Ucrânia e Rússia assinam acordo da ONU para exportar grãos e fertilizantes no Mar Negro


Países assinaram documentos separados com a ONU e a Turquia para tratar das milhões de toneladas de grãos retidos nos portos ucranianos e que colocam o mundo à beira de uma crise alimentar

Por Carolina Marins
Atualização:

ANCARA – A Rússia e a Ucrânia assinaram nesta sexta-feira, 22, um acordo com a ONU e a Turquia para permitir a exportação de grãos e fertilizantes pelo Mar Negro. Com a assinatura, estima-se que os mais de 20 milhões de toneladas de grãos que estavam retidos em portos ucranianos sejam liberados, baixando o preço mundial dos produtos e aliviando a crise alimentar.

Esta foi a primeira vez que representantes dos países em conflito assinaram publicamente um acordo, abrindo caminho para que novas negociações ocorram. Uma grande preocupação do Brasil é com os fertilizantes russos - já que importa mais de 20% do produto do país - que, embora não estejam na lista das sanções ocidentais, foram impactados pelo receio das empresas em negociar com os russos. Um esforço da ONU para que o acordo de hoje ocorresse foi o de garantir que o transporte de alimentos e fertilizantes russos não seriam alvo de medidas.

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O ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, e o ministro da Infraestrutura ucraniano, Oleksandr Kubrakov, assinaram acordos idênticos e separados com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o ministro da Defesa turco, Hulusi Akar. A cerimônia foi testemunhada pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Mais cedo, o conselheiro do gabinete de Volodmir Zelenski, Mikhailo Podoliak, disse que “a Ucrânia não assina documentos com a Rússia”, razão pela qual foram dois documentos separados.

O ministro da Defesa da Rússia Serguei Shoigu, o secretário-geral da ONU Antonio Guterres, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e o ministro da Defesa turco Hulusi Akar participam de uma cerimônia de assinatura em Istambul, Turquia Foto: Murat Cetinmuhurdar via Reuters

Segundo Guterres, o plano, nomeado como “Iniciativa do Mar Negro”, abrirá caminho para volumes significativos de exportações comerciais de alimentos de três portos ucranianos importantes no Mar Negro: Odessa, Chernomorsk e Yuzhni.

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Isso “traria alívio para os países em desenvolvimento à beira da falência e as pessoas mais vulneráveis à beira da fome”. “Isso ajudará a estabilizar os preços globais dos alimentos que já estavam em níveis recordes mesmo antes da guerra – um verdadeiro pesadelo para os países em desenvolvimento”, acrescentou Guterres.

As previsões do acordo

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O acordo prevê a passagem segura de navios pelas águas minadas e o estabelecimento de um centro de controle em Istambul já neste sábado, com funcionários de Turquia, Rússia, Ucrânia e da ONU administrando e coordenando as exportações de grãos para garantir que não haverá o transporte de armas pelas passagens.

Um alto funcionário da ONU disse que os navios de carga usariam “canais seguros” identificados pela Ucrânia ao entrar e sair dos portos e seriam guiados por pilotos ucranianos. O plano não prevê uma nova desminagem das águas territoriais da Ucrânia, o que atrasaria o processo. Nenhum navio militar seria usado como escolta, mas um caça minas estaria de prontidão caso os canais seguros “precisem de verificação ocasional”, disse o funcionário.

Um elemento-chave do documento é um acordo entre a Rússia e a Ucrânia de que não haverá ataques a nenhum dos navios. Não haverá, porém, um cessar-fogo no conflito, o que tornará essas exportações um desafio. “Tem uma logística ali bem complicada de como é que vai se dar a passagem desses navios mercantes por uma zona de guerra. Mas se tudo correr bem a gente poderá ver já nos próximos dias os primeiros navios deixando os portos ucranianos com esses grãos que estão estocados”, afirmou ao Estadão Maurício Santoro, professor do departamento de Relações Internacionais da UERJ.

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Levará algumas semanas até que o acordo esteja totalmente funcionando, observou o funcionário da ONU, dizendo que a Ucrânia precisa de cerca de 10 dias para preparar os portos e também precisa de tempo para “identificar esses corredores seguros”. O objetivo é exportar cerca de 5 milhões de toneladas de grãos por mês para esvaziar os silos da Ucrânia a tempo da nova safra.

O acordo assinado em Istambul será válido por 120 dias, disseram as autoridades da ONU, e espera-se que seja renovado continuamente para normalizar a exportação de grãos nos próximos meses.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, à direita, e o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, à esquerda, assinam documentos durante uma cerimônia de assinatura no Palácio Dolmabahce em Istambul, Turquia Foto: Vadim Savitsky/Russian Defense Ministry Press Service via AP
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Crise alimentar global

A Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de trigo, milho e óleo de girassol, mas a invasão russa do país e o bloqueio naval de seus portos interromperam os embarques. Alguns grãos estão sendo transportados pela Europa por via férrea, rodoviária e fluvial, mas os preços de commodities vitais como trigo e cevada dispararam durante os quase cinco meses de guerra.

Cerca de 22 milhões de toneladas de trigo e outros alimentos estão bloqueados nos portos ucranianos por navios de guerra russos e minas que Kiev plantou para evitar um ataque marítimo. Essa crise disparou os preços dos alimentos em todo o mundo e deixou milhões de pessoas à beira da fome. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Fao), 13,1 milhões de pessoas podem enfrentar a fome em 2022 se o conflito continuar.

