Thomas Friedman: Putin e Netanyahu provam por que coisas ruins acontecem para líderes ruins


Ambos consideram a si mesmos grandes enxadristas estratégicos em um mundo que, pensam eles, todos os demais só sabem jogar damas

Por Thomas Friedman
Atualização:

É chocante para mim perceber o quanto Vladimir Putin e Binyamin Netanyahu têm em comum atualmente: ambos consideram a si mesmos grandes enxadristas estratégicos em um mundo que, pensam eles, todos os demais só sabem jogar damas. Mas ambos se equivocaram completamente em sua leitura do mundo em que operam.

Na realidade, eles erraram tão absolutamente que seu jogo dá a parecer que não é xadrez nem damas — é uma roleta russa; e de um só jogador. Roleta russa não deve ser jogada sozinho, mas é assim que ambos se encontram.

Putin pensou que era capaz de capturar Kiev em poucos dias e, portanto, sob um custo muito baixo, usar a expansão russa para a Ucrânia para impedir definitivamente a expansão da União Europeia e da Otan. Ele pode ter chegado perto disso, apesar do fato de seu isolamento e autoilusão terem resultado em seu equívoco em relação ao seu próprio Exército, ao Exército da Ucrânia, aos aliados da Otan, a Joe Biden, ao povo ucraniano, à Suécia, à Finlândia, à Polônia, à Alemanha e à União Europeia. Nesse processo, Putin transformou a Rússia em uma colônia chinesa de produção de energia que implora drones ao Irã.

continua após a publicidade
Em imagem de arquivo, o presidente russo, Vladimir Putin (E), e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, inauguram memorial aos defensores de Leningrado em Jerusalém Foto: Sputnik/Alexei Nikolskyi/Kremlin via Reuters - 23/1/2020

Para alguém que está no comando do Kremlin desde 1999, é bastante erro.

Netanyahu e sua coalizão acharam que poderiam se sair bem com um rápido golpe no Judiciário disfarçado como uma “reforma” judicial, que os permitiria explorar uma eleição vencida por pouquíssima margem — cerca de 30 mil votos em um eleitorado de 4,7 milhões — para permitir a Netanyahu & Cia. governar sem ter de se preocupar com a única fonte de comedimento e contrapeso no sistema de Israel: seu Judiciário e Suprema Corte independentes.

continua após a publicidade

De maneira interessante, na primeira reunião formal do gabinete de Netanyahu, em dezembro, o primeiro-ministro listou quatro prioridades de seu governo: bloquear o Irã, restaurar a segurança para todos os israelenses, enfrentar a crise no custo de vida e a escassez de moradia e ampliar o círculo de paz entre Israel e os países árabes de seu entorno. Netanyahu não falou nada a respeito de subverter o Judiciário, na esperança de empurrar sua manobra sem o público perceber.

Erro. A vasta maioria da população israelense entendeu tudo imediatamente e respondeu com a maior manifestação pública contra qualquer proposta de legislação já considerada na história do país.

A oposição agora se espalhou por toda a sociedade israelense e além: Netanyahu se equivocou com seu Exército, com o setor de startups de tecnologia de seu país, com Joe Biden e, mostram as pesquisas, com a maioria dos eleitores israelenses. Netanyahu também se equivocou com a base de seu partido: enquanto todas as semanas protestos massivos, de base ampla, têm sido organizados contra sua reforma judicial, nenhuma manifestação em grande escala de suas bases tem ocorrido em apoio à manobra.

continua após a publicidade

Netanyahu equivocou-se até com alguns de seus mais ardentes apoiadores, os judeus americanos de direita. Miriam Adelson denunciou no Israel Hayom — jornal israelense de direita fundado por seu falecido marido bilionário, Sheldon — a maneira com que o primeiro-ministro tenta “avançar apressadamente” com uma mudança tão significativa. Isso levanta “dúvidas sobre objetivos fundamentais e preocupação de que esse movimento seja precipitado, insensato e irresponsável”, escreveu ela, acrescentando, “Motivações ruins nunca ocasionam bons desdobramentos”.

Para um indivíduo no sexto mandato de primeiro-ministro, é muito erro.

continua após a publicidade

E então, o que vem depois? Você adivinhou: Netanyahu e Putin estão culpando agitadores e financiadores estrangeiros por seus problemas. É a cartilha do ditador. Enquanto Putin culpa regularmente os EUA e a Otan por suas derrotas na Ucrânia, o Times of Israel noticiou durante o fim de semana que Netanyahu e sua família começaram a sugerir que o Departamento de Estado é a mão invisível que financia os enormes protestos.

O jornal citou declarações de uma “autoridade graduada do governo” sobre uma viagem recente de Netanyahu a Roma — com uma atribuição de fonte jornalística usada costumeiramente pelo primeiro-ministro para ocultar sua identidade em reportagens — afirmando: “Há um centro organizado, a partir do qual todos os manifestantes se encadeiam de maneira ordenada. Quem financia o transporte, as bandeiras, os palanques? Para nós, isso é evidente.” O jornal acrescentou, “Outro membro do alto-escalão do premiê confirmou que a autoridade graduada se referiu aos EUA”.

Muito tempo no poder

continua após a publicidade

Como dois líderes podem ter errado tanto apesar de estar no poder há tanto tempo? A pergunta responde a si mesma: eles estão no poder há muito tempo. Ambos têm inimigos fortalecidos e rastros de suspeitas de corrupção que lhes fazem sentir que não lhes resta alternativa a não ser governar ou morrer.

No caso de Netanyahu, isso significaria morrer figurativamente: ele está sendo julgado por várias acusações de corrupção e, se for condenado, poderá ser preso e testemunhar o fim de sua vida na política. No caso de Putin, significaria morrer literalmente, pelas mãos de seus inimigos.

Os temores “governar ou morrer” de Netanyahu o levaram a formar uma coalizão com dois condenados pela Justiça e uma galeria de violadores supremacistas judeus. Primeiros-ministros anteriores se esquivaram de muitos deles — incluindo o próprio Netanyahu. Mas em seu desespero, ele teve de buscar esses aliados porque tantos políticos decentes do Likud o abandonaram.

continua após a publicidade

Putin, lamentavelmente, está muito além da construção de coalizão e do compartilhamento de poder. Esse era o Putin 1.0, no início dos anos 2000. O Putin 2.0, depois de 24 anos no comando, sabe bem que um líder como ele — que roubou tanto dinheiro quanto ele — não pode confiar em nenhum sucessor que o permita aposentar-se pacificamente em sua já descrita mansão de US$ 1 bilhão no Mar Negro. (O salário oficial dele é de US$ 140 mil ao ano.) Putin sabe que para continuar vivo ou pelo menos seguir vivendo livremente tem de continuar presidente a vida inteira. Portanto, as duas principais inovações de Putin não passaram das cuecas e guarda-chuvas envenenados para dar cabo de inimigos percebidos.

