Trump e outra década de guerra no Oriente Médio


Na luta contra o EI, as forças americanas têm iniciado ataques de maneira agressiva contra civis no Iraque e na Síria

Por Fareed Zakaria

Enquanto estávamos focados nos resultados de eleições especiais, os altos e baixos da investigação sobre a Rússia, e os últimos tuítes do presidente Trump, abaixo do radar, uma mudança ampla e significativa na política externa americana parecia estar em curso. Em poucas palavras, os Estados Unidos estão tropeçando em outra década de guerras no grande Oriente Médio. E esta próxima década de conflitos poderá se mostrar ainda mais desestabilizadora do que a última.

Trump assumiu a presidência com um refrescante ceticismo sobre a política dos EUA com respeito à região. “Todos que tocaram o Oriente Médio, ficaram atolados. Nós estamos atolados”, disse ele durante a campanha. Mas Trump também se vê como um cara durão. Em seus comícios, ele prometeu repetidamente acabar com o Estado Islâmico na marra. Agora que está na Casa Branca e se cercou de um conjunto de generais, seu instinto de macho parece ter triunfado. O governo aumentou suas operações militares em todo o grande Oriente Médio, da Síria ao Iêmen, ao Afeganistão, à Somália - mais tropas, mais bombardeios, mais missões. Mas qual é a estratégia subjacente?

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump Foto: AP Photo/Charlie Neibergall, file
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Na luta contra o Estado Islâmico, as forças americanas têm agressivamente iniciado ataques, resultando num considerável aumento de mortes civis no Iraque e na Síria. Numa dramática escalada, na última semana, os EUA derrubaram um avião sírio, colocando Washington em rota de colisão com o aliado da Síria, a Rússia, com a real possibilidade de hostilidades militares russo-americanas. Pior, não está claro como esta beligerância com o regime de Bashar Assad realizará a única missão declarada de envolvimento dos EUA na Síria - derrotar o Estado Islâmico.

Logicamente, se Assad se enfraquecer, as principais forças de oposição - vários grupos islâmicos militantes, entre os quais o Estado Islâmico - se fortalecerão. Contribuindo para a incoerência, o governo explicou que apesar de haver atacado forças de Assad não estava combatendo o regime de Assad e a derrubada do avião foi simplesmente um ato de “autodefesa coletiva”. Mais alguns desses atos de autodefesa e as tropas de combate americanas poderão se ver no terreno na Síria.

No Afeganistão, Trump delegou os detalhes de um pequeno reforço de 4.000 soldados ao secretário de Defesa, James Mattis, e outros veteranos líderes militares. Mas há limites para a perspectiva mesmo de generais notáveis. Oficiais militares podem nos dizer se, por exemplo, eles podem tomar uma colina. Mas tomar essa colina servirá à estratégia maior dos EUA? Poderá essa colina ser mantida a um custo razoável? Será que essa missão distrai de outros interesses americanos maiores mundo afora? Essas são perguntas que precisam ser respondidas pelo comandante supremo.

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Os EUA estão no Afeganistão há 16 anos. Fizeram vários reforços em números de soldados e gastaram mais de um trilhão de dólares naquele país. No ano passado, a ajuda americana ao Afeganistão foi equivalente a cerca de 40% do PIB daquela nação. E Mattis admite que os Estados Unidos “não estão vencendo”. O que os 4.000 soldados adicionais de agora conseguirão que 130 mil soldados não conseguiram?

No Iêmen, os EUA estão agora engajados mais ativamente num conflito que tem pouca conexão com a guerra contra o terror islâmico radical. Com a última venda de armas, Washington está alimentando ainda mais a guerra por procuração da Arábia Saudita contra o Irã - uma guerra que levou o reino a uma aliança de fato com a Al-Qaeda no Iêmen. O novo príncipe coroado da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, parece propenso a persistir nesse conflito, apesar de ele ter se tornado muito pior que o esperado e ter resultado numa catástrofe humana. Uma criança no Iêmen está morrendo de causas evitáveis a cada 10 minutos, segundo a Unicef, e o país mais pobre do mundo árabe foi transformado numa terra de ninguém onde grupos terroristas competirão nas próximas décadas.

Em quase toda situação em que as forças americanas estão envolvidas, as soluções são mais políticas do que militares. Isso se tornou especialmente verdadeiro em lugares como a Síria e o Afeganistão onde muitas potências regionais, com interesses profundos, demarcaram posições e espalharam sua influência. Uma força militar sem uma estratégia e um processo diplomático e político profundamente engajado está destinada a falhar, e talvez até a produzir uma série de consequências inesperadas - como se pôde observar na última década e meia.