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Guterres celebrou o acordo como “sem precedentes” entre as partes em conflito e um “farol de esperança” no Mar Negro. Ele e o presidente turco Erdogan expressaram esperança de que o acordo seja um passo no caminho para uma paz negociada.

“A questão é: será que essas 20 milhões de toneladas serão suficientes para conter essa alta global do preço dos alimentos?”, questiona Maurício Santoro. “Ou será apenas um alívio momentâneo? Ou talvez nem chegue a refletir nos preços. Ainda há muitas inquietações, mas já é um sinal muito bom do ponto de vista político e diplomático que esse acordo tenha sido negociado”.

O acordo parecia improvável há duas semanas, considerando a profunda desconfiança entre as partes em conflito e a aparente falta de incentivos para a Rússia assinar o acordo. Mas parte do trabalho da ONU - que era uma exigência russa - se concentrou em convencer as companhias de transporte e seguros do setor privado de que poderiam transportar alimentos e fertilizantes russos para fora da Rússia sem entrar em conflito com as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia.

Neste ponto, o Brasil poderia ser um grande beneficiado, já que mais de 20% de seus fertilizantes são importados da Rússia e viu seu comércio ser afetado pela guerra. “Se a gente conseguir realmente que esse acordo sobre as exportações ucranianas seja implementado e talvez ele até vire algo permanente, isso criaria um cenário político mais favorável para negociações mais diretas envolvendo fertilizantes”, pontua Santoro.

“Nessa disputa dos fertilizantes você tem de um lado países como o Brasil que estão dizendo ‘nós não estamos envolvidos nessa guerra e o nosso medo é sofrer fome e um impacto na produção de comida’, e do outro há EUA e UE dizendo que se a Rússia puder exportar o que ela quiser esses recursos vão acabar achando usados na guerra”, afirma.

Mas não há dúvidas de que o Brasil também se beneficiará dessa retomada das exportações de grãos, ainda que não importe tão diretamente da Ucrânia. “O Brasil importa trigo principalmente da Argentina, mas como os preços globais aumentaram, o preço que nós pagamos aqui pelo trigo argentino também cresceu. Nós sofremos o impacto da reação em cadeia.”

Guterres levantou pela primeira vez a necessidade crítica de levar a produção agrícola da Ucrânia e os grãos e fertilizantes da Rússia de volta aos mercados mundiais no final de abril, durante reuniões com o presidente russo Vladimir Putin em Moscou e o presidente ucraniano Volodmir Zelenski em Kiev.

Enquanto a Rússia exigiu que seus grãos também fossem incluídos nas negociações, visando não sofrer sanções, a Ucrânia buscou garantias internacionais de que o Kremlin não usaria os corredores de segurança para atacar o porto de Odessa. As autoridades ucranianas também acusaram a Rússia de roubar grãos do leste da Ucrânia e bombardear deliberadamente campos ucranianos para incendiá-los.

Antes da guerra, secas na América do Norte e no Chifre da África, colheitas fracas na China e na França e a pandemia estavam espremendo o suprimento global de alimentos. Em dezembro, os preços globais do trigo haviam subido cerca de 80% em pouco mais de um ano, segundo o Fundo Monetário Internacional. Ao mesmo tempo, um salto nos preços do petróleo e do gás precipitado pela guerra levou a um aumento ainda mais acentuado no custo dos fertilizantes feitos em parte desses combustíveis. /Com informações de AFP, AP e NYT, W.POST

ANCARA – A Rússia e a Ucrânia assinaram nesta sexta-feira, 22, um acordo com a ONU e a Turquia para permitir a exportação de grãos e fertilizantes pelo Mar Negro. Com a assinatura, estima-se que os mais de 20 milhões de toneladas de grãos que estavam retidos em portos ucranianos sejam liberados, baixando o preço mundial dos produtos e aliviando a crise alimentar.

Esta foi a primeira vez que representantes dos países em conflito assinaram publicamente um acordo, abrindo caminho para que novas negociações ocorram. Uma grande preocupação do Brasil é com os fertilizantes russos - já que importa mais de 20% do produto do país - que, embora não estejam na lista das sanções ocidentais, foram impactados pelo receio das empresas em negociar com os russos. Um esforço da ONU para que o acordo de hoje ocorresse foi o de garantir que o transporte de alimentos e fertilizantes russos não seriam alvo de medidas.

O ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, e o ministro da Infraestrutura ucraniano, Oleksandr Kubrakov, assinaram acordos idênticos e separados com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o ministro da Defesa turco, Hulusi Akar. A cerimônia foi testemunhada pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Mais cedo, o conselheiro do gabinete de Volodmir Zelenski, Mikhailo Podoliak, disse que “a Ucrânia não assina documentos com a Rússia”, razão pela qual foram dois documentos separados.

O ministro da Defesa da Rússia Serguei Shoigu, o secretário-geral da ONU Antonio Guterres, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e o ministro da Defesa turco Hulusi Akar participam de uma cerimônia de assinatura em Istambul, Turquia Foto: Murat Cetinmuhurdar via Reuters

Segundo Guterres, o plano, nomeado como “Iniciativa do Mar Negro”, abrirá caminho para volumes significativos de exportações comerciais de alimentos de três portos ucranianos importantes no Mar Negro: Odessa, Chernomorsk e Yuzhni.

