Trégua entre China e Índia é desafio para o Ocidente; leia artigo da Economist


Os gigantes asiáticos estão aprendendo a conviver

Por The Economist

A esperança de que a Índia possa agir como um contrapeso pró-Ocidente à China tornou-se um dos pilares da política externa americana. Trata-se de uma aposta na futura capacidade e postura geopolítica da Índia, claramente articulada após a visita de Bill Clinton a Nova Délhi, em 2000. Todos os presidentes americanos que se seguiram, dois democratas e dois republicanos, dobraram essa aposta. O que explica a recente festa do amor que recebeu Narendra Modi em Washington no mês passado. Em meio a proclamações bilaterais de amizade eterna, o primeiro-ministro indiano embolsou contratos de tecnologia em defesa que os Estados Unidos reservam normalmente para aliados próximos.

Mas e se a Índia, que não adere a alianças formais, estiver em curso de se tornar uma parceira dos americanos muito menos comprometida do que muitos em Washington assumem? Conforme nós noticiamos nesta semana em nossa seção Internacional, tal possibilidade é nítida. E ilustrada por uma melhora silenciosa, apesar de marcante, nas relações Índia-China.

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As tratativas diplomáticas entre Nova Délhi e Pequim se deterioraram acentuadamente após um sangrento conflito fronteiriço em 2020 que tirou a vida de 20 soldados indianos e ao menos 4 chineses. A violência, praticada com pedras e barras de ferro ao longo da gelada fronteira himalaia entre os gigantes asiáticos, ajudou a motivar o recente incremento na cooperação indo-americana em defesa.

O presidente da China, Xi Jinping, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi durante cúpula em 2018 Foto: Aly Song/Reuters

Os EUA forneceram equipamentos para conflito em clima frio e de outros tipos para as forças indianas na fronteira, revelaram planos para mais exercícios militares conjuntos entre os dois países e observaram com aprovação o governo de Modi transferir mais de 70 mil soldados da fronteira oeste da Índia, com o Paquistão, para a fronteira norte, com a China. A Índia também baniu mais de 300 aplicativos chineses, lançou três investigações tributárias sobre empresas chinesas e introduziu restrições ao comércio bilateral e ao investimento. Mas grande parte do glaciar indo-chinês já derreteu.

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O congelamento econômico foi breve. Em 2021, o comércio bilateral, recuperando-se após a pandemia de covid-19, cresceu 43%. No ano passado, aumentou 8,6% — o que colocou seu montante em US$ 136 bilhões — 27 vezes maior do que quando Clinton esteve em Nova Délhi. Enquanto isso, a fronteira entre os países continua em grande medida contestada e pesadamente militarizada — mas ambos parecem dispostos a desativar essas querelas. Depois de 18 rodadas de negociações entre comandantes militares, tropas foram retiradas de cinco possíveis focos de atrito, em favor do estabelecimento de “zonas-tampão” não patrulhadas por nenhum dos lados. Resta pacificar apenas dois pontos fronteiriços principais dessa maneira.

Um mundo no qual Índia e China deixam de lado sua disputa territorial, como já fizeram por mais de três décadas, após um acordo para este fim em 1988, poderia ser muito diferente do vislumbrado por muitos estrategistas americanos. A Índia já é muito menos propensa a dar apoio às forças americanas na eventualidade de um conflito com a China por Taiwan do que muitos em Washington parecem imaginar. Um degelo sustentado nas relações Índia-China poderia tornar isso algo inimaginável. Em um mundo assim, a Índia também seria menos amigável ao Ocidente em relação a temas como as mudanças climáticas, comércio e dívidas do que hoje em dia.

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Presidente dos EUA, Joe Biden, conversa com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, durante encontro na Casa Branca Foto: Evan Vucci/AP

Uma trégua continuada entre Índia e China atenderia interesses de ambos os países. O esforço momentâneo da Índia em reduzir sua dependência em relação à China sublinhou a dificuldade deste movimento. Duas das maiores prioridades de Modi, infraestrutura e manufatura, dependem especialmente de recursos chineses. A indústria farmacêutica indiana, grande exportadora, obtém 70% de seus princípios ativos da China. E mesmo se o primeiro-ministro estivesse disposto a diminuir essas importações (do que há pouco sinal), influentes lobbies empresariais indianos tentariam dissuadi-lo.

