The Economist: Pendências monstruosas aguardam sucessor de Boris Johnson


Lidar com elas poderá estar além da capacidade do exausto Partido Conservador

Por The Economist

O mandato de Boris Johnson começou a desmoronar ao som de “Zadoque, o sacerdote”. Em 5 de julho, sob as janelas de Downing Street, as bandas da Household Division conduziam a Beating Retreat, uma parada anual que marca o fechamento de portões ao cair do dia. Uma hora antes, Rishi Sunak, o chanceler do Tesouro, e Sajid Javid, o secretário da Saúde, haviam pedido demissão. Nos escritórios de Whitehall, o pandemônio tomava conta. Na praça logo abaixo, precisão imaculada.

Ao longo das 36 horas seguintes, cerca de 50 membros do governo se demitiriam; e incontáveis parlamentares pediriam para Johnson sair. Na noite de 6 de julho, uma delegação de ministros do gabinete — entre eles o substituto de Sunak, Nadhim Zahawi— disse ao premiê que o jogo tinha acabado. Sua resposta foi um viril desafio shakespeariano. Ele demitiu Michael Gove, o mais próximo que seu gabinete tinha de um decano, e insistiu no argumento de que detinha um mandato pessoal que emanava de 14 milhões de eleitores (um vilipêndio da Constituição, já que os britânicos elegem parlamentos, não presidentes). Ele sugeriu que pediria à rainha a convocação de eleições para se salvar de seus colegas; o que teria testado ao extremo as convenções constitucionais. Boris Johnson fazia o que sempre fez: cuidava de Boris Johnson.

Na manhã seguinte, não lhe restava nem sequer um governo de fachada para administrar. Ele disse aos colegas que iria partir, mas pediu para lhe ser permitido permanecer no cargo para supervisionar a transição. Seria pouco provável, pensaram muitos, que o mais irresponsável dos primeiros-ministros se tornasse um premiê interino de transição. “Expulsem-no HOJE ou ele provocará uma CARNIFICINA”, tuitou Dominic Cummings, um vingativo ex-assessor. Johnson havia prometido pôr fim à instabilidade que assolou o curto mandato de Theresa May. Mas acabou superando-a.

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Boris Johnson em pronunciamento na Downing Street nesta quinta-feira, 7, dia em que anunciou a renúncia. Premiê foi pressionado a tomar decisão após dezenas de demissões dentro do governo Foto: Justin Tallis / AFP

Em primeiro lugar na fila de possíveis substitutos de Johnson está Zahawi. Filho de refugiados iraquianos, que apoiou o Brexit e coordenou um bem-sucedido programa de vacinação, ele é figura uma popular no partido. Mas a disputa será ampla. Liz Truss, a secretária de Exterior, está na briga; assim como Tom Tugendhat, presidente da comissão de assuntos externos, e Suella Braverman, a procuradora-geral. Espera-se que Sunak e Javid se apresentem.

Quem quer que suceda Johnson herdará pendências monstruosas. A projeção de inflação do Banco da Inglaterra chega a 11% no outono; a libra está frágil. O NHS está acometido por uma imensa fila, de 4,3 milhões de pacientes à espera de procedimentos eletivos. A perspectiva de crescimento a longo prazo é diminuta. Ele ou ela também se confrontará com uma questão mais profunda: o Partido Conservador ainda é capaz de governar?

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O apoio aos tories caiu entre eleitores de todas as classes que os apoiaram em 2019, de acordo com nossa análise das pesquisas realizadas pelo YouGov em junho. A próxima eleição vai obrigá-los a se defenderem em todos as frentes, conforme novos assentos no norte e circunscrições do sul testemunham um movimento mais tenaz dos trabalhistas e dos liberal-democratas. Depois de 12 anos no poder, quatro eleições gerais e a iminente queda de seu terceiro premiê, a exaustão pode ser grande demais e as divergências, profundas demais, para o partido se recuperar.