Golpe em câmera-lenta

O mais interessante para mim é como tanto Netanyahu quanto Putin se equivocaram em relação aos seus próprios militares. Putin teve de apelar cada vez mais para presidiários e mercenários para levar adiante a parte mais pesada de seu esforço de guerra na Ucrânia, enquanto dezenas de milhares de russos fugiram para o exterior para escapar da conscrição.

Em Israel, pilotos da Aeronáutica, médicos do Exército e combatentes cibernéticos alertaram que as Forças de Defesa de Israel (IDF) simplesmente não baterão continência para um ditador israelense. Entre os críticos estão três oficiais aposentados liderados por Joab Rosenberg, ex-vice-diretor de análise da inteligência militar de Israel, que foi a Washington arregimentar apoio americano para impedir o golpe em câmera-lenta de Netanyahu.

Como disse recentemente Moshe Ya’alon, ex-ministro da Defesa de Netanyahu e ex-chefe do Estado-Maior israelense, em um comício em Tel-Aviv: “De acordo com minha experiência pessoal como soldado e comandante, se, Deus nos livre, Israel se tornar uma ditadura, nós não teremos soldados suficientes dispostos a sacrificar sua vida para defender o país, e isso provocará uma ameaça existencial ao Estado de Israel. Basta ver o pobre desempenho das Forças Armadas de Putin, sem espírito, nem confiança em seu ditador e seu caminho”, para perceber o que uma ditadura faz com um Exército.

Finalmente, Putin e Netanyahu subestimaram completamente a velocidade com que o rebanho de investidores globais fugiria de seus países diante de seu comportamento irresponsável. De acordo com o banco de dados fDi Markets, do Financial Times, no ano passado apenas 13 projetos de investimento estrangeiro direto foram detectados na Rússia, “o nível mais baixo desde que os registros começaram, em 2003″.

Assaf Rappaport, cofundador de uma das startups mais descoladas de Israel, a empresa de segurança na nuvem Wiz, avaliada em US$ 10 bilhões, disse-me durante um café da manhã em Washington que a comunidade de tecnologia israelense “é capaz de sobreviver a insurreições de palestinos, ataques suicidas e mísseis do Hamas em Tel-Aviv”. Mas, economicamente falando, “não consegue sobreviver” a uma ameaça à independência do Judiciário israelense. Seus investidores estrangeiros acabam de lhe dizer para não depositar em bancos de Israel sua rodada de investimento mais recente, de US$ 300 milhões. No futuro, acrescentou ele, cada vez mais startups israelenses se registrarão como empresas de Delaware, em vez de Israel.

Outra similaridade conduz a uma enorme diferença. Putin e Netanyahu cercaram-se de aduladores, seguidores devotos e sujeitos absolutamente brigões — ninguém com nenhuma posição política independente nem convicção ética capaz de se levantar e dizer: “O que o senhor está fazendo? Pare com isso. Isso é errado. Minimize suas perdas.” Mas que leva à maior diferença entre eles.

O mundo é dividido em mais de 24 fusos horários. A Rússia abrange 11. Israel cabe em um só. Putin é capaz de sustentar uma longa guerra de desgaste na Ucrânia, em que ele nunca tem de admitir estar errado. Ele tem grandes margens para seus erros. Israel não. Os líderes israelenses mais sábios sempre entenderam que precisam guardar cuidadosamente seus recursos e aprofundar relações com aliados — por meio não apenas de interesses compartilhados, mas também de valores comuns.

Mas a coalizão extremista de Netanyahu está neste momento enfrentando militarmente os palestinos e o Irã ao mesmo tempo que ignora desejos e valores de seu aliado mais importante, o governo dos EUA; de sua diáspora mais importante, os judeus americanos; e de sua fonte mais importante de crescimento econômico, os investidores estrangeiros. E está fazendo tudo isso ao mesmo tempo que polariza o povo israelense empurrando o país até a beira de uma guerra civil.

Isso é loucura. Ou, para colocar de outra maneira: a Rússia é capaz de sobreviver a um líder que joga roleta russa; Israel talvez não seja./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

É chocante para mim perceber o quanto Vladimir Putin e Binyamin Netanyahu têm em comum atualmente: ambos consideram a si mesmos grandes enxadristas estratégicos em um mundo que, pensam eles, todos os demais só sabem jogar damas. Mas ambos se equivocaram completamente em sua leitura do mundo em que operam.

Na realidade, eles erraram tão absolutamente que seu jogo dá a parecer que não é xadrez nem damas — é uma roleta russa; e de um só jogador. Roleta russa não deve ser jogada sozinho, mas é assim que ambos se encontram.

Putin pensou que era capaz de capturar Kiev em poucos dias e, portanto, sob um custo muito baixo, usar a expansão russa para a Ucrânia para impedir definitivamente a expansão da União Europeia e da Otan. Ele pode ter chegado perto disso, apesar do fato de seu isolamento e autoilusão terem resultado em seu equívoco em relação ao seu próprio Exército, ao Exército da Ucrânia, aos aliados da Otan, a Joe Biden, ao povo ucraniano, à Suécia, à Finlândia, à Polônia, à Alemanha e à União Europeia. Nesse processo, Putin transformou a Rússia em uma colônia chinesa de produção de energia que implora drones ao Irã.

Em imagem de arquivo, o presidente russo, Vladimir Putin (E), e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, inauguram memorial aos defensores de Leningrado em Jerusalém Foto: Sputnik/Alexei Nikolskyi/Kremlin via Reuters - 23/1/2020

Para alguém que está no comando do Kremlin desde 1999, é bastante erro.

Netanyahu e sua coalizão acharam que poderiam se sair bem com um rápido golpe no Judiciário disfarçado como uma “reforma” judicial, que os permitiria explorar uma eleição vencida por pouquíssima margem — cerca de 30 mil votos em um eleitorado de 4,7 milhões — para permitir a Netanyahu & Cia. governar sem ter de se preocupar com a única fonte de comedimento e contrapeso no sistema de Israel: seu Judiciário e Suprema Corte independentes.

De maneira interessante, na primeira reunião formal do gabinete de Netanyahu, em dezembro, o primeiro-ministro listou quatro prioridades de seu governo: bloquear o Irã, restaurar a segurança para todos os israelenses, enfrentar a crise no custo de vida e a escassez de moradia e ampliar o círculo de paz entre Israel e os países árabes de seu entorno. Netanyahu não falou nada a respeito de subverter o Judiciário, na esperança de empurrar sua manobra sem o público perceber.

