É difícil até imaginar os números de uma eleição geral na Índia. Com quase 900 milhões de eleitores registrados e 1 milhão de postos de votação, é como se todos os países da União Europeia, mais Estados Unidos, Canadá, México, Japão e Coreia do Sul votassem ao mesmo tempo. Apesar disso, as eleições indianas costumam ser tranquilas.
A votação iniciada em 11 de abril foi dividida em sete fases, para aliviar o trabalho dos mesários e da polícia. O uso de cerca de 4 milhões de urnas eletrônicas, portáteis e funcionando com bateria, permitiu que a contagem total de votos terminasse nesta quinta-feira, 23. O primeiro-ministro, Narendra Modi, foi reeleito para mais um mandato nesta quinta-feira, 23, após a oposição, liderada por Rahul Gandhi, do Partido do Congresso,reconhecer a derrota.
A apuração pode transcorrer com a precisão de uma orquestra sinfônica, mas o restante dos procedimentos é pura cacofonia. Com 8 mil candidatos de mais de 2 mil partidos disputando as cadeiras da Lok Sabha, a Câmara Baixa do Parlamento, o processo parece menos uma eleição geral e mais 543 batalhas distintas pelas cadeiras do Parlamento.
As regras para regulamentar os gastos com a eleição são frouxas e desrespeitadas com frequência. Calcula-se que neste ano o custo chegue a US$ 10 bilhões. Desde meados de março, a Comissão Eleitoral já confiscou cerca de US$ 500 milhões em dinheiro, ouro, drogas e álcool, sob suspeita de que seriam usados na compra de votos.
Os custos assustadores do registro de candidatura acaba favorecendo candidatos ricos ou famosos. Não é de se estranhar que tantos candidatos sejam ex-estrelas de cinema ou do esporte, gângsteres, marajás do serviço público ou membros da burguesia. Os custos com a disputa também inflacionam as expectativas de eleitores pobres. Num Estado do sul, moradores de uma vila sitiaram uma sede partidária, furiosos porque haviam vendido seu voto por 2 mil rupias (R$ 110) e o intermediário só pagou 500 rupias (R$ 27), embolsando a diferença do que recebera do candidato.
O sistema eleitoral indiano, no qual os eleitores votam em seus candidatos e o candidato mais votado é eleito, permite que político conquiste uma cadeira mesmo tendo menos da metade do total de votos, caso os outros candidatos sejam ainda menos votados. Cinco anos atrás, o partido no governo, Bharatiya Janata (BJP), converteu sua votação de 31% dos votos em 52% das cadeiras, enquanto seu principal rival, o Partido do Congresso, fez apenas 8 cadeiras com seus 19% dos votos.
Alianças ousadas também são possíveis. Na última eleição no Estado mais populoso da Índia, Uttar Pradesh, se os dois maiores rivais do BJP no Estado, o Partido Bahujan Samaj (PBS) e o Partido Smajwadi (PS), tivessem unido forças, teriam cortado pela metade o número de cadeiras do BJP, impedindo-o de obter maioria. Escaldados, o PBS e o PS, que representam dois diferentes segmentos das castas mais baixas, fizeram agora uma aliança.
O primeiro-ministro Modi é um político talentoso e incansável, que ataca implacavelmente os inimigos. Outro ponto a seu favor é dispor de muito mais dinheiro que os rivais. Estar no poder também ajuda. Antes de votação, os opositores de Modi tornaram-se alvo de inspeções do fisco e batidas policiais.
O ministro do Interior decidiu subitamente responder a uma consulta pública de 2015 sobre a cidadania de Rahul Gandhi, cuja família domina o Partido do Congresso há cinco gerações e governou a Índia pela maior parte da era pós-independência. Ao mesmo tempo, um programa do governo para ajudar pequenos produtores rurais, criado em fevereiro, fez o dinheiro chegar miraculosamente às contas dos interessados pouco antes da eleição. Para sermos justos, outros partidos têm sido igualmente antiéticos.
Apesar de tantos trunfos, Modi começou a dar sinais de vulnerabilidade no começo do ano. O Partido do Congresso parece ter ressurgido dos mortos em dezembro, derrotando candidatos do BJP em eleições governamentais em três Estados da Índia central. O cansaço com Modi vem aumentando, assim como a irritação de segmentos importantes como fazendeiros, pequenos comerciantes, minorias e a faixa mais educada da população.
Mas o vento mudou de novo, desta vez em favor de Modi. Em 14 de fevereiro, Adil Ahmad Dar, de 20 anos, jogou seu carro-bomba contra um comboio da polícia na disputada região de Jammu-Caxemira, matando 40 policiais. O ataque, cuja autoria reivindicada por um grupo terrorista com base no Paquistão, provocou uma onda de indignação nacional que levou Modi, duas semanas depois, a ordenar um bombardeio de retaliação contra uma suposta base terrorista no interior do Paquistão.
Modi aproveitou o sentimento nacionalista para ameaçar o inimigo com uma chuva de mísseis e acusar os opositores de derrotistas. Embora muitos indianos, especialmente aqueles distantes da fronteira com o Paquistão, preocupem-se mais com questões locais, a retórica bombástica de Modi pegou de surpresa seus opositores. Em lugar de se unir, eles se separaram.
Modi conseguiu convencer um grupo de partidos regionais a formar uma coalizão. “Se esta eleição fosse sobre questões objetivas, Modi e o BJP estariam em situação difícil”, disse Milan Vaishnav, do centro de estudos Carnegie. “Mas, dada a popularidade do primeiro-ministro, a questão da segurança e a fraqueza da oposição, acho que o BJP encontrou um meio de fazer de um limão uma limonada.” / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