal de empresas não registradas. Nos anos recentes, as atividades econômicas clandestinas aumentaram. De acordo com o ex-ministro do Interior Carlos Basombrío, até 200 mil indivíduos trabalham como mineiros ilegais, a maioria garimpando ouro e cobre. Negócios ilícitos, incluindo mineração e tráfico de drogas, geram, reconhece ele, pelo menos US$ 7 bilhões anualmente. Outros estimam essa quantia numa faixa muito mais elevada.

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Instabilidade política

A instabilidade política se intensifica. Boluarte é a sexta pessoa a ocupar a presidência desde 2016. Nenhum dos ocupantes teve maioria no Legislativo. Seis dos nove presidentes peruanos desde 2001 foram acusados de corrupção. O sistema partidário se fraturou: os 130 membros do Congresso estão divididos em uma dúzia de partidos. Muitas das legendas são administradas como empresas pelos possuidores de seu registro legal. Para muitos peruanos o Estado é uma presença tênue. Com uma economia informal tão grande, “o papel dos partidos se torna irrelevante”, afirma o cientista político Carlos Meléndez.

Os protestos “expressam fadiga estrutural com a política e a falta de respostas do Estado” aos problemas da população, afirma Raúl Molina, conselheiro de Boluarte. Essa fadiga é especialmente aguda entre a população majoritariamente indígena e rural do sul dos Andes peruanos. A pandemia também aumentou a pressão econômica sobre os peruanos mais pobres. O índice de pobreza cresceu para 30% em 2020 e foi de 26% em 2021.

Desde dezembro, a fúria espontânea tem sido substituída cada vez mais pela ação organizada e coordenada por parte de uma gama de forças com histórico democrático questionável. Começam por dois partidos da esquerda marxista que apoiaram Castillo e possuem vínculos com Cuba e Venezuela. Também incluem os remanescentes do Sendero Luminoso, que se reorganizou como um partido de extrema esquerda, controla um sindicato de professores e possui presença particularmente em Ayacucho e Puno. Tentativas de tomar aeroportos no sul cheiram a ações do Sendero Luminoso, segundo Basombrío.

Divisão étnica

A população aimara de Puno, no sul, compartilha laços culturais com o povo do altiplano boliviano. Assessores do ex-presidente boliviano Evo Morales, de ascendência aimara, estiveram ativos no sul do Peru. E há os garimpeiros ilegais, que parecem estar por trás de bloqueios de estradas em várias regiões, incluindo Madre de Diós, na Amazônia. As autoridades afirmam que criminosos comuns podem estar por trás de ataques incendiários contra 15 tribunais, 26 escritórios da Promotoria e 47 delegacias de polícia.

Os manifestantes “querem gerar caos e desordem e usar esse caos e desordem para tomar o poder”, afirmou Boluarte em 19 de janeiro. Essa ambição realmente parece estar por trás da ideia de uma Assembleia Constituinte, mecanismo que foi usado por Evo e por Hugo Chávez, na Venezuela, para assegurar poder absoluto, com poucos apoiadores no Peru até pouco tempo atrás.

Agora, as pesquisas mostram que aproximadamente 70% dos peruanos apreciam a ideia, talvez porque o Congresso é bastante odiado. Um referendo a respeito da convocação de uma Assembleia Constituinte seria “muito perigoso”, de acordo com Luis Miguel Castilla, que foi ministro da Economia durante um governo de centro-esquerda, entre 2011 e 2014. A economia se recuperou da pandemia apesar de Castillo, pois a Constituição “impõe várias amarras”, afirma.

O protesto é estimulado pelos disparates de Boluarte e do Congresso, que defende seus interesses. As primeiras mortes ocorreram pelas mãos do Exército e da polícia quando as manifestações começaram, em dezembro. A fúria se incendiou novamente depois que 18 morreram em Juliaca, onde um destacamento policial vastamente inferior em número aparentemente entrou em pânico. Talvez o maior erro do governo tenha sido não ordenar uma investigação independente a respeito das mortes.

Boluarte é das montanhas e, ao contrário de Castillo, fala quíchua, a principal língua indígena no Peru. Ela é novata na política, nomeou alguns ministros competentes, mas se equivocou de outras maneiras. “O governo está perdendo a batalha da comunicação”, afirma Castilla. “O problema passou a ser os excessos do governo.”

Uma eleição antecipada parece ser a única saída. Mas o Congresso, cujos membros desfrutam de altos salários e amplos privilégios, tenta ganhar tempo, e o governo foi vagaroso em pressioná-lo. A emenda constitucional necessária para convocar uma eleição deveria ter sido aprovada em primeira votação até o último dia 14. Mas a esquerda insistiu em ligar a eleição a uma Assembleia Constituinte. E a direita quer a eleição no ano que vem. Estão brincando enquanto o país arde. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Nos dias recentes, gritos de “Dina assassina! Dina assassina!” têm reverberado pelas ruas de várias das maiores cidades do Peru. É falta de sorte da presidente do país o fato de seu nome rimar com a palavra espanhola “asesina”. Dina Boluarte é a chefe de Estado legítima e constitucional. Mas, desde que assumiu o poder, em 7 de dezembro, ao menos 58 pessoas morreram durante protestos, 46 delas civis mortos em confronto com as forças de segurança, de acordo com a Ouvidoria. O nome da presidente se tornou tóxico, e para muitos peruanos seu governo perdeu a legitimidade.

O Peru testemunha uma explosão de confrontos nas ruas parecidos com os vistos no Chile em 2019, na Colômbia em 2021 e no Equador no ano passado. Os confrontos no Peru têm sido especialmente violentos, sediciosos e perigosos. E também possuem um cunho racial: a população indígena do país é desfavorecida há muito e tem se colocado na linha de frente dos protestos. Em jogo está a capacidade de sobrevivência da democracia. A sociedade se polarizou tanto que alguns peruanos falam de uma guerra civil iminente, por mais extravagante que esse pensamento possa parecer.

Pelo menos dez pessoas morreram como resultado das ações dos manifestantes de bloquear vias. Várias estradas, especialmente nas montanhas do sul do país, permanecem bloqueadas, e algumas grandes minas, assim como a ferrovia para a cidadela inca de Machu Picchu, fecharam. Vários aeroportos ficaram inativos durante grande parte de janeiro. Há escassez de alimentos, gasolina e oxigênio para hospitais em algumas cidades. Intimidações a viajantes e empresas que desafiam os bloqueios em estradas e ordens para entrar em greve são disseminadas.