Erro. A vasta maioria da população israelense entendeu tudo imediatamente e respondeu com a maior manifestação pública contra qualquer proposta de legislação já considerada na história do país.

A oposição agora se espalhou por toda a sociedade israelense e além: Netanyahu se equivocou com seu Exército, com o setor de startups de tecnologia de seu país, com Joe Biden e, mostram as pesquisas, com a maioria dos eleitores israelenses. Netanyahu também se equivocou com a base de seu partido: enquanto todas as semanas protestos massivos, de base ampla, têm sido organizados contra sua reforma judicial, nenhuma manifestação em grande escala de suas bases tem ocorrido em apoio à manobra.

Netanyahu equivocou-se até com alguns de seus mais ardentes apoiadores, os judeus americanos de direita. Miriam Adelson denunciou no Israel Hayom — jornal israelense de direita fundado por seu falecido marido bilionário, Sheldon — a maneira com que o primeiro-ministro tenta “avançar apressadamente” com uma mudança tão significativa. Isso levanta “dúvidas sobre objetivos fundamentais e preocupação de que esse movimento seja precipitado, insensato e irresponsável”, escreveu ela, acrescentando, “Motivações ruins nunca ocasionam bons desdobramentos”.

Para um indivíduo no sexto mandato de primeiro-ministro, é muito erro.

E então, o que vem depois? Você adivinhou: Netanyahu e Putin estão culpando agitadores e financiadores estrangeiros por seus problemas. É a cartilha do ditador. Enquanto Putin culpa regularmente os EUA e a Otan por suas derrotas na Ucrânia, o Times of Israel noticiou durante o fim de semana que Netanyahu e sua família começaram a sugerir que o Departamento de Estado é a mão invisível que financia os enormes protestos.

O jornal citou declarações de uma “autoridade graduada do governo” sobre uma viagem recente de Netanyahu a Roma — com uma atribuição de fonte jornalística usada costumeiramente pelo primeiro-ministro para ocultar sua identidade em reportagens — afirmando: “Há um centro organizado, a partir do qual todos os manifestantes se encadeiam de maneira ordenada. Quem financia o transporte, as bandeiras, os palanques? Para nós, isso é evidente.” O jornal acrescentou, “Outro membro do alto-escalão do premiê confirmou que a autoridade graduada se referiu aos EUA”.

Muito tempo no poder

Como dois líderes podem ter errado tanto apesar de estar no poder há tanto tempo? A pergunta responde a si mesma: eles estão no poder há muito tempo. Ambos têm inimigos fortalecidos e rastros de suspeitas de corrupção que lhes fazem sentir que não lhes resta alternativa a não ser governar ou morrer.

No caso de Netanyahu, isso significaria morrer figurativamente: ele está sendo julgado por várias acusações de corrupção e, se for condenado, poderá ser preso e testemunhar o fim de sua vida na política. No caso de Putin, significaria morrer literalmente, pelas mãos de seus inimigos.

Os temores “governar ou morrer” de Netanyahu o levaram a formar uma coalizão com dois condenados pela Justiça e uma galeria de violadores supremacistas judeus. Primeiros-ministros anteriores se esquivaram de muitos deles — incluindo o próprio Netanyahu. Mas em seu desespero, ele teve de buscar esses aliados porque tantos políticos decentes do Likud o abandonaram.

Putin, lamentavelmente, está muito além da construção de coalizão e do compartilhamento de poder. Esse era o Putin 1.0, no início dos anos 2000. O Putin 2.0, depois de 24 anos no comando, sabe bem que um líder como ele — que roubou tanto dinheiro quanto ele — não pode confiar em nenhum sucessor que o permita aposentar-se pacificamente em sua já descrita mansão de US$ 1 bilhão no Mar Negro. (O salário oficial dele é de US$ 140 mil ao ano.) Putin sabe que para continuar vivo ou pelo menos seguir vivendo livremente tem de continuar presidente a vida inteira. Portanto, as duas principais inovações de Putin não passaram das cuecas e guarda-chuvas envenenados para dar cabo de inimigos percebidos.

Golpe em câmera-lenta

O mais interessante para mim é como tanto Netanyahu quanto Putin se equivocaram em relação aos seus próprios militares. Putin teve de apelar cada vez mais para presidiários e mercenários para levar adiante a parte mais pesada de seu esforço de guerra na Ucrânia, enquanto dezenas de milhares de russos fugiram para o exterior para escapar da conscrição.

Em Israel, pilotos da Aeronáutica, médicos do Exército e combatentes cibernéticos alertaram que as Forças de Defesa de Israel (IDF) simplesmente não baterão continência para um ditador israelense. Entre os críticos estão três oficiais aposentados liderados por Joab Rosenberg, ex-vice-diretor de análise da inteligência militar de Israel, que foi a Washington arregimentar apoio americano para impedir o golpe em câmera-lenta de Netanyahu.

Como disse recentemente Moshe Ya’alon, ex-ministro da Defesa de Netanyahu e ex-chefe do Estado-Maior israelense, em um comício em Tel-Aviv: “De acordo com minha experiência pessoal como soldado e comandante, se, Deus nos livre, Israel se tornar uma ditadura, nós não teremos soldados suficientes dispostos a sacrificar sua vida para defender o país, e isso provocará uma ameaça existencial ao Estado de Israel. Basta ver o pobre desempenho das Forças Armadas de Putin, sem espírito, nem confiança em seu ditador e seu caminho”, para perceber o que uma ditadura faz com um Exército.

Finalmente, Putin e Netanyahu subestimaram completamente a velocidade com que o rebanho de investidores globais fugiria de seus países diante de seu comportamento irresponsável. De acordo com o banco de dados fDi Markets, do Financial Times, no ano passado apenas 13 projetos de investimento estrangeiro direto foram detectados na Rússia, “o nível mais baixo desde que os registros começaram, em 2003″.

Assaf Rappaport, cofundador de uma das startups mais descoladas de Israel, a empresa de segurança na nuvem Wiz, avaliada em US$ 10 bilhões, disse-me durante um café da manhã em Washington que a comunidade de tecnologia israelense “é capaz de sobreviver a insurreições de palestinos, ataques suicidas e mísseis do Hamas em Tel-Aviv”. Mas, economicamente falando, “não consegue sobreviver” a uma ameaça à independência do Judiciário israelense. Seus investidores estrangeiros acabam de lhe dizer para não depositar em bancos de Israel sua rodada de investimento mais recente, de US$ 300 milhões. No futuro, acrescentou ele, cada vez mais startups israelenses se registrarão como empresas de Delaware, em vez de Israel.