Isso “traria alívio para os países em desenvolvimento à beira da falência e as pessoas mais vulneráveis à beira da fome”. “Isso ajudará a estabilizar os preços globais dos alimentos que já estavam em níveis recordes mesmo antes da guerra – um verdadeiro pesadelo para os países em desenvolvimento”, acrescentou Guterres.

As previsões do acordo

O acordo prevê a passagem segura de navios pelas águas minadas e o estabelecimento de um centro de controle em Istambul já neste sábado, com funcionários de Turquia, Rússia, Ucrânia e da ONU administrando e coordenando as exportações de grãos para garantir que não haverá o transporte de armas pelas passagens.

Um alto funcionário da ONU disse que os navios de carga usariam “canais seguros” identificados pela Ucrânia ao entrar e sair dos portos e seriam guiados por pilotos ucranianos. O plano não prevê uma nova desminagem das águas territoriais da Ucrânia, o que atrasaria o processo. Nenhum navio militar seria usado como escolta, mas um caça minas estaria de prontidão caso os canais seguros “precisem de verificação ocasional”, disse o funcionário.

Um elemento-chave do documento é um acordo entre a Rússia e a Ucrânia de que não haverá ataques a nenhum dos navios. Não haverá, porém, um cessar-fogo no conflito, o que tornará essas exportações um desafio. “Tem uma logística ali bem complicada de como é que vai se dar a passagem desses navios mercantes por uma zona de guerra. Mas se tudo correr bem a gente poderá ver já nos próximos dias os primeiros navios deixando os portos ucranianos com esses grãos que estão estocados”, afirmou ao Estadão Maurício Santoro, professor do departamento de Relações Internacionais da UERJ.

Levará algumas semanas até que o acordo esteja totalmente funcionando, observou o funcionário da ONU, dizendo que a Ucrânia precisa de cerca de 10 dias para preparar os portos e também precisa de tempo para “identificar esses corredores seguros”. O objetivo é exportar cerca de 5 milhões de toneladas de grãos por mês para esvaziar os silos da Ucrânia a tempo da nova safra.

O acordo assinado em Istambul será válido por 120 dias, disseram as autoridades da ONU, e espera-se que seja renovado continuamente para normalizar a exportação de grãos nos próximos meses.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, à direita, e o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, à esquerda, assinam documentos durante uma cerimônia de assinatura no Palácio Dolmabahce em Istambul, Turquia Foto: Vadim Savitsky/Russian Defense Ministry Press Service via AP

Crise alimentar global

A Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de trigo, milho e óleo de girassol, mas a invasão russa do país e o bloqueio naval de seus portos interromperam os embarques. Alguns grãos estão sendo transportados pela Europa por via férrea, rodoviária e fluvial, mas os preços de commodities vitais como trigo e cevada dispararam durante os quase cinco meses de guerra.

Cerca de 22 milhões de toneladas de trigo e outros alimentos estão bloqueados nos portos ucranianos por navios de guerra russos e minas que Kiev plantou para evitar um ataque marítimo. Essa crise disparou os preços dos alimentos em todo o mundo e deixou milhões de pessoas à beira da fome. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Fao), 13,1 milhões de pessoas podem enfrentar a fome em 2022 se o conflito continuar.

Guterres celebrou o acordo como “sem precedentes” entre as partes em conflito e um “farol de esperança” no Mar Negro. Ele e o presidente turco Erdogan expressaram esperança de que o acordo seja um passo no caminho para uma paz negociada.

“A questão é: será que essas 20 milhões de toneladas serão suficientes para conter essa alta global do preço dos alimentos?”, questiona Maurício Santoro. “Ou será apenas um alívio momentâneo? Ou talvez nem chegue a refletir nos preços. Ainda há muitas inquietações, mas já é um sinal muito bom do ponto de vista político e diplomático que esse acordo tenha sido negociado”.

O acordo parecia improvável há duas semanas, considerando a profunda desconfiança entre as partes em conflito e a aparente falta de incentivos para a Rússia assinar o acordo. Mas parte do trabalho da ONU - que era uma exigência russa - se concentrou em convencer as companhias de transporte e seguros do setor privado de que poderiam transportar alimentos e fertilizantes russos para fora da Rússia sem entrar em conflito com as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia.

Neste ponto, o Brasil poderia ser um grande beneficiado, já que mais de 20% de seus fertilizantes são importados da Rússia e viu seu comércio ser afetado pela guerra. “Se a gente conseguir realmente que esse acordo sobre as exportações ucranianas seja implementado e talvez ele até vire algo permanente, isso criaria um cenário político mais favorável para negociações mais diretas envolvendo fertilizantes”, pontua Santoro.

“Nessa disputa dos fertilizantes você tem de um lado países como o Brasil que estão dizendo ‘nós não estamos envolvidos nessa guerra e o nosso medo é sofrer fome e um impacto na produção de comida’, e do outro há EUA e UE dizendo que se a Rússia puder exportar o que ela quiser esses recursos vão acabar achando usados na guerra”, afirma.

Mas não há dúvidas de que o Brasil também se beneficiará dessa retomada das exportações de grãos, ainda que não importe tão diretamente da Ucrânia. “O Brasil importa trigo principalmente da Argentina, mas como os preços globais aumentaram, o preço que nós pagamos aqui pelo trigo argentino também cresceu. Nós sofremos o impacto da reação em cadeia.”