A política de Johnson de apoio vigoroso à Ucrânia não corre grande risco. Além disso, escolhas difíceis espreitam. Lee Anderson, o bruto parlamentar conservador por Ashfield, um antigo distrito mineiro, declarou que não tinha nenhuma confiança em Johnson e pediu um “governo de impostos baixos (que) seja duro contra a imigração ilegal”. Demandas bem simples, mas muito difíceis de atender.

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Em relação à economia, a partida de Sunak sublinhou profundas divisões entre os tories. Em sua carta de demissão a Johnson, Sunak, que abraça a disciplina fiscal, afirmou que suas abordagens eram “fundamentalmente diferentes demais”. A disputa pela liderança será prenhe de homilias thatcherianas, mas dificilmente resolverá os desejos simultâneos do partido por impostos baixos, orçamentos equilibrados e expansão de serviços públicos.

A respeito da imigração, um direitista lamentou que Johnson poderia estar a salvo se tivesse levado adiante o intuito de mandar solicitantes de asilo de volta para Ruanda em desafio a uma decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos. De maneira similar, a direita eurocética cobrará promessas de reverter o trecho do tratado do Brexit que se refere à Irlanda do Norte como o preço de seu apoio a qualquer candidato a líder.

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Ainda assim, tais violações no direito internacional alarmam gravemente a ala liberal do partido, que as considera ruins para a reputação do Reino Unido no exterior. Não há consenso em relação a buscar uma reaproximação com a UE ou combatê-la. Johnson viciou seu partido em soluções imediatas para problemas intratáveis. E a desintoxicação levará anos.

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O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, renunciou ao cargo de líder do Partido Conservador, abrindo caminho para a escolha de um novo premiê.

Em relação à cultura, também reina a discórdia. Mike Freer, que se demitiu do cargo de ministro das Igualdades, acusou o governo de “criar uma atmosfera de hostilidade para pessoas LGBT+”; muitos outros parlamentares querem que o governo seja mais cético a respeito de direitos de pessoas transgênero. A dúvida sobre a confrontação de Johnson à BBC, às universidades e outros agentes da “lacração” ter ocasionado um ganho ou um desgaste em relação ao desempenho dos conservadores não está respondida. O partido jamais desvendou completamente os motivos de ter vencido com tanta margem em 2019; muitos tories confundiram suas obsessões pessoais com prioridades do eleitorado.

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O Partido Conservador se unirá a respeito de um elemento que acende uma luz no fundo de um túnel absolutamente escuro. Acima de tudo, a futura disputa pela liderança será dominada pela questão a respeito de quem será capaz de restaurar os valores de governo do Partido Conservador, afirma Will Tanner, do Onward, um instituto de análise próximo ao partido. Os candidatos tentarão dar o melhor lance prometendo restaurar a integridade do gabinete executivo, defendendo convenções e colocando o interesse nacional acima da pureza ideológica. Suas camisas ficarão para dentro da calça e os sapatos serão lustrados. Concordarão que o caos em Downing Street paralisou a governança.

Após a queda de Donald Trump, os republicanos dos Estados Unidos dobraram a aposta em excessos populistas. Por três anos, o Partido Conservador caminhou à beira do precipício. Johnson se mostrou feliz em seguir esse caminho. Mas os parlamentares tories escolheram voltar atrás. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O mandato de Boris Johnson começou a desmoronar ao som de “Zadoque, o sacerdote”. Em 5 de julho, sob as janelas de Downing Street, as bandas da Household Division conduziam a Beating Retreat, uma parada anual que marca o fechamento de portões ao cair do dia. Uma hora antes, Rishi Sunak, o chanceler do Tesouro, e Sajid Javid, o secretário da Saúde, haviam pedido demissão. Nos escritórios de Whitehall, o pandemônio tomava conta. Na praça logo abaixo, precisão imaculada.