De acordo com o Ministério da Economia, o conflito já custou cerca de US$ 625 milhões (o equivalente a 0,3% do PIB) em perdas de produção até o fim de janeiro, além do dano a infraestruturas, fábricas e fazendas. O centro de Lima está fantasmagórico, protegido atrás de gradis instalados pela polícia, e as lojas de bugigangas estão vazias de turistas. Quase todas as noites manifestantes tentam alcançar o edifício do Congresso. Grupos de jovens empunhando bastões pontudos, pedras, atiradeiras e coquetéis Molotov atacam a polícia. Em 28 de janeiro, um manifestante foi morto, a primeira fatalidade na capital.

Manifestação contra o governo de Dina Boluarte em Lima  Foto: JUAN CARLOS CISNEROS / AFP

Crise e autogolpe

O conflito começou em 7 de dezembro, quando Pedro Castillo, um presidente de esquerda eleito em 2021 por pequena margem, ordenou o fechamento do Congresso e a tomada do Judiciário. A manobra fracassou, e Castillo foi preso – ecoando o “autogolpe” mais bem-sucedido, em 1992, de Alberto Fujimori, que governou o Peru como autocrata eleito até 2000. Por essa razão, muitos na esquerda, assim como os opositores conservadores de Castillo, a denunciaram prontamente. O Congresso votou com agilidade para removê-lo, aprovando seu impedimento por 101 votos a favor, 6 contra e 10 abstenções, e nomeou Boluarte, sua vice-presidente eleita, como sucessora.

Mas Castillo e seus apoiadores começaram rapidamente a disseminar uma narrativa alternativa, na qual o perpetrador de um golpe se tornou vítima de outro. Ex-líder de um sindicato de professores e de ascendência indígena, Castillo governou mal enquanto foi presidente, nomeando mais de 70 ministros diferentes, poucos dos quais permaneceram do que algumas semanas nos cargos. Segundo procuradores, Castillo e seu círculo eram corruptos, mas o ex-presidente nega essas acusações. Ele colocou muitos ativistas de extrema esquerda pouco qualificados para exercer funções de governo.

Seus defensores argumentam que a direita e a elite de Lima não o deixaram governar. Seus oponentes por sua vez afirmaram, sem evidências, que ele venceu as eleições de maneira fraudulenta – e no mesmo momento começaram a tentar impedi-lo.

Castillo reteve o apoio de aproximadamente 30% dos peruanos, principalmente dos Andes, que se identificam com o político. “Ele pode ter sido inútil, corrupto, o que você quiser, mas nunca foi da elite”, afirma a ex-ministra de Assuntos Sociais Carolina Trivelli. Agora, de acordo com o especialista em pesquisas Alfredo Torres, cerca da metade do povo peruano – e dois terços da população dos Andes – acredita na falsa alegação de que Castillo foi vítima de um complô e pensam que Boluarte é uma usurpadora que se aliou com a direita.

Os manifestantes querem a renúncia de Boluarte, o fechamento do Congresso e eleições gerais imediatamente. Uma eleição este ano pode realmente ser a única maneira de restaurar a calma. Mas eles também querem que uma Assembleia Constituinte redija uma nova Constituição. E querem que Castillo seja libertado, apesar de essa demanda estar se enfraquecendo.

Grande parte dessa pauta é enormemente popular. Em uma sondagem publicada em 29 de janeiro pelo Instituto de Estudos Peruanos, um centro de pesquisas, quase 90% dos entrevistados reprovaram o Congresso, e 74% afirmaram desejar a renúncia de Boluarte. Essas demandas tanto refletem quanto aceleram o colapso do sistema político em um país que durante grande parte deste século pareceu uma história de sucesso na América Latina.

Paralisação de trabalhadores do setor mineiro no Peru  Foto: Sebastián Castañeda / REUTERS

Herança fujimorista

Nos anos 80, como hoje, o Peru chegou a um impasse. O país sofria com hiperinflação, declínio econômico e a insurgência terrorista do Sendero Luminoso, uma organização maoista fundamentalista fundada em Ayacucho, uma cidade nos Andes. Muitos consideram que Alberto Fujimori salvou o país. Seu governo autoritário esmagou os terroristas. Suas políticas de livre mercado, refletidas em uma nova Constituição, de 1993, desencadearam mais de duas décadas de rápido crescimento econômico. A renda per capita cresceu a uma média anual de 3% entre 1990 e 2013, em comparação à média de 1,7% no restante da região. Enquanto cerca de 55% dos peruanos eram oficialmente pobres em 1992, em 2014 essa fatia caiu para 23%, na redução de pobreza mais rápida na região.

Mas Fujimori, que cumpre sentença de prisão por abusos de direitos humanos na mesma penitenciária em que Castillo é mantido, também plantou sementes de parte dos males recentes. Seu regime praticou chantagem e corrupção para alcançar objetivos. Fujimori não tinha tempo para partidos políticos. E, de algumas maneiras, ele enfraqueceu o Estado. O crescimento econômico e as políticas favoráveis ao livre mercado continuaram sob governos democráticos desde 2000. Mas a corrupção floresceu, e o sistema político decaiu.

O crescimento não veio acompanhado de desenvolvimento institucional. Três quartos da força de trabalho atuam na economia informal de empresas não registradas. Nos anos recentes, as atividades econômicas clandestinas aumentaram. De acordo com o ex-ministro do Interior Carlos Basombrío, até 200 mil indivíduos trabalham como mineiros ilegais, a maioria garimpando ouro e cobre. Negócios ilícitos, incluindo mineração e tráfico de drogas, geram, reconhece ele, pelo menos US$ 7 bilhões anualmente. Outros estimam essa quantia numa faixa muito mais elevada.

Instabilidade política

A instabilidade política se intensifica. Boluarte é a sexta pessoa a ocupar a presidência desde 2016. Nenhum dos ocupantes teve maioria no Legislativo. Seis dos nove presidentes peruanos desde 2001 foram acusados de corrupção. O sistema partidário se fraturou: os 130 membros do Congresso estão divididos em uma dúzia de partidos. Muitas das legendas são administradas como empresas pelos possuidores de seu registro legal. Para muitos peruanos o Estado é uma presença tênue. Com uma economia informal tão grande, “o papel dos partidos se torna irrelevante”, afirma o cientista político Carlos Meléndez.

Os protestos “expressam fadiga estrutural com a política e a falta de respostas do Estado” aos problemas da população, afirma Raúl Molina, conselheiro de Boluarte. Essa fadiga é especialmente aguda entre a população majoritariamente indígena e rural do sul dos Andes peruanos. A pandemia também aumentou a pressão econômica sobre os peruanos mais pobres. O índice de pobreza cresceu para 30% em 2020 e foi de 26% em 2021.

Desde dezembro, a fúria espontânea tem sido substituída cada vez mais pela ação organizada e coordenada por parte de uma gama de forças com histórico democrático questionável. Começam por dois partidos da esquerda marxista que apoiaram Castillo e possuem vínculos com Cuba e Venezuela. Também incluem os remanescentes do Sendero Luminoso, que se reorganizou como um partido de extrema esquerda, controla um sindicato de professores e possui presença particularmente em Ayacucho e Puno. Tentativas de tomar aeroportos no sul cheiram a ações do Sendero Luminoso, segundo Basombrío.

Divisão étnica

A população aimara de Puno, no sul, compartilha laços culturais com o povo do altiplano boliviano. Assessores do ex-presidente boliviano Evo Morales, de ascendência aimara, estiveram ativos no sul do Peru. E há os garimpeiros ilegais, que parecem estar por trás de bloqueios de estradas em várias regiões, incluindo Madre de Diós, na Amazônia. As autoridades afirmam que criminosos comuns podem estar por trás de ataques incendiários contra 15 tribunais, 26 escritórios da Promotoria e 47 delegacias de polícia.

Os manifestantes “querem gerar caos e desordem e usar esse caos e desordem para tomar o poder”, afirmou Boluarte em 19 de janeiro. Essa ambição realmente parece estar por trás da ideia de uma Assembleia Constituinte, mecanismo que foi usado por Evo e por Hugo Chávez, na Venezuela, para assegurar poder absoluto, com poucos apoiadores no Peru até pouco tempo atrás.

Agora, as pesquisas mostram que aproximadamente 70% dos peruanos apreciam a ideia, talvez porque o Congresso é bastante odiado. Um referendo a respeito da convocação de uma Assembleia Constituinte seria “muito perigoso”, de acordo com Luis Miguel Castilla, que foi ministro da Economia durante um governo de centro-esquerda, entre 2011 e 2014. A economia se recuperou da pandemia apesar de Castillo, pois a Constituição “impõe várias amarras”, afirma.

O protesto é estimulado pelos disparates de Boluarte e do Congresso, que defende seus interesses. As primeiras mortes ocorreram pelas mãos do Exército e da polícia quando as manifestações começaram, em dezembro. A fúria se incendiou novamente depois que 18 morreram em Juliaca, onde um destacamento policial vastamente inferior em número aparentemente entrou em pânico. Talvez o maior erro do governo tenha sido não ordenar uma investigação independente a respeito das mortes.

Boluarte é das montanhas e, ao contrário de Castillo, fala quíchua, a principal língua indígena no Peru. Ela é novata na política, nomeou alguns ministros competentes, mas se equivocou de outras maneiras. “O governo está perdendo a batalha da comunicação”, afirma Castilla. “O problema passou a ser os excessos do governo.”

Uma eleição antecipada parece ser a única saída. Mas o Congresso, cujos membros desfrutam de altos salários e amplos privilégios, tenta ganhar tempo, e o governo foi vagaroso em pressioná-lo. A emenda constitucional necessária para convocar uma eleição deveria ter sido aprovada em primeira votação até o último dia 14. Mas a esquerda insistiu em ligar a eleição a uma Assembleia Constituinte. E a direita quer a eleição no ano que vem. Estão brincando enquanto o país arde. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Nos dias recentes, gritos de “Dina assassina! Dina assassina!” têm reverberado pelas ruas de várias das maiores cidades do Peru. É falta de sorte da presidente do país o fato de seu nome rimar com a palavra espanhola “asesina”. Dina Boluarte é a chefe de Estado legítima e constitucional. Mas, desde que assumiu o poder, em 7 de dezembro, ao menos 58 pessoas morreram durante protestos, 46 delas civis mortos em confronto com as forças de segurança, de acordo com a Ouvidoria. O nome da presidente se tornou tóxico, e para muitos peruanos seu governo perdeu a legitimidade.

O Peru testemunha uma explosão de confrontos nas ruas parecidos com os vistos no Chile em 2019, na Colômbia em 2021 e no Equador no ano passado. Os confrontos no Peru têm sido especialmente violentos, sediciosos e perigosos. E também possuem um cunho racial: a população indígena do país é desfavorecida há muito e tem se colocado na linha de frente dos protestos. Em jogo está a capacidade de sobrevivência da democracia. A sociedade se polarizou tanto que alguns peruanos falam de uma guerra civil iminente, por mais extravagante que esse pensamento possa parecer.

Pelo menos dez pessoas morreram como resultado das ações dos manifestantes de bloquear vias. Várias estradas, especialmente nas montanhas do sul do país, permanecem bloqueadas, e algumas grandes minas, assim como a ferrovia para a cidadela inca de Machu Picchu, fecharam. Vários aeroportos ficaram inativos durante grande parte de janeiro. Há escassez de alimentos, gasolina e oxigênio para hospitais em algumas cidades. Intimidações a viajantes e empresas que desafiam os bloqueios em estradas e ordens para entrar em greve são disseminadas.

De acordo com o Ministério da Economia, o conflito já custou cerca de US$ 625 milhões (o equivalente a 0,3% do PIB) em perdas de produção até o fim de janeiro, além do dano a infraestruturas, fábricas e fazendas. O centro de Lima está fantasmagórico, protegido atrás de gradis instalados pela polícia, e as lojas de bugigangas estão vazias de turistas. Quase todas as noites manifestantes tentam alcançar o edifício do Congresso. Grupos de jovens empunhando bastões pontudos, pedras, atiradeiras e coquetéis Molotov atacam a polícia. Em 28 de janeiro, um manifestante foi morto, a primeira fatalidade na capital.

Manifestação contra o governo de Dina Boluarte em Lima  Foto: JUAN CARLOS CISNEROS / AFP

Crise e autogolpe

O conflito começou em 7 de dezembro, quando Pedro Castillo, um presidente de esquerda eleito em 2021 por pequena margem, ordenou o fechamento do Congresso e a tomada do Judiciário. A manobra fracassou, e Castillo foi preso – ecoando o “autogolpe” mais bem-sucedido, em 1992, de Alberto Fujimori, que governou o Peru como autocrata eleito até 2000. Por essa razão, muitos na esquerda, assim como os opositores conservadores de Castillo, a denunciaram prontamente. O Congresso votou com agilidade para removê-lo, aprovando seu impedimento por 101 votos a favor, 6 contra e 10 abstenções, e nomeou Boluarte, sua vice-presidente eleita, como sucessora.