Outra similaridade conduz a uma enorme diferença. Putin e Netanyahu cercaram-se de aduladores, seguidores devotos e sujeitos absolutamente brigões — ninguém com nenhuma posição política independente nem convicção ética capaz de se levantar e dizer: “O que o senhor está fazendo? Pare com isso. Isso é errado. Minimize suas perdas.” Mas que leva à maior diferença entre eles.

O mundo é dividido em mais de 24 fusos horários. A Rússia abrange 11. Israel cabe em um só. Putin é capaz de sustentar uma longa guerra de desgaste na Ucrânia, em que ele nunca tem de admitir estar errado. Ele tem grandes margens para seus erros. Israel não. Os líderes israelenses mais sábios sempre entenderam que precisam guardar cuidadosamente seus recursos e aprofundar relações com aliados — por meio não apenas de interesses compartilhados, mas também de valores comuns.

Mas a coalizão extremista de Netanyahu está neste momento enfrentando militarmente os palestinos e o Irã ao mesmo tempo que ignora desejos e valores de seu aliado mais importante, o governo dos EUA; de sua diáspora mais importante, os judeus americanos; e de sua fonte mais importante de crescimento econômico, os investidores estrangeiros. E está fazendo tudo isso ao mesmo tempo que polariza o povo israelense empurrando o país até a beira de uma guerra civil.

Isso é loucura. Ou, para colocar de outra maneira: a Rússia é capaz de sobreviver a um líder que joga roleta russa; Israel talvez não seja./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

É chocante para mim perceber o quanto Vladimir Putin e Binyamin Netanyahu têm em comum atualmente: ambos consideram a si mesmos grandes enxadristas estratégicos em um mundo que, pensam eles, todos os demais só sabem jogar damas. Mas ambos se equivocaram completamente em sua leitura do mundo em que operam.

Na realidade, eles erraram tão absolutamente que seu jogo dá a parecer que não é xadrez nem damas — é uma roleta russa; e de um só jogador. Roleta russa não deve ser jogada sozinho, mas é assim que ambos se encontram.

Putin pensou que era capaz de capturar Kiev em poucos dias e, portanto, sob um custo muito baixo, usar a expansão russa para a Ucrânia para impedir definitivamente a expansão da União Europeia e da Otan. Ele pode ter chegado perto disso, apesar do fato de seu isolamento e autoilusão terem resultado em seu equívoco em relação ao seu próprio Exército, ao Exército da Ucrânia, aos aliados da Otan, a Joe Biden, ao povo ucraniano, à Suécia, à Finlândia, à Polônia, à Alemanha e à União Europeia. Nesse processo, Putin transformou a Rússia em uma colônia chinesa de produção de energia que implora drones ao Irã.

Em imagem de arquivo, o presidente russo, Vladimir Putin (E), e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, inauguram memorial aos defensores de Leningrado em Jerusalém Foto: Sputnik/Alexei Nikolskyi/Kremlin via Reuters - 23/1/2020

Para alguém que está no comando do Kremlin desde 1999, é bastante erro.

Netanyahu e sua coalizão acharam que poderiam se sair bem com um rápido golpe no Judiciário disfarçado como uma “reforma” judicial, que os permitiria explorar uma eleição vencida por pouquíssima margem — cerca de 30 mil votos em um eleitorado de 4,7 milhões — para permitir a Netanyahu & Cia. governar sem ter de se preocupar com a única fonte de comedimento e contrapeso no sistema de Israel: seu Judiciário e Suprema Corte independentes.

De maneira interessante, na primeira reunião formal do gabinete de Netanyahu, em dezembro, o primeiro-ministro listou quatro prioridades de seu governo: bloquear o Irã, restaurar a segurança para todos os israelenses, enfrentar a crise no custo de vida e a escassez de moradia e ampliar o círculo de paz entre Israel e os países árabes de seu entorno. Netanyahu não falou nada a respeito de subverter o Judiciário, na esperança de empurrar sua manobra sem o público perceber.

Erro. A vasta maioria da população israelense entendeu tudo imediatamente e respondeu com a maior manifestação pública contra qualquer proposta de legislação já considerada na história do país.

A oposição agora se espalhou por toda a sociedade israelense e além: Netanyahu se equivocou com seu Exército, com o setor de startups de tecnologia de seu país, com Joe Biden e, mostram as pesquisas, com a maioria dos eleitores israelenses. Netanyahu também se equivocou com a base de seu partido: enquanto todas as semanas protestos massivos, de base ampla, têm sido organizados contra sua reforma judicial, nenhuma manifestação em grande escala de suas bases tem ocorrido em apoio à manobra.

Netanyahu equivocou-se até com alguns de seus mais ardentes apoiadores, os judeus americanos de direita. Miriam Adelson denunciou no Israel Hayom — jornal israelense de direita fundado por seu falecido marido bilionário, Sheldon — a maneira com que o primeiro-ministro tenta “avançar apressadamente” com uma mudança tão significativa. Isso levanta “dúvidas sobre objetivos fundamentais e preocupação de que esse movimento seja precipitado, insensato e irresponsável”, escreveu ela, acrescentando, “Motivações ruins nunca ocasionam bons desdobramentos”.

Para um indivíduo no sexto mandato de primeiro-ministro, é muito erro.

E então, o que vem depois? Você adivinhou: Netanyahu e Putin estão culpando agitadores e financiadores estrangeiros por seus problemas. É a cartilha do ditador. Enquanto Putin culpa regularmente os EUA e a Otan por suas derrotas na Ucrânia, o Times of Israel noticiou durante o fim de semana que Netanyahu e sua família começaram a sugerir que o Departamento de Estado é a mão invisível que financia os enormes protestos.

O jornal citou declarações de uma “autoridade graduada do governo” sobre uma viagem recente de Netanyahu a Roma — com uma atribuição de fonte jornalística usada costumeiramente pelo primeiro-ministro para ocultar sua identidade em reportagens — afirmando: “Há um centro organizado, a partir do qual todos os manifestantes se encadeiam de maneira ordenada. Quem financia o transporte, as bandeiras, os palanques? Para nós, isso é evidente.” O jornal acrescentou, “Outro membro do alto-escalão do premiê confirmou que a autoridade graduada se referiu aos EUA”.

Muito tempo no poder

Como dois líderes podem ter errado tanto apesar de estar no poder há tanto tempo? A pergunta responde a si mesma: eles estão no poder há muito tempo. Ambos têm inimigos fortalecidos e rastros de suspeitas de corrupção que lhes fazem sentir que não lhes resta alternativa a não ser governar ou morrer.