Ao longo das 36 horas seguintes, cerca de 50 membros do governo se demitiriam; e incontáveis parlamentares pediriam para Johnson sair. Na noite de 6 de julho, uma delegação de ministros do gabinete — entre eles o substituto de Sunak, Nadhim Zahawi— disse ao premiê que o jogo tinha acabado. Sua resposta foi um viril desafio shakespeariano. Ele demitiu Michael Gove, o mais próximo que seu gabinete tinha de um decano, e insistiu no argumento de que detinha um mandato pessoal que emanava de 14 milhões de eleitores (um vilipêndio da Constituição, já que os britânicos elegem parlamentos, não presidentes). Ele sugeriu que pediria à rainha a convocação de eleições para se salvar de seus colegas; o que teria testado ao extremo as convenções constitucionais. Boris Johnson fazia o que sempre fez: cuidava de Boris Johnson.

Na manhã seguinte, não lhe restava nem sequer um governo de fachada para administrar. Ele disse aos colegas que iria partir, mas pediu para lhe ser permitido permanecer no cargo para supervisionar a transição. Seria pouco provável, pensaram muitos, que o mais irresponsável dos primeiros-ministros se tornasse um premiê interino de transição. “Expulsem-no HOJE ou ele provocará uma CARNIFICINA”, tuitou Dominic Cummings, um vingativo ex-assessor. Johnson havia prometido pôr fim à instabilidade que assolou o curto mandato de Theresa May. Mas acabou superando-a.

Boris Johnson em pronunciamento na Downing Street nesta quinta-feira, 7, dia em que anunciou a renúncia. Premiê foi pressionado a tomar decisão após dezenas de demissões dentro do governo Foto: Justin Tallis / AFP

Em primeiro lugar na fila de possíveis substitutos de Johnson está Zahawi. Filho de refugiados iraquianos, que apoiou o Brexit e coordenou um bem-sucedido programa de vacinação, ele é figura uma popular no partido. Mas a disputa será ampla. Liz Truss, a secretária de Exterior, está na briga; assim como Tom Tugendhat, presidente da comissão de assuntos externos, e Suella Braverman, a procuradora-geral. Espera-se que Sunak e Javid se apresentem.

Quem quer que suceda Johnson herdará pendências monstruosas. A projeção de inflação do Banco da Inglaterra chega a 11% no outono; a libra está frágil. O NHS está acometido por uma imensa fila, de 4,3 milhões de pacientes à espera de procedimentos eletivos. A perspectiva de crescimento a longo prazo é diminuta. Ele ou ela também se confrontará com uma questão mais profunda: o Partido Conservador ainda é capaz de governar?

O apoio aos tories caiu entre eleitores de todas as classes que os apoiaram em 2019, de acordo com nossa análise das pesquisas realizadas pelo YouGov em junho. A próxima eleição vai obrigá-los a se defenderem em todos as frentes, conforme novos assentos no norte e circunscrições do sul testemunham um movimento mais tenaz dos trabalhistas e dos liberal-democratas. Depois de 12 anos no poder, quatro eleições gerais e a iminente queda de seu terceiro premiê, a exaustão pode ser grande demais e as divergências, profundas demais, para o partido se recuperar.

A política de Johnson de apoio vigoroso à Ucrânia não corre grande risco. Além disso, escolhas difíceis espreitam. Lee Anderson, o bruto parlamentar conservador por Ashfield, um antigo distrito mineiro, declarou que não tinha nenhuma confiança em Johnson e pediu um “governo de impostos baixos (que) seja duro contra a imigração ilegal”. Demandas bem simples, mas muito difíceis de atender.

Em relação à economia, a partida de Sunak sublinhou profundas divisões entre os tories. Em sua carta de demissão a Johnson, Sunak, que abraça a disciplina fiscal, afirmou que suas abordagens eram “fundamentalmente diferentes demais”. A disputa pela liderança será prenhe de homilias thatcherianas, mas dificilmente resolverá os desejos simultâneos do partido por impostos baixos, orçamentos equilibrados e expansão de serviços públicos.

A respeito da imigração, um direitista lamentou que Johnson poderia estar a salvo se tivesse levado adiante o intuito de mandar solicitantes de asilo de volta para Ruanda em desafio a uma decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos. De maneira similar, a direita eurocética cobrará promessas de reverter o trecho do tratado do Brexit que se refere à Irlanda do Norte como o preço de seu apoio a qualquer candidato a líder.