Mas Castillo e seus apoiadores começaram rapidamente a disseminar uma narrativa alternativa, na qual o perpetrador de um golpe se tornou vítima de outro. Ex-líder de um sindicato de professores e de ascendência indígena, Castillo governou mal enquanto foi presidente, nomeando mais de 70 ministros diferentes, poucos dos quais permaneceram do que algumas semanas nos cargos. Segundo procuradores, Castillo e seu círculo eram corruptos, mas o ex-presidente nega essas acusações. Ele colocou muitos ativistas de extrema esquerda pouco qualificados para exercer funções de governo.

Seus defensores argumentam que a direita e a elite de Lima não o deixaram governar. Seus oponentes por sua vez afirmaram, sem evidências, que ele venceu as eleições de maneira fraudulenta – e no mesmo momento começaram a tentar impedi-lo.

Castillo reteve o apoio de aproximadamente 30% dos peruanos, principalmente dos Andes, que se identificam com o político. “Ele pode ter sido inútil, corrupto, o que você quiser, mas nunca foi da elite”, afirma a ex-ministra de Assuntos Sociais Carolina Trivelli. Agora, de acordo com o especialista em pesquisas Alfredo Torres, cerca da metade do povo peruano – e dois terços da população dos Andes – acredita na falsa alegação de que Castillo foi vítima de um complô e pensam que Boluarte é uma usurpadora que se aliou com a direita.

Os manifestantes querem a renúncia de Boluarte, o fechamento do Congresso e eleições gerais imediatamente. Uma eleição este ano pode realmente ser a única maneira de restaurar a calma. Mas eles também querem que uma Assembleia Constituinte redija uma nova Constituição. E querem que Castillo seja libertado, apesar de essa demanda estar se enfraquecendo.

Grande parte dessa pauta é enormemente popular. Em uma sondagem publicada em 29 de janeiro pelo Instituto de Estudos Peruanos, um centro de pesquisas, quase 90% dos entrevistados reprovaram o Congresso, e 74% afirmaram desejar a renúncia de Boluarte. Essas demandas tanto refletem quanto aceleram o colapso do sistema político em um país que durante grande parte deste século pareceu uma história de sucesso na América Latina.

Paralisação de trabalhadores do setor mineiro no Peru  Foto: Sebastián Castañeda / REUTERS

Herança fujimorista

Nos anos 80, como hoje, o Peru chegou a um impasse. O país sofria com hiperinflação, declínio econômico e a insurgência terrorista do Sendero Luminoso, uma organização maoista fundamentalista fundada em Ayacucho, uma cidade nos Andes. Muitos consideram que Alberto Fujimori salvou o país. Seu governo autoritário esmagou os terroristas. Suas políticas de livre mercado, refletidas em uma nova Constituição, de 1993, desencadearam mais de duas décadas de rápido crescimento econômico. A renda per capita cresceu a uma média anual de 3% entre 1990 e 2013, em comparação à média de 1,7% no restante da região. Enquanto cerca de 55% dos peruanos eram oficialmente pobres em 1992, em 2014 essa fatia caiu para 23%, na redução de pobreza mais rápida na região.

Mas Fujimori, que cumpre sentença de prisão por abusos de direitos humanos na mesma penitenciária em que Castillo é mantido, também plantou sementes de parte dos males recentes. Seu regime praticou chantagem e corrupção para alcançar objetivos. Fujimori não tinha tempo para partidos políticos. E, de algumas maneiras, ele enfraqueceu o Estado. O crescimento econômico e as políticas favoráveis ao livre mercado continuaram sob governos democráticos desde 2000. Mas a corrupção floresceu, e o sistema político decaiu.

O crescimento não veio acompanhado de desenvolvimento institucional. Três quartos da força de trabalho atuam na economia informal de empresas não registradas. Nos anos recentes, as atividades econômicas clandestinas aumentaram. De acordo com o ex-ministro do Interior Carlos Basombrío, até 200 mil indivíduos trabalham como mineiros ilegais, a maioria garimpando ouro e cobre. Negócios ilícitos, incluindo mineração e tráfico de drogas, geram, reconhece ele, pelo menos US$ 7 bilhões anualmente. Outros estimam essa quantia numa faixa muito mais elevada.

Instabilidade política

A instabilidade política se intensifica. Boluarte é a sexta pessoa a ocupar a presidência desde 2016. Nenhum dos ocupantes teve maioria no Legislativo. Seis dos nove presidentes peruanos desde 2001 foram acusados de corrupção. O sistema partidário se fraturou: os 130 membros do Congresso estão divididos em uma dúzia de partidos. Muitas das legendas são administradas como empresas pelos possuidores de seu registro legal. Para muitos peruanos o Estado é uma presença tênue. Com uma economia informal tão grande, “o papel dos partidos se torna irrelevante”, afirma o cientista político Carlos Meléndez.

Os protestos “expressam fadiga estrutural com a política e a falta de respostas do Estado” aos problemas da população, afirma Raúl Molina, conselheiro de Boluarte. Essa fadiga é especialmente aguda entre a população majoritariamente indígena e rural do sul dos Andes peruanos. A pandemia também aumentou a pressão econômica sobre os peruanos mais pobres. O índice de pobreza cresceu para 30% em 2020 e foi de 26% em 2021.

Desde dezembro, a fúria espontânea tem sido substituída cada vez mais pela ação organizada e coordenada por parte de uma gama de forças com histórico democrático questionável. Começam por dois partidos da esquerda marxista que apoiaram Castillo e possuem vínculos com Cuba e Venezuela. Também incluem os remanescentes do Sendero Luminoso, que se reorganizou como um partido de extrema esquerda, controla um sindicato de professores e possui presença particularmente em Ayacucho e Puno. Tentativas de tomar aeroportos no sul cheiram a ações do Sendero Luminoso, segundo Basombrío.

Divisão étnica

A população aimara de Puno, no sul, compartilha laços culturais com o povo do altiplano boliviano. Assessores do ex-presidente boliviano Evo Morales, de ascendência aimara, estiveram ativos no sul do Peru. E há os garimpeiros ilegais, que parecem estar por trás de bloqueios de estradas em várias regiões, incluindo Madre de Diós, na Amazônia. As autoridades afirmam que criminosos comuns podem estar por trás de ataques incendiários contra 15 tribunais, 26 escritórios da Promotoria e 47 delegacias de polícia.

