‘Trump não é fascista, mas aspira a ser’, diz Federico Finchelstein, historiador de fascismo


O pesquisador e autor de diversos livros sobre o tema discorda de ex-aliados do republicano que o classificaram como ‘fascista até a medula’, mas observa que ele busca governar um autoritarismo que flerta com as bases do movimento de Mussolini

Por Carolina Marins
Atualização:
Foto: Arquivo pessoal
Entrevista comFederico FinchelsteinProfessor de História na New School for Social Research que estuda o fascismo

Há poucos dias das eleições, o ex-chefe de gabinete de Donald Trump, o general John Kelly, foi questionado pelo repórter do The New York Times se o ex-presidente era fascista. Kelly então pegou a definição de “fascista” no dicionário e leu em voz alta para o jornalista antes de responder: “ele certamente se enquadra na definição geral de fascista, com certeza”.

Para o historiador Federico Finchelstein, professor na New School for Social Research, Trump não se encaixaria na definição básica de um fascista, como foi Benito Mussolini, mas o deseja ser. Autor dos livros “Uma breve história das mentiras fascistas” e “Aspirantes a fascistas” (este último com lançamento em breve no Brasil), o argentino alerta para os perigos de minimizar lideranças que flertam com o velho movimento italiano.

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“Eu o chamo mais de uma aspiração a fascista do que um fascista propriamente dito”, disse em entrevista por telefone ao Estadão. “Isso não quer dizer que o resultado disso seja tranquilizador ou que isso signifique que essa gente seja democrática, não é de forma alguma. Isso deveria ser um chamado de atenção muito sério e que infelizmente em países como Estados Unidos ou Brasil ou mesmo Argentina não é, e muitas vezes muitos eleitores não reconhecem o perigo para a tolerância, para a pluralidade e para a democracia que essa gente representa.”

O ex-presidente e candidato Republicano, Donald Trump Foto: Charly Triballeau/AFP

A resposta de Kelly gerou surpresa por vir de uma pessoa que conhece Trump tão bem. Ele, porém, não foi o único. Mark Milley, ex-Chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, foi citado no livro do famoso jornalista Bob Woodward dizendo que Trump era “facista até a medula”. As declarações, obviamente, reverberaram nas campanhas, com Kamala Harris afirmando concordar com as afirmações.

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Trump pertence a um novo grupo de populistas que são extremistas e que tentam aproximar esta experiência populista daquilo que foi a experiência fascista. Como historiador do fascismo, eu penso que Trump é um personagem com tendências e aspirações fascistas, que representa um grande perigo à democracia.

Federico Finchelstein, historiador e professor na New School for Social Research

Leia trechos da entrevista, que foi condensada para melhor compreensão:

Como avalia a afirmação de John Kelly de que Trump sim se encaixa na definição de fascista?

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Esse comentário vem de uma pessoa muito próxima de Trump, que o conhece muito bem; foi o Chefe de Gabinete que mais duramente lidou com Trump e ele praticamente disse que Trump personificava a definição de fascista. A isso tem que se somar as declarações de outro chefe, neste caso o general Milley, que disse recentemente em uma entrevista que Trump era fascista até a medula.

Como eu destaco no meu livro “Aspirantes a Fascistas”, Trump pertence a um novo grupo de populistas que são extremistas e que tentam aproximar esta experiência populista daquilo que foi a experiência fascista. Como historiador do fascismo, eu penso que Trump é um personagem com tendências e aspirações fascistas, que representa um grande perigo à democracia.

Ou seja, é cedo para classificá-lo como fascista? O que é preciso?

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Não, não é cedo. Eu acredito que é importante estas advertências. Estamos falando de um grave perigo para a democracia. No meu livro falo do que são os quatro pilares do fascismo com a intenção de analisar três momentos históricos diferentes. O primeiro é o do fascismo clássico que vai da primeira metade do século 20 até o ano 45. Depois disso, durante grande parte do século 20, o que vamos ter é uma reformulação do fascismo em chave democrática, uma nova forma de autoritarismo, que é a experiência do populismo moderno. Nisso temos exemplos de Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón (ambos eleitos presidentes após anos de ditadura comandadas por eles). E mais recentemente o que temos ou o que podemos observar são populistas que tendem a se diferenciar do que foi o populismo clássico para se aproximar da experiência do fascismo propriamente dito. O que diferencia o fascismo do populismo clássico e a estes quatro elementos centrais do fascismo é que esses populistas como Trump, mas também [Jair] Bolsonaro, [Narendra] Modi na Índia, [Viktor] Orbán na Hungria e tantos outros, é que estão voltando a esses elementos centrais que não eram típicos do populismo e que são mais típicos do fascismo.

