Ucrânia tenta abrir brechas nas defesas russas, e EUA pressionam por avanço decisivo


Os comandantes ucranianos ainda não usaram táticas ofensivas de grande escala para as quais foram treinados; Kiev afirma precisar de mais armas para travar a guerra que Washington deseja

Por Missy Ryan, Isabelle Khurshudyan e Michael Birnbaum
Atualização:

A Ucrânia tem alcançado progressos limitados em sua contraofensiva às forças russas, mas ainda não empregou operações em grande escala que, acreditam as autoridades americanas, possibilitariam seu avanço, afirmam autoridades e analistas, o que aprofunda dúvidas entre alguns dos principais apoiadores dos ucranianos a respeito de Kiev ser capaz de se movimentar rapidamente o suficiente com um estoque limitado de munições e armas.

Cinco semanas após o início da operação altamente antecipada, as forças ucranianas tentam enfraquecer as defesas russas disparando saraivadas de projéteis de artilharia e mísseis e acionando pequenas unidades de neutralização de minas nos amplos campos minados que constituem o círculo de defesa mais exterior de sua adversária. Mas o ritmo do avanço em três focos principais ao longo da vasta linha de frente, de 965 quilômetros, tem gerado preocupações no Ocidente a respeito da possibilidade do presidente Volodmir Zelenski não desferir um golpe tão potente quanto poderia.

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Uma autoridade americana, que falou sob condição de anonimato para compartilhar o entendimento de Washington a respeito da operação, afirmou que os EUA e outros países treinaram militares ucranianos em manobras ofensivas integradas e forneceram equipamentos de neutralização de minas que incluem rolos antiminas e cargas explosivas disparados por sistemas de foguetes.

Um soldado ucraniano dispara um obus rebocado de 152 mm D-20 em posições russas na linha de frente perto de Bakhmut, leste da Ucrânia, em 20 de julho de 2023, em meio à invasão russa da Ucrânia Foto: Genya Savilov/AFP

“Aplicar todas essas capacidades de maneira que os possibilite romper esses obstáculos — e fazer isso rapidamente — é primordial”, afirmou a autoridade. Ao mesmo tempo, acrescentou a fonte, conforme as forças ucranianas enfrentam ataques intensos de munições antitanque e drones armados da Rússia, “nós não subestimamos nem menosprezamos a situação, que é muito dura”.

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Sublinhando análises em evolução a respeito da operação, que Kiev lançou no início de junho após meses de preparativos, há um debate a respeito das táticas mais capazes de permitir à Ucrânia romper linhas russas altamente fortificadas e recapturar território suficiente para possivelmente incentivar o presidente Vladimir Putin a abandonar seu objetivo de cimentar controle permanente sobre vastas faixas da Ucrânia.

Autoridades ocidentais e analistas afirmam que a Ucrânia, até aqui, vem aplicando uma estratégia de desgaste destinada amplamente a criar vulnerabilidades nas linhas russas por meio de disparos de artilharia e mísseis contra bases de comando e infraestruturas de transporte e logística na retaguarda das posições russas, em vez de conduzir o que oficiais militares do Ocidente chamam de operações de “armas combinadas”, que envolvem manobras coordenadas de grandes regimentos de tanques, blindados, infantaria, artilharia e, às vezes, força aérea.

Imagens de drones mostram um tanque em chamas depois de ser atingido por um disparo da artilharia russa, em meio ao ataque da Rússia à Ucrânia, em Bakhmut Foto: Exército ucraniano/Reuters
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Os comandantes militares ucranianos argumentam que, por lhes faltar poderio aéreo, eles devem evitar perdas contra um adversário com uma reserva de recrutas e armamentos muito maior. Para preservar seus homens, a Ucrânia acionou na atual campanha apenas 4 de suas 12 brigadas treinadas.

“Nós não podemos promover uma carnificina como fazem os russos com suas táticas”, disse em entrevista o ministro ucraniano da Defesa, Oleksii Reznikov. “Para nós, a coisa mais preciosa é a vida e o bem-estar dos nossos soldados. É por este motivo que nossa missão é alcançar sucesso no front ao mesmo tempo protegendo vidas.”

Progresso

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O Instituto