Os manifestantes “querem gerar caos e desordem e usar esse caos e desordem para tomar o poder”, afirmou Boluarte em 19 de janeiro. Essa ambição realmente parece estar por trás da ideia de uma Assembleia Constituinte, mecanismo que foi usado por Evo e por Hugo Chávez, na Venezuela, para assegurar poder absoluto, com poucos apoiadores no Peru até pouco tempo atrás.

Agora, as pesquisas mostram que aproximadamente 70% dos peruanos apreciam a ideia, talvez porque o Congresso é bastante odiado. Um referendo a respeito da convocação de uma Assembleia Constituinte seria “muito perigoso”, de acordo com Luis Miguel Castilla, que foi ministro da Economia durante um governo de centro-esquerda, entre 2011 e 2014. A economia se recuperou da pandemia apesar de Castillo, pois a Constituição “impõe várias amarras”, afirma.

O protesto é estimulado pelos disparates de Boluarte e do Congresso, que defende seus interesses. As primeiras mortes ocorreram pelas mãos do Exército e da polícia quando as manifestações começaram, em dezembro. A fúria se incendiou novamente depois que 18 morreram em Juliaca, onde um destacamento policial vastamente inferior em número aparentemente entrou em pânico. Talvez o maior erro do governo tenha sido não ordenar uma investigação independente a respeito das mortes.

Boluarte é das montanhas e, ao contrário de Castillo, fala quíchua, a principal língua indígena no Peru. Ela é novata na política, nomeou alguns ministros competentes, mas se equivocou de outras maneiras. “O governo está perdendo a batalha da comunicação”, afirma Castilla. “O problema passou a ser os excessos do governo.”

Uma eleição antecipada parece ser a única saída. Mas o Congresso, cujos membros desfrutam de altos salários e amplos privilégios, tenta ganhar tempo, e o governo foi vagaroso em pressioná-lo. A emenda constitucional necessária para convocar uma eleição deveria ter sido aprovada em primeira votação até o último dia 14. Mas a esquerda insistiu em ligar a eleição a uma Assembleia Constituinte. E a direita quer a eleição no ano que vem. Estão brincando enquanto o país arde. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Nos dias recentes, gritos de “Dina assassina! Dina assassina!” têm reverberado pelas ruas de várias das maiores cidades do Peru. É falta de sorte da presidente do país o fato de seu nome rimar com a palavra espanhola “asesina”. Dina Boluarte é a chefe de Estado legítima e constitucional. Mas, desde que assumiu o poder, em 7 de dezembro, ao menos 58 pessoas morreram durante protestos, 46 delas civis mortos em confronto com as forças de segurança, de acordo com a Ouvidoria. O nome da presidente se tornou tóxico, e para muitos peruanos seu governo perdeu a legitimidade.

O Peru testemunha uma explosão de confrontos nas ruas parecidos com os vistos no Chile em 2019, na Colômbia em 2021 e no Equador no ano passado. Os confrontos no Peru têm sido especialmente violentos, sediciosos e perigosos. E também possuem um cunho racial: a população indígena do país é desfavorecida há muito e tem se colocado na linha de frente dos protestos. Em jogo está a capacidade de sobrevivência da democracia. A sociedade se polarizou tanto que alguns peruanos falam de uma guerra civil iminente, por mais extravagante que esse pensamento possa parecer.

Pelo menos dez pessoas morreram como resultado das ações dos manifestantes de bloquear vias. Várias estradas, especialmente nas montanhas do sul do país, permanecem bloqueadas, e algumas grandes minas, assim como a ferrovia para a cidadela inca de Machu Picchu, fecharam. Vários aeroportos ficaram inativos durante grande parte de janeiro. Há escassez de alimentos, gasolina e oxigênio para hospitais em algumas cidades. Intimidações a viajantes e empresas que desafiam os bloqueios em estradas e ordens para entrar em greve são disseminadas.

De acordo com o Ministério da Economia, o conflito já custou cerca de US$ 625 milhões (o equivalente a 0,3% do PIB) em perdas de produção até o fim de janeiro, além do dano a infraestruturas, fábricas e fazendas. O centro de Lima está fantasmagórico, protegido atrás de gradis instalados pela polícia, e as lojas de bugigangas estão vazias de turistas. Quase todas as noites manifestantes tentam alcançar o edifício do Congresso. Grupos de jovens empunhando bastões pontudos, pedras, atiradeiras e coquetéis Molotov atacam a polícia. Em 28 de janeiro, um manifestante foi morto, a primeira fatalidade na capital.

Manifestação contra o governo de Dina Boluarte em Lima  Foto: JUAN CARLOS CISNEROS / AFP

Crise e autogolpe

O conflito começou em 7 de dezembro, quando Pedro Castillo, um presidente de esquerda eleito em 2021 por pequena margem, ordenou o fechamento do Congresso e a tomada do Judiciário. A manobra fracassou, e Castillo foi preso – ecoando o “autogolpe” mais bem-sucedido, em 1992, de Alberto Fujimori, que governou o Peru como autocrata eleito até 2000. Por essa razão, muitos na esquerda, assim como os opositores conservadores de Castillo, a denunciaram prontamente. O Congresso votou com agilidade para removê-lo, aprovando seu impedimento por 101 votos a favor, 6 contra e 10 abstenções, e nomeou Boluarte, sua vice-presidente eleita, como sucessora.

Mas Castillo e seus apoiadores começaram rapidamente a disseminar uma narrativa alternativa, na qual o perpetrador de um golpe se tornou vítima de outro. Ex-líder de um sindicato de professores e de ascendência indígena, Castillo governou mal enquanto foi presidente, nomeando mais de 70 ministros diferentes, poucos dos quais permaneceram do que algumas semanas nos cargos. Segundo procuradores, Castillo e seu círculo eram corruptos, mas o ex-presidente nega essas acusações. Ele colocou muitos ativistas de extrema esquerda pouco qualificados para exercer funções de governo.

Seus defensores argumentam que a direita e a elite de Lima não o deixaram governar. Seus oponentes por sua vez afirmaram, sem evidências, que ele venceu as eleições de maneira fraudulenta – e no mesmo momento começaram a tentar impedi-lo.