O breve hiato também ilustrou a força de sentimento e tração de ambos os países em relação ao tema. O que não dissipa as preocupações de segurança da Índia a respeito da China. Essas preocupações são antigas, e os indianos continuarão sob qualquer circustância a incrementar suas defesas em razão delas. A Índia considera crescimento econômico rápido uma das condições essenciais para esse incremento. E considera corretamente os negócios com a China um meio necessário à obtenção desse crescimento.

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De sua parte, a China tem um interesse tão óbvio em manter a Índia em seu favor que sua recente proximidade pragmática é mais fácil compreender do que sua agressividade anterior. O antagonismo da China na fronteira pareceu ocasionar apenas o fortalecimento das relações de segurança entre Índia e EUA. Ao mesmo tempo, a diminuição no ritmo de crescimento da economia chinesa sublinhou a crescente importância do vasto mercado doméstico indiano para os exportadores chineses.

Narendra Modi foi recebido por Joe Biden na Casa Branca em junho deste ano Foto: Chris Kleponis/EPA/EFE

Pode ser que, no momento do confronto fronteiriço, a China já se posicionasse mais respeitosamente em relação à Índia do que a violência possa ter transparecido. Notícias recentes da Índia sugerem que o entrevero fronteiriço, considerado mais obviamente instigado pela China, decorreu mais de decisões ruins em campo do que de estratégia. De qualquer modo, os interesses estratégicos da China e seu alcance recente sugerem que uma repetição torna-se menos provável.

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Embaraço para os EUA

Uma relação indo-chinesa pacífica e profícua poderia ser altamente benéfica para suas massivas populações e todo o mundo. Também representaria um desafio ao pensamento ocidental que estrategistas americanos e de outros países precisariam considerar muito mais seriamente. O que não enfraquece o argumento por relações mais próximas entre Washington e Nova Délhi.

A Índia continuará a querer ajuda para se proteger da China independentemente de qualquer melhora na relação indo-chinesa; e esses laços deverão render benefícios numerosos para além da segurança. Mas à medida que a crescente beligerância dos EUA em relação à China se intensificar por uma presunção de que a Índia irá, se necessário, combater batalhas americanas, essa hipótese deve ser descartada. Para servir de contrapeso à China, a Índia não tem apenas de ter peso, mas também estar disposta a contra-atacar. O que não pode ser desconsiderado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A esperança de que a Índia possa agir como um contrapeso pró-Ocidente à China tornou-se um dos pilares da política externa americana. Trata-se de uma aposta na futura capacidade e postura geopolítica da Índia, claramente articulada após a visita de Bill Clinton a Nova Délhi, em 2000. Todos os presidentes americanos que se seguiram, dois democratas e dois republicanos, dobraram essa aposta. O que explica a recente festa do amor que recebeu Narendra Modi em Washington no mês passado. Em meio a proclamações bilaterais de amizade eterna, o primeiro-ministro indiano embolsou contratos de tecnologia em defesa que os Estados Unidos reservam normalmente para aliados próximos.

Mas e se a Índia, que não adere a alianças formais, estiver em curso de se tornar uma parceira dos americanos muito menos comprometida do que muitos em Washington assumem? Conforme nós noticiamos nesta semana em nossa seção Internacional, tal possibilidade é nítida. E ilustrada por uma melhora silenciosa, apesar de marcante, nas relações Índia-China.

As tratativas diplomáticas entre Nova Délhi e Pequim se deterioraram acentuadamente após um sangrento conflito fronteiriço em 2020 que tirou a vida de 20 soldados indianos e ao menos 4 chineses. A violência, praticada com pedras e barras de ferro ao longo da gelada fronteira himalaia entre os gigantes asiáticos, ajudou a motivar o recente incremento na cooperação indo-americana em defesa.

