ANCARA - O governo turco tem provas sobre a tortura e morte do jornalista saudita desaparecido Jamal Khashoggi, mas revelá-las acabaria por expor sua prática de espionagem a representações diplomáticas estrangeiras em seu território, segundo veículos de imprensa americano e britânico.
O jornal Washington Post afirmou nesta sexta-feira, 12, que o governo turco informou aos EUA ter em seu poder gravações de áudios e vídeos do jornalista sendo morto no consulado saudita em Istambul este mês, de acordo com fontes de Washington e Ancara. A rede britânica BBC também publicou que fontes oficiais turcas asseguraram ter esse material que corrobora a tese de assassinato dentro do consulado.
Segundo o jornal, para o qual o Khashoggi escrevia, os registram seriam do momento em que ele foi "interrogado, torturado e, depois, assassinado" no interior do consulado. Em seguida, seu corpo teria sido desmembrado.
O Post explica que as gravações mostram o momento em que uma equipe de segurança saudita prende Khashoggi após ele entrar no consulado no dia 2 de outubro para obter documentos oficiais de divórcio para se preparar para seu casamento com sua noiva turca Hatice Cengiz.
A existência dessas evidências poderia explicar porque autoridades turcas acusaram a família real saudita tão rapidamente de ter matado Khashoggi. No entanto, autoridades de Ancara temem divulgá-las e, assim, tornar evidente como os espiões turcos agem em representações diplomáticas no país, disseram as fontes.
A fonte do governo turco citada pelo Post afirma que os áudios, em particular, são as evidências mais persuasivas e "horríveis" de que a equipe saudita é responsável pela morte de Khashoggi. "Pode-se ouvir a voz dele e de outros homens falando em árabe. Pode-se ouvir como ele foi interrogado, torturado e então morto", afirmou a fonte citada pelo jornal, que falou em condição de anonimato. Uma segunda fonte citada pelo Post afirma que é possível ouvir Khashoggi ser espancado.
O jornalista tem laços de longa data com a família real saudita, mas tem sido um crítico em seus textos sobre o atual governo saudita e o príncipe herdeiro, o príncipe Mohammed bin Salman.
Não está claro se as autoridades americanas ouviram ou assistiram aos registros, mas as fontes asseguraram que representantes do governo turco relataram a elas seu conteúdo.
O governo saudita nega envolvimento no desaparecimento de Khashoggi, e alega que ele deixou o consulado logo depois de entrar.
A Turquia informou na quinta-feira ter aceitado ao pedido da Arábia Saudita para formar uma comissão conjunta para investigar o que aconteceu com Khashoggi. Uma delegação saudita que integrará essa comissão chegou à Turquia nesta sexta-feira para se reunir com autoridades turcas.
Pressão
Enquanto isso, Riad vê crescer a pressão para que esclareça o caso, com líderes globais do mundo dos negócios rompendo suas conexões com a Arábia Saudita. O bilionário britânico Richard Branson anunciou que suspendeu negócios com o reino no Golfo e o CEO do Uber, Dara Khosrowshahi, informou que não comparecerá a uma conferência sobre investimento que o país sediará este mês.
O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, informou que também não comparecerá à conferência e veículos de imprensa como o Financial Times, Bloomberg, CNN e CNBC não farão mais sua cobertura.
Na Europa, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que quer saber "toda a verdade" sobre o desaparecimento do jornalista, afirmando que os primeiros detalhes de que se tem notícia são muito sérios. A chanceler alemão, Angela Merkel, afirmou, por meio seu porta-voz, Steffen Seibert, que as suspeitas de que se tem notícia são aterradoras e o desaparecimento deve ser esclarecido o mais rápido possível.
Trump
A noiva de Khashoggi cobrou nesta sexta-feira que o presidente americano, Donald Trump, use seu poder para descobrir o que aconteceu ao jornalista. Logo após a libertação do pastor evangélico americano Andrew Brunson pela Turquia, Trump tuitou dizendo que "trabalhou duro" por sua libertação. Hatice aproveitou a oportunidade para questionar por seu noivo: "E quanto a Jamal Khashoggi?", perguntou ela pelo Twitter.
Na quinta-feira, Trump disse que as relações entre os EUA e a Arábia Saudita são "excelentes" e ele não quer prejudicar os altamente lucrativos acordos sobre armas com Riad. / W. Post, EFE e AP