Guterres levantou pela primeira vez a necessidade crítica de levar a produção agrícola da Ucrânia e os grãos e fertilizantes da Rússia de volta aos mercados mundiais no final de abril, durante reuniões com o presidente russo Vladimir Putin em Moscou e o presidente ucraniano Volodmir Zelenski em Kiev.

Enquanto a Rússia exigiu que seus grãos também fossem incluídos nas negociações, visando não sofrer sanções, a Ucrânia buscou garantias internacionais de que o Kremlin não usaria os corredores de segurança para atacar o porto de Odessa. As autoridades ucranianas também acusaram a Rússia de roubar grãos do leste da Ucrânia e bombardear deliberadamente campos ucranianos para incendiá-los.

Antes da guerra, secas na América do Norte e no Chifre da África, colheitas fracas na China e na França e a pandemia estavam espremendo o suprimento global de alimentos. Em dezembro, os preços globais do trigo haviam subido cerca de 80% em pouco mais de um ano, segundo o Fundo Monetário Internacional. Ao mesmo tempo, um salto nos preços do petróleo e do gás precipitado pela guerra levou a um aumento ainda mais acentuado no custo dos fertilizantes feitos em parte desses combustíveis. /Com informações de AFP, AP e NYT, W.POST

ANCARA – A Rússia e a Ucrânia assinaram nesta sexta-feira, 22, um acordo com a ONU e a Turquia para permitir a exportação de grãos e fertilizantes pelo Mar Negro. Com a assinatura, estima-se que os mais de 20 milhões de toneladas de grãos que estavam retidos em portos ucranianos sejam liberados, baixando o preço mundial dos produtos e aliviando a crise alimentar.

Esta foi a primeira vez que representantes dos países em conflito assinaram publicamente um acordo, abrindo caminho para que novas negociações ocorram. Uma grande preocupação do Brasil é com os fertilizantes russos - já que importa mais de 20% do produto do país - que, embora não estejam na lista das sanções ocidentais, foram impactados pelo receio das empresas em negociar com os russos. Um esforço da ONU para que o acordo de hoje ocorresse foi o de garantir que o transporte de alimentos e fertilizantes russos não seriam alvo de medidas.

O ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, e o ministro da Infraestrutura ucraniano, Oleksandr Kubrakov, assinaram acordos idênticos e separados com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o ministro da Defesa turco, Hulusi Akar. A cerimônia foi testemunhada pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Mais cedo, o conselheiro do gabinete de Volodmir Zelenski, Mikhailo Podoliak, disse que “a Ucrânia não assina documentos com a Rússia”, razão pela qual foram dois documentos separados.

O ministro da Defesa da Rússia Serguei Shoigu, o secretário-geral da ONU Antonio Guterres, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e o ministro da Defesa turco Hulusi Akar participam de uma cerimônia de assinatura em Istambul, Turquia Foto: Murat Cetinmuhurdar via Reuters

Segundo Guterres, o plano, nomeado como “Iniciativa do Mar Negro”, abrirá caminho para volumes significativos de exportações comerciais de alimentos de três portos ucranianos importantes no Mar Negro: Odessa, Chernomorsk e Yuzhni.

Isso “traria alívio para os países em desenvolvimento à beira da falência e as pessoas mais vulneráveis à beira da fome”. “Isso ajudará a estabilizar os preços globais dos alimentos que já estavam em níveis recordes mesmo antes da guerra – um verdadeiro pesadelo para os países em desenvolvimento”, acrescentou Guterres.

As previsões do acordo

O acordo prevê a passagem segura de navios pelas águas minadas e o estabelecimento de um centro de controle em Istambul já neste sábado, com funcionários de Turquia, Rússia, Ucrânia e da ONU administrando e coordenando as exportações de grãos para garantir que não haverá o transporte de armas pelas passagens.

Um alto funcionário da ONU disse que os navios de carga usariam “canais seguros” identificados pela Ucrânia ao entrar e sair dos portos e seriam guiados por pilotos ucranianos. O plano não prevê uma nova desminagem das águas territoriais da Ucrânia, o que atrasaria o processo. Nenhum navio militar seria usado como escolta, mas um caça minas estaria de prontidão caso os canais seguros “precisem de verificação ocasional”, disse o funcionário.

Um elemento-chave do documento é um acordo entre a Rússia e a Ucrânia de que não haverá ataques a nenhum dos navios. Não haverá, porém, um cessar-fogo no conflito, o que tornará essas exportações um desafio. “Tem uma logística ali bem complicada de como é que vai se dar a passagem desses navios mercantes por uma zona de guerra. Mas se tudo correr bem a gente poderá ver já nos próximos dias os primeiros navios deixando os portos ucranianos com esses grãos que estão estocados”, afirmou ao Estadão Maurício Santoro, professor do departamento de Relações Internacionais da UERJ.

Levará algumas semanas até que o acordo esteja totalmente funcionando, observou o funcionário da ONU, dizendo que a Ucrânia precisa de cerca de 10 dias para preparar os portos e também precisa de tempo para “identificar esses corredores seguros”. O objetivo é exportar cerca de 5 milhões de toneladas de grãos por mês para esvaziar os silos da Ucrânia a tempo da nova safra.