Capa do livro Uma Breve História da Mentiras Fascistas, de Federico Finchelstein Foto: Editora Vestígio

Quais são esses quatro elementos do fascismo?

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Primeiro, a violência e a militarização da política. Isso é um tema central no fascismo, esta ideia de entender que a política é uma guerra com inimigos que são inimigos da Nação, ou seja, inimigos da pátria, inimigos do líder.

O segundo pilar é a mentira e a propaganda totalitária, algo que vai a fantasias e grandes conspirações, são típicas do fascismo e não tão típicas dos populismos, mas central em alguém como Trump. Trump nos Estados Unidos vai ter recorde de mentiras, ao ponto que jornais como o Washington Post, o New York Times fazem atualização constante do número recorde de mentiras.

O terceiro elemento típico do fascismo é a demonização absoluta do inimigo. A desumanização daqueles que se opõem ao líder ou à noção da Nação, ou ao que as pessoas deveriam sentir, identificar-se ou ser, e com isso surge muito o tema da xenofobia e também o racismo.

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E o quarto elemento é a ditadura. Pode haver ditadura sem fascismo, mas não há fascismo sem ditadura. Os fascismos clássicos, como o fascismo que chega ao poder com Mussolini e Hitler, destroem a democracia de dentro para criar uma ditadura de cima, não chegando à ditadura através da democracia, como acontece com os populismos, em que os líderes viram autoritários com respaldo de eleições. É uma reformulação do fascismo em chave democrática.

O que vemos nos Estados Unidos e depois copiado por Bolsonaro no Brasil é claramente uma tentativa de golpe de Estado que demonstraria então que esses populismos já nem mesmo se importam com a legitimidade que o ato eleitoral dá e também reconhecer que quando se perde, se perde, ou seja, são maus perdedores como o foram os fascistas. Então se a pergunta é a seguinte: E se Trump tivesse ficado no poder apesar de ter perdido as eleições, o que seria um governo permanente sem eleições? A resposta é fácil: ditadura. Por isso eu o chamo mais de uma aspiração a fascista do que um fascista propriamente dito. Isso não quer dizer que o resultado disso seja tranquilizador ou que isso signifique que essa gente seja democrática, não é de forma alguma, e e acredito que isso deveria ser um chamado de atenção muito sério e que infelizmente em países como Estados Unidos ou Brasil ou mesmo Argentina não é, e muitas vezes muitos eleitores não reconhecem o perigo para a tolerância, para a pluralidade e para a democracia que essa gente representa.

Trump e seu ex-chefe de Gabinete, John Kelly em 2017 Foto: Evan Vucci/AP

Se utilizou a palavra “fascista” em muitos contextos anteriores para se referir a políticos opositores, por exemplo. Banalizamos a palavra fascismo ou banalizamos os discursos fascistas propriamente dito?

Tudo depende de como tratamos a questão. Se apresentamos a ideia do fascismo como insulto, como desqualificação ou generalização, é um problema. Eu escrevi o livro para estudar exatamente e apresentar os resultados das minhas pesquisas e de outras pesquisas do campo de estudo, onde podemos nos aproximar da questão a partir das ciências sociais e ver exatamente sobre o que estamos falando, e minha conclusão é que lamentavelmente estamos muito perto disso. Nesse ponto, e eu falo de aspirantes a fascistas, acredito que não está errado chamar as coisas pelo seu nome. O problema é que o tema se normalizou demais e já não chama mais a atenção, lamentavelmente.

E como devemos lidar com políticos e líderes que são aspirantes a fascistas?

É muito importante não normalizar esses extremos, porque não é algo normal na política, posturas tão irracionais tão baseadas no ódio e tão extremistas em tudo. Também reconhecer que os políticos são nossos representantes e não nossos pais ou nosso irmão mais velho que vai nos salvar. Com isso, é importante retornar ou se é possível reconhecer o que são as bases de informação independente e empírica, por exemplo, a imprensa independente, o papel central do jornalismo em uma democracia e não igualar isso às opiniões de pessoas que ou estão mentindo ou não sabem muito ou não leem muito ou não se informam. O problema é que a realidade é mais complexa e que muitas vezes triunfam aqueles que a deformam ou a simplificam. Eu diria que a nova paisagem midiática está facilitando as coisas para essas grandes mentiras e para esses grandes propagandistas. E é importante tentar, na medida do possível, voltar ao que é a importância de lembrar a história, a educação e, claro, a democracia. Uma democracia que funciona através de informações do WhatsApp ou de qualquer qualquer opinião, não é uma democracia na qual as decisões se baseiam na realidade.

Você citou Bolsonaro imitando Trump no Brasil, acredito que se refira aos episódios da invasão ao Capitólio nos EUA e aos Três Poderes aqui. Embora os casos sejam semelhantes, os desfechos foram distintos. Como analisa esses episódios do ponto de vista de resposta ao autoritarismo?

Os EUA não aproveitaram a oportunidade de aprender com o Brasil quando tornaram Bolsonaro inelegível. Porque aqui [nos EUA] o que está em jogo é alguém que apoiou a inconstitucionalidade, alguém que apoiou praticamente algo que poderia ter representado a destruição da democracia - independentemente de gostarmos ou não de quem foi o eleito, estamos falando de não respeitar as bases da democracia - e eu acredito que nos Estados Unidos houve uma normalização de Trump e que já é tarde agora estamos vendo o retorno dessas ameaças que podem desembocar em uma vitória contra a democracia.

E o que esperar de um segundo mandato Trump, considerando tudo o que já aconteceu após a derrota de 2020 e agora nesta campanha?

Embora Trump seja um aspirante a fascista, o fato de ele tentar erodir, degradar, ou até mesmo destruir a democracia não significa que ele vá conseguir. Mesmo se ele ganhar, as instituições e os controles e equilíbrios desta democracia também não são tão fáceis de destruir. Não é que se tem que ter um pessimismo absoluto. Ainda tenho, da mesma forma que acredito no valor central da imprensa investigativa e independente em nos informar, que acredito no valor da educação e da história, acho que as instituições também têm um peso importante para poder se defender. Mas que a democracia será atacada não há dúvidas.

Mesmo com uma Suprema Corte que não só tem maioria conservadora consolidada por Trump como também lhe deu imunidade quase plena?

Tem isso que você menciona sobre a Corte e também algo que apontam ser o tema de políticos que na verdade traem a cultura política e as instituições democráticas do país, ou seja, não podemos esquecer que o Partido Republicano teve a oportunidade de julgar Trump no Congresso e não tiveram a valentia nem a coragem nem nem a adesão aos valores democráticos para fazer isso. Então se fala de como a democracia também morre quando os políticos traem os valores democráticos, que é o caso do Partido Republicano.

Há poucos dias das eleições, o ex-chefe de gabinete de Donald Trump, o general John Kelly, foi questionado pelo repórter do The New York Times se o ex-presidente era fascista. Kelly então pegou a definição de “fascista” no dicionário e leu em voz alta para o jornalista antes de responder: “ele certamente se enquadra na definição geral de fascista, com certeza”.

Para o historiador Federico Finchelstein, professor na New School for Social Research, Trump não se encaixaria na definição básica de um fascista, como foi Benito Mussolini, mas o deseja ser. Autor dos livros “Uma breve história das mentiras fascistas” e “Aspirantes a fascistas” (este último com lançamento em breve no Brasil), o argentino alerta para os perigos de minimizar lideranças que flertam com o velho movimento italiano.

“Eu o chamo mais de uma aspiração a fascista do que um fascista propriamente dito”, disse em entrevista por telefone ao Estadão. “Isso não quer dizer que o resultado disso seja tranquilizador ou que isso signifique que essa gente seja democrática, não é de forma alguma. Isso deveria ser um chamado de atenção muito sério e que infelizmente em países como Estados Unidos ou Brasil ou mesmo Argentina não é, e muitas vezes muitos eleitores não reconhecem o perigo para a tolerância, para a pluralidade e para a democracia que essa gente representa.”

O ex-presidente e candidato Republicano, Donald Trump Foto: Charly Triballeau/AFP

A resposta de Kelly gerou surpresa por vir de uma pessoa que conhece Trump tão bem. Ele, porém, não foi o único. Mark Milley, ex-Chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, foi citado no livro do famoso jornalista Bob Woodward dizendo que Trump era “facista até a medula”. As declarações, obviamente, reverberaram nas campanhas, com Kamala Harris afirmando concordar com as afirmações.

Trump pertence a um novo grupo de populistas que são extremistas e que tentam aproximar esta experiência populista daquilo que foi a experiência fascista. Como historiador do fascismo, eu penso que Trump é um personagem com tendências e aspirações fascistas, que representa um grande perigo à democracia.

Federico Finchelstein, historiador e professor na New School for Social Research

Leia trechos da entrevista, que foi condensada para melhor compreensão:

Como avalia a afirmação de John Kelly de que Trump sim se encaixa na definição de fascista?

Esse comentário vem de uma pessoa muito próxima de Trump, que o conhece muito bem; foi o Chefe de Gabinete que mais duramente lidou com Trump e ele praticamente disse que Trump personificava a definição de fascista. A isso tem que se somar as declarações de outro chefe, neste caso o general Milley, que disse recentemente em uma entrevista que Trump era fascista até a medula.

Como eu destaco no meu livro “Aspirantes a Fascistas”, Trump pertence a um novo grupo de populistas que são extremistas e que tentam aproximar esta experiência populista daquilo que foi a experiência fascista. Como historiador do fascismo, eu penso que Trump é um personagem com tendências e aspirações fascistas, que representa um grande perigo à democracia.

Ou seja, é cedo para classificá-lo como fascista? O que é preciso?

Não, não é cedo. Eu acredito que é importante estas advertências. Estamos falando de um grave perigo para a democracia. No meu livro falo do que são os quatro pilares do fascismo com a intenção de analisar três momentos históricos diferentes. O primeiro é o do fascismo clássico que vai da primeira metade do século 20 até o ano 45. Depois disso, durante grande parte do século 20, o que vamos ter é uma reformulação do fascismo em chave democrática, uma nova forma de autoritarismo, que é a experiência do populismo moderno. Nisso temos exemplos de Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón (ambos eleitos presidentes após anos de ditadura comandadas por eles). E mais recentemente o que temos ou o que podemos observar são populistas que tendem a se diferenciar do que foi o populismo clássico para se aproximar da experiência do fascismo propriamente dito. O que diferencia o fascismo do populismo clássico e a estes quatro elementos centrais do fascismo é que esses populistas como Trump, mas também [Jair] Bolsonaro, [Narendra] Modi na Índia, [Viktor] Orbán na Hungria e tantos outros, é que estão voltando a esses elementos centrais que não eram típicos do populismo e que são mais típicos do fascismo.

Capa do livro Uma Breve História da Mentiras Fascistas, de Federico Finchelstein Foto: Editora Vestígio

Quais são esses quatro elementos do fascismo?

Primeiro, a violência e a militarização da política. Isso é um tema central no fascismo, esta ideia de entender que a política é uma guerra com inimigos que são inimigos da Nação, ou seja, inimigos da pátria, inimigos do líder.

O segundo pilar é a mentira e a propaganda totalitária, algo que vai a fantasias e grandes conspirações, são típicas do fascismo e não tão típicas dos populismos, mas central em alguém como Trump. Trump nos Estados Unidos vai ter recorde de mentiras, ao ponto que jornais como o Washington Post, o New York Times fazem atualização constante do número recorde de mentiras.

O terceiro elemento típico do fascismo é a demonização absoluta do inimigo. A desumanização daqueles que se opõem ao líder ou à noção da Nação, ou ao que as pessoas deveriam sentir, identificar-se ou ser, e com isso surge muito o tema da xenofobia e também o racismo.