No caso de Netanyahu, isso significaria morrer figurativamente: ele está sendo julgado por várias acusações de corrupção e, se for condenado, poderá ser preso e testemunhar o fim de sua vida na política. No caso de Putin, significaria morrer literalmente, pelas mãos de seus inimigos.

Os temores “governar ou morrer” de Netanyahu o levaram a formar uma coalizão com dois condenados pela Justiça e uma galeria de violadores supremacistas judeus. Primeiros-ministros anteriores se esquivaram de muitos deles — incluindo o próprio Netanyahu. Mas em seu desespero, ele teve de buscar esses aliados porque tantos políticos decentes do Likud o abandonaram.

Putin, lamentavelmente, está muito além da construção de coalizão e do compartilhamento de poder. Esse era o Putin 1.0, no início dos anos 2000. O Putin 2.0, depois de 24 anos no comando, sabe bem que um líder como ele — que roubou tanto dinheiro quanto ele — não pode confiar em nenhum sucessor que o permita aposentar-se pacificamente em sua já descrita mansão de US$ 1 bilhão no Mar Negro. (O salário oficial dele é de US$ 140 mil ao ano.) Putin sabe que para continuar vivo ou pelo menos seguir vivendo livremente tem de continuar presidente a vida inteira. Portanto, as duas principais inovações de Putin não passaram das cuecas e guarda-chuvas envenenados para dar cabo de inimigos percebidos.

Golpe em câmera-lenta

O mais interessante para mim é como tanto Netanyahu quanto Putin se equivocaram em relação aos seus próprios militares. Putin teve de apelar cada vez mais para presidiários e mercenários para levar adiante a parte mais pesada de seu esforço de guerra na Ucrânia, enquanto dezenas de milhares de russos fugiram para o exterior para escapar da conscrição.

Em Israel, pilotos da Aeronáutica, médicos do Exército e combatentes cibernéticos alertaram que as Forças de Defesa de Israel (IDF) simplesmente não baterão continência para um ditador israelense. Entre os críticos estão três oficiais aposentados liderados por Joab Rosenberg, ex-vice-diretor de análise da inteligência militar de Israel, que foi a Washington arregimentar apoio americano para impedir o golpe em câmera-lenta de Netanyahu.

Como disse recentemente Moshe Ya’alon, ex-ministro da Defesa de Netanyahu e ex-chefe do Estado-Maior israelense, em um comício em Tel-Aviv: “De acordo com minha experiência pessoal como soldado e comandante, se, Deus nos livre, Israel se tornar uma ditadura, nós não teremos soldados suficientes dispostos a sacrificar sua vida para defender o país, e isso provocará uma ameaça existencial ao Estado de Israel. Basta ver o pobre desempenho das Forças Armadas de Putin, sem espírito, nem confiança em seu ditador e seu caminho”, para perceber o que uma ditadura faz com um Exército.

Finalmente, Putin e Netanyahu subestimaram completamente a velocidade com que o rebanho de investidores globais fugiria de seus países diante de seu comportamento irresponsável. De acordo com o banco de dados fDi Markets, do Financial Times, no ano passado apenas 13 projetos de investimento estrangeiro direto foram detectados na Rússia, “o nível mais baixo desde que os registros começaram, em 2003″.

Assaf Rappaport, cofundador de uma das startups mais descoladas de Israel, a empresa de segurança na nuvem Wiz, avaliada em US$ 10 bilhões, disse-me durante um café da manhã em Washington que a comunidade de tecnologia israelense “é capaz de sobreviver a insurreições de palestinos, ataques suicidas e mísseis do Hamas em Tel-Aviv”. Mas, economicamente falando, “não consegue sobreviver” a uma ameaça à independência do Judiciário israelense. Seus investidores estrangeiros acabam de lhe dizer para não depositar em bancos de Israel sua rodada de investimento mais recente, de US$ 300 milhões. No futuro, acrescentou ele, cada vez mais startups israelenses se registrarão como empresas de Delaware, em vez de Israel.

Outra similaridade conduz a uma enorme diferença. Putin e Netanyahu cercaram-se de aduladores, seguidores devotos e sujeitos absolutamente brigões — ninguém com nenhuma posição política independente nem convicção ética capaz de se levantar e dizer: “O que o senhor está fazendo? Pare com isso. Isso é errado. Minimize suas perdas.” Mas que leva à maior diferença entre eles.

O mundo é dividido em mais de 24 fusos horários. A Rússia abrange 11. Israel cabe em um só. Putin é capaz de sustentar uma longa guerra de desgaste na Ucrânia, em que ele nunca tem de admitir estar errado. Ele tem grandes margens para seus erros. Israel não. Os líderes israelenses mais sábios sempre entenderam que precisam guardar cuidadosamente seus recursos e aprofundar relações com aliados — por meio não apenas de interesses compartilhados, mas também de valores comuns.

Mas a coalizão extremista de Netanyahu está neste momento enfrentando militarmente os palestinos e o Irã ao mesmo tempo que ignora desejos e valores de seu aliado mais importante, o governo dos EUA; de sua diáspora mais importante, os judeus americanos; e de sua fonte mais importante de crescimento econômico, os investidores estrangeiros. E está fazendo tudo isso ao mesmo tempo que polariza o povo israelense empurrando o país até a beira de uma guerra civil.

Isso é loucura. Ou, para colocar de outra maneira: a Rússia é capaz de sobreviver a um líder que joga roleta russa; Israel talvez não seja./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

É chocante para mim perceber o quanto Vladimir Putin e Binyamin Netanyahu têm em comum atualmente: ambos consideram a si mesmos grandes enxadristas estratégicos em um mundo que, pensam eles, todos os demais só sabem jogar damas. Mas ambos se equivocaram completamente em sua leitura do mundo em que operam.

Na realidade, eles erraram tão absolutamente que seu jogo dá a parecer que não é xadrez nem damas — é uma roleta russa; e de um só jogador. Roleta russa não deve ser jogada sozinho, mas é assim que ambos se encontram.

Putin pensou que era capaz de capturar Kiev em poucos dias e, portanto, sob um custo muito baixo, usar a expansão russa para a Ucrânia para impedir definitivamente a expansão da União Europeia e da Otan. Ele pode ter chegado perto disso, apesar do fato de seu isolamento e autoilusão terem resultado em seu equívoco em relação ao seu próprio Exército, ao Exército da Ucrânia, aos aliados da Otan, a Joe Biden, ao povo ucraniano, à Suécia, à Finlândia, à Polônia, à Alemanha e à União Europeia. Nesse processo, Putin transformou a Rússia em uma colônia chinesa de produção de energia que implora drones ao Irã.

Em imagem de arquivo, o presidente russo, Vladimir Putin (E), e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, inauguram memorial aos defensores de Leningrado em Jerusalém Foto: Sputnik/Alexei Nikolskyi/Kremlin via Reuters - 23/1/2020

Para alguém que está no comando do Kremlin desde 1999, é bastante erro.

Netanyahu e sua coalizão acharam que poderiam se sair bem com um rápido golpe no Judiciário disfarçado como uma “reforma” judicial, que os permitiria explorar uma eleição vencida por pouquíssima margem — cerca de 30 mil votos em um eleitorado de 4,7 milhões — para permitir a Netanyahu & Cia. governar sem ter de se preocupar com a única fonte de comedimento e contrapeso no sistema de Israel: seu Judiciário e Suprema Corte independentes.

De maneira interessante, na primeira reunião formal do gabinete de Netanyahu, em dezembro, o primeiro-ministro listou quatro prioridades de seu governo: bloquear o Irã, restaurar a segurança para todos os israelenses, enfrentar a crise no custo de vida e a escassez de moradia e ampliar o círculo de paz entre Israel e os países árabes de seu entorno. Netanyahu não falou nada a respeito de subverter o Judiciário, na esperança de empurrar sua manobra sem o público perceber.

Erro. A vasta maioria da população israelense entendeu tudo imediatamente e respondeu com a maior manifestação pública contra qualquer proposta de legislação já considerada na história do país.

A oposição agora se espalhou por toda a sociedade israelense e além: Netanyahu se equivocou com seu Exército, com o setor de startups de tecnologia de seu país, com Joe Biden e, mostram as pesquisas, com a maioria dos eleitores israelenses. Netanyahu também se equivocou com a base de seu partido: enquanto todas as semanas protestos massivos, de base ampla, têm sido organizados contra sua reforma judicial, nenhuma manifestação em grande escala de suas bases tem ocorrido em apoio à manobra.

Netanyahu equivocou-se até com alguns de seus mais ardentes apoiadores, os judeus americanos de direita. Miriam Adelson denunciou no Israel Hayom — jornal israelense de direita fundado por seu falecido marido bilionário, Sheldon — a maneira com que o primeiro-ministro tenta “avançar apressadamente” com uma mudança tão significativa. Isso levanta “dúvidas sobre objetivos fundamentais e preocupação de que esse movimento seja precipitado, insensato e irresponsável”, escreveu ela, acrescentando, “Motivações ruins nunca ocasionam bons desdobramentos”.

Para um indivíduo no sexto mandato de primeiro-ministro, é muito erro.

E então, o que vem depois? Você adivinhou: Netanyahu e Putin estão culpando agitadores e financiadores estrangeiros por seus problemas. É a cartilha do ditador. Enquanto Putin culpa regularmente os EUA e a Otan por suas derrotas na Ucrânia, o Times of Israel noticiou durante o fim de semana que Netanyahu e sua família começaram a sugerir que o Departamento de Estado é a mão invisível que financia os enormes protestos.

O jornal citou declarações de uma “autoridade graduada do governo” sobre uma viagem recente de Netanyahu a Roma — com uma atribuição de fonte jornalística usada costumeiramente pelo primeiro-ministro para ocultar sua identidade em reportagens — afirmando: “Há um centro organizado, a partir do qual todos os manifestantes se encadeiam de maneira ordenada. Quem financia o transporte, as bandeiras, os palanques? Para nós, isso é evidente.” O jornal acrescentou, “Outro membro do alto-escalão do premiê confirmou que a autoridade graduada se referiu aos EUA”.

Muito tempo no poder

Como dois líderes podem ter errado tanto apesar de estar no poder há tanto tempo? A pergunta responde a si mesma: eles estão no poder há muito tempo. Ambos têm inimigos fortalecidos e rastros de suspeitas de corrupção que lhes fazem sentir que não lhes resta alternativa a não ser governar ou morrer.

No caso de Netanyahu, isso significaria morrer figurativamente: ele está sendo julgado por várias acusações de corrupção e, se for condenado, poderá ser preso e testemunhar o fim de sua vida na política. No caso de Putin, significaria morrer literalmente, pelas mãos de seus inimigos.

Os temores “governar ou morrer” de Netanyahu o levaram a formar uma coalizão com dois condenados pela Justiça e uma galeria de violadores supremacistas judeus. Primeiros-ministros anteriores se esquivaram de muitos deles — incluindo o próprio Netanyahu. Mas em seu desespero, ele teve de buscar esses aliados porque tantos políticos decentes do Likud o abandonaram.

Putin, lamentavelmente, está muito além da construção de coalizão e do compartilhamento de poder. Esse era o Putin 1.0, no início dos anos 2000. O Putin 2.0, depois de 24 anos no comando, sabe bem que um líder como ele — que roubou tanto dinheiro quanto ele — não pode confiar em nenhum sucessor que o permita aposentar-se pacificamente em sua já descrita mansão de US$ 1 bilhão no Mar Negro. (O salário oficial dele é de US$ 140 mil ao ano.) Putin sabe que para continuar vivo ou pelo menos seguir vivendo livremente tem de continuar presidente a vida inteira. Portanto, as duas principais inovações de Putin não passaram das cuecas e guarda-chuvas envenenados para dar cabo de inimigos percebidos.

Golpe em câmera-lenta

O mais interessante para mim é como tanto Netanyahu quanto Putin se equivocaram em relação aos seus próprios militares. Putin teve de apelar cada vez mais para presidiários e mercenários para levar adiante a parte mais pesada de seu esforço de guerra na Ucrânia, enquanto dezenas de milhares de russos fugiram para o exterior para escapar da conscrição.

Em Israel, pilotos da Aeronáutica, médicos do Exército e combatentes cibernéticos alertaram que as Forças de Defesa de Israel (IDF) simplesmente não baterão continência para um ditador israelense. Entre os críticos estão três oficiais aposentados liderados por Joab Rosenberg, ex-vice-diretor de análise da inteligência militar de Israel, que foi a Washington arregimentar apoio americano para impedir o golpe em câmera-lenta de Netanyahu.

Como disse recentemente Moshe Ya’alon, ex-ministro da Defesa de Netanyahu e ex-chefe do Estado-Maior israelense, em um comício em Tel-Aviv: “De acordo com minha experiência pessoal como soldado e comandante, se, Deus nos livre, Israel se tornar uma ditadura, nós não teremos soldados suficientes dispostos a sacrificar sua vida para defender o país, e isso provocará uma ameaça existencial ao Estado de Israel. Basta ver o pobre desempenho das Forças Armadas de Putin, sem espírito, nem confiança em seu ditador e seu caminho”, para perceber o que uma ditadura faz com um Exército.

Finalmente, Putin e Netanyahu subestimaram completamente a velocidade com que o rebanho de investidores globais fugiria de seus países diante de seu comportamento irresponsável. De acordo com o banco de dados fDi Markets, do Financial Times, no ano passado apenas 13 projetos de investimento estrangeiro direto foram detectados na Rússia, “o nível mais baixo desde que os registros começaram, em 2003″.

Assaf Rappaport, cofundador de uma das startups mais descoladas de Israel, a empresa de segurança na nuvem Wiz, avaliada em US$ 10 bilhões, disse-me durante um café da manhã em Washington que a comunidade de tecnologia israelense “é capaz de sobreviver a insurreições de palestinos, ataques suicidas e mísseis do Hamas em Tel-Aviv”. Mas, economicamente falando, “não consegue sobreviver” a uma ameaça à independência do Judiciário israelense. Seus investidores estrangeiros acabam de lhe dizer para não depositar em bancos de Israel sua rodada de investimento mais recente, de US$ 300 milhões. No futuro, acrescentou ele, cada vez mais startups israelenses se registrarão como empresas de Delaware, em vez de Israel.

Outra similaridade conduz a uma enorme diferença. Putin e Netanyahu cercaram-se de aduladores, seguidores devotos e sujeitos absolutamente brigões — ninguém com nenhuma posição política independente nem convicção ética capaz de se levantar e dizer: “O que o senhor está fazendo? Pare com isso. Isso é errado. Minimize suas perdas.” Mas que leva à maior diferença entre eles.

O mundo é dividido em mais de 24 fusos horários. A Rússia abrange 11. Israel cabe em um só. Putin é capaz de sustentar uma longa guerra de desgaste na Ucrânia, em que ele nunca tem de admitir estar errado. Ele tem grandes margens para seus erros. Israel não. Os líderes israelenses mais sábios sempre entenderam que precisam guardar cuidadosamente seus recursos e aprofundar relações com aliados — por meio não apenas de interesses compartilhados, mas também de valores comuns.

Mas a coalizão extremista de Netanyahu está neste momento enfrentando militarmente os palestinos e o Irã ao mesmo tempo que ignora desejos e valores de seu aliado mais importante, o governo dos EUA; de sua diáspora mais importante, os judeus americanos; e de sua fonte mais importante de crescimento econômico, os investidores estrangeiros. E está fazendo tudo isso ao mesmo tempo que polariza o povo israelense empurrando o país até a beira de uma guerra civil.

Isso é loucura. Ou, para colocar de outra maneira: a Rússia é capaz de sobreviver a um líder que joga roleta russa; Israel talvez não seja./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

É chocante para mim perceber o quanto Vladimir Putin e Binyamin Netanyahu têm em comum atualmente: ambos consideram a si mesmos grandes enxadristas estratégicos em um mundo que, pensam eles, todos os demais só sabem jogar damas. Mas ambos se equivocaram completamente em sua leitura do mundo em que operam.

Na realidade, eles erraram tão absolutamente que seu jogo dá a parecer que não é xadrez nem damas — é uma roleta russa; e de um só jogador. Roleta russa não deve ser jogada sozinho, mas é assim que ambos se encontram.

Putin pensou que era capaz de capturar Kiev em poucos dias e, portanto, sob um custo muito baixo, usar a expansão russa para a Ucrânia para impedir definitivamente a expansão da União Europeia e da Otan. Ele pode ter chegado perto disso, apesar do fato de seu isolamento e autoilusão terem resultado em seu equívoco em relação ao seu próprio Exército, ao Exército da Ucrânia, aos aliados da Otan, a Joe Biden, ao povo ucraniano, à Suécia, à Finlândia, à Polônia, à Alemanha e à União Europeia. Nesse processo, Putin transformou a Rússia em uma colônia chinesa de produção de energia que implora drones ao Irã.

Em imagem de arquivo, o presidente russo, Vladimir Putin (E), e o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, inauguram memorial aos defensores de Leningrado em Jerusalém Foto: Sputnik/Alexei Nikolskyi/Kremlin via Reuters - 23/1/2020

Para alguém que está no comando do Kremlin desde 1999, é bastante erro.

Netanyahu e sua coalizão acharam que poderiam se sair bem com um rápido golpe no Judiciário disfarçado como uma “reforma” judicial, que os permitiria explorar uma eleição vencida por pouquíssima margem — cerca de 30 mil votos em um eleitorado de 4,7 milhões — para permitir a Netanyahu & Cia. governar sem ter de se preocupar com a única fonte de comedimento e contrapeso no sistema de Israel: seu Judiciário e Suprema Corte independentes.

De maneira interessante, na primeira reunião formal do gabinete de Netanyahu, em dezembro, o primeiro-ministro listou quatro prioridades de seu governo: bloquear o Irã, restaurar a segurança para todos os israelenses, enfrentar a crise no custo de vida e a escassez de moradia e ampliar o círculo de paz entre Israel e os países árabes de seu entorno. Netanyahu não falou nada a respeito de subverter o Judiciário, na esperança de empurrar sua manobra sem o público perceber.

Erro. A vasta maioria da população israelense entendeu tudo imediatamente e respondeu com a maior manifestação pública contra qualquer proposta de legislação já considerada na história do país.

A oposição agora se espalhou por toda a sociedade israelense e além: Netanyahu se equivocou com seu Exército, com o setor de startups de tecnologia de seu país, com Joe Biden e, mostram as pesquisas, com a maioria dos eleitores israelenses. Netanyahu também se equivocou com a base de seu partido: enquanto todas as semanas protestos massivos, de base ampla, têm sido organizados contra sua reforma judicial, nenhuma manifestação em grande escala de suas bases tem ocorrido em apoio à manobra.

Netanyahu equivocou-se até com alguns de seus mais ardentes apoiadores, os judeus americanos de direita. Miriam Adelson denunciou no Israel Hayom — jornal israelense de direita fundado por seu falecido marido bilionário, Sheldon — a maneira com que o primeiro-ministro tenta “avançar apressadamente” com uma mudança tão significativa. Isso levanta “dúvidas sobre objetivos fundamentais e preocupação de que esse movimento seja precipitado, insensato e irresponsável”, escreveu ela, acrescentando, “Motivações ruins nunca ocasionam bons desdobramentos”.

Para um indivíduo no sexto mandato de primeiro-ministro, é muito erro.