Castillo reteve o apoio de aproximadamente 30% dos peruanos, principalmente dos Andes, que se identificam com o político. “Ele pode ter sido inútil, corrupto, o que você quiser, mas nunca foi da elite”, afirma a ex-ministra de Assuntos Sociais Carolina Trivelli. Agora, de acordo com o especialista em pesquisas Alfredo Torres, cerca da metade do povo peruano – e dois terços da população dos Andes – acredita na falsa alegação de que Castillo foi vítima de um complô e pensam que Boluarte é uma usurpadora que se aliou com a direita.

Os manifestantes querem a renúncia de Boluarte, o fechamento do Congresso e eleições gerais imediatamente. Uma eleição este ano pode realmente ser a única maneira de restaurar a calma. Mas eles também querem que uma Assembleia Constituinte redija uma nova Constituição. E querem que Castillo seja libertado, apesar de essa demanda estar se enfraquecendo.

Grande parte dessa pauta é enormemente popular. Em uma sondagem publicada em 29 de janeiro pelo Instituto de Estudos Peruanos, um centro de pesquisas, quase 90% dos entrevistados reprovaram o Congresso, e 74% afirmaram desejar a renúncia de Boluarte. Essas demandas tanto refletem quanto aceleram o colapso do sistema político em um país que durante grande parte deste século pareceu uma história de sucesso na América Latina.

Paralisação de trabalhadores do setor mineiro no Peru  Foto: Sebastián Castañeda / REUTERS

Herança fujimorista

Nos anos 80, como hoje, o Peru chegou a um impasse. O país sofria com hiperinflação, declínio econômico e a insurgência terrorista do Sendero Luminoso, uma organização maoista fundamentalista fundada em Ayacucho, uma cidade nos Andes. Muitos consideram que Alberto Fujimori salvou o país. Seu governo autoritário esmagou os terroristas. Suas políticas de livre mercado, refletidas em uma nova Constituição, de 1993, desencadearam mais de duas décadas de rápido crescimento econômico. A renda per capita cresceu a uma média anual de 3% entre 1990 e 2013, em comparação à média de 1,7% no restante da região. Enquanto cerca de 55% dos peruanos eram oficialmente pobres em 1992, em 2014 essa fatia caiu para 23%, na redução de pobreza mais rápida na região.

Mas Fujimori, que cumpre sentença de prisão por abusos de direitos humanos na mesma penitenciária em que Castillo é mantido, também plantou sementes de parte dos males recentes. Seu regime praticou chantagem e corrupção para alcançar objetivos. Fujimori não tinha tempo para partidos políticos. E, de algumas maneiras, ele enfraqueceu o Estado. O crescimento econômico e as políticas favoráveis ao livre mercado continuaram sob governos democráticos desde 2000. Mas a corrupção floresceu, e o sistema político decaiu.

O crescimento não veio acompanhado de desenvolvimento institucional. Três quartos da força de trabalho atuam na economia informal de empresas não registradas. Nos anos recentes, as atividades econômicas clandestinas aumentaram. De acordo com o ex-ministro do Interior Carlos Basombrío, até 200 mil indivíduos trabalham como mineiros ilegais, a maioria garimpando ouro e cobre. Negócios ilícitos, incluindo mineração e tráfico de drogas, geram, reconhece ele, pelo menos US$ 7 bilhões anualmente. Outros estimam essa quantia numa faixa muito mais elevada.

Instabilidade política

A instabilidade política se intensifica. Boluarte é a sexta pessoa a ocupar a presidência desde 2016. Nenhum dos ocupantes teve maioria no Legislativo. Seis dos nove presidentes peruanos desde 2001 foram acusados de corrupção. O sistema partidário se fraturou: os 130 membros do Congresso estão divididos em uma dúzia de partidos. Muitas das legendas são administradas como empresas pelos possuidores de seu registro legal. Para muitos peruanos o Estado é uma presença tênue. Com uma economia informal tão grande, “o papel dos partidos se torna irrelevante”, afirma o cientista político Carlos Meléndez.

Os protestos “expressam fadiga estrutural com a política e a falta de respostas do Estado” aos problemas da população, afirma Raúl Molina, conselheiro de Boluarte. Essa fadiga é especialmente aguda entre a população majoritariamente indígena e rural do sul dos Andes peruanos. A pandemia também aumentou a pressão econômica sobre os peruanos mais pobres. O índice de pobreza cresceu para 30% em 2020 e foi de 26% em 2021.

Desde dezembro, a fúria espontânea tem sido substituída cada vez mais pela ação organizada e coordenada por parte de uma gama de forças com histórico democrático questionável. Começam por dois partidos da esquerda marxista que apoiaram Castillo e possuem vínculos com Cuba e Venezuela. Também incluem os remanescentes do Sendero Luminoso, que se reorganizou como um partido de extrema esquerda, controla um sindicato de professores e possui presença particularmente em Ayacucho e Puno. Tentativas de tomar aeroportos no sul cheiram a ações do Sendero Luminoso, segundo Basombrío.

Divisão étnica

A população aimara de Puno, no sul, compartilha laços culturais com o povo do altiplano boliviano. Assessores do ex-presidente boliviano Evo Morales, de ascendência aimara, estiveram ativos no sul do Peru. E há os garimpeiros ilegais, que parecem estar por trás de bloqueios de estradas em várias regiões, incluindo Madre de Diós, na Amazônia. As autoridades afirmam que criminosos comuns podem estar por trás de ataques incendiários contra 15 tribunais, 26 escritórios da Promotoria e 47 delegacias de polícia.

Os manifestantes “querem gerar caos e desordem e usar esse caos e desordem para tomar o poder”, afirmou Boluarte em 19 de janeiro. Essa ambição realmente parece estar por trás da ideia de uma Assembleia Constituinte, mecanismo que foi usado por Evo e por Hugo Chávez, na Venezuela, para assegurar poder absoluto, com poucos apoiadores no Peru até pouco tempo atrás.

Agora, as pesquisas mostram que aproximadamente 70% dos peruanos apreciam a ideia, talvez porque o Congresso é bastante odiado. Um referendo a respeito da convocação de uma Assembleia Constituinte seria “muito perigoso”, de acordo com Luis Miguel Castilla, que foi ministro da Economia durante um governo de centro-esquerda, entre 2011 e 2014. A economia se recuperou da pandemia apesar de Castillo, pois a Constituição “impõe várias amarras”, afirma.