Ainda assim, tais violações no direito internacional alarmam gravemente a ala liberal do partido, que as considera ruins para a reputação do Reino Unido no exterior. Não há consenso em relação a buscar uma reaproximação com a UE ou combatê-la. Johnson viciou seu partido em soluções imediatas para problemas intratáveis. E a desintoxicação levará anos.

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O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, renunciou ao cargo de líder do Partido Conservador, abrindo caminho para a escolha de um novo premiê.

Em relação à cultura, também reina a discórdia. Mike Freer, que se demitiu do cargo de ministro das Igualdades, acusou o governo de “criar uma atmosfera de hostilidade para pessoas LGBT+”; muitos outros parlamentares querem que o governo seja mais cético a respeito de direitos de pessoas transgênero. A dúvida sobre a confrontação de Johnson à BBC, às universidades e outros agentes da “lacração” ter ocasionado um ganho ou um desgaste em relação ao desempenho dos conservadores não está respondida. O partido jamais desvendou completamente os motivos de ter vencido com tanta margem em 2019; muitos tories confundiram suas obsessões pessoais com prioridades do eleitorado.

O Partido Conservador se unirá a respeito de um elemento que acende uma luz no fundo de um túnel absolutamente escuro. Acima de tudo, a futura disputa pela liderança será dominada pela questão a respeito de quem será capaz de restaurar os valores de governo do Partido Conservador, afirma Will Tanner, do Onward, um instituto de análise próximo ao partido. Os candidatos tentarão dar o melhor lance prometendo restaurar a integridade do gabinete executivo, defendendo convenções e colocando o interesse nacional acima da pureza ideológica. Suas camisas ficarão para dentro da calça e os sapatos serão lustrados. Concordarão que o caos em Downing Street paralisou a governança.

Após a queda de Donald Trump, os republicanos dos Estados Unidos dobraram a aposta em excessos populistas. Por três anos, o Partido Conservador caminhou à beira do precipício. Johnson se mostrou feliz em seguir esse caminho. Mas os parlamentares tories escolheram voltar atrás. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O mandato de Boris Johnson começou a desmoronar ao som de “Zadoque, o sacerdote”. Em 5 de julho, sob as janelas de Downing Street, as bandas da Household Division conduziam a Beating Retreat, uma parada anual que marca o fechamento de portões ao cair do dia. Uma hora antes, Rishi Sunak, o chanceler do Tesouro, e Sajid Javid, o secretário da Saúde, haviam pedido demissão. Nos escritórios de Whitehall, o pandemônio tomava conta. Na praça logo abaixo, precisão imaculada.

Ao longo das 36 horas seguintes, cerca de 50 membros do governo se demitiriam; e incontáveis parlamentares pediriam para Johnson sair. Na noite de 6 de julho, uma delegação de ministros do gabinete — entre eles o substituto de Sunak, Nadhim Zahawi— disse ao premiê que o jogo tinha acabado. Sua resposta foi um viril desafio shakespeariano. Ele demitiu Michael Gove, o mais próximo que seu gabinete tinha de um decano, e insistiu no argumento de que detinha um mandato pessoal que emanava de 14 milhões de eleitores (um vilipêndio da Constituição, já que os britânicos elegem parlamentos, não presidentes). Ele sugeriu que pediria à rainha a convocação de eleições para se salvar de seus colegas; o que teria testado ao extremo as convenções constitucionais. Boris Johnson fazia o que sempre fez: cuidava de Boris Johnson.

Na manhã seguinte, não lhe restava nem sequer um governo de fachada para administrar. Ele disse aos colegas que iria partir, mas pediu para lhe ser permitido permanecer no cargo para supervisionar a transição. Seria pouco provável, pensaram muitos, que o mais irresponsável dos primeiros-ministros se tornasse um premiê interino de transição. “Expulsem-no HOJE ou ele provocará uma CARNIFICINA”, tuitou Dominic Cummings, um vingativo ex-assessor. Johnson havia prometido pôr fim à instabilidade que assolou o curto mandato de Theresa May. Mas acabou superando-a.

