WASHINGTON - Os promotores que investigam os documentos oficiais que estavam na casa do ex-presidente dos EUA Donald Trump afirmaram no mandado de busca para a realização da operação em Mar-a-Lago, resort de luxo, em Palm Beach, na Flórida, que temiam que o ex-presidente e seus aliados pudessem aproveitar qualquer oportunidade para intimidar testemunhas ou obstruir ilegalmente a investigação.
“O governo tem preocupações bem fundamentadas de que medidas podem ser tomadas para frustrar ou interferir de outra forma nesta investigação se os fatos do mandado de busca forem divulgados prematuramente”, disseram os promotores no documento.
O mandado com a fundamentação do pedido, de 38 páginas, divulgado na sexta-feira, 26, afirmou que havia “provável causa para acreditar que evidências de obstrução serão encontradas” no local , indicando que os promotores tinham evidências que apontavam para ações deliberadas para impedir a recuperação de documentos governamentais.
Desde a liberação do conteúdo mandado de busca, que listou três crimes investigados no processo, um – a Lei de Espionagem – recebeu mais atenção. Na operação, foram achados documentos com timbre “altamente confidencial”. No entanto, de acordo com especialistas, o crime de obstrução é uma ameaça tão ou mais séria para Trump e seus aliados.
Os promotores dizem que o ex-presidente e assessores agiam havia pelo menos um ano para evitar que o governo conseguisse de novo a posse de documentos sensíveis.
Para condenar um suspeito pelo crime de obstrução da Justiça, os promotores precisam provar duas coisas: que o réu conscientemente ocultou ou destruiu documentos e que o fez para impedir o trabalho oficial de qualquer agência ou departamento federal. A pena máxima é de 20 anos de prisão, o dobro da prevista na Lei de Espionagem.
Julie O’Sullivan, professora de direito da Universidade de Georgetown especializada em crimes de colarinho branco, disse que a linha do tempo emergente das tentativas repetidamente frustradas do governo de recuperar todos os documentos, juntamente com alegações de Trump de que ele não fez nada de errado porque “desclassificou” todos os papéis que estavam em sua posse, apresentam perigo legal significativo para o republicano.
“Trump está cometendo um erro ao acreditar que o que importa é se o documento é ultrassecreto ou não”, disse. “Ele está essencialmente admitindo que sabia que os tinha.” Nesse caso, acrescentou a especialista, não entregá-los de volta seria “obstruir a devolução desses documentos”.
A possibilidade de obstrução da investigação relembra o caso da apuração sobre a apuração sobre a Rússia liderada pelo promotor especial, Robert Mueller. Essa investigação acabou sendo tanto sobre como Trump tentou impedir o trabalho dos investigadores quanto sobre escrutinar os esforços da Rússia para manipular a eleição de 2016 e a natureza das inúmeras ligações russas com pessoas associadas à campanha de do republicano.
Na quarta-feira, 24, por coincidência, o Departamento de Justiça trouxe a público documento interno encomendado em 2019 por William Barr, então procurador-geral, que apresentava supostas justificativas para seu pedido de arquivamento do caso e a declaração de inocência de Trump, apesar dos episódios relatados no relatório Mueller. A diferença agora, no caso das buscas na sua casa, é que o Departamento de Justiça não é mais comandado por um fiel escudeiro de Trump.
Ainda não está claro, porém, se há alguma outra investigação específica sobre a suspeita de obstrução da Justiça. No entanto, ficou patente que as tentativas de o governo tentar reaver os documentos foram repetidamente travadas.
A cronologia do caso exposta no mandado divulgado remonta a 6 de maio de 2021. Naquele dia, como o The New York Times informou nesta semana , o Conselho-Geral do Arquivo Nacional entrou em contato pela primeira vez com os representantes designados por Trump na agência para pedir a devolução de cerca de duas dúzias de caixas de documentos perdidos.
O pedido, porém, ficou bloqueado por meses. Os promotores informaram no mandado que o Arquivo Nacional “continuou a fazer pedidos” por cerca de sete meses. Finalmente, no final de dezembro de 2021, Trump disse à agência que devolver cerca de 12 caixas de documentos em Mar-a-Lago. Em janeiro de 2022, 15 dessas caixas foram recuperadas.
Após descobrir que nesses papéis estavam aleatoriamente misturados 184 documentos marcados como “classificados” - incluindo um descrito como “extremamente restrito”, contendo informações que poderiam revelar fontes confidenciais de inteligência e planos de tecnologia de vigilância - a agência fez, em 9 de janeiro, um pedido de investigação criminal ao Departamento de Justiça.
Na sequência, o FBI examinou as caixas e instaurou uma investigação sobre como os documentos confidenciais foram parar em Mar-a-Lago e se mais algum ainda estava armazenado lá. A investigação também procurou “identificar qualquer pessoa(s) que possa ter removido ou retido informações classificadas sem autorização e/ou em um espaço não autorizado”, afirmou trecho do mandado de busca.
Desde então, tanto o Arquivo Nacional quanto o Departamento de Justiça estavam tentando recuperar os documentos governamentais restantes, o que significa que havia duas ações oficiais que poderiam ter sido obstruídos.
Em junho deste ano, Jay I. Bratt, chefe da seção de Contra-Inteligência do Departamento de Justiça, foi até Mar-a-Lago para inspecionar o depósito e conversou com os advogados de Trump sobre o teor daqueles documentos. Pelo menos um deles, teria assinado uma declaração afirmando que, de acordo com seu entendimento, eles já havia entregado todo material confidencial e a intimação, portanto, teria sido atendida.
No entanto, investigadores passaram a acreditar que ainda havia mais registros importantes em Mar-a-Lago. Conforme o mandado, testemunhas não reveladas corroboram as suspeitas.
Foi então que o Departamento de Justiça decidiu obter um mandado de busca para entrar em Mar-a-Lago e apreender quaisquer documentos governamentais.
A busca foi bem-sucedida em encontrar e recuperar vários papéis oficiais, alguns dos quais foram marcados como “altamente confidenciais”, de acordo com o inventário do FBI.
Relatos de notícias atribuídos a pessoas familiarizadas com o assunto disseram que Trump sabia que tinha esses documentos e questionava se deveria devolvê-los: “Eles são meus”.
Para a professora de direito da Universidade de Georgetown, muitas das tratativas sobre o caso passaram pelos advogados de Trump. Para ela, essa seria sua única defesa se ele for mesmo acusado de obstrução de Justiça: alegar que seus advogados e assessores que lidavam com a questão o haviam confundido ou enganado.
“Ele provavelmente tentaria acusar seus advogados e negar que tinha o conhecimento necessário de que os estava escondendo com a intenção de obstruir a devolução”, disse ela. “Isso é o que ainda não sabemos: se o Departamento de Justiça tem provas de que ele sabia que eles ainda estavam ocultando documentos continuamente.”