O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba, fez um apelo nesta quarta-feira, 15, para que presidentes e líderes latino-americanos abandonem a neutralidade e escolham o lado certo da História na guerra da Ucrânia. Em conferência organizada pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), o chanceler afirmou que Kiev prepara uma política externa específica para a região e que espera aprofundar relações com o Brasil - que ganhou um papel central nas últimas semanas, após pedidos da Otan por envios de munição ao Leste Europeu.
“Certa vez, tínhamos uma relação muito boa com o Brasil. Tínhamos um grande projeto de construir em conjunto uma plataforma de lançamento de foguetes. Esse projeto morreu, e durante anos não tivemos diplomacia, nenhum encontro real [para tratar] da relação. Agora, com a eleição do novo presidente, estaremos reavaliando o projeto de construção de nossa relação com o Brasil”, afirmou Kuleba.
O interesse expresso de aproximação com a região também indica uma retomada da iniciativa do chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, durante sua tour de janeiro pela América do Sul, na tentativa de incluir países como Brasil, Chile e Argentina na lista de fornecedores de munição para a Ucrânia ― apesar de não ter obtido nenhum compromisso relevante dos colegas sul-americanos.
Há pouco mais de duas semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva negou o pedido de Scholz para se unir ao esforço internacional para enviar munição à Ucrânia. Após a reunião entre os dois em Brasília, em 30 de janeiro, Lula afirmou que “o Brasil é um país da paz” e disse não ter intenção de enviar armamentos para serem utilizados por Ucrânia ou Rússia. Em vez disso, propôs a criação de uma espécie de grupo de negociação para tentar alcançar uma saída diplomática. Ele admitiu, porém, que a Rússia estava errada.
Tanto o apelo de Scholz quanto a sinalização de Kuleba ocorrem em um momento de dificuldades na parte logística. Embora a Otan tenha se comprometido recentemente com o envio de tanques pesados para a Ucrânia e com o treinamento de soldados na operação das máquinas de guerra, os aliados ocidentais deram sinais claros de que a guerra contra os russos está causando problemas para as linhas de suprimento bélico de seus países.
Na segunda-feira, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, afirmou que o volume de munição gasto pelas tropas ucranianas é superior à atual capacidade de produção da aliança militar. “Isto coloca nossas indústrias de defesa sob pressão”, disse Stoltenberg em uma coletiva de imprensa em Bruxelas. Ainda de acordo com o chefe da aliança militar, os países do Ocidente estão trabalhando para aumentar a capacidade de produção ― mas não fez nenhuma menção a quanto tempo seria necessário para suprir o déficit provocado pelo conflito do Leste Europeu.
Fim da neutralidade
Falando a partir de uma sala de conferência em Kiev, Kuleba afirmou que a questão mais urgente a ser tratada com os países latino-americanos é o fim da neutralidade com relação ao conflito na Ucrânia. “O maior problema e o maior pedido que temos é um chamado para que todos os líderes dos países da América Latina e do Caribe deixem de lado a chamada neutralidade e escolham o lado certo da História”, disse.
Na avaliação do chanceler ucraniano, embora o país tenha uma presença rasa no cotidiano da região, é de interesse dos países latino-americanos o fim das agressões russas e sua responsabilização pela invasão.
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“Estou confiante de que os países da América Latina estão muito interessados nisso. Não se trata apenas da Ucrânia, mas ao atacar nosso país de maneira tão brutal e ilegal, a Rússia minou a estabilidade global e os princípios fundamentais da carta da ONU. Todos os agressores em potencial ao redor do mundo estão acompanhando de perto se a Rússia conseguirá se safar impune”, afirmou.
Questionado sobre o posicionamento reticente de muitos países em se manifestar sobre o conflito, Kuleba disse que há “tons de neutralidade”, dividindo os países entre aqueles que condenam a guerra no âmbito da ONU, mas não tomam medidas concretas, os que não oferecem ajuda militar, mas entregam ajuda humanitária, e os que tentam manter uma boa relação com a Ucrânia e a Rússia ao mesmo tempo.
“Acredito que existem alguns pontos de referência que deixam a posição [de cada país] bem clara. Uma delas é o voto a favor das resoluções gerais da ONU em resposta à agressão russa contra a Ucrânia. A segunda referência é saber se determinado país fornece apoio prático à Ucrânia. A terceira é apertar as mãos do presidente [russo] Putin e do ministro [das Relações Exteriores] Lavrov, porque suas mãos estão sujas de sangue de civis, de mulheres e crianças mortas na Ucrânia”.
Mapeamento dos países e fim da neutralidade
O primeiro plano estratégico de política externa da Ucrânia para a América Latina está em fase de finalização, segundo Kuleba. No momento, Kiev trabalha em uma espécie de avaliação posicional, na tentativa de compreender qual a perspectiva de abrir um relacionamento com cada um deles.
“[Avaliamos] o que podemos dar a esse país e o que podemos receber em uma perspectiva de longo prazo”, explicou, sem dar maiores detalhes.
A ideia de Kuleba é não apenas aprofundar laços, mas também ampliar a presença diplomática na região. Ele disse pretender visitar países sul-americanos nessa tentativa ao longo do ano.
“Por muito tempo, o foco de nossa política externa esteve voltado principalmente para nossos aliados tradicionais na Europa e na América do Norte. Chegou a hora de expandir nossa área de atuação e compensar nossa falta de atenção anterior”, disse o chanceler.