Boris Johnson em pronunciamento na Downing Street nesta quinta-feira, 7, dia em que anunciou a renúncia. Premiê foi pressionado a tomar decisão após dezenas de demissões dentro do governo Foto: Justin Tallis / AFP

Em primeiro lugar na fila de possíveis substitutos de Johnson está Zahawi. Filho de refugiados iraquianos, que apoiou o Brexit e coordenou um bem-sucedido programa de vacinação, ele é figura uma popular no partido. Mas a disputa será ampla. Liz Truss, a secretária de Exterior, está na briga; assim como Tom Tugendhat, presidente da comissão de assuntos externos, e Suella Braverman, a procuradora-geral. Espera-se que Sunak e Javid se apresentem.

Quem quer que suceda Johnson herdará pendências monstruosas. A projeção de inflação do Banco da Inglaterra chega a 11% no outono; a libra está frágil. O NHS está acometido por uma imensa fila, de 4,3 milhões de pacientes à espera de procedimentos eletivos. A perspectiva de crescimento a longo prazo é diminuta. Ele ou ela também se confrontará com uma questão mais profunda: o Partido Conservador ainda é capaz de governar?

O apoio aos tories caiu entre eleitores de todas as classes que os apoiaram em 2019, de acordo com nossa análise das pesquisas realizadas pelo YouGov em junho. A próxima eleição vai obrigá-los a se defenderem em todos as frentes, conforme novos assentos no norte e circunscrições do sul testemunham um movimento mais tenaz dos trabalhistas e dos liberal-democratas. Depois de 12 anos no poder, quatro eleições gerais e a iminente queda de seu terceiro premiê, a exaustão pode ser grande demais e as divergências, profundas demais, para o partido se recuperar.

A política de Johnson de apoio vigoroso à Ucrânia não corre grande risco. Além disso, escolhas difíceis espreitam. Lee Anderson, o bruto parlamentar conservador por Ashfield, um antigo distrito mineiro, declarou que não tinha nenhuma confiança em Johnson e pediu um “governo de impostos baixos (que) seja duro contra a imigração ilegal”. Demandas bem simples, mas muito difíceis de atender.

Em relação à economia, a partida de Sunak sublinhou profundas divisões entre os tories. Em sua carta de demissão a Johnson, Sunak, que abraça a disciplina fiscal, afirmou que suas abordagens eram “fundamentalmente diferentes demais”. A disputa pela liderança será prenhe de homilias thatcherianas, mas dificilmente resolverá os desejos simultâneos do partido por impostos baixos, orçamentos equilibrados e expansão de serviços públicos.

A respeito da imigração, um direitista lamentou que Johnson poderia estar a salvo se tivesse levado adiante o intuito de mandar solicitantes de asilo de volta para Ruanda em desafio a uma decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos. De maneira similar, a direita eurocética cobrará promessas de reverter o trecho do tratado do Brexit que se refere à Irlanda do Norte como o preço de seu apoio a qualquer candidato a líder.

Ainda assim, tais violações no direito internacional alarmam gravemente a ala liberal do partido, que as considera ruins para a reputação do Reino Unido no exterior. Não há consenso em relação a buscar uma reaproximação com a UE ou combatê-la. Johnson viciou seu partido em soluções imediatas para problemas intratáveis. E a desintoxicação levará anos.

Seu navegador não suporta esse video.

O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, renunciou ao cargo de líder do Partido Conservador, abrindo caminho para a escolha de um novo premiê.

Em relação à cultura, também reina a discórdia. Mike Freer, que se demitiu do cargo de ministro das Igualdades, acusou o governo de “criar uma atmosfera de hostilidade para pessoas LGBT+”; muitos outros parlamentares querem que o governo seja mais cético a respeito de direitos de pessoas transgênero. A dúvida sobre a confrontação de Johnson à BBC, às universidades e outros agentes da “lacração” ter ocasionado um ganho ou um desgaste em relação ao desempenho dos conservadores não está respondida. O partido jamais desvendou completamente os motivos de ter vencido com tanta margem em 2019; muitos tories confundiram suas obsessões pessoais com prioridades do eleitorado.