E o quarto elemento é a ditadura. Pode haver ditadura sem fascismo, mas não há fascismo sem ditadura. Os fascismos clássicos, como o fascismo que chega ao poder com Mussolini e Hitler, destroem a democracia de dentro para criar uma ditadura de cima, não chegando à ditadura através da democracia, como acontece com os populismos, em que os líderes viram autoritários com respaldo de eleições. É uma reformulação do fascismo em chave democrática.

O que vemos nos Estados Unidos e depois copiado por Bolsonaro no Brasil é claramente uma tentativa de golpe de Estado que demonstraria então que esses populismos já nem mesmo se importam com a legitimidade que o ato eleitoral dá e também reconhecer que quando se perde, se perde, ou seja, são maus perdedores como o foram os fascistas. Então se a pergunta é a seguinte: E se Trump tivesse ficado no poder apesar de ter perdido as eleições, o que seria um governo permanente sem eleições? A resposta é fácil: ditadura. Por isso eu o chamo mais de uma aspiração a fascista do que um fascista propriamente dito. Isso não quer dizer que o resultado disso seja tranquilizador ou que isso signifique que essa gente seja democrática, não é de forma alguma, e e acredito que isso deveria ser um chamado de atenção muito sério e que infelizmente em países como Estados Unidos ou Brasil ou mesmo Argentina não é, e muitas vezes muitos eleitores não reconhecem o perigo para a tolerância, para a pluralidade e para a democracia que essa gente representa.

Trump e seu ex-chefe de Gabinete, John Kelly em 2017 Foto: Evan Vucci/AP

Se utilizou a palavra “fascista” em muitos contextos anteriores para se referir a políticos opositores, por exemplo. Banalizamos a palavra fascismo ou banalizamos os discursos fascistas propriamente dito?

Tudo depende de como tratamos a questão. Se apresentamos a ideia do fascismo como insulto, como desqualificação ou generalização, é um problema. Eu escrevi o livro para estudar exatamente e apresentar os resultados das minhas pesquisas e de outras pesquisas do campo de estudo, onde podemos nos aproximar da questão a partir das ciências sociais e ver exatamente sobre o que estamos falando, e minha conclusão é que lamentavelmente estamos muito perto disso. Nesse ponto, e eu falo de aspirantes a fascistas, acredito que não está errado chamar as coisas pelo seu nome. O problema é que o tema se normalizou demais e já não chama mais a atenção, lamentavelmente.

E como devemos lidar com políticos e líderes que são aspirantes a fascistas?

É muito importante não normalizar esses extremos, porque não é algo normal na política, posturas tão irracionais tão baseadas no ódio e tão extremistas em tudo. Também reconhecer que os políticos são nossos representantes e não nossos pais ou nosso irmão mais velho que vai nos salvar. Com isso, é importante retornar ou se é possível reconhecer o que são as bases de informação independente e empírica, por exemplo, a imprensa independente, o papel central do jornalismo em uma democracia e não igualar isso às opiniões de pessoas que ou estão mentindo ou não sabem muito ou não leem muito ou não se informam. O problema é que a realidade é mais complexa e que muitas vezes triunfam aqueles que a deformam ou a simplificam. Eu diria que a nova paisagem midiática está facilitando as coisas para essas grandes mentiras e para esses grandes propagandistas. E é importante tentar, na medida do possível, voltar ao que é a importância de lembrar a história, a educação e, claro, a democracia. Uma democracia que funciona através de informações do WhatsApp ou de qualquer qualquer opinião, não é uma democracia na qual as decisões se baseiam na realidade.

Você citou Bolsonaro imitando Trump no Brasil, acredito que se refira aos episódios da invasão ao Capitólio nos EUA e aos Três Poderes aqui. Embora os casos sejam semelhantes, os desfechos foram distintos. Como analisa esses episódios do ponto de vista de resposta ao autoritarismo?

Os EUA não aproveitaram a oportunidade de aprender com o Brasil quando tornaram Bolsonaro inelegível. Porque aqui [nos EUA] o que está em jogo é alguém que apoiou a inconstitucionalidade, alguém que apoiou praticamente algo que poderia ter representado a destruição da democracia - independentemente de gostarmos ou não de quem foi o eleito, estamos falando de não respeitar as bases da democracia - e eu acredito que nos Estados Unidos houve uma normalização de Trump e que já é tarde agora estamos vendo o retorno dessas ameaças que podem desembocar em uma vitória contra a democracia.

