THE NEW YORK TIMES - É ótimo ver o presidente Joe Biden visitando o Oriente Médio. Os Estados Unidos desempenham há muito tempo um papel vital no avanço do processo de paz por lá. Mas como alguém que acompanha essa região há décadas, posso lhes dizer que estou percebendo algo novo — e tão irônico quanto surpreendente: Somente a Arábia Saudita e os árabes-israelenses são capazes de salvar Israel enquanto democracia judaica hoje, não os EUA.
Isso porque, por diferentes razões, os eleitores árabes-israelenses e a Arábia Saudita possuem atualmente mais poder do que jamais possuíram para forçar os israelenses a escolher: Eles poderão ter um Estado democrático em Israel e na Cisjordânia, mas com o tempo e as taxas de natalidade dos árabes, esse Estado poderá deixar de ser judaico; eles poderão ter um Estado judaico em Israel e na Cisjordânia, mas que não será democrático; ou eles eles poderão ter um Estado judaico e democrático, mas não poderão ocupar permanentemente a Cisjordânia.
Essas escolhas existenciais acompanham Israel desde 1967, quando o país capturou em guerra a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Mas Israel cada vez mais tem se recusado a escolher — e em tamanha medida que, nas últimas quatro eleições convocadas no país em dois anos, seus partidos políticos, tanto de direita quanto de esquerda, ignoraram imensamente toda a “questão Palestina”. Isso é alarmante.
Isso não tem que continuar da mesma maneira quando Israel for às urnas pela quinta vez em menos de quatro anos, em 1.º de novembro. Enquanto os EUA ficam cada vez mais apreensivos em relação ao rancoroso e frustrante processo de persuadir israelenses e palestinos a uma solução de dois Estados, a Arábia Saudita e árabes-israelenses podem agora assumir o papel de conduzi-lo — e espero que assim o façam. O futuro de Israel enquanto Estado judaico e democrático depende disso.
Segundo qual lógica? Comecemos com o fato mais óbvio. Israel não será uma democracia viável se mantiver indefinidamente sua ocupação sobre os cerca de 2,7 milhões de palestinos que vivem na Cisjordânia. Essa ocupação implica em estender a lei israelense aos judeus que vivem na Cisjordânia e ao mesmo tempo governar os palestinos sob um código militar distinto, com reduções extremas de direitos, menos capacidade de possuir terras e menos oportunidades de construir lares, abrir negócios, se comunicar, viajar e se organizar politicamente.
Essa ocupação pode não ser igual ao apartheid sul-africano, mas é sua prima feia, além de moralmente corrosiva para Israel enquanto democracia judaica. Essa situação está se tornando tão alienante para os amigos progressistas de Israel, incluindo as gerações mais jovens de judeus americanos, que, se a ocupação continuar, Joe Biden poderá ser o último presidente americano democrata pró-Israel.
Certamente, Israel não é o único culpado por esse impasse, e progressistas e propagandistas palestinos que disseminam essa noção em universidades são desonestos ao fazê-lo. O segundo levante palestino, em 2000, contribuiu bastante para destruir a credibilidade dos defensores da paz em Israel. Aquela insurreição desencadeou uma onda de de ataques suicidas contra judeus israelenses, logo depois do então primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak, e o ex-presidente americano Bill Clinton fazerem a Yasser Arafat uma proposta de caminho para a paz que previa o estabelecimento de um Estado palestino desmilitarizado sobre a maior parte da Cisjordânia e Jerusalém Oriental — que Arafat rejeitou. Repetidos ataques de foguetes lançados de Gaza apenas aumentaram a insegurança israelense.
Mas apoiadores demais de Israel ficaram calados ao longo dos 12 anos de Binyamin Netanyahu. Netanyahu fez tudo o que pôde para desacreditar a Autoridade Palestina enquanto parceira para a paz — ao jamais dar-lhe crédito por seus vitais esforços para coibir a violência de palestinos contra israelenses; e ao trabalhar para tornar a solução de dois Estados impossível, assentando colonos judeus na Cisjordânia, atrás do muro israelense, em áreas necessárias para qualquer futuro Estado palestino.
Os palestinos, por sua parte, deram um tiro no pé ao se dividir em dois grupos — a Autoridade Palestina na Cisjordânia; e grupo fundamentalista islâmico Hamas em Gaza — e ao remover o mais eficiente, honesto e confiável primeiro-ministro que já assumiu a Autoridade Palestina, Salam Fayyad, que ocupou o cargo entre 2007 e 2013.
Some tudo isso e você conseguirá entender por que as quatro eleições mais recentes em Israel ignoraram a ameaça à existência do Estado judaico representada por sua continuada ocupação da Cisjordânia. Para a maioria, a questão ficou: fora de vista, fora da mente. E não surpreende a diminuição do envolvimento ativo dos EUA na região — até o ex-presidente Donald Trump dar ao seu genro, Jared Kushner, carta branca para ir adiante com seu próprio plano.
A história é longa, mas a versão resumida é que tanto Netanyahu quanto os palestinos rejeitaram a proposta de Kushner para uma solução de dois Estados. Mas em vez de permitir que a coisa toda desabasse, o líder dos Emirados Árabes Unidos, xeque Mohammed bin Zayed, inspirado por seu embaixador nos EUA, Yousef al-Otaiba, propôs estabelecer uma paz plena com Israel, assim como laços comerciais e turísticos com o país, se os israelenses concordassem em não anexar unilateralmente territórios na Cisjordânia atribuídos a Israel no plano de Trump. Assim nasceram os Acordos de Abraão, sob os quais EAU, Bahrein, Marrocos e Sudão inauguraram relações diplomáticas com Israel.