O Partido Conservador se unirá a respeito de um elemento que acende uma luz no fundo de um túnel absolutamente escuro. Acima de tudo, a futura disputa pela liderança será dominada pela questão a respeito de quem será capaz de restaurar os valores de governo do Partido Conservador, afirma Will Tanner, do Onward, um instituto de análise próximo ao partido. Os candidatos tentarão dar o melhor lance prometendo restaurar a integridade do gabinete executivo, defendendo convenções e colocando o interesse nacional acima da pureza ideológica. Suas camisas ficarão para dentro da calça e os sapatos serão lustrados. Concordarão que o caos em Downing Street paralisou a governança.

Após a queda de Donald Trump, os republicanos dos Estados Unidos dobraram a aposta em excessos populistas. Por três anos, o Partido Conservador caminhou à beira do precipício. Johnson se mostrou feliz em seguir esse caminho. Mas os parlamentares tories escolheram voltar atrás. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

O mandato de Boris Johnson começou a desmoronar ao som de “Zadoque, o sacerdote”. Em 5 de julho, sob as janelas de Downing Street, as bandas da Household Division conduziam a Beating Retreat, uma parada anual que marca o fechamento de portões ao cair do dia. Uma hora antes, Rishi Sunak, o chanceler do Tesouro, e Sajid Javid, o secretário da Saúde, haviam pedido demissão. Nos escritórios de Whitehall, o pandemônio tomava conta. Na praça logo abaixo, precisão imaculada.

Ao longo das 36 horas seguintes, cerca de 50 membros do governo se demitiriam; e incontáveis parlamentares pediriam para Johnson sair. Na noite de 6 de julho, uma delegação de ministros do gabinete — entre eles o substituto de Sunak, Nadhim Zahawi— disse ao premiê que o jogo tinha acabado. Sua resposta foi um viril desafio shakespeariano. Ele demitiu Michael Gove, o mais próximo que seu gabinete tinha de um decano, e insistiu no argumento de que detinha um mandato pessoal que emanava de 14 milhões de eleitores (um vilipêndio da Constituição, já que os britânicos elegem parlamentos, não presidentes). Ele sugeriu que pediria à rainha a convocação de eleições para se salvar de seus colegas; o que teria testado ao extremo as convenções constitucionais. Boris Johnson fazia o que sempre fez: cuidava de Boris Johnson.

Na manhã seguinte, não lhe restava nem sequer um governo de fachada para administrar. Ele disse aos colegas que iria partir, mas pediu para lhe ser permitido permanecer no cargo para supervisionar a transição. Seria pouco provável, pensaram muitos, que o mais irresponsável dos primeiros-ministros se tornasse um premiê interino de transição. “Expulsem-no HOJE ou ele provocará uma CARNIFICINA”, tuitou Dominic Cummings, um vingativo ex-assessor. Johnson havia prometido pôr fim à instabilidade que assolou o curto mandato de Theresa May. Mas acabou superando-a.

Boris Johnson em pronunciamento na Downing Street nesta quinta-feira, 7, dia em que anunciou a renúncia. Premiê foi pressionado a tomar decisão após dezenas de demissões dentro do governo Foto: Justin Tallis / AFP

Em primeiro lugar na fila de possíveis substitutos de Johnson está Zahawi. Filho de refugiados iraquianos, que apoiou o Brexit e coordenou um bem-sucedido programa de vacinação, ele é figura uma popular no partido. Mas a disputa será ampla. Liz Truss, a secretária de Exterior, está na briga; assim como Tom Tugendhat, presidente da comissão de assuntos externos, e Suella Braverman, a procuradora-geral. Espera-se que Sunak e Javid se apresentem.

Quem quer que suceda Johnson herdará pendências monstruosas. A projeção de inflação do Banco da Inglaterra chega a 11% no outono; a libra está frágil. O NHS está acometido por uma imensa fila, de 4,3 milhões de pacientes à espera de procedimentos eletivos. A perspectiva de crescimento a longo prazo é diminuta. Ele ou ela também se confrontará com uma questão mais profunda: o Partido Conservador ainda é capaz de governar?

O apoio aos tories caiu entre eleitores de todas as classes que os apoiaram em 2019, de acordo com nossa análise das pesquisas realizadas pelo YouGov em junho. A próxima eleição vai obrigá-los a se defenderem em todos as frentes, conforme novos assentos no norte e circunscrições do sul testemunham um movimento mais tenaz dos trabalhistas e dos liberal-democratas. Depois de 12 anos no poder, quatro eleições gerais e a iminente queda de seu terceiro premiê, a exaustão pode ser grande demais e as divergências, profundas demais, para o partido se recuperar.

A política de Johnson de apoio vigoroso à Ucrânia não corre grande risco. Além disso, escolhas difíceis espreitam. Lee Anderson, o bruto parlamentar conservador por Ashfield, um antigo distrito mineiro, declarou que não tinha nenhuma confiança em Johnson e pediu um “governo de impostos baixos (que) seja duro contra a imigração ilegal”. Demandas bem simples, mas muito difíceis de atender.

Em relação à economia, a partida de Sunak sublinhou profundas divisões entre os tories. Em sua carta de demissão a Johnson, Sunak, que abraça a disciplina fiscal, afirmou que suas abordagens eram “fundamentalmente diferentes demais”. A disputa pela liderança será prenhe de homilias thatcherianas, mas dificilmente resolverá os desejos simultâneos do partido por impostos baixos, orçamentos equilibrados e expansão de serviços públicos.

A respeito da imigração, um direitista lamentou que Johnson poderia estar a salvo se tivesse levado adiante o intuito de mandar solicitantes de asilo de volta para Ruanda em desafio a uma decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos. De maneira similar, a direita eurocética cobrará promessas de reverter o trecho do tratado do Brexit que se refere à Irlanda do Norte como o preço de seu apoio a qualquer candidato a líder.

Ainda assim, tais violações no direito internacional alarmam gravemente a ala liberal do partido, que as considera ruins para a reputação do Reino Unido no exterior. Não há consenso em relação a buscar uma reaproximação com a UE ou combatê-la. Johnson viciou seu partido em soluções imediatas para problemas intratáveis. E a desintoxicação levará anos.

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O primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, renunciou ao cargo de líder do Partido Conservador, abrindo caminho para a escolha de um novo premiê.

Em relação à cultura, também reina a discórdia. Mike Freer, que se demitiu do cargo de ministro das Igualdades, acusou o governo de “criar uma atmosfera de hostilidade para pessoas LGBT+”; muitos outros parlamentares querem que o governo seja mais cético a respeito de direitos de pessoas transgênero. A dúvida sobre a confrontação de Johnson à BBC, às universidades e outros agentes da “lacração” ter ocasionado um ganho ou um desgaste em relação ao desempenho dos conservadores não está respondida. O partido jamais desvendou completamente os motivos de ter vencido com tanta margem em 2019; muitos tories confundiram suas obsessões pessoais com prioridades do eleitorado.

O Partido Conservador se unirá a respeito de um elemento que acende uma luz no fundo de um túnel absolutamente escuro. Acima de tudo, a futura disputa pela liderança será dominada pela questão a respeito de quem será capaz de restaurar os valores de governo do Partido Conservador, afirma Will Tanner, do Onward, um instituto de análise próximo ao partido. Os candidatos tentarão dar o melhor lance prometendo restaurar a integridade do gabinete executivo, defendendo convenções e colocando o interesse nacional acima da pureza ideológica. Suas camisas ficarão para dentro da calça e os sapatos serão lustrados. Concordarão que o caos em Downing Street paralisou a governança.

Após a queda de Donald Trump, os republicanos dos Estados Unidos dobraram a aposta em excessos populistas. Por três anos, o Partido Conservador caminhou à beira do precipício. Johnson se mostrou feliz em seguir esse caminho. Mas os parlamentares tories escolheram voltar atrás. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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