E o que esperar de um segundo mandato Trump, considerando tudo o que já aconteceu após a derrota de 2020 e agora nesta campanha?

Embora Trump seja um aspirante a fascista, o fato de ele tentar erodir, degradar, ou até mesmo destruir a democracia não significa que ele vá conseguir. Mesmo se ele ganhar, as instituições e os controles e equilíbrios desta democracia também não são tão fáceis de destruir. Não é que se tem que ter um pessimismo absoluto. Ainda tenho, da mesma forma que acredito no valor central da imprensa investigativa e independente em nos informar, que acredito no valor da educação e da história, acho que as instituições também têm um peso importante para poder se defender. Mas que a democracia será atacada não há dúvidas.

Mesmo com uma Suprema Corte que não só tem maioria conservadora consolidada por Trump como também lhe deu imunidade quase plena?

Tem isso que você menciona sobre a Corte e também algo que apontam ser o tema de políticos que na verdade traem a cultura política e as instituições democráticas do país, ou seja, não podemos esquecer que o Partido Republicano teve a oportunidade de julgar Trump no Congresso e não tiveram a valentia nem a coragem nem nem a adesão aos valores democráticos para fazer isso. Então se fala de como a democracia também morre quando os políticos traem os valores democráticos, que é o caso do Partido Republicano.

Há poucos dias das eleições, o ex-chefe de gabinete de Donald Trump, o general John Kelly, foi questionado pelo repórter do The New York Times se o ex-presidente era fascista. Kelly então pegou a definição de “fascista” no dicionário e leu em voz alta para o jornalista antes de responder: “ele certamente se enquadra na definição geral de fascista, com certeza”.

Para o historiador Federico Finchelstein, professor na New School for Social Research, Trump não se encaixaria na definição básica de um fascista, como foi Benito Mussolini, mas o deseja ser. Autor dos livros “Uma breve história das mentiras fascistas” e “Aspirantes a fascistas” (este último com lançamento em breve no Brasil), o argentino alerta para os perigos de minimizar lideranças que flertam com o velho movimento italiano.

“Eu o chamo mais de uma aspiração a fascista do que um fascista propriamente dito”, disse em entrevista por telefone ao Estadão. “Isso não quer dizer que o resultado disso seja tranquilizador ou que isso signifique que essa gente seja democrática, não é de forma alguma. Isso deveria ser um chamado de atenção muito sério e que infelizmente em países como Estados Unidos ou Brasil ou mesmo Argentina não é, e muitas vezes muitos eleitores não reconhecem o perigo para a tolerância, para a pluralidade e para a democracia que essa gente representa.”

O ex-presidente e candidato Republicano, Donald Trump Foto: Charly Triballeau/AFP

A resposta de Kelly gerou surpresa por vir de uma pessoa que conhece Trump tão bem. Ele, porém, não foi o único. Mark Milley, ex-Chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, foi citado no livro do famoso jornalista Bob Woodward dizendo que Trump era “facista até a medula”. As declarações, obviamente, reverberaram nas campanhas, com Kamala Harris afirmando concordar com as afirmações.

Trump pertence a um novo grupo de populistas que são extremistas e que tentam aproximar esta experiência populista daquilo que foi a experiência fascista. Como historiador do fascismo, eu penso que Trump é um personagem com tendências e aspirações fascistas, que representa um grande perigo à democracia.

Federico Finchelstein, historiador e professor na New School for Social Research

Leia trechos da entrevista, que foi condensada para melhor compreensão:

Como avalia a afirmação de John Kelly de que Trump sim se encaixa na definição de fascista?

Esse comentário vem de uma pessoa muito próxima de Trump, que o conhece muito bem; foi o Chefe de Gabinete que mais duramente lidou com Trump e ele praticamente disse que Trump personificava a definição de fascista. A isso tem que se somar as declarações de outro chefe, neste caso o general Milley, que disse recentemente em uma entrevista que Trump era fascista até a medula.