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Durante a campanha, Trump parecia ser genuinamente reflexivo sobre o papel dos EUA no Oriente Médio. “Eu não costumo falar disso, OK, porque sou muito proativo”, ele disse certa vez sobre o tema. “Mas eu me sentaria e ‘Vamos ver o que está havendo’”. Sim. Após 16 anos de guerras contínuas, centenas de milhares de mortos, trilhões de dólares e maior instabilidade regional, alguém em Washington precisa perguntar - antes do próximo bombardeio ou alocação de tropas: o que está havendo? / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

É COLUNISTA

Enquanto estávamos focados nos resultados de eleições especiais, os altos e baixos da investigação sobre a Rússia, e os últimos tuítes do presidente Trump, abaixo do radar, uma mudança ampla e significativa na política externa americana parecia estar em curso. Em poucas palavras, os Estados Unidos estão tropeçando em outra década de guerras no grande Oriente Médio. E esta próxima década de conflitos poderá se mostrar ainda mais desestabilizadora do que a última.

Trump assumiu a presidência com um refrescante ceticismo sobre a política dos EUA com respeito à região. “Todos que tocaram o Oriente Médio, ficaram atolados. Nós estamos atolados”, disse ele durante a campanha. Mas Trump também se vê como um cara durão. Em seus comícios, ele prometeu repetidamente acabar com o Estado Islâmico na marra. Agora que está na Casa Branca e se cercou de um conjunto de generais, seu instinto de macho parece ter triunfado. O governo aumentou suas operações militares em todo o grande Oriente Médio, da Síria ao Iêmen, ao Afeganistão, à Somália - mais tropas, mais bombardeios, mais missões. Mas qual é a estratégia subjacente?

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump Foto: AP Photo/Charlie Neibergall, file

Na luta contra o Estado Islâmico, as forças americanas têm agressivamente iniciado ataques, resultando num considerável aumento de mortes civis no Iraque e na Síria. Numa dramática escalada, na última semana, os EUA derrubaram um avião sírio, colocando Washington em rota de colisão com o aliado da Síria, a Rússia, com a real possibilidade de hostilidades militares russo-americanas. Pior, não está claro como esta beligerância com o regime de Bashar Assad realizará a única missão declarada de envolvimento dos EUA na Síria - derrotar o Estado Islâmico.

Logicamente, se Assad se enfraquecer, as principais forças de oposição - vários grupos islâmicos militantes, entre os quais o Estado Islâmico - se fortalecerão. Contribuindo para a incoerência, o governo explicou que apesar de haver atacado forças de Assad não estava combatendo o regime de Assad e a derrubada do avião foi simplesmente um ato de “autodefesa coletiva”. Mais alguns desses atos de autodefesa e as tropas de combate americanas poderão se ver no terreno na Síria.

No Afeganistão, Trump delegou os detalhes de um pequeno reforço de 4.000 soldados ao secretário de Defesa, James Mattis, e outros veteranos líderes militares. Mas há limites para a perspectiva mesmo de generais notáveis. Oficiais militares podem nos dizer se, por exemplo, eles podem tomar uma colina. Mas tomar essa colina servirá à estratégia maior dos EUA? Poderá essa colina ser mantida a um custo razoável? Será que essa missão distrai de outros interesses americanos maiores mundo afora? Essas são perguntas que precisam ser respondidas pelo comandante supremo.

Os EUA estão no Afeganistão há 16 anos. Fizeram vários reforços em números de soldados e gastaram mais de um trilhão de dólares naquele país. No ano passado, a ajuda americana ao Afeganistão foi equivalente a cerca de 40% do PIB daquela nação. E Mattis admite que os Estados Unidos “não estão vencendo”. O que os 4.000 soldados adicionais de agora conseguirão que 130 mil soldados não conseguiram?

No Iêmen, os EUA estão agora engajados mais ativamente num conflito que tem pouca conexão com a guerra contra o terror islâmico radical. Com a última venda de armas, Washington está alimentando ainda mais a guerra por procuração da Arábia Saudita contra o Irã - uma guerra que levou o reino a uma aliança de fato com a Al-Qaeda no Iêmen. O novo príncipe coroado da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, parece propenso a persistir nesse conflito, apesar de ele ter se tornado muito pior que o esperado e ter resultado numa catástrofe humana. Uma criança no Iêmen está morrendo de causas evitáveis a cada 10 minutos, segundo a Unicef, e o país mais pobre do mundo árabe foi transformado numa terra de ninguém onde grupos terroristas competirão nas próximas décadas.

Em quase toda situação em que as forças americanas estão envolvidas, as soluções são mais políticas do que militares. Isso se tornou especialmente verdadeiro em lugares como a Síria e o Afeganistão onde muitas potências regionais, com interesses profundos, demarcaram posições e espalharam sua influência. Uma força militar sem uma estratégia e um processo diplomático e político profundamente engajado está destinada a falhar, e talvez até a produzir uma série de consequências inesperadas - como se pôde observar na última década e meia.