Os EAU fizeram algo imensamente importante ao catalisar esse acordo. Quanto mais o Oriente Médio se parecer com a União Europeia e menos com a guerra civil síria, melhor, muito melhor.
Mas os EAU e seus colegas de Acordo de Abraão têm se mostrado em grande medida relutantes em se envolver nas questões israelo-palestinas. Eles não gostam muito da liderança palestina e não querem ser envolvidos em tamanha confusão; mas querem fazer negócios e contratos de investimento com o setor de alta tecnologia de Israel para fortalecer a si mesmos. Quando eles conseguiram que Israel não anexasse a Cisjordânia, eles consideraram que já contribuíram como poderiam — feito.
O que me traz aos sauditas. Para Israel, a paz com a Arábia Saudita é um grande prêmio, pois abriria a porta para a paz com todo o mundo islâmico sunita e daria acesso a um imenso capital de investimento.
Mas graduadas autoridades sauditas me disseram que seu apoio não sairá barato. O enfermo monarca saudita, o rei Salman, sempre teve um profundo apego emocional pela causa palestina. E seu filho e líder de fato da Arábia Saudita, o príncipe-herdeiro Mohammed bin Salman (também conhecido como MBS), sabe que se seu país estabelecer a paz com Israel a um preço baixo, o Irã, arqui-inimigo dos sauditas, usará isso para lançar propaganda jihadista contra a Arábia Saudita em todo o mundo islâmico. Não seria nada bonito.
Apesar dessas possíveis ciladas, Israel e Arábia Saudita têm negociado secretamente termos para a normalização de suas relações. Suspeito que os sauditas vão querer que tamanho momento de inflexão transcorra em duas fases.
Dennis Ross, ex-enviado americano para o Oriente Médio, disse-me que, inicialmente, os sauditas poderiam oferecer a abertura de um escritório de comércio em Tel-Aviv, que poderia tanto servir a interesses econômicos sauditas quanto “ser um grande movimento psicológico na direção de Israel”.
Em troca, os sauditas podem exigir algo grande: que Israel congele a construção de novos assentamentos ao leste da barreira de segurança israelense na Cisjordânia e concorde que o plano de paz árabe-saudita para uma solução de dois Estados seja a base para negociações com os palestinos. Esse comprometimento de Israel em relação aos assentamentos significaria que israelenses não construiriam mais nada “em 92% da Cisjordânia, preservando a solução de dois Estados como opção”, afirmou Ross, notando que atualmente 80% dos colonos israelenses vivem a oeste da barreira.
O segundo estágio viria com o fim da ocupação israelense e um acordo de paz com os palestinos: Os sauditas poderiam prometer inaugurar uma embaixada em Israel em Tel-Aviv e uma embaixada nos territórios palestinos em Ramallah, na Cisjordânia — ou uma embaixada em Israel em Jerusalém Ocidental e uma embaixada nos territórios palestinos em Jerusalém Oriental. Ficaria à escolha de Israel, mas teria de haver embaixadas em ambos os lados. Israel também teria de se comprometer a preservar o status quo em relação ao Monte do Templo, em Jerusalém, que é sagrado para todos os muçulmanos.
(Para ajudar o presidente Biden a mostrar algum resultado, Riad anunciou privilégios irrestritos para empresas aéreas israelenses voarem no espaço aéreo saudita; autoridades esperam que a decisão entre os dois países permita que muçulmanos israelenses viagem diretamente para a peregrinação atual a Meca. O acordo ocorreu nesta quinta-feira.)
Israel abrace qualquer dessas propostas durante seu atual governo de transição. Mas posso garantir 100% que se os sauditas as tornarem públicas, elas desempenharão um papel crucial na eleição de 1.º de novembro em Israel e ajudarão a acender o tipo de debate e a criatividade necessários para a preservação de Israel enquanto Estado democrático.
E é aí que entram os árabes-israelenses: esse tranco da Arábia Saudita poderia ser enfatizado por eles durante o processo eleitoral.
Aqui vai uma conta eleitoral israelense simples: Nem a coalizão de centro-esquerda israelense, nem a coalizão nacionalista religiosa de centro-direita israelense tem votos suficientes para, sozinha, criar uma maioria de governo estável. É por isso que Israel não para de convocar eleições. Como resultado, os árabes-israelenses, que correspondem a 21% da população de Israel e normalmente conquistam cerca de 12 assentos na Knesset, substituíram os partidos judaicos ortodoxos enquanto bloco legislativo decisivo. O último primeiro-ministro de Israel anterior ao governo de transição, Naftali Bennett, só conseguiu reunir uma coalizão de governo — com pouca margem — quando se aliou ao partido árabe islamista Raam.
Se todos os partidos árabes-israelenses declarassem que só integrariam um governo liderado por judeus se esse governo concordar em negociar com os palestinos com base na proposta dos sauditas, eu novamente garanto para você que a ocupação israelense da Cisjordânia — o maior problema existencial de Israel — seria a vitrine e o centro das eleições deste outono. E por isso argumento que os sauditas e os árabes-israelenses são os únicos capazes de salvar Israel enquanto democracia judaica. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO