‘Ucrânia não deve realizar eleições em 2024′, diz ex-embaixador dos EUA em Kiev


Steven Pifer aponta que EUA e União Europeia não devem pressionar a Ucrânia para realizar eleições em 2024 por conta das dificuldades de organização de um pleito durante a guerra, mas Ocidente pode mudar de opinião se o conflito com a Rússia se estender até 2025

Por Daniel Gateno
Foto: Brookings Institute/Reprodução
Entrevista comSteven PiferEx-embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia

Se considerarmos as datas estabelecidas antes da guerra na Ucrânia, as eleições do país estão agendadas para março de 2024. Contudo, com o país em guerra, milhares de soldados espalhados pelo território e mais de seis milhões de refugiados, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, avalia que não é o ideal realizar eleições durante a guerra com a Rússia, que ocorre desde fevereiro de 2022.

Além disso, como o país está sob lei marcial, a legislação teria que ser mudada para que as eleições possam ser realizadas. De acordo com Steven Pifer, ex-embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia e analista do Instituto Brookings, as eleições na Ucrânia não devem acontecer em 2024, mas Kiev deve estabelecer um cronograma para a realização do pleito.

“Não seria saudável se eles adiassem as eleições indefinidamente, mas entendo que em março de 2024 vai ser muito difícil realizar eleições na Ucrânia”, aponta Pifer. O diplomata americano destaca que Estados Unidos e União Europeia não devem pressionar Kiev para que o pleito seja feito em 2024. “Se a guerra se arrastar até 2025 e 2026, acredito que a situação muda e pode ocorrer algum tipo de pressão, mas agora não”.

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Pifer, que também trabalhou na embaixada americana em Moscou, Varsóvia e Londres, avalia que a União Europeia deve continuar apoiando a Ucrânia em 2024, mas não tem a mesma certeza sobre os Estados Unidos. “Ao longo do ano os políticos americanos vão focar mais em política doméstica. O governo de Joe Biden pode até conseguir aprovar mais um pacote de ajuda para a Ucrânia, mas depois o cenário ficará cada vez mais focado nas eleições e eu temo que caso Donald Trump vença as eleições nos EUA, seu governo cortaria a ajuda para Kiev em 2025″.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, participa de coletiva de imprensa em Washington, Estados Unidos  Foto: Andrew Harnik / AP

Confira trechos da entrevista:

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Na sua avaliação, teremos eleições na Ucrânia em março de 2024? Volodimir Zelenski já declarou ser contra eleições durante a guerra por conta dos problemas logísticos

Os ucranianos estão sob lei marcial e por isso não podem realizar eleições, então eles não realizaram as eleições parlamentares e na minha opinião não devem realizar eleições presidenciais em março de 2024. Porém, eu acredito que não seria saudável para a democracia na Ucrânia se eles adiassem as eleições indefinidamente.

Mas eu entendo as razões para que os ucranianos pensem em adiar as eleições em março de 2024. Seria difícil pensar como eles fariam isso logisticamente, com tantos ucranianos vivendo em outros países desde o início da guerra, seria difícil fazer com que eles votassem, além dos ucranianos que vivem sob ocupação russa. Tem sido interessante observar como a sociedade civil ucraniana tem se manifestado e falado que eles não deveriam realizar eleições neste momento.

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Diversos partidos do Parlamento já declararam que não querem eleições neste momento e eu acredito que eles não queiram realizar eleições neste momento porque o presidente Volodimir Zelenski tem uma grande popularidade como um presidente em tempos de guerra na Ucrânia, então ele ganharia as eleições

Na minha avaliação, existe um consenso de que eleições não serão realizadas em março de 2024, mas acredito que eles precisam tentar estabelecer um cronograma, não podem só adiar as eleições sem entender o que isso significa.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, conversam durante o Fórum da União Europeia em Bruxelas, Bélgica  Foto: Virginia Mayo / AP
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Estados Unidos e União Europeia poderiam colocar alguma pressão na Ucrânia para que as eleições ocorressem?

Em algum momento esta pressão vai acontecer, mas não acredito que será em 2024. Não acredito que os EUA ou a União Europeia irão pressionar a Ucrânia a realizar eleições em 2024. Se a guerra se arrastar até 2025 e 2026, acredito que a situação muda e pode ocorrer algum tipo de pressão.

Por enquanto, não existe nenhuma indicação disso.

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Recentemente a administração de Zelensky proibiu o ex-presidente ucraniano e um dos líderes da oposição Petro Poroshenko de ir a Hungria para conversar com o primeiro-ministro Viktor Orban. O que isso significa? Pode ser uma guinada autoritária de Zelenski?

Honestamente eu não entendi esta decisão de Zelenski. Acredito que foi uma decisão inapropriada do governo, eles justificaram que era uma recomendação do Serviço Secreto da Ucrânia, mas não sei porque foi feito. A minha dúvida é se Poroshenko estava fazendo algo que Zelenski não estava gostando ou se a proibição ocorreu pelo fato dele querer ir para a Hungria, um país da União Europeia que não tem apoiado a Ucrânia.

Em 2022, Poroshenko chegou a atuar como uma espécie de emissário não oficial de Zelenski e ele sempre apoiou o presidente e a luta para que a Ucrânia se defendesse da Rússia.

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Como avalia o apoio do Ocidente a Ucrânia em 2023 e o que pode acontecer em 2024?

Estou surpreso em relação a isso, mas estou mais preocupado com o apoio americano à Ucrânia do que com a Europa. Pesquisas de opinião nos EUA ainda mostram que a população ainda apoia a assistência à Ucrânia, apesar de apoiar menos do que um ano atrás. As pesquisas mostram que se a Ucrânia está ganhando, então os americanos querem que Washington apoie mais Kiev e se a Ucrânia está perdendo, querem que apoie cada vez menos.

Os republicanos do Senado ainda apoiam a Ucrânia, acredito que em uma votação aberta no Senado teríamos mais de 75 votos para a Ucrânia. Na Câmara dos Deputados o apoio do Partido Republicano a Kiev é menor, mas ainda sim existe. O problema é que o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Mike Johnson, é um pouco mais hostil à Ucrânia e ele define o que será votado, então isso dificulta muito.

Sei que o governo de Joe Biden ainda está tentando um acordo com os republicanos para a aprovação de um pacote de ajuda para a Ucrânia, mas ainda não está claro se ele vai conseguir aprovar. Tenho medo que se Biden não conseguir aprovar um pacote para Kiev neste momento, ao longo de 2024 vai ficar mais difícil com os políticos focados em questões domésticas por conta das eleições americanas. Espero que a Casa Branca esteja estudando outras alternativas de apoiar a Ucrânia economicamente caso não seja possível passar um pacote via Congresso.

Caso Donald Trump vença as eleições em 2024, acredito que o apoio americano à Ucrânia irá diminuir muito. Acredito que Trump tenha alguma afinidade com Vladimir Putin, mas não acho que ele tenha afinidades com Zelenski. Uma vitória de Trump seria um desastre para a Ucrânia e para o mundo.

Na Europa ainda existe um apoio sólido. A Hungria é um problema para a Ucrânia, mas eles conseguiram fazer um acordo para aprovar o início das conversas para incluir a Ucrânia na União Europeia. A Polônia tinha alguns problemas relacionados à agricultura, mas acredito que isso é possível de se resolver, principalmente com Donald Tusk como primeiro-ministro, um governo que é mais alinhado com a UE e com os EUA.

Quais são as perspectivas para a guerra na Ucrânia em 2024?

A luta vai continuar. Não existe nenhum sinal de que os EUA estejam preparados para pressionar a Ucrânia a negociar, até porque eu acredito que essa deve ser uma decisão da Ucrânia.

Em parte porque não há absolutamente nenhuma evidência que sugira que os russos queiram de fato uma negociação. Talvez eles queiram negociar nos termos deles, mas isso não seria nada positivo para a Ucrânia.

Existe uma narrativa que se consolidou de que a Ucrânia está perdendo a guerra e eu discordo. A contraofensiva ucraniana não teve o êxito que eu esperava, mas não acho que podemos dizer que a Ucrânia está perdendo.

Soldado ucraniano carrega munição em Bakhmut, em meio ao confronto com os russos  Foto: Viacheslav Ratynskyi / REUTERS

A quantidade de território que a Rússia ocupa hoje em dezembro de 2023 é quase a mesma que na mesma época do ano passado. Eles ganharam um pouco mais, mas não muito. Se compararmos com junho de 2022, os russos perderam muito território, então não acho que podemos dizer que a Ucrânia está perdendo.

2024 será um ano difícil porque o Ocidente não vai conseguir replicar a quantidade de projéteis de artilharia fornecidos em 2023, mas acredito que eles precisam se preparar defensivamente no campo de batalha. Os russos ganharam um pouco de território nas últimas semanas, mas com um custo alto, perdendo de 500 a 1000 soldados por dia. Os ucranianos precisam fortalecer as defesas, recarregar a munição, treinar e quem sabe tentar uma nova contraofensiva no segundo semestre de 2024.

Os russos também tem eleições em 2024. O que podemos esperar? Este será o primeiro pleito russo desde a guerra na Ucrânia

Não há dúvida de que Vladimir Putin vai vencer, principalmente por conta dos relatos de fraude das últimas eleições. O atual presidente pode vencer até com mais de 80% dos votos. O que devemos ver é a participação eleitoral. Se tivermos uma participação eleitoral significativamente menor do que há seis anos atrás, então saberemos que uma parcela da população está insatisfeita. Portanto, veremos um grande esforço do Kremlin de tentar aumentar a participação eleitoral nas eleições que também irão acontecer em março.

Mas é importante destacar que pesquisas indicam que Putin continua um político bem popular na Rússia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião de seu gabinete em Moscou, Rússia  Foto: MIKHAIL KLIMENTYEV / AFP

O que poderíamos esperar de um novo mandato de seis anos de Putin?

Acredito que depende muito do que acontecer na Ucrânia. Se Putin vencer na Ucrânia, talvez ele possa se arriscar e entrar em algum tipo de confronto com a Moldávia, que também tenta entrar na União Europeia e na Otan.

Há alguns anos eu teria dito que a chance de Putin invadir a Ucrânia era perto de zero, então não sei o que o presidente russo pode fazer. Ele tem alguns problemas com os países bálticos, principalmente por conta de minorias étnicas russas nestes lugares, mas ele não conseguiria lutar contra a Otan neste momento.

Se ele ganhar na Ucrânia, Putin pode achar que consegue atacar outros países da região, mesmo alguns que estejam na Otan, na aposta de que nações como EUA, França e Alemanha não iriam apoiar um país como a Estônia, por exemplo, que faz parte da Otan. Mas eu acredito que ele não faria isso e os países da Otan iriam ajudar a repelir qualquer ameaça contra a aliança militar.

O que podemos esperar da oposição na eleição russa?

Existem alguns candidatos que irão concorrer contra Putin, mas eles fazem parte da oposição oficial do Kremlin, nenhum deles tem chance de vencer. Eles podem conseguir até 10% dos votos no máximo.

Alexei Navalni seria um candidato mais interessante se não estivesse preso, mas acredito que ele não conseguiria vencer Putin em uma eleição justa. Navalni poderia conseguir até 25% dos votos, o que seria inaceitável para o Kremlin, mas não tiraria Putin do poder em uma eleição justa e livre.

Se considerarmos as datas estabelecidas antes da guerra na Ucrânia, as eleições do país estão agendadas para março de 2024. Contudo, com o país em guerra, milhares de soldados espalhados pelo território e mais de seis milhões de refugiados, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, avalia que não é o ideal realizar eleições durante a guerra com a Rússia, que ocorre desde fevereiro de 2022.

Além disso, como o país está sob lei marcial, a legislação teria que ser mudada para que as eleições possam ser realizadas. De acordo com Steven Pifer, ex-embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia e analista do Instituto Brookings, as eleições na Ucrânia não devem acontecer em 2024, mas Kiev deve estabelecer um cronograma para a realização do pleito.

“Não seria saudável se eles adiassem as eleições indefinidamente, mas entendo que em março de 2024 vai ser muito difícil realizar eleições na Ucrânia”, aponta Pifer. O diplomata americano destaca que Estados Unidos e União Europeia não devem pressionar Kiev para que o pleito seja feito em 2024. “Se a guerra se arrastar até 2025 e 2026, acredito que a situação muda e pode ocorrer algum tipo de pressão, mas agora não”.

Pifer, que também trabalhou na embaixada americana em Moscou, Varsóvia e Londres, avalia que a União Europeia deve continuar apoiando a Ucrânia em 2024, mas não tem a mesma certeza sobre os Estados Unidos. “Ao longo do ano os políticos americanos vão focar mais em política doméstica. O governo de Joe Biden pode até conseguir aprovar mais um pacote de ajuda para a Ucrânia, mas depois o cenário ficará cada vez mais focado nas eleições e eu temo que caso Donald Trump vença as eleições nos EUA, seu governo cortaria a ajuda para Kiev em 2025″.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, participa de coletiva de imprensa em Washington, Estados Unidos  Foto: Andrew Harnik / AP

Confira trechos da entrevista:

Na sua avaliação, teremos eleições na Ucrânia em março de 2024? Volodimir Zelenski já declarou ser contra eleições durante a guerra por conta dos problemas logísticos

Os ucranianos estão sob lei marcial e por isso não podem realizar eleições, então eles não realizaram as eleições parlamentares e na minha opinião não devem realizar eleições presidenciais em março de 2024. Porém, eu acredito que não seria saudável para a democracia na Ucrânia se eles adiassem as eleições indefinidamente.

Mas eu entendo as razões para que os ucranianos pensem em adiar as eleições em março de 2024. Seria difícil pensar como eles fariam isso logisticamente, com tantos ucranianos vivendo em outros países desde o início da guerra, seria difícil fazer com que eles votassem, além dos ucranianos que vivem sob ocupação russa. Tem sido interessante observar como a sociedade civil ucraniana tem se manifestado e falado que eles não deveriam realizar eleições neste momento.

Diversos partidos do Parlamento já declararam que não querem eleições neste momento e eu acredito que eles não queiram realizar eleições neste momento porque o presidente Volodimir Zelenski tem uma grande popularidade como um presidente em tempos de guerra na Ucrânia, então ele ganharia as eleições

Na minha avaliação, existe um consenso de que eleições não serão realizadas em março de 2024, mas acredito que eles precisam tentar estabelecer um cronograma, não podem só adiar as eleições sem entender o que isso significa.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, conversam durante o Fórum da União Europeia em Bruxelas, Bélgica  Foto: Virginia Mayo / AP

Estados Unidos e União Europeia poderiam colocar alguma pressão na Ucrânia para que as eleições ocorressem?

Em algum momento esta pressão vai acontecer, mas não acredito que será em 2024. Não acredito que os EUA ou a União Europeia irão pressionar a Ucrânia a realizar eleições em 2024. Se a guerra se arrastar até 2025 e 2026, acredito que a situação muda e pode ocorrer algum tipo de pressão.

Por enquanto, não existe nenhuma indicação disso.

Recentemente a administração de Zelensky proibiu o ex-presidente ucraniano e um dos líderes da oposição Petro Poroshenko de ir a Hungria para conversar com o primeiro-ministro Viktor Orban. O que isso significa? Pode ser uma guinada autoritária de Zelenski?

Honestamente eu não entendi esta decisão de Zelenski. Acredito que foi uma decisão inapropriada do governo, eles justificaram que era uma recomendação do Serviço Secreto da Ucrânia, mas não sei porque foi feito. A minha dúvida é se Poroshenko estava fazendo algo que Zelenski não estava gostando ou se a proibição ocorreu pelo fato dele querer ir para a Hungria, um país da União Europeia que não tem apoiado a Ucrânia.

Em 2022, Poroshenko chegou a atuar como uma espécie de emissário não oficial de Zelenski e ele sempre apoiou o presidente e a luta para que a Ucrânia se defendesse da Rússia.

Como avalia o apoio do Ocidente a Ucrânia em 2023 e o que pode acontecer em 2024?

Estou surpreso em relação a isso, mas estou mais preocupado com o apoio americano à Ucrânia do que com a Europa. Pesquisas de opinião nos EUA ainda mostram que a população ainda apoia a assistência à Ucrânia, apesar de apoiar menos do que um ano atrás. As pesquisas mostram que se a Ucrânia está ganhando, então os americanos querem que Washington apoie mais Kiev e se a Ucrânia está perdendo, querem que apoie cada vez menos.

Os republicanos do Senado ainda apoiam a Ucrânia, acredito que em uma votação aberta no Senado teríamos mais de 75 votos para a Ucrânia. Na Câmara dos Deputados o apoio do Partido Republicano a Kiev é menor, mas ainda sim existe. O problema é que o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Mike Johnson, é um pouco mais hostil à Ucrânia e ele define o que será votado, então isso dificulta muito.

Sei que o governo de Joe Biden ainda está tentando um acordo com os republicanos para a aprovação de um pacote de ajuda para a Ucrânia, mas ainda não está claro se ele vai conseguir aprovar. Tenho medo que se Biden não conseguir aprovar um pacote para Kiev neste momento, ao longo de 2024 vai ficar mais difícil com os políticos focados em questões domésticas por conta das eleições americanas. Espero que a Casa Branca esteja estudando outras alternativas de apoiar a Ucrânia economicamente caso não seja possível passar um pacote via Congresso.

Caso Donald Trump vença as eleições em 2024, acredito que o apoio americano à Ucrânia irá diminuir muito. Acredito que Trump tenha alguma afinidade com Vladimir Putin, mas não acho que ele tenha afinidades com Zelenski. Uma vitória de Trump seria um desastre para a Ucrânia e para o mundo.

Na Europa ainda existe um apoio sólido. A Hungria é um problema para a Ucrânia, mas eles conseguiram fazer um acordo para aprovar o início das conversas para incluir a Ucrânia na União Europeia. A Polônia tinha alguns problemas relacionados à agricultura, mas acredito que isso é possível de se resolver, principalmente com Donald Tusk como primeiro-ministro, um governo que é mais alinhado com a UE e com os EUA.

Quais são as perspectivas para a guerra na Ucrânia em 2024?

A luta vai continuar. Não existe nenhum sinal de que os EUA estejam preparados para pressionar a Ucrânia a negociar, até porque eu acredito que essa deve ser uma decisão da Ucrânia.

Em parte porque não há absolutamente nenhuma evidência que sugira que os russos queiram de fato uma negociação. Talvez eles queiram negociar nos termos deles, mas isso não seria nada positivo para a Ucrânia.

Existe uma narrativa que se consolidou de que a Ucrânia está perdendo a guerra e eu discordo. A contraofensiva ucraniana não teve o êxito que eu esperava, mas não acho que podemos dizer que a Ucrânia está perdendo.

Soldado ucraniano carrega munição em Bakhmut, em meio ao confronto com os russos  Foto: Viacheslav Ratynskyi / REUTERS

A quantidade de território que a Rússia ocupa hoje em dezembro de 2023 é quase a mesma que na mesma época do ano passado. Eles ganharam um pouco mais, mas não muito. Se compararmos com junho de 2022, os russos perderam muito território, então não acho que podemos dizer que a Ucrânia está perdendo.

2024 será um ano difícil porque o Ocidente não vai conseguir replicar a quantidade de projéteis de artilharia fornecidos em 2023, mas acredito que eles precisam se preparar defensivamente no campo de batalha. Os russos ganharam um pouco de território nas últimas semanas, mas com um custo alto, perdendo de 500 a 1000 soldados por dia. Os ucranianos precisam fortalecer as defesas, recarregar a munição, treinar e quem sabe tentar uma nova contraofensiva no segundo semestre de 2024.

Os russos também tem eleições em 2024. O que podemos esperar? Este será o primeiro pleito russo desde a guerra na Ucrânia

Não há dúvida de que Vladimir Putin vai vencer, principalmente por conta dos relatos de fraude das últimas eleições. O atual presidente pode vencer até com mais de 80% dos votos. O que devemos ver é a participação eleitoral. Se tivermos uma participação eleitoral significativamente menor do que há seis anos atrás, então saberemos que uma parcela da população está insatisfeita. Portanto, veremos um grande esforço do Kremlin de tentar aumentar a participação eleitoral nas eleições que também irão acontecer em março.

Mas é importante destacar que pesquisas indicam que Putin continua um político bem popular na Rússia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião de seu gabinete em Moscou, Rússia  Foto: MIKHAIL KLIMENTYEV / AFP

O que poderíamos esperar de um novo mandato de seis anos de Putin?

Acredito que depende muito do que acontecer na Ucrânia. Se Putin vencer na Ucrânia, talvez ele possa se arriscar e entrar em algum tipo de confronto com a Moldávia, que também tenta entrar na União Europeia e na Otan.

Há alguns anos eu teria dito que a chance de Putin invadir a Ucrânia era perto de zero, então não sei o que o presidente russo pode fazer. Ele tem alguns problemas com os países bálticos, principalmente por conta de minorias étnicas russas nestes lugares, mas ele não conseguiria lutar contra a Otan neste momento.

Se ele ganhar na Ucrânia, Putin pode achar que consegue atacar outros países da região, mesmo alguns que estejam na Otan, na aposta de que nações como EUA, França e Alemanha não iriam apoiar um país como a Estônia, por exemplo, que faz parte da Otan. Mas eu acredito que ele não faria isso e os países da Otan iriam ajudar a repelir qualquer ameaça contra a aliança militar.

O que podemos esperar da oposição na eleição russa?

Existem alguns candidatos que irão concorrer contra Putin, mas eles fazem parte da oposição oficial do Kremlin, nenhum deles tem chance de vencer. Eles podem conseguir até 10% dos votos no máximo.

Alexei Navalni seria um candidato mais interessante se não estivesse preso, mas acredito que ele não conseguiria vencer Putin em uma eleição justa. Navalni poderia conseguir até 25% dos votos, o que seria inaceitável para o Kremlin, mas não tiraria Putin do poder em uma eleição justa e livre.

Se considerarmos as datas estabelecidas antes da guerra na Ucrânia, as eleições do país estão agendadas para março de 2024. Contudo, com o país em guerra, milhares de soldados espalhados pelo território e mais de seis milhões de refugiados, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, avalia que não é o ideal realizar eleições durante a guerra com a Rússia, que ocorre desde fevereiro de 2022.

Além disso, como o país está sob lei marcial, a legislação teria que ser mudada para que as eleições possam ser realizadas. De acordo com Steven Pifer, ex-embaixador dos Estados Unidos na Ucrânia e analista do Instituto Brookings, as eleições na Ucrânia não devem acontecer em 2024, mas Kiev deve estabelecer um cronograma para a realização do pleito.

“Não seria saudável se eles adiassem as eleições indefinidamente, mas entendo que em março de 2024 vai ser muito difícil realizar eleições na Ucrânia”, aponta Pifer. O diplomata americano destaca que Estados Unidos e União Europeia não devem pressionar Kiev para que o pleito seja feito em 2024. “Se a guerra se arrastar até 2025 e 2026, acredito que a situação muda e pode ocorrer algum tipo de pressão, mas agora não”.

Pifer, que também trabalhou na embaixada americana em Moscou, Varsóvia e Londres, avalia que a União Europeia deve continuar apoiando a Ucrânia em 2024, mas não tem a mesma certeza sobre os Estados Unidos. “Ao longo do ano os políticos americanos vão focar mais em política doméstica. O governo de Joe Biden pode até conseguir aprovar mais um pacote de ajuda para a Ucrânia, mas depois o cenário ficará cada vez mais focado nas eleições e eu temo que caso Donald Trump vença as eleições nos EUA, seu governo cortaria a ajuda para Kiev em 2025″.

O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, participa de coletiva de imprensa em Washington, Estados Unidos  Foto: Andrew Harnik / AP

Confira trechos da entrevista:

Na sua avaliação, teremos eleições na Ucrânia em março de 2024? Volodimir Zelenski já declarou ser contra eleições durante a guerra por conta dos problemas logísticos

Os ucranianos estão sob lei marcial e por isso não podem realizar eleições, então eles não realizaram as eleições parlamentares e na minha opinião não devem realizar eleições presidenciais em março de 2024. Porém, eu acredito que não seria saudável para a democracia na Ucrânia se eles adiassem as eleições indefinidamente.

Mas eu entendo as razões para que os ucranianos pensem em adiar as eleições em março de 2024. Seria difícil pensar como eles fariam isso logisticamente, com tantos ucranianos vivendo em outros países desde o início da guerra, seria difícil fazer com que eles votassem, além dos ucranianos que vivem sob ocupação russa. Tem sido interessante observar como a sociedade civil ucraniana tem se manifestado e falado que eles não deveriam realizar eleições neste momento.