O presidente da China, Xi Jinping, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi durante cúpula em 2018 Foto: Aly Song/Reuters

Os EUA forneceram equipamentos para conflito em clima frio e de outros tipos para as forças indianas na fronteira, revelaram planos para mais exercícios militares conjuntos entre os dois países e observaram com aprovação o governo de Modi transferir mais de 70 mil soldados da fronteira oeste da Índia, com o Paquistão, para a fronteira norte, com a China. A Índia também baniu mais de 300 aplicativos chineses, lançou três investigações tributárias sobre empresas chinesas e introduziu restrições ao comércio bilateral e ao investimento. Mas grande parte do glaciar indo-chinês já derreteu.

O congelamento econômico foi breve. Em 2021, o comércio bilateral, recuperando-se após a pandemia de covid-19, cresceu 43%. No ano passado, aumentou 8,6% — o que colocou seu montante em US$ 136 bilhões — 27 vezes maior do que quando Clinton esteve em Nova Délhi. Enquanto isso, a fronteira entre os países continua em grande medida contestada e pesadamente militarizada — mas ambos parecem dispostos a desativar essas querelas. Depois de 18 rodadas de negociações entre comandantes militares, tropas foram retiradas de cinco possíveis focos de atrito, em favor do estabelecimento de “zonas-tampão” não patrulhadas por nenhum dos lados. Resta pacificar apenas dois pontos fronteiriços principais dessa maneira.

Um mundo no qual Índia e China deixam de lado sua disputa territorial, como já fizeram por mais de três décadas, após um acordo para este fim em 1988, poderia ser muito diferente do vislumbrado por muitos estrategistas americanos. A Índia já é muito menos propensa a dar apoio às forças americanas na eventualidade de um conflito com a China por Taiwan do que muitos em Washington parecem imaginar. Um degelo sustentado nas relações Índia-China poderia tornar isso algo inimaginável. Em um mundo assim, a Índia também seria menos amigável ao Ocidente em relação a temas como as mudanças climáticas, comércio e dívidas do que hoje em dia.

Presidente dos EUA, Joe Biden, conversa com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, durante encontro na Casa Branca Foto: Evan Vucci/AP

Uma trégua continuada entre Índia e China atenderia interesses de ambos os países. O esforço momentâneo da Índia em reduzir sua dependência em relação à China sublinhou a dificuldade deste movimento. Duas das maiores prioridades de Modi, infraestrutura e manufatura, dependem especialmente de recursos chineses. A indústria farmacêutica indiana, grande exportadora, obtém 70% de seus princípios ativos da China. E mesmo se o primeiro-ministro estivesse disposto a diminuir essas importações (do que há pouco sinal), influentes lobbies empresariais indianos tentariam dissuadi-lo.

O breve hiato também ilustrou a força de sentimento e tração de ambos os países em relação ao tema. O que não dissipa as preocupações de segurança da Índia a respeito da China. Essas preocupações são antigas, e os indianos continuarão sob qualquer circustância a incrementar suas defesas em razão delas. A Índia considera crescimento econômico rápido uma das condições essenciais para esse incremento. E considera corretamente os negócios com a China um meio necessário à obtenção desse crescimento.

De sua parte, a China tem um interesse tão óbvio em manter a Índia em seu favor que sua recente proximidade pragmática é mais fácil compreender do que sua agressividade anterior. O antagonismo da China na fronteira pareceu ocasionar apenas o fortalecimento das relações de segurança entre Índia e EUA. Ao mesmo tempo, a diminuição no ritmo de crescimento da economia chinesa sublinhou a crescente importância do vasto mercado doméstico indiano para os exportadores chineses.

Narendra Modi foi recebido por Joe Biden na Casa Branca em junho deste ano Foto: Chris Kleponis/EPA/EFE

Pode ser que, no momento do confronto fronteiriço, a China já se posicionasse mais respeitosamente em relação à Índia do que a violência possa ter transparecido. Notícias recentes da Índia sugerem que o entrevero fronteiriço, considerado mais obviamente instigado pela China, decorreu mais de decisões ruins em campo do que de estratégia. De qualquer modo, os interesses estratégicos da China e seu alcance recente sugerem que uma repetição torna-se menos provável.