O protesto é estimulado pelos disparates de Boluarte e do Congresso, que defende seus interesses. As primeiras mortes ocorreram pelas mãos do Exército e da polícia quando as manifestações começaram, em dezembro. A fúria se incendiou novamente depois que 18 morreram em Juliaca, onde um destacamento policial vastamente inferior em número aparentemente entrou em pânico. Talvez o maior erro do governo tenha sido não ordenar uma investigação independente a respeito das mortes.

Boluarte é das montanhas e, ao contrário de Castillo, fala quíchua, a principal língua indígena no Peru. Ela é novata na política, nomeou alguns ministros competentes, mas se equivocou de outras maneiras. “O governo está perdendo a batalha da comunicação”, afirma Castilla. “O problema passou a ser os excessos do governo.”

Uma eleição antecipada parece ser a única saída. Mas o Congresso, cujos membros desfrutam de altos salários e amplos privilégios, tenta ganhar tempo, e o governo foi vagaroso em pressioná-lo. A emenda constitucional necessária para convocar uma eleição deveria ter sido aprovada em primeira votação até o último dia 14. Mas a esquerda insistiu em ligar a eleição a uma Assembleia Constituinte. E a direita quer a eleição no ano que vem. Estão brincando enquanto o país arde. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Nos dias recentes, gritos de “Dina assassina! Dina assassina!” têm reverberado pelas ruas de várias das maiores cidades do Peru. É falta de sorte da presidente do país o fato de seu nome rimar com a palavra espanhola “asesina”. Dina Boluarte é a chefe de Estado legítima e constitucional. Mas, desde que assumiu o poder, em 7 de dezembro, ao menos 58 pessoas morreram durante protestos, 46 delas civis mortos em confronto com as forças de segurança, de acordo com a Ouvidoria. O nome da presidente se tornou tóxico, e para muitos peruanos seu governo perdeu a legitimidade.

O Peru testemunha uma explosão de confrontos nas ruas parecidos com os vistos no Chile em 2019, na Colômbia em 2021 e no Equador no ano passado. Os confrontos no Peru têm sido especialmente violentos, sediciosos e perigosos. E também possuem um cunho racial: a população indígena do país é desfavorecida há muito e tem se colocado na linha de frente dos protestos. Em jogo está a capacidade de sobrevivência da democracia. A sociedade se polarizou tanto que alguns peruanos falam de uma guerra civil iminente, por mais extravagante que esse pensamento possa parecer.

Pelo menos dez pessoas morreram como resultado das ações dos manifestantes de bloquear vias. Várias estradas, especialmente nas montanhas do sul do país, permanecem bloqueadas, e algumas grandes minas, assim como a ferrovia para a cidadela inca de Machu Picchu, fecharam. Vários aeroportos ficaram inativos durante grande parte de janeiro. Há escassez de alimentos, gasolina e oxigênio para hospitais em algumas cidades. Intimidações a viajantes e empresas que desafiam os bloqueios em estradas e ordens para entrar em greve são disseminadas.

De acordo com o Ministério da Economia, o conflito já custou cerca de US$ 625 milhões (o equivalente a 0,3% do PIB) em perdas de produção até o fim de janeiro, além do dano a infraestruturas, fábricas e fazendas. O centro de Lima está fantasmagórico, protegido atrás de gradis instalados pela polícia, e as lojas de bugigangas estão vazias de turistas. Quase todas as noites manifestantes tentam alcançar o edifício do Congresso. Grupos de jovens empunhando bastões pontudos, pedras, atiradeiras e coquetéis Molotov atacam a polícia. Em 28 de janeiro, um manifestante foi morto, a primeira fatalidade na capital.

Manifestação contra o governo de Dina Boluarte em Lima  Foto: JUAN CARLOS CISNEROS / AFP

Crise e autogolpe

O conflito começou em 7 de dezembro, quando Pedro Castillo, um presidente de esquerda eleito em 2021 por pequena margem, ordenou o fechamento do Congresso e a tomada do Judiciário. A manobra fracassou, e Castillo foi preso – ecoando o “autogolpe” mais bem-sucedido, em 1992, de Alberto Fujimori, que governou o Peru como autocrata eleito até 2000. Por essa razão, muitos na esquerda, assim como os opositores conservadores de Castillo, a denunciaram prontamente. O Congresso votou com agilidade para removê-lo, aprovando seu impedimento por 101 votos a favor, 6 contra e 10 abstenções, e nomeou Boluarte, sua vice-presidente eleita, como sucessora.

Mas Castillo e seus apoiadores começaram rapidamente a disseminar uma narrativa alternativa, na qual o perpetrador de um golpe se tornou vítima de outro. Ex-líder de um sindicato de professores e de ascendência indígena, Castillo governou mal enquanto foi presidente, nomeando mais de 70 ministros diferentes, poucos dos quais permaneceram do que algumas semanas nos cargos. Segundo procuradores, Castillo e seu círculo eram corruptos, mas o ex-presidente nega essas acusações. Ele colocou muitos ativistas de extrema esquerda pouco qualificados para exercer funções de governo.

Seus defensores argumentam que a direita e a elite de Lima não o deixaram governar. Seus oponentes por sua vez afirmaram, sem evidências, que ele venceu as eleições de maneira fraudulenta – e no mesmo momento começaram a tentar impedi-lo.

Castillo reteve o apoio de aproximadamente 30% dos peruanos, principalmente dos Andes, que se identificam com o político. “Ele pode ter sido inútil, corrupto, o que você quiser, mas nunca foi da elite”, afirma a ex-ministra de Assuntos Sociais Carolina Trivelli. Agora, de acordo com o especialista em pesquisas Alfredo Torres, cerca da metade do povo peruano – e dois terços da população dos Andes – acredita na falsa alegação de que Castillo foi vítima de um complô e pensam que Boluarte é uma usurpadora que se aliou com a direita.

Os manifestantes querem a renúncia de Boluarte, o fechamento do Congresso e eleições gerais imediatamente. Uma eleição este ano pode realmente ser a única maneira de restaurar a calma. Mas eles também querem que uma Assembleia Constituinte redija uma nova Constituição. E querem que Castillo seja libertado, apesar de essa demanda estar se enfraquecendo.

Grande parte dessa pauta é enormemente popular. Em uma sondagem publicada em 29 de janeiro pelo Instituto de Estudos Peruanos, um centro de pesquisas, quase 90% dos entrevistados reprovaram o Congresso, e 74% afirmaram desejar a renúncia de Boluarte. Essas demandas tanto refletem quanto aceleram o colapso do sistema político em um país que durante grande parte deste século pareceu uma história de sucesso na América Latina.