Diversos partidos do Parlamento já declararam que não querem eleições neste momento e eu acredito que eles não queiram realizar eleições neste momento porque o presidente Volodimir Zelenski tem uma grande popularidade como um presidente em tempos de guerra na Ucrânia, então ele ganharia as eleições

Na minha avaliação, existe um consenso de que eleições não serão realizadas em março de 2024, mas acredito que eles precisam tentar estabelecer um cronograma, não podem só adiar as eleições sem entender o que isso significa.

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski e o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, conversam durante o Fórum da União Europeia em Bruxelas, Bélgica  Foto: Virginia Mayo / AP

Estados Unidos e União Europeia poderiam colocar alguma pressão na Ucrânia para que as eleições ocorressem?

Em algum momento esta pressão vai acontecer, mas não acredito que será em 2024. Não acredito que os EUA ou a União Europeia irão pressionar a Ucrânia a realizar eleições em 2024. Se a guerra se arrastar até 2025 e 2026, acredito que a situação muda e pode ocorrer algum tipo de pressão.

Por enquanto, não existe nenhuma indicação disso.

Recentemente a administração de Zelensky proibiu o ex-presidente ucraniano e um dos líderes da oposição Petro Poroshenko de ir a Hungria para conversar com o primeiro-ministro Viktor Orban. O que isso significa? Pode ser uma guinada autoritária de Zelenski?

Honestamente eu não entendi esta decisão de Zelenski. Acredito que foi uma decisão inapropriada do governo, eles justificaram que era uma recomendação do Serviço Secreto da Ucrânia, mas não sei porque foi feito. A minha dúvida é se Poroshenko estava fazendo algo que Zelenski não estava gostando ou se a proibição ocorreu pelo fato dele querer ir para a Hungria, um país da União Europeia que não tem apoiado a Ucrânia.

Em 2022, Poroshenko chegou a atuar como uma espécie de emissário não oficial de Zelenski e ele sempre apoiou o presidente e a luta para que a Ucrânia se defendesse da Rússia.

Como avalia o apoio do Ocidente a Ucrânia em 2023 e o que pode acontecer em 2024?

Estou surpreso em relação a isso, mas estou mais preocupado com o apoio americano à Ucrânia do que com a Europa. Pesquisas de opinião nos EUA ainda mostram que a população ainda apoia a assistência à Ucrânia, apesar de apoiar menos do que um ano atrás. As pesquisas mostram que se a Ucrânia está ganhando, então os americanos querem que Washington apoie mais Kiev e se a Ucrânia está perdendo, querem que apoie cada vez menos.

Os republicanos do Senado ainda apoiam a Ucrânia, acredito que em uma votação aberta no Senado teríamos mais de 75 votos para a Ucrânia. Na Câmara dos Deputados o apoio do Partido Republicano a Kiev é menor, mas ainda sim existe. O problema é que o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Mike Johnson, é um pouco mais hostil à Ucrânia e ele define o que será votado, então isso dificulta muito.

Sei que o governo de Joe Biden ainda está tentando um acordo com os republicanos para a aprovação de um pacote de ajuda para a Ucrânia, mas ainda não está claro se ele vai conseguir aprovar. Tenho medo que se Biden não conseguir aprovar um pacote para Kiev neste momento, ao longo de 2024 vai ficar mais difícil com os políticos focados em questões domésticas por conta das eleições americanas. Espero que a Casa Branca esteja estudando outras alternativas de apoiar a Ucrânia economicamente caso não seja possível passar um pacote via Congresso.

Caso Donald Trump vença as eleições em 2024, acredito que o apoio americano à Ucrânia irá diminuir muito. Acredito que Trump tenha alguma afinidade com Vladimir Putin, mas não acho que ele tenha afinidades com Zelenski. Uma vitória de Trump seria um desastre para a Ucrânia e para o mundo.

Na Europa ainda existe um apoio sólido. A Hungria é um problema para a Ucrânia, mas eles conseguiram fazer um acordo para aprovar o início das conversas para incluir a Ucrânia na União Europeia. A Polônia tinha alguns problemas relacionados à agricultura, mas acredito que isso é possível de se resolver, principalmente com Donald Tusk como primeiro-ministro, um governo que é mais alinhado com a UE e com os EUA.