Embaraço para os EUA

Uma relação indo-chinesa pacífica e profícua poderia ser altamente benéfica para suas massivas populações e todo o mundo. Também representaria um desafio ao pensamento ocidental que estrategistas americanos e de outros países precisariam considerar muito mais seriamente. O que não enfraquece o argumento por relações mais próximas entre Washington e Nova Délhi.

A Índia continuará a querer ajuda para se proteger da China independentemente de qualquer melhora na relação indo-chinesa; e esses laços deverão render benefícios numerosos para além da segurança. Mas à medida que a crescente beligerância dos EUA em relação à China se intensificar por uma presunção de que a Índia irá, se necessário, combater batalhas americanas, essa hipótese deve ser descartada. Para servir de contrapeso à China, a Índia não tem apenas de ter peso, mas também estar disposta a contra-atacar. O que não pode ser desconsiderado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A esperança de que a Índia possa agir como um contrapeso pró-Ocidente à China tornou-se um dos pilares da política externa americana. Trata-se de uma aposta na futura capacidade e postura geopolítica da Índia, claramente articulada após a visita de Bill Clinton a Nova Délhi, em 2000. Todos os presidentes americanos que se seguiram, dois democratas e dois republicanos, dobraram essa aposta. O que explica a recente festa do amor que recebeu Narendra Modi em Washington no mês passado. Em meio a proclamações bilaterais de amizade eterna, o primeiro-ministro indiano embolsou contratos de tecnologia em defesa que os Estados Unidos reservam normalmente para aliados próximos.

Mas e se a Índia, que não adere a alianças formais, estiver em curso de se tornar uma parceira dos americanos muito menos comprometida do que muitos em Washington assumem? Conforme nós noticiamos nesta semana em nossa seção Internacional, tal possibilidade é nítida. E ilustrada por uma melhora silenciosa, apesar de marcante, nas relações Índia-China.

As tratativas diplomáticas entre Nova Délhi e Pequim se deterioraram acentuadamente após um sangrento conflito fronteiriço em 2020 que tirou a vida de 20 soldados indianos e ao menos 4 chineses. A violência, praticada com pedras e barras de ferro ao longo da gelada fronteira himalaia entre os gigantes asiáticos, ajudou a motivar o recente incremento na cooperação indo-americana em defesa.

O presidente da China, Xi Jinping, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi durante cúpula em 2018 Foto: Aly Song/Reuters

Os EUA forneceram equipamentos para conflito em clima frio e de outros tipos para as forças indianas na fronteira, revelaram planos para mais exercícios militares conjuntos entre os dois países e observaram com aprovação o governo de Modi transferir mais de 70 mil soldados da fronteira oeste da Índia, com o Paquistão, para a fronteira norte, com a China. A Índia também baniu mais de 300 aplicativos chineses, lançou três investigações tributárias sobre empresas chinesas e introduziu restrições ao comércio bilateral e ao investimento. Mas grande parte do glaciar indo-chinês já derreteu.

O congelamento econômico foi breve. Em 2021, o comércio bilateral, recuperando-se após a pandemia de covid-19, cresceu 43%. No ano passado, aumentou 8,6% — o que colocou seu montante em US$ 136 bilhões — 27 vezes maior do que quando Clinton esteve em Nova Délhi. Enquanto isso, a fronteira entre os países continua em grande medida contestada e pesadamente militarizada — mas ambos parecem dispostos a desativar essas querelas. Depois de 18 rodadas de negociações entre comandantes militares, tropas foram retiradas de cinco possíveis focos de atrito, em favor do estabelecimento de “zonas-tampão” não patrulhadas por nenhum dos lados. Resta pacificar apenas dois pontos fronteiriços principais dessa maneira.

Um mundo no qual Índia e China deixam de lado sua disputa territorial, como já fizeram por mais de três décadas, após um acordo para este fim em 1988, poderia ser muito diferente do vislumbrado por muitos estrategistas americanos. A Índia já é muito menos propensa a dar apoio às forças americanas na eventualidade de um conflito com a China por Taiwan do que muitos em Washington parecem imaginar. Um degelo sustentado nas relações Índia-China poderia tornar isso algo inimaginável. Em um mundo assim, a Índia também seria menos amigável ao Ocidente em relação a temas como as mudanças climáticas, comércio e dívidas do que hoje em dia.