Paralisação de trabalhadores do setor mineiro no Peru  Foto: Sebastián Castañeda / REUTERS

Herança fujimorista

Nos anos 80, como hoje, o Peru chegou a um impasse. O país sofria com hiperinflação, declínio econômico e a insurgência terrorista do Sendero Luminoso, uma organização maoista fundamentalista fundada em Ayacucho, uma cidade nos Andes. Muitos consideram que Alberto Fujimori salvou o país. Seu governo autoritário esmagou os terroristas. Suas políticas de livre mercado, refletidas em uma nova Constituição, de 1993, desencadearam mais de duas décadas de rápido crescimento econômico. A renda per capita cresceu a uma média anual de 3% entre 1990 e 2013, em comparação à média de 1,7% no restante da região. Enquanto cerca de 55% dos peruanos eram oficialmente pobres em 1992, em 2014 essa fatia caiu para 23%, na redução de pobreza mais rápida na região.

Mas Fujimori, que cumpre sentença de prisão por abusos de direitos humanos na mesma penitenciária em que Castillo é mantido, também plantou sementes de parte dos males recentes. Seu regime praticou chantagem e corrupção para alcançar objetivos. Fujimori não tinha tempo para partidos políticos. E, de algumas maneiras, ele enfraqueceu o Estado. O crescimento econômico e as políticas favoráveis ao livre mercado continuaram sob governos democráticos desde 2000. Mas a corrupção floresceu, e o sistema político decaiu.

O crescimento não veio acompanhado de desenvolvimento institucional. Três quartos da força de trabalho atuam na economia informal de empresas não registradas. Nos anos recentes, as atividades econômicas clandestinas aumentaram. De acordo com o ex-ministro do Interior Carlos Basombrío, até 200 mil indivíduos trabalham como mineiros ilegais, a maioria garimpando ouro e cobre. Negócios ilícitos, incluindo mineração e tráfico de drogas, geram, reconhece ele, pelo menos US$ 7 bilhões anualmente. Outros estimam essa quantia numa faixa muito mais elevada.

Instabilidade política

A instabilidade política se intensifica. Boluarte é a sexta pessoa a ocupar a presidência desde 2016. Nenhum dos ocupantes teve maioria no Legislativo. Seis dos nove presidentes peruanos desde 2001 foram acusados de corrupção. O sistema partidário se fraturou: os 130 membros do Congresso estão divididos em uma dúzia de partidos. Muitas das legendas são administradas como empresas pelos possuidores de seu registro legal. Para muitos peruanos o Estado é uma presença tênue. Com uma economia informal tão grande, “o papel dos partidos se torna irrelevante”, afirma o cientista político Carlos Meléndez.

Os protestos “expressam fadiga estrutural com a política e a falta de respostas do Estado” aos problemas da população, afirma Raúl Molina, conselheiro de Boluarte. Essa fadiga é especialmente aguda entre a população majoritariamente indígena e rural do sul dos Andes peruanos. A pandemia também aumentou a pressão econômica sobre os peruanos mais pobres. O índice de pobreza cresceu para 30% em 2020 e foi de 26% em 2021.

Desde dezembro, a fúria espontânea tem sido substituída cada vez mais pela ação organizada e coordenada por parte de uma gama de forças com histórico democrático questionável. Começam por dois partidos da esquerda marxista que apoiaram Castillo e possuem vínculos com Cuba e Venezuela. Também incluem os remanescentes do Sendero Luminoso, que se reorganizou como um partido de extrema esquerda, controla um sindicato de professores e possui presença particularmente em Ayacucho e Puno. Tentativas de tomar aeroportos no sul cheiram a ações do Sendero Luminoso, segundo Basombrío.

Divisão étnica

A população aimara de Puno, no sul, compartilha laços culturais com o povo do altiplano boliviano. Assessores do ex-presidente boliviano Evo Morales, de ascendência aimara, estiveram ativos no sul do Peru. E há os garimpeiros ilegais, que parecem estar por trás de bloqueios de estradas em várias regiões, incluindo Madre de Diós, na Amazônia. As autoridades afirmam que criminosos comuns podem estar por trás de ataques incendiários contra 15 tribunais, 26 escritórios da Promotoria e 47 delegacias de polícia.

Os manifestantes “querem gerar caos e desordem e usar esse caos e desordem para tomar o poder”, afirmou Boluarte em 19 de janeiro. Essa ambição realmente parece estar por trás da ideia de uma Assembleia Constituinte, mecanismo que foi usado por Evo e por Hugo Chávez, na Venezuela, para assegurar poder absoluto, com poucos apoiadores no Peru até pouco tempo atrás.

Agora, as pesquisas mostram que aproximadamente 70% dos peruanos apreciam a ideia, talvez porque o Congresso é bastante odiado. Um referendo a respeito da convocação de uma Assembleia Constituinte seria “muito perigoso”, de acordo com Luis Miguel Castilla, que foi ministro da Economia durante um governo de centro-esquerda, entre 2011 e 2014. A economia se recuperou da pandemia apesar de Castillo, pois a Constituição “impõe várias amarras”, afirma.

O protesto é estimulado pelos disparates de Boluarte e do Congresso, que defende seus interesses. As primeiras mortes ocorreram pelas mãos do Exército e da polícia quando as manifestações começaram, em dezembro. A fúria se incendiou novamente depois que 18 morreram em Juliaca, onde um destacamento policial vastamente inferior em número aparentemente entrou em pânico. Talvez o maior erro do governo tenha sido não ordenar uma investigação independente a respeito das mortes.

Boluarte é das montanhas e, ao contrário de Castillo, fala quíchua, a principal língua indígena no Peru. Ela é novata na política, nomeou alguns ministros competentes, mas se equivocou de outras maneiras. “O governo está perdendo a batalha da comunicação”, afirma Castilla. “O problema passou a ser os excessos do governo.”

Uma eleição antecipada parece ser a única saída. Mas o Congresso, cujos membros desfrutam de altos salários e amplos privilégios, tenta ganhar tempo, e o governo foi vagaroso em pressioná-lo. A emenda constitucional necessária para convocar uma eleição deveria ter sido aprovada em primeira votação até o último dia 14. Mas a esquerda insistiu em ligar a eleição a uma Assembleia Constituinte. E a direita quer a eleição no ano que vem. Estão brincando enquanto o país arde. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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