Quais são as perspectivas para a guerra na Ucrânia em 2024?

A luta vai continuar. Não existe nenhum sinal de que os EUA estejam preparados para pressionar a Ucrânia a negociar, até porque eu acredito que essa deve ser uma decisão da Ucrânia.

Em parte porque não há absolutamente nenhuma evidência que sugira que os russos queiram de fato uma negociação. Talvez eles queiram negociar nos termos deles, mas isso não seria nada positivo para a Ucrânia.

Existe uma narrativa que se consolidou de que a Ucrânia está perdendo a guerra e eu discordo. A contraofensiva ucraniana não teve o êxito que eu esperava, mas não acho que podemos dizer que a Ucrânia está perdendo.

Soldado ucraniano carrega munição em Bakhmut, em meio ao confronto com os russos  Foto: Viacheslav Ratynskyi / REUTERS

A quantidade de território que a Rússia ocupa hoje em dezembro de 2023 é quase a mesma que na mesma época do ano passado. Eles ganharam um pouco mais, mas não muito. Se compararmos com junho de 2022, os russos perderam muito território, então não acho que podemos dizer que a Ucrânia está perdendo.

2024 será um ano difícil porque o Ocidente não vai conseguir replicar a quantidade de projéteis de artilharia fornecidos em 2023, mas acredito que eles precisam se preparar defensivamente no campo de batalha. Os russos ganharam um pouco de território nas últimas semanas, mas com um custo alto, perdendo de 500 a 1000 soldados por dia. Os ucranianos precisam fortalecer as defesas, recarregar a munição, treinar e quem sabe tentar uma nova contraofensiva no segundo semestre de 2024.

Os russos também tem eleições em 2024. O que podemos esperar? Este será o primeiro pleito russo desde a guerra na Ucrânia

Não há dúvida de que Vladimir Putin vai vencer, principalmente por conta dos relatos de fraude das últimas eleições. O atual presidente pode vencer até com mais de 80% dos votos. O que devemos ver é a participação eleitoral. Se tivermos uma participação eleitoral significativamente menor do que há seis anos atrás, então saberemos que uma parcela da população está insatisfeita. Portanto, veremos um grande esforço do Kremlin de tentar aumentar a participação eleitoral nas eleições que também irão acontecer em março.

Mas é importante destacar que pesquisas indicam que Putin continua um político bem popular na Rússia.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de uma reunião de seu gabinete em Moscou, Rússia  Foto: MIKHAIL KLIMENTYEV / AFP

O que poderíamos esperar de um novo mandato de seis anos de Putin?

Acredito que depende muito do que acontecer na Ucrânia. Se Putin vencer na Ucrânia, talvez ele possa se arriscar e entrar em algum tipo de confronto com a Moldávia, que também tenta entrar na União Europeia e na Otan.

Há alguns anos eu teria dito que a chance de Putin invadir a Ucrânia era perto de zero, então não sei o que o presidente russo pode fazer. Ele tem alguns problemas com os países bálticos, principalmente por conta de minorias étnicas russas nestes lugares, mas ele não conseguiria lutar contra a Otan neste momento.

Se ele ganhar na Ucrânia, Putin pode achar que consegue atacar outros países da região, mesmo alguns que estejam na Otan, na aposta de que nações como EUA, França e Alemanha não iriam apoiar um país como a Estônia, por exemplo, que faz parte da Otan. Mas eu acredito que ele não faria isso e os países da Otan iriam ajudar a repelir qualquer ameaça contra a aliança militar.

O que podemos esperar da oposição na eleição russa?

Existem alguns candidatos que irão concorrer contra Putin, mas eles fazem parte da oposição oficial do Kremlin, nenhum deles tem chance de vencer. Eles podem conseguir até 10% dos votos no máximo.

Alexei Navalni seria um candidato mais interessante se não estivesse preso, mas acredito que ele não conseguiria vencer Putin em uma eleição justa. Navalni poderia conseguir até 25% dos votos, o que seria inaceitável para o Kremlin, mas não tiraria Putin do poder em uma eleição justa e livre.

Entrevista por Daniel Gateno

Repórter da editoria de internacional do Estadão

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