Presidente dos EUA, Joe Biden, conversa com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, durante encontro na Casa Branca Foto: Evan Vucci/AP

Uma trégua continuada entre Índia e China atenderia interesses de ambos os países. O esforço momentâneo da Índia em reduzir sua dependência em relação à China sublinhou a dificuldade deste movimento. Duas das maiores prioridades de Modi, infraestrutura e manufatura, dependem especialmente de recursos chineses. A indústria farmacêutica indiana, grande exportadora, obtém 70% de seus princípios ativos da China. E mesmo se o primeiro-ministro estivesse disposto a diminuir essas importações (do que há pouco sinal), influentes lobbies empresariais indianos tentariam dissuadi-lo.

O breve hiato também ilustrou a força de sentimento e tração de ambos os países em relação ao tema. O que não dissipa as preocupações de segurança da Índia a respeito da China. Essas preocupações são antigas, e os indianos continuarão sob qualquer circustância a incrementar suas defesas em razão delas. A Índia considera crescimento econômico rápido uma das condições essenciais para esse incremento. E considera corretamente os negócios com a China um meio necessário à obtenção desse crescimento.

De sua parte, a China tem um interesse tão óbvio em manter a Índia em seu favor que sua recente proximidade pragmática é mais fácil compreender do que sua agressividade anterior. O antagonismo da China na fronteira pareceu ocasionar apenas o fortalecimento das relações de segurança entre Índia e EUA. Ao mesmo tempo, a diminuição no ritmo de crescimento da economia chinesa sublinhou a crescente importância do vasto mercado doméstico indiano para os exportadores chineses.

Narendra Modi foi recebido por Joe Biden na Casa Branca em junho deste ano Foto: Chris Kleponis/EPA/EFE

Pode ser que, no momento do confronto fronteiriço, a China já se posicionasse mais respeitosamente em relação à Índia do que a violência possa ter transparecido. Notícias recentes da Índia sugerem que o entrevero fronteiriço, considerado mais obviamente instigado pela China, decorreu mais de decisões ruins em campo do que de estratégia. De qualquer modo, os interesses estratégicos da China e seu alcance recente sugerem que uma repetição torna-se menos provável.

Embaraço para os EUA

Uma relação indo-chinesa pacífica e profícua poderia ser altamente benéfica para suas massivas populações e todo o mundo. Também representaria um desafio ao pensamento ocidental que estrategistas americanos e de outros países precisariam considerar muito mais seriamente. O que não enfraquece o argumento por relações mais próximas entre Washington e Nova Délhi.

A Índia continuará a querer ajuda para se proteger da China independentemente de qualquer melhora na relação indo-chinesa; e esses laços deverão render benefícios numerosos para além da segurança. Mas à medida que a crescente beligerância dos EUA em relação à China se intensificar por uma presunção de que a Índia irá, se necessário, combater batalhas americanas, essa hipótese deve ser descartada. Para servir de contrapeso à China, a Índia não tem apenas de ter peso, mas também estar disposta a contra-atacar. O que não pode ser desconsiderado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A esperança de que a Índia possa agir como um contrapeso pró-Ocidente à China tornou-se um dos pilares da política externa americana. Trata-se de uma aposta na futura capacidade e postura geopolítica da Índia, claramente articulada após a visita de Bill Clinton a Nova Délhi, em 2000. Todos os presidentes americanos que se seguiram, dois democratas e dois republicanos, dobraram essa aposta. O que explica a recente festa do amor que recebeu Narendra Modi em Washington no mês passado. Em meio a proclamações bilaterais de amizade eterna, o primeiro-ministro indiano embolsou contratos de tecnologia em defesa que os Estados Unidos reservam normalmente para aliados próximos.