O acordo assinado em Istambul será válido por 120 dias, disseram as autoridades da ONU, e espera-se que seja renovado continuamente para normalizar a exportação de grãos nos próximos meses.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, à direita, e o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, à esquerda, assinam documentos durante uma cerimônia de assinatura no Palácio Dolmabahce em Istambul, Turquia Foto: Vadim Savitsky/Russian Defense Ministry Press Service via AP

Crise alimentar global

A Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de trigo, milho e óleo de girassol, mas a invasão russa do país e o bloqueio naval de seus portos interromperam os embarques. Alguns grãos estão sendo transportados pela Europa por via férrea, rodoviária e fluvial, mas os preços de commodities vitais como trigo e cevada dispararam durante os quase cinco meses de guerra.

Cerca de 22 milhões de toneladas de trigo e outros alimentos estão bloqueados nos portos ucranianos por navios de guerra russos e minas que Kiev plantou para evitar um ataque marítimo. Essa crise disparou os preços dos alimentos em todo o mundo e deixou milhões de pessoas à beira da fome. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Fao), 13,1 milhões de pessoas podem enfrentar a fome em 2022 se o conflito continuar.

Guterres celebrou o acordo como “sem precedentes” entre as partes em conflito e um “farol de esperança” no Mar Negro. Ele e o presidente turco Erdogan expressaram esperança de que o acordo seja um passo no caminho para uma paz negociada.

“A questão é: será que essas 20 milhões de toneladas serão suficientes para conter essa alta global do preço dos alimentos?”, questiona Maurício Santoro. “Ou será apenas um alívio momentâneo? Ou talvez nem chegue a refletir nos preços. Ainda há muitas inquietações, mas já é um sinal muito bom do ponto de vista político e diplomático que esse acordo tenha sido negociado”.

O acordo parecia improvável há duas semanas, considerando a profunda desconfiança entre as partes em conflito e a aparente falta de incentivos para a Rússia assinar o acordo. Mas parte do trabalho da ONU - que era uma exigência russa - se concentrou em convencer as companhias de transporte e seguros do setor privado de que poderiam transportar alimentos e fertilizantes russos para fora da Rússia sem entrar em conflito com as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia.

Neste ponto, o Brasil poderia ser um grande beneficiado, já que mais de 20% de seus fertilizantes são importados da Rússia e viu seu comércio ser afetado pela guerra. “Se a gente conseguir realmente que esse acordo sobre as exportações ucranianas seja implementado e talvez ele até vire algo permanente, isso criaria um cenário político mais favorável para negociações mais diretas envolvendo fertilizantes”, pontua Santoro.

“Nessa disputa dos fertilizantes você tem de um lado países como o Brasil que estão dizendo ‘nós não estamos envolvidos nessa guerra e o nosso medo é sofrer fome e um impacto na produção de comida’, e do outro há EUA e UE dizendo que se a Rússia puder exportar o que ela quiser esses recursos vão acabar achando usados na guerra”, afirma.

Mas não há dúvidas de que o Brasil também se beneficiará dessa retomada das exportações de grãos, ainda que não importe tão diretamente da Ucrânia. “O Brasil importa trigo principalmente da Argentina, mas como os preços globais aumentaram, o preço que nós pagamos aqui pelo trigo argentino também cresceu. Nós sofremos o impacto da reação em cadeia.”

Guterres levantou pela primeira vez a necessidade crítica de levar a produção agrícola da Ucrânia e os grãos e fertilizantes da Rússia de volta aos mercados mundiais no final de abril, durante reuniões com o presidente russo Vladimir Putin em Moscou e o presidente ucraniano Volodmir Zelenski em Kiev.

Enquanto a Rússia exigiu que seus grãos também fossem incluídos nas negociações, visando não sofrer sanções, a Ucrânia buscou garantias internacionais de que o Kremlin não usaria os corredores de segurança para atacar o porto de Odessa. As autoridades ucranianas também acusaram a Rússia de roubar grãos do leste da Ucrânia e bombardear deliberadamente campos ucranianos para incendiá-los.

Antes da guerra, secas na América do Norte e no Chifre da África, colheitas fracas na China e na França e a pandemia estavam espremendo o suprimento global de alimentos. Em dezembro, os preços globais do trigo haviam subido cerca de 80% em pouco mais de um ano, segundo o Fundo Monetário Internacional. Ao mesmo tempo, um salto nos preços do petróleo e do gás precipitado pela guerra levou a um aumento ainda mais acentuado no custo dos fertilizantes feitos em parte desses combustíveis. /Com informações de AFP, AP e NYT, W.POST

ANCARA – A Rússia e a Ucrânia assinaram nesta sexta-feira, 22, um acordo com a ONU e a Turquia para permitir a exportação de grãos e fertilizantes pelo Mar Negro. Com a assinatura, estima-se que os mais de 20 milhões de toneladas de grãos que estavam retidos em portos ucranianos sejam liberados, baixando o preço mundial dos produtos e aliviando a crise alimentar.

Esta foi a primeira vez que representantes dos países em conflito assinaram publicamente um acordo, abrindo caminho para que novas negociações ocorram. Uma grande preocupação do Brasil é com os fertilizantes russos - já que importa mais de 20% do produto do país - que, embora não estejam na lista das sanções ocidentais, foram impactados pelo receio das empresas em negociar com os russos. Um esforço da ONU para que o acordo de hoje ocorresse foi o de garantir que o transporte de alimentos e fertilizantes russos não seriam alvo de medidas.

O ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, e o ministro da Infraestrutura ucraniano, Oleksandr Kubrakov, assinaram acordos idênticos e separados com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o ministro da Defesa turco, Hulusi Akar. A cerimônia foi testemunhada pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Mais cedo, o conselheiro do gabinete de Volodmir Zelenski, Mikhailo Podoliak, disse que “a Ucrânia não assina documentos com a Rússia”, razão pela qual foram dois documentos separados.

O ministro da Defesa da Rússia Serguei Shoigu, o secretário-geral da ONU Antonio Guterres, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e o ministro da Defesa turco Hulusi Akar participam de uma cerimônia de assinatura em Istambul, Turquia Foto: Murat Cetinmuhurdar via Reuters

Segundo Guterres, o plano, nomeado como “Iniciativa do Mar Negro”, abrirá caminho para volumes significativos de exportações comerciais de alimentos de três portos ucranianos importantes no Mar Negro: Odessa, Chernomorsk e Yuzhni.

Isso “traria alívio para os países em desenvolvimento à beira da falência e as pessoas mais vulneráveis à beira da fome”. “Isso ajudará a estabilizar os preços globais dos alimentos que já estavam em níveis recordes mesmo antes da guerra – um verdadeiro pesadelo para os países em desenvolvimento”, acrescentou Guterres.

As previsões do acordo

O acordo prevê a passagem segura de navios pelas águas minadas e o estabelecimento de um centro de controle em Istambul já neste sábado, com funcionários de Turquia, Rússia, Ucrânia e da ONU administrando e coordenando as exportações de grãos para garantir que não haverá o transporte de armas pelas passagens.

Um alto funcionário da ONU disse que os navios de carga usariam “canais seguros” identificados pela Ucrânia ao entrar e sair dos portos e seriam guiados por pilotos ucranianos. O plano não prevê uma nova desminagem das águas territoriais da Ucrânia, o que atrasaria o processo. Nenhum navio militar seria usado como escolta, mas um caça minas estaria de prontidão caso os canais seguros “precisem de verificação ocasional”, disse o funcionário.

Um elemento-chave do documento é um acordo entre a Rússia e a Ucrânia de que não haverá ataques a nenhum dos navios. Não haverá, porém, um cessar-fogo no conflito, o que tornará essas exportações um desafio. “Tem uma logística ali bem complicada de como é que vai se dar a passagem desses navios mercantes por uma zona de guerra. Mas se tudo correr bem a gente poderá ver já nos próximos dias os primeiros navios deixando os portos ucranianos com esses grãos que estão estocados”, afirmou ao Estadão Maurício Santoro, professor do departamento de Relações Internacionais da UERJ.

Levará algumas semanas até que o acordo esteja totalmente funcionando, observou o funcionário da ONU, dizendo que a Ucrânia precisa de cerca de 10 dias para preparar os portos e também precisa de tempo para “identificar esses corredores seguros”. O objetivo é exportar cerca de 5 milhões de toneladas de grãos por mês para esvaziar os silos da Ucrânia a tempo da nova safra.

O acordo assinado em Istambul será válido por 120 dias, disseram as autoridades da ONU, e espera-se que seja renovado continuamente para normalizar a exportação de grãos nos próximos meses.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, à direita, e o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, à esquerda, assinam documentos durante uma cerimônia de assinatura no Palácio Dolmabahce em Istambul, Turquia Foto: Vadim Savitsky/Russian Defense Ministry Press Service via AP

Crise alimentar global

A Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de trigo, milho e óleo de girassol, mas a invasão russa do país e o bloqueio naval de seus portos interromperam os embarques. Alguns grãos estão sendo transportados pela Europa por via férrea, rodoviária e fluvial, mas os preços de commodities vitais como trigo e cevada dispararam durante os quase cinco meses de guerra.

Cerca de 22 milhões de toneladas de trigo e outros alimentos estão bloqueados nos portos ucranianos por navios de guerra russos e minas que Kiev plantou para evitar um ataque marítimo. Essa crise disparou os preços dos alimentos em todo o mundo e deixou milhões de pessoas à beira da fome. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Fao), 13,1 milhões de pessoas podem enfrentar a fome em 2022 se o conflito continuar.

Guterres celebrou o acordo como “sem precedentes” entre as partes em conflito e um “farol de esperança” no Mar Negro. Ele e o presidente turco Erdogan expressaram esperança de que o acordo seja um passo no caminho para uma paz negociada.

“A questão é: será que essas 20 milhões de toneladas serão suficientes para conter essa alta global do preço dos alimentos?”, questiona Maurício Santoro. “Ou será apenas um alívio momentâneo? Ou talvez nem chegue a refletir nos preços. Ainda há muitas inquietações, mas já é um sinal muito bom do ponto de vista político e diplomático que esse acordo tenha sido negociado”.

O acordo parecia improvável há duas semanas, considerando a profunda desconfiança entre as partes em conflito e a aparente falta de incentivos para a Rússia assinar o acordo. Mas parte do trabalho da ONU - que era uma exigência russa - se concentrou em convencer as companhias de transporte e seguros do setor privado de que poderiam transportar alimentos e fertilizantes russos para fora da Rússia sem entrar em conflito com as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia.

Neste ponto, o Brasil poderia ser um grande beneficiado, já que mais de 20% de seus fertilizantes são importados da Rússia e viu seu comércio ser afetado pela guerra. “Se a gente conseguir realmente que esse acordo sobre as exportações ucranianas seja implementado e talvez ele até vire algo permanente, isso criaria um cenário político mais favorável para negociações mais diretas envolvendo fertilizantes”, pontua Santoro.