Como eu destaco no meu livro “Aspirantes a Fascistas”, Trump pertence a um novo grupo de populistas que são extremistas e que tentam aproximar esta experiência populista daquilo que foi a experiência fascista. Como historiador do fascismo, eu penso que Trump é um personagem com tendências e aspirações fascistas, que representa um grande perigo à democracia.

Ou seja, é cedo para classificá-lo como fascista? O que é preciso?

Não, não é cedo. Eu acredito que é importante estas advertências. Estamos falando de um grave perigo para a democracia. No meu livro falo do que são os quatro pilares do fascismo com a intenção de analisar três momentos históricos diferentes. O primeiro é o do fascismo clássico que vai da primeira metade do século 20 até o ano 45. Depois disso, durante grande parte do século 20, o que vamos ter é uma reformulação do fascismo em chave democrática, uma nova forma de autoritarismo, que é a experiência do populismo moderno. Nisso temos exemplos de Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón (ambos eleitos presidentes após anos de ditadura comandadas por eles). E mais recentemente o que temos ou o que podemos observar são populistas que tendem a se diferenciar do que foi o populismo clássico para se aproximar da experiência do fascismo propriamente dito. O que diferencia o fascismo do populismo clássico e a estes quatro elementos centrais do fascismo é que esses populistas como Trump, mas também [Jair] Bolsonaro, [Narendra] Modi na Índia, [Viktor] Orbán na Hungria e tantos outros, é que estão voltando a esses elementos centrais que não eram típicos do populismo e que são mais típicos do fascismo.

Capa do livro Uma Breve História da Mentiras Fascistas, de Federico Finchelstein Foto: Editora Vestígio

Quais são esses quatro elementos do fascismo?

Primeiro, a violência e a militarização da política. Isso é um tema central no fascismo, esta ideia de entender que a política é uma guerra com inimigos que são inimigos da Nação, ou seja, inimigos da pátria, inimigos do líder.

O segundo pilar é a mentira e a propaganda totalitária, algo que vai a fantasias e grandes conspirações, são típicas do fascismo e não tão típicas dos populismos, mas central em alguém como Trump. Trump nos Estados Unidos vai ter recorde de mentiras, ao ponto que jornais como o Washington Post, o New York Times fazem atualização constante do número recorde de mentiras.

O terceiro elemento típico do fascismo é a demonização absoluta do inimigo. A desumanização daqueles que se opõem ao líder ou à noção da Nação, ou ao que as pessoas deveriam sentir, identificar-se ou ser, e com isso surge muito o tema da xenofobia e também o racismo.

E o quarto elemento é a ditadura. Pode haver ditadura sem fascismo, mas não há fascismo sem ditadura. Os fascismos clássicos, como o fascismo que chega ao poder com Mussolini e Hitler, destroem a democracia de dentro para criar uma ditadura de cima, não chegando à ditadura através da democracia, como acontece com os populismos, em que os líderes viram autoritários com respaldo de eleições. É uma reformulação do fascismo em chave democrática.

O que vemos nos Estados Unidos e depois copiado por Bolsonaro no Brasil é claramente uma tentativa de golpe de Estado que demonstraria então que esses populismos já nem mesmo se importam com a legitimidade que o ato eleitoral dá e também reconhecer que quando se perde, se perde, ou seja, são maus perdedores como o foram os fascistas. Então se a pergunta é a seguinte: E se Trump tivesse ficado no poder apesar de ter perdido as eleições, o que seria um governo permanente sem eleições? A resposta é fácil: ditadura. Por isso eu o chamo mais de uma aspiração a fascista do que um fascista propriamente dito. Isso não quer dizer que o resultado disso seja tranquilizador ou que isso signifique que essa gente seja democrática, não é de forma alguma, e e acredito que isso deveria ser um chamado de atenção muito sério e que infelizmente em países como Estados Unidos ou Brasil ou mesmo Argentina não é, e muitas vezes muitos eleitores não reconhecem o perigo para a tolerância, para a pluralidade e para a democracia que essa gente representa.

Trump e seu ex-chefe de Gabinete, John Kelly em 2017 Foto: Evan Vucci/AP

Se utilizou a palavra “fascista” em muitos contextos anteriores para se referir a políticos opositores, por exemplo. Banalizamos a palavra fascismo ou banalizamos os discursos fascistas propriamente dito?