Mas e se a Índia, que não adere a alianças formais, estiver em curso de se tornar uma parceira dos americanos muito menos comprometida do que muitos em Washington assumem? Conforme nós noticiamos nesta semana em nossa seção Internacional, tal possibilidade é nítida. E ilustrada por uma melhora silenciosa, apesar de marcante, nas relações Índia-China.

As tratativas diplomáticas entre Nova Délhi e Pequim se deterioraram acentuadamente após um sangrento conflito fronteiriço em 2020 que tirou a vida de 20 soldados indianos e ao menos 4 chineses. A violência, praticada com pedras e barras de ferro ao longo da gelada fronteira himalaia entre os gigantes asiáticos, ajudou a motivar o recente incremento na cooperação indo-americana em defesa.

O presidente da China, Xi Jinping, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi durante cúpula em 2018 Foto: Aly Song/Reuters

Os EUA forneceram equipamentos para conflito em clima frio e de outros tipos para as forças indianas na fronteira, revelaram planos para mais exercícios militares conjuntos entre os dois países e observaram com aprovação o governo de Modi transferir mais de 70 mil soldados da fronteira oeste da Índia, com o Paquistão, para a fronteira norte, com a China. A Índia também baniu mais de 300 aplicativos chineses, lançou três investigações tributárias sobre empresas chinesas e introduziu restrições ao comércio bilateral e ao investimento. Mas grande parte do glaciar indo-chinês já derreteu.

O congelamento econômico foi breve. Em 2021, o comércio bilateral, recuperando-se após a pandemia de covid-19, cresceu 43%. No ano passado, aumentou 8,6% — o que colocou seu montante em US$ 136 bilhões — 27 vezes maior do que quando Clinton esteve em Nova Délhi. Enquanto isso, a fronteira entre os países continua em grande medida contestada e pesadamente militarizada — mas ambos parecem dispostos a desativar essas querelas. Depois de 18 rodadas de negociações entre comandantes militares, tropas foram retiradas de cinco possíveis focos de atrito, em favor do estabelecimento de “zonas-tampão” não patrulhadas por nenhum dos lados. Resta pacificar apenas dois pontos fronteiriços principais dessa maneira.

Um mundo no qual Índia e China deixam de lado sua disputa territorial, como já fizeram por mais de três décadas, após um acordo para este fim em 1988, poderia ser muito diferente do vislumbrado por muitos estrategistas americanos. A Índia já é muito menos propensa a dar apoio às forças americanas na eventualidade de um conflito com a China por Taiwan do que muitos em Washington parecem imaginar. Um degelo sustentado nas relações Índia-China poderia tornar isso algo inimaginável. Em um mundo assim, a Índia também seria menos amigável ao Ocidente em relação a temas como as mudanças climáticas, comércio e dívidas do que hoje em dia.

Presidente dos EUA, Joe Biden, conversa com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, durante encontro na Casa Branca Foto: Evan Vucci/AP

Uma trégua continuada entre Índia e China atenderia interesses de ambos os países. O esforço momentâneo da Índia em reduzir sua dependência em relação à China sublinhou a dificuldade deste movimento. Duas das maiores prioridades de Modi, infraestrutura e manufatura, dependem especialmente de recursos chineses. A indústria farmacêutica indiana, grande exportadora, obtém 70% de seus princípios ativos da China. E mesmo se o primeiro-ministro estivesse disposto a diminuir essas importações (do que há pouco sinal), influentes lobbies empresariais indianos tentariam dissuadi-lo.

O breve hiato também ilustrou a força de sentimento e tração de ambos os países em relação ao tema. O que não dissipa as preocupações de segurança da Índia a respeito da China. Essas preocupações são antigas, e os indianos continuarão sob qualquer circustância a incrementar suas defesas em razão delas. A Índia considera crescimento econômico rápido uma das condições essenciais para esse incremento. E considera corretamente os negócios com a China um meio necessário à obtenção desse crescimento.

De sua parte, a China tem um interesse tão óbvio em manter a Índia em seu favor que sua recente proximidade pragmática é mais fácil compreender do que sua agressividade anterior. O antagonismo da China na fronteira pareceu ocasionar apenas o fortalecimento das relações de segurança entre Índia e EUA. Ao mesmo tempo, a diminuição no ritmo de crescimento da economia chinesa sublinhou a crescente importância do vasto mercado doméstico indiano para os exportadores chineses.