“Nessa disputa dos fertilizantes você tem de um lado países como o Brasil que estão dizendo ‘nós não estamos envolvidos nessa guerra e o nosso medo é sofrer fome e um impacto na produção de comida’, e do outro há EUA e UE dizendo que se a Rússia puder exportar o que ela quiser esses recursos vão acabar achando usados na guerra”, afirma.

Mas não há dúvidas de que o Brasil também se beneficiará dessa retomada das exportações de grãos, ainda que não importe tão diretamente da Ucrânia. “O Brasil importa trigo principalmente da Argentina, mas como os preços globais aumentaram, o preço que nós pagamos aqui pelo trigo argentino também cresceu. Nós sofremos o impacto da reação em cadeia.”

Guterres levantou pela primeira vez a necessidade crítica de levar a produção agrícola da Ucrânia e os grãos e fertilizantes da Rússia de volta aos mercados mundiais no final de abril, durante reuniões com o presidente russo Vladimir Putin em Moscou e o presidente ucraniano Volodmir Zelenski em Kiev.

Enquanto a Rússia exigiu que seus grãos também fossem incluídos nas negociações, visando não sofrer sanções, a Ucrânia buscou garantias internacionais de que o Kremlin não usaria os corredores de segurança para atacar o porto de Odessa. As autoridades ucranianas também acusaram a Rússia de roubar grãos do leste da Ucrânia e bombardear deliberadamente campos ucranianos para incendiá-los.

Antes da guerra, secas na América do Norte e no Chifre da África, colheitas fracas na China e na França e a pandemia estavam espremendo o suprimento global de alimentos. Em dezembro, os preços globais do trigo haviam subido cerca de 80% em pouco mais de um ano, segundo o Fundo Monetário Internacional. Ao mesmo tempo, um salto nos preços do petróleo e do gás precipitado pela guerra levou a um aumento ainda mais acentuado no custo dos fertilizantes feitos em parte desses combustíveis. /Com informações de AFP, AP e NYT, W.POST

ANCARA – A Rússia e a Ucrânia assinaram nesta sexta-feira, 22, um acordo com a ONU e a Turquia para permitir a exportação de grãos e fertilizantes pelo Mar Negro. Com a assinatura, estima-se que os mais de 20 milhões de toneladas de grãos que estavam retidos em portos ucranianos sejam liberados, baixando o preço mundial dos produtos e aliviando a crise alimentar.

Esta foi a primeira vez que representantes dos países em conflito assinaram publicamente um acordo, abrindo caminho para que novas negociações ocorram. Uma grande preocupação do Brasil é com os fertilizantes russos - já que importa mais de 20% do produto do país - que, embora não estejam na lista das sanções ocidentais, foram impactados pelo receio das empresas em negociar com os russos. Um esforço da ONU para que o acordo de hoje ocorresse foi o de garantir que o transporte de alimentos e fertilizantes russos não seriam alvo de medidas.

O ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, e o ministro da Infraestrutura ucraniano, Oleksandr Kubrakov, assinaram acordos idênticos e separados com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o ministro da Defesa turco, Hulusi Akar. A cerimônia foi testemunhada pelo presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Mais cedo, o conselheiro do gabinete de Volodmir Zelenski, Mikhailo Podoliak, disse que “a Ucrânia não assina documentos com a Rússia”, razão pela qual foram dois documentos separados.

O ministro da Defesa da Rússia Serguei Shoigu, o secretário-geral da ONU Antonio Guterres, o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e o ministro da Defesa turco Hulusi Akar participam de uma cerimônia de assinatura em Istambul, Turquia Foto: Murat Cetinmuhurdar via Reuters

Segundo Guterres, o plano, nomeado como “Iniciativa do Mar Negro”, abrirá caminho para volumes significativos de exportações comerciais de alimentos de três portos ucranianos importantes no Mar Negro: Odessa, Chernomorsk e Yuzhni.

Isso “traria alívio para os países em desenvolvimento à beira da falência e as pessoas mais vulneráveis à beira da fome”. “Isso ajudará a estabilizar os preços globais dos alimentos que já estavam em níveis recordes mesmo antes da guerra – um verdadeiro pesadelo para os países em desenvolvimento”, acrescentou Guterres.

As previsões do acordo

O acordo prevê a passagem segura de navios pelas águas minadas e o estabelecimento de um centro de controle em Istambul já neste sábado, com funcionários de Turquia, Rússia, Ucrânia e da ONU administrando e coordenando as exportações de grãos para garantir que não haverá o transporte de armas pelas passagens.

Um alto funcionário da ONU disse que os navios de carga usariam “canais seguros” identificados pela Ucrânia ao entrar e sair dos portos e seriam guiados por pilotos ucranianos. O plano não prevê uma nova desminagem das águas territoriais da Ucrânia, o que atrasaria o processo. Nenhum navio militar seria usado como escolta, mas um caça minas estaria de prontidão caso os canais seguros “precisem de verificação ocasional”, disse o funcionário.