E então, o que vem depois? Você adivinhou: Netanyahu e Putin estão culpando agitadores e financiadores estrangeiros por seus problemas. É a cartilha do ditador. Enquanto Putin culpa regularmente os EUA e a Otan por suas derrotas na Ucrânia, o Times of Israel noticiou durante o fim de semana que Netanyahu e sua família começaram a sugerir que o Departamento de Estado é a mão invisível que financia os enormes protestos.

O jornal citou declarações de uma “autoridade graduada do governo” sobre uma viagem recente de Netanyahu a Roma — com uma atribuição de fonte jornalística usada costumeiramente pelo primeiro-ministro para ocultar sua identidade em reportagens — afirmando: “Há um centro organizado, a partir do qual todos os manifestantes se encadeiam de maneira ordenada. Quem financia o transporte, as bandeiras, os palanques? Para nós, isso é evidente.” O jornal acrescentou, “Outro membro do alto-escalão do premiê confirmou que a autoridade graduada se referiu aos EUA”.

Muito tempo no poder

Como dois líderes podem ter errado tanto apesar de estar no poder há tanto tempo? A pergunta responde a si mesma: eles estão no poder há muito tempo. Ambos têm inimigos fortalecidos e rastros de suspeitas de corrupção que lhes fazem sentir que não lhes resta alternativa a não ser governar ou morrer.

No caso de Netanyahu, isso significaria morrer figurativamente: ele está sendo julgado por várias acusações de corrupção e, se for condenado, poderá ser preso e testemunhar o fim de sua vida na política. No caso de Putin, significaria morrer literalmente, pelas mãos de seus inimigos.

Os temores “governar ou morrer” de Netanyahu o levaram a formar uma coalizão com dois condenados pela Justiça e uma galeria de violadores supremacistas judeus. Primeiros-ministros anteriores se esquivaram de muitos deles — incluindo o próprio Netanyahu. Mas em seu desespero, ele teve de buscar esses aliados porque tantos políticos decentes do Likud o abandonaram.

Putin, lamentavelmente, está muito além da construção de coalizão e do compartilhamento de poder. Esse era o Putin 1.0, no início dos anos 2000. O Putin 2.0, depois de 24 anos no comando, sabe bem que um líder como ele — que roubou tanto dinheiro quanto ele — não pode confiar em nenhum sucessor que o permita aposentar-se pacificamente em sua já descrita mansão de US$ 1 bilhão no Mar Negro. (O salário oficial dele é de US$ 140 mil ao ano.) Putin sabe que para continuar vivo ou pelo menos seguir vivendo livremente tem de continuar presidente a vida inteira. Portanto, as duas principais inovações de Putin não passaram das cuecas e guarda-chuvas envenenados para dar cabo de inimigos percebidos.

Golpe em câmera-lenta

O mais interessante para mim é como tanto Netanyahu quanto Putin se equivocaram em relação aos seus próprios militares. Putin teve de apelar cada vez mais para presidiários e mercenários para levar adiante a parte mais pesada de seu esforço de guerra na Ucrânia, enquanto dezenas de milhares de russos fugiram para o exterior para escapar da conscrição.

Em Israel, pilotos da Aeronáutica, médicos do Exército e combatentes cibernéticos alertaram que as Forças de Defesa de Israel (IDF) simplesmente não baterão continência para um ditador israelense. Entre os críticos estão três oficiais aposentados liderados por Joab Rosenberg, ex-vice-diretor de análise da inteligência militar de Israel, que foi a Washington arregimentar apoio americano para impedir o golpe em câmera-lenta de Netanyahu.

Como disse recentemente Moshe Ya’alon, ex-ministro da Defesa de Netanyahu e ex-chefe do Estado-Maior israelense, em um comício em Tel-Aviv: “De acordo com minha experiência pessoal como soldado e comandante, se, Deus nos livre, Israel se tornar uma ditadura, nós não teremos soldados suficientes dispostos a sacrificar sua vida para defender o país, e isso provocará uma ameaça existencial ao Estado de Israel. Basta ver o pobre desempenho das Forças Armadas de Putin, sem espírito, nem confiança em seu ditador e seu caminho”, para perceber o que uma ditadura faz com um Exército.

Finalmente, Putin e Netanyahu subestimaram completamente a velocidade com que o rebanho de investidores globais fugiria de seus países diante de seu comportamento irresponsável. De acordo com o banco de dados fDi Markets, do Financial Times, no ano passado apenas 13 projetos de investimento estrangeiro direto foram detectados na Rússia, “o nível mais baixo desde que os registros começaram, em 2003″.

Assaf Rappaport, cofundador de uma das startups mais descoladas de Israel, a empresa de segurança na nuvem Wiz, avaliada em US$ 10 bilhões, disse-me durante um café da manhã em Washington que a comunidade de tecnologia israelense “é capaz de sobreviver a insurreições de palestinos, ataques suicidas e mísseis do Hamas em Tel-Aviv”. Mas, economicamente falando, “não consegue sobreviver” a uma ameaça à independência do Judiciário israelense. Seus investidores estrangeiros acabam de lhe dizer para não depositar em bancos de Israel sua rodada de investimento mais recente, de US$ 300 milhões. No futuro, acrescentou ele, cada vez mais startups israelenses se registrarão como empresas de Delaware, em vez de Israel.

Outra similaridade conduz a uma enorme diferença. Putin e Netanyahu cercaram-se de aduladores, seguidores devotos e sujeitos absolutamente brigões — ninguém com nenhuma posição política independente nem convicção ética capaz de se levantar e dizer: “O que o senhor está fazendo? Pare com isso. Isso é errado. Minimize suas perdas.” Mas que leva à maior diferença entre eles.

O mundo é dividido em mais de 24 fusos horários. A Rússia abrange 11. Israel cabe em um só. Putin é capaz de sustentar uma longa guerra de desgaste na Ucrânia, em que ele nunca tem de admitir estar errado. Ele tem grandes margens para seus erros. Israel não. Os líderes israelenses mais sábios sempre entenderam que precisam guardar cuidadosamente seus recursos e aprofundar relações com aliados — por meio não apenas de interesses compartilhados, mas também de valores comuns.

Mas a coalizão extremista de Netanyahu está neste momento enfrentando militarmente os palestinos e o Irã ao mesmo tempo que ignora desejos e valores de seu aliado mais importante, o governo dos EUA; de sua diáspora mais importante, os judeus americanos; e de sua fonte mais importante de crescimento econômico, os investidores estrangeiros. E está fazendo tudo isso ao mesmo tempo que polariza o povo israelense empurrando o país até a beira de uma guerra civil.

Isso é loucura. Ou, para colocar de outra maneira: a Rússia é capaz de sobreviver a um líder que joga roleta russa; Israel talvez não seja./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.