Tudo depende de como tratamos a questão. Se apresentamos a ideia do fascismo como insulto, como desqualificação ou generalização, é um problema. Eu escrevi o livro para estudar exatamente e apresentar os resultados das minhas pesquisas e de outras pesquisas do campo de estudo, onde podemos nos aproximar da questão a partir das ciências sociais e ver exatamente sobre o que estamos falando, e minha conclusão é que lamentavelmente estamos muito perto disso. Nesse ponto, e eu falo de aspirantes a fascistas, acredito que não está errado chamar as coisas pelo seu nome. O problema é que o tema se normalizou demais e já não chama mais a atenção, lamentavelmente.

E como devemos lidar com políticos e líderes que são aspirantes a fascistas?

É muito importante não normalizar esses extremos, porque não é algo normal na política, posturas tão irracionais tão baseadas no ódio e tão extremistas em tudo. Também reconhecer que os políticos são nossos representantes e não nossos pais ou nosso irmão mais velho que vai nos salvar. Com isso, é importante retornar ou se é possível reconhecer o que são as bases de informação independente e empírica, por exemplo, a imprensa independente, o papel central do jornalismo em uma democracia e não igualar isso às opiniões de pessoas que ou estão mentindo ou não sabem muito ou não leem muito ou não se informam. O problema é que a realidade é mais complexa e que muitas vezes triunfam aqueles que a deformam ou a simplificam. Eu diria que a nova paisagem midiática está facilitando as coisas para essas grandes mentiras e para esses grandes propagandistas. E é importante tentar, na medida do possível, voltar ao que é a importância de lembrar a história, a educação e, claro, a democracia. Uma democracia que funciona através de informações do WhatsApp ou de qualquer qualquer opinião, não é uma democracia na qual as decisões se baseiam na realidade.

Você citou Bolsonaro imitando Trump no Brasil, acredito que se refira aos episódios da invasão ao Capitólio nos EUA e aos Três Poderes aqui. Embora os casos sejam semelhantes, os desfechos foram distintos. Como analisa esses episódios do ponto de vista de resposta ao autoritarismo?

Os EUA não aproveitaram a oportunidade de aprender com o Brasil quando tornaram Bolsonaro inelegível. Porque aqui [nos EUA] o que está em jogo é alguém que apoiou a inconstitucionalidade, alguém que apoiou praticamente algo que poderia ter representado a destruição da democracia - independentemente de gostarmos ou não de quem foi o eleito, estamos falando de não respeitar as bases da democracia - e eu acredito que nos Estados Unidos houve uma normalização de Trump e que já é tarde agora estamos vendo o retorno dessas ameaças que podem desembocar em uma vitória contra a democracia.

E o que esperar de um segundo mandato Trump, considerando tudo o que já aconteceu após a derrota de 2020 e agora nesta campanha?

Embora Trump seja um aspirante a fascista, o fato de ele tentar erodir, degradar, ou até mesmo destruir a democracia não significa que ele vá conseguir. Mesmo se ele ganhar, as instituições e os controles e equilíbrios desta democracia também não são tão fáceis de destruir. Não é que se tem que ter um pessimismo absoluto. Ainda tenho, da mesma forma que acredito no valor central da imprensa investigativa e independente em nos informar, que acredito no valor da educação e da história, acho que as instituições também têm um peso importante para poder se defender. Mas que a democracia será atacada não há dúvidas.

Mesmo com uma Suprema Corte que não só tem maioria conservadora consolidada por Trump como também lhe deu imunidade quase plena?

Tem isso que você menciona sobre a Corte e também algo que apontam ser o tema de políticos que na verdade traem a cultura política e as instituições democráticas do país, ou seja, não podemos esquecer que o Partido Republicano teve a oportunidade de julgar Trump no Congresso e não tiveram a valentia nem a coragem nem nem a adesão aos valores democráticos para fazer isso. Então se fala de como a democracia também morre quando os políticos traem os valores democráticos, que é o caso do Partido Republicano.

Entrevista por Carolina Marins

Jornalista formada pela ECA-USP. Repórter da editoria de Internacional, com interesse em América Latina. Já fiz coberturas in loco na Argentina, em Israel e na Ucrânia

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