Durante a campanha, Trump parecia ser genuinamente reflexivo sobre o papel dos EUA no Oriente Médio. “Eu não costumo falar disso, OK, porque sou muito proativo”, ele disse certa vez sobre o tema. “Mas eu me sentaria e ‘Vamos ver o que está havendo’”. Sim. Após 16 anos de guerras contínuas, centenas de milhares de mortos, trilhões de dólares e maior instabilidade regional, alguém em Washington precisa perguntar - antes do próximo bombardeio ou alocação de tropas: o que está havendo? / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

É COLUNISTA

Enquanto estávamos focados nos resultados de eleições especiais, os altos e baixos da investigação sobre a Rússia, e os últimos tuítes do presidente Trump, abaixo do radar, uma mudança ampla e significativa na política externa americana parecia estar em curso. Em poucas palavras, os Estados Unidos estão tropeçando em outra década de guerras no grande Oriente Médio. E esta próxima década de conflitos poderá se mostrar ainda mais desestabilizadora do que a última.

Trump assumiu a presidência com um refrescante ceticismo sobre a política dos EUA com respeito à região. “Todos que tocaram o Oriente Médio, ficaram atolados. Nós estamos atolados”, disse ele durante a campanha. Mas Trump também se vê como um cara durão. Em seus comícios, ele prometeu repetidamente acabar com o Estado Islâmico na marra. Agora que está na Casa Branca e se cercou de um conjunto de generais, seu instinto de macho parece ter triunfado. O governo aumentou suas operações militares em todo o grande Oriente Médio, da Síria ao Iêmen, ao Afeganistão, à Somália - mais tropas, mais bombardeios, mais missões. Mas qual é a estratégia subjacente?

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump Foto: AP Photo/Charlie Neibergall, file

Na luta contra o Estado Islâmico, as forças americanas têm agressivamente iniciado ataques, resultando num considerável aumento de mortes civis no Iraque e na Síria. Numa dramática escalada, na última semana, os EUA derrubaram um avião sírio, colocando Washington em rota de colisão com o aliado da Síria, a Rússia, com a real possibilidade de hostilidades militares russo-americanas. Pior, não está claro como esta beligerância com o regime de Bashar Assad realizará a única missão declarada de envolvimento dos EUA na Síria - derrotar o Estado Islâmico.

Logicamente, se Assad se enfraquecer, as principais forças de oposição - vários grupos islâmicos militantes, entre os quais o Estado Islâmico - se fortalecerão. Contribuindo para a incoerência, o governo explicou que apesar de haver atacado forças de Assad não estava combatendo o regime de Assad e a derrubada do avião foi simplesmente um ato de “autodefesa coletiva”. Mais alguns desses atos de autodefesa e as tropas de combate americanas poderão se ver no terreno na Síria.

No Afeganistão, Trump delegou os detalhes de um pequeno reforço de 4.000 soldados ao secretário de Defesa, James Mattis, e outros veteranos líderes militares. Mas há limites para a perspectiva mesmo de generais notáveis. Oficiais militares podem nos dizer se, por exemplo, eles podem tomar uma colina. Mas tomar essa colina servirá à estratégia maior dos EUA? Poderá essa colina ser mantida a um custo razoável? Será que essa missão distrai de outros interesses americanos maiores mundo afora? Essas são perguntas que precisam ser respondidas pelo comandante supremo.

Os EUA estão no Afeganistão há 16 anos. Fizeram vários reforços em números de soldados e gastaram mais de um trilhão de dólares naquele país. No ano passado, a ajuda americana ao Afeganistão foi equivalente a cerca de 40% do PIB daquela nação. E Mattis admite que os Estados Unidos “não estão vencendo”. O que os 4.000 soldados adicionais de agora conseguirão que 130 mil soldados não conseguiram?

No Iêmen, os EUA estão agora engajados mais ativamente num conflito que tem pouca conexão com a guerra contra o terror islâmico radical. Com a última venda de armas, Washington está alimentando ainda mais a guerra por procuração da Arábia Saudita contra o Irã - uma guerra que levou o reino a uma aliança de fato com a Al-Qaeda no Iêmen. O novo príncipe coroado da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, parece propenso a persistir nesse conflito, apesar de ele ter se tornado muito pior que o esperado e ter resultado numa catástrofe humana. Uma criança no Iêmen está morrendo de causas evitáveis a cada 10 minutos, segundo a Unicef, e o país mais pobre do mundo árabe foi transformado numa terra de ninguém onde grupos terroristas competirão nas próximas décadas.

Em quase toda situação em que as forças americanas estão envolvidas, as soluções são mais políticas do que militares. Isso se tornou especialmente verdadeiro em lugares como a Síria e o Afeganistão onde muitas potências regionais, com interesses profundos, demarcaram posições e espalharam sua influência. Uma força militar sem uma estratégia e um processo diplomático e político profundamente engajado está destinada a falhar, e talvez até a produzir uma série de consequências inesperadas - como se pôde observar na última década e meia.

Durante a campanha, Trump parecia ser genuinamente reflexivo sobre o papel dos EUA no Oriente Médio. “Eu não costumo falar disso, OK, porque sou muito proativo”, ele disse certa vez sobre o tema. “Mas eu me sentaria e ‘Vamos ver o que está havendo’”. Sim. Após 16 anos de guerras contínuas, centenas de milhares de mortos, trilhões de dólares e maior instabilidade regional, alguém em Washington precisa perguntar - antes do próximo bombardeio ou alocação de tropas: o que está havendo? / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

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