Um elemento-chave do documento é um acordo entre a Rússia e a Ucrânia de que não haverá ataques a nenhum dos navios. Não haverá, porém, um cessar-fogo no conflito, o que tornará essas exportações um desafio. “Tem uma logística ali bem complicada de como é que vai se dar a passagem desses navios mercantes por uma zona de guerra. Mas se tudo correr bem a gente poderá ver já nos próximos dias os primeiros navios deixando os portos ucranianos com esses grãos que estão estocados”, afirmou ao Estadão Maurício Santoro, professor do departamento de Relações Internacionais da UERJ.

Levará algumas semanas até que o acordo esteja totalmente funcionando, observou o funcionário da ONU, dizendo que a Ucrânia precisa de cerca de 10 dias para preparar os portos e também precisa de tempo para “identificar esses corredores seguros”. O objetivo é exportar cerca de 5 milhões de toneladas de grãos por mês para esvaziar os silos da Ucrânia a tempo da nova safra.

O acordo assinado em Istambul será válido por 120 dias, disseram as autoridades da ONU, e espera-se que seja renovado continuamente para normalizar a exportação de grãos nos próximos meses.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, à direita, e o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, à esquerda, assinam documentos durante uma cerimônia de assinatura no Palácio Dolmabahce em Istambul, Turquia Foto: Vadim Savitsky/Russian Defense Ministry Press Service via AP

Crise alimentar global

A Ucrânia é um dos maiores exportadores mundiais de trigo, milho e óleo de girassol, mas a invasão russa do país e o bloqueio naval de seus portos interromperam os embarques. Alguns grãos estão sendo transportados pela Europa por via férrea, rodoviária e fluvial, mas os preços de commodities vitais como trigo e cevada dispararam durante os quase cinco meses de guerra.

Cerca de 22 milhões de toneladas de trigo e outros alimentos estão bloqueados nos portos ucranianos por navios de guerra russos e minas que Kiev plantou para evitar um ataque marítimo. Essa crise disparou os preços dos alimentos em todo o mundo e deixou milhões de pessoas à beira da fome. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (Fao), 13,1 milhões de pessoas podem enfrentar a fome em 2022 se o conflito continuar.

Guterres celebrou o acordo como “sem precedentes” entre as partes em conflito e um “farol de esperança” no Mar Negro. Ele e o presidente turco Erdogan expressaram esperança de que o acordo seja um passo no caminho para uma paz negociada.

“A questão é: será que essas 20 milhões de toneladas serão suficientes para conter essa alta global do preço dos alimentos?”, questiona Maurício Santoro. “Ou será apenas um alívio momentâneo? Ou talvez nem chegue a refletir nos preços. Ainda há muitas inquietações, mas já é um sinal muito bom do ponto de vista político e diplomático que esse acordo tenha sido negociado”.

O acordo parecia improvável há duas semanas, considerando a profunda desconfiança entre as partes em conflito e a aparente falta de incentivos para a Rússia assinar o acordo. Mas parte do trabalho da ONU - que era uma exigência russa - se concentrou em convencer as companhias de transporte e seguros do setor privado de que poderiam transportar alimentos e fertilizantes russos para fora da Rússia sem entrar em conflito com as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia.

Neste ponto, o Brasil poderia ser um grande beneficiado, já que mais de 20% de seus fertilizantes são importados da Rússia e viu seu comércio ser afetado pela guerra. “Se a gente conseguir realmente que esse acordo sobre as exportações ucranianas seja implementado e talvez ele até vire algo permanente, isso criaria um cenário político mais favorável para negociações mais diretas envolvendo fertilizantes”, pontua Santoro.

“Nessa disputa dos fertilizantes você tem de um lado países como o Brasil que estão dizendo ‘nós não estamos envolvidos nessa guerra e o nosso medo é sofrer fome e um impacto na produção de comida’, e do outro há EUA e UE dizendo que se a Rússia puder exportar o que ela quiser esses recursos vão acabar achando usados na guerra”, afirma.

Mas não há dúvidas de que o Brasil também se beneficiará dessa retomada das exportações de grãos, ainda que não importe tão diretamente da Ucrânia. “O Brasil importa trigo principalmente da Argentina, mas como os preços globais aumentaram, o preço que nós pagamos aqui pelo trigo argentino também cresceu. Nós sofremos o impacto da reação em cadeia.”

Guterres levantou pela primeira vez a necessidade crítica de levar a produção agrícola da Ucrânia e os grãos e fertilizantes da Rússia de volta aos mercados mundiais no final de abril, durante reuniões com o presidente russo Vladimir Putin em Moscou e o presidente ucraniano Volodmir Zelenski em Kiev.

Enquanto a Rússia exigiu que seus grãos também fossem incluídos nas negociações, visando não sofrer sanções, a Ucrânia buscou garantias internacionais de que o Kremlin não usaria os corredores de segurança para atacar o porto de Odessa. As autoridades ucranianas também acusaram a Rússia de roubar grãos do leste da Ucrânia e bombardear deliberadamente campos ucranianos para incendiá-los.

Antes da guerra, secas na América do Norte e no Chifre da África, colheitas fracas na China e na França e a pandemia estavam espremendo o suprimento global de alimentos. Em dezembro, os preços globais do trigo haviam subido cerca de 80% em pouco mais de um ano, segundo o Fundo Monetário Internacional. Ao mesmo tempo, um salto nos preços do petróleo e do gás precipitado pela guerra levou a um aumento ainda mais acentuado no custo dos fertilizantes feitos em parte desses combustíveis. /Com informações de AFP, AP e NYT, W.POST

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