Narendra Modi foi recebido por Joe Biden na Casa Branca em junho deste ano Foto: Chris Kleponis/EPA/EFE

Pode ser que, no momento do confronto fronteiriço, a China já se posicionasse mais respeitosamente em relação à Índia do que a violência possa ter transparecido. Notícias recentes da Índia sugerem que o entrevero fronteiriço, considerado mais obviamente instigado pela China, decorreu mais de decisões ruins em campo do que de estratégia. De qualquer modo, os interesses estratégicos da China e seu alcance recente sugerem que uma repetição torna-se menos provável.

Embaraço para os EUA

Uma relação indo-chinesa pacífica e profícua poderia ser altamente benéfica para suas massivas populações e todo o mundo. Também representaria um desafio ao pensamento ocidental que estrategistas americanos e de outros países precisariam considerar muito mais seriamente. O que não enfraquece o argumento por relações mais próximas entre Washington e Nova Délhi.

A Índia continuará a querer ajuda para se proteger da China independentemente de qualquer melhora na relação indo-chinesa; e esses laços deverão render benefícios numerosos para além da segurança. Mas à medida que a crescente beligerância dos EUA em relação à China se intensificar por uma presunção de que a Índia irá, se necessário, combater batalhas americanas, essa hipótese deve ser descartada. Para servir de contrapeso à China, a Índia não tem apenas de ter peso, mas também estar disposta a contra-atacar. O que não pode ser desconsiderado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A esperança de que a Índia possa agir como um contrapeso pró-Ocidente à China tornou-se um dos pilares da política externa americana. Trata-se de uma aposta na futura capacidade e postura geopolítica da Índia, claramente articulada após a visita de Bill Clinton a Nova Délhi, em 2000. Todos os presidentes americanos que se seguiram, dois democratas e dois republicanos, dobraram essa aposta. O que explica a recente festa do amor que recebeu Narendra Modi em Washington no mês passado. Em meio a proclamações bilaterais de amizade eterna, o primeiro-ministro indiano embolsou contratos de tecnologia em defesa que os Estados Unidos reservam normalmente para aliados próximos.

Mas e se a Índia, que não adere a alianças formais, estiver em curso de se tornar uma parceira dos americanos muito menos comprometida do que muitos em Washington assumem? Conforme nós noticiamos nesta semana em nossa seção Internacional, tal possibilidade é nítida. E ilustrada por uma melhora silenciosa, apesar de marcante, nas relações Índia-China.

As tratativas diplomáticas entre Nova Délhi e Pequim se deterioraram acentuadamente após um sangrento conflito fronteiriço em 2020 que tirou a vida de 20 soldados indianos e ao menos 4 chineses. A violência, praticada com pedras e barras de ferro ao longo da gelada fronteira himalaia entre os gigantes asiáticos, ajudou a motivar o recente incremento na cooperação indo-americana em defesa.

O presidente da China, Xi Jinping, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi durante cúpula em 2018 Foto: Aly Song/Reuters

Os EUA forneceram equipamentos para conflito em clima frio e de outros tipos para as forças indianas na fronteira, revelaram planos para mais exercícios militares conjuntos entre os dois países e observaram com aprovação o governo de Modi transferir mais de 70 mil soldados da fronteira oeste da Índia, com o Paquistão, para a fronteira norte, com a China. A Índia também baniu mais de 300 aplicativos chineses, lançou três investigações tributárias sobre empresas chinesas e introduziu restrições ao comércio bilateral e ao investimento. Mas grande parte do glaciar indo-chinês já derreteu.

O congelamento econômico foi breve. Em 2021, o comércio bilateral, recuperando-se após a pandemia de covid-19, cresceu 43%. No ano passado, aumentou 8,6% — o que colocou seu montante em US$ 136 bilhões — 27 vezes maior do que quando Clinton esteve em Nova Délhi. Enquanto isso, a fronteira entre os países continua em grande medida contestada e pesadamente militarizada — mas ambos parecem dispostos a desativar essas querelas. Depois de 18 rodadas de negociações entre comandantes militares, tropas foram retiradas de cinco possíveis focos de atrito, em favor do estabelecimento de “zonas-tampão” não patrulhadas por nenhum dos lados. Resta pacificar apenas dois pontos fronteiriços principais dessa maneira.

Um mundo no qual Índia e China deixam de lado sua disputa territorial, como já fizeram por mais de três décadas, após um acordo para este fim em 1988, poderia ser muito diferente do vislumbrado por muitos estrategistas americanos. A Índia já é muito menos propensa a dar apoio às forças americanas na eventualidade de um conflito com a China por Taiwan do que muitos em Washington parecem imaginar. Um degelo sustentado nas relações Índia-China poderia tornar isso algo inimaginável. Em um mundo assim, a Índia também seria menos amigável ao Ocidente em relação a temas como as mudanças climáticas, comércio e dívidas do que hoje em dia.

Presidente dos EUA, Joe Biden, conversa com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, durante encontro na Casa Branca Foto: Evan Vucci/AP

Uma trégua continuada entre Índia e China atenderia interesses de ambos os países. O esforço momentâneo da Índia em reduzir sua dependência em relação à China sublinhou a dificuldade deste movimento. Duas das maiores prioridades de Modi, infraestrutura e manufatura, dependem especialmente de recursos chineses. A indústria farmacêutica indiana, grande exportadora, obtém 70% de seus princípios ativos da China. E mesmo se o primeiro-ministro estivesse disposto a diminuir essas importações (do que há pouco sinal), influentes lobbies empresariais indianos tentariam dissuadi-lo.

O breve hiato também ilustrou a força de sentimento e tração de ambos os países em relação ao tema. O que não dissipa as preocupações de segurança da Índia a respeito da China. Essas preocupações são antigas, e os indianos continuarão sob qualquer circustância a incrementar suas defesas em razão delas. A Índia considera crescimento econômico rápido uma das condições essenciais para esse incremento. E considera corretamente os negócios com a China um meio necessário à obtenção desse crescimento.

De sua parte, a China tem um interesse tão óbvio em manter a Índia em seu favor que sua recente proximidade pragmática é mais fácil compreender do que sua agressividade anterior. O antagonismo da China na fronteira pareceu ocasionar apenas o fortalecimento das relações de segurança entre Índia e EUA. Ao mesmo tempo, a diminuição no ritmo de crescimento da economia chinesa sublinhou a crescente importância do vasto mercado doméstico indiano para os exportadores chineses.

Narendra Modi foi recebido por Joe Biden na Casa Branca em junho deste ano Foto: Chris Kleponis/EPA/EFE

Pode ser que, no momento do confronto fronteiriço, a China já se posicionasse mais respeitosamente em relação à Índia do que a violência possa ter transparecido. Notícias recentes da Índia sugerem que o entrevero fronteiriço, considerado mais obviamente instigado pela China, decorreu mais de decisões ruins em campo do que de estratégia. De qualquer modo, os interesses estratégicos da China e seu alcance recente sugerem que uma repetição torna-se menos provável.

Embaraço para os EUA

Uma relação indo-chinesa pacífica e profícua poderia ser altamente benéfica para suas massivas populações e todo o mundo. Também representaria um desafio ao pensamento ocidental que estrategistas americanos e de outros países precisariam considerar muito mais seriamente. O que não enfraquece o argumento por relações mais próximas entre Washington e Nova Délhi.

A Índia continuará a querer ajuda para se proteger da China independentemente de qualquer melhora na relação indo-chinesa; e esses laços deverão render benefícios numerosos para além da segurança. Mas à medida que a crescente beligerância dos EUA em relação à China se intensificar por uma presunção de que a Índia irá, se necessário, combater batalhas americanas, essa hipótese deve ser descartada. Para servir de contrapeso à China, a Índia não tem apenas de ter peso, mas também estar disposta a contra-atacar. O que não pode ser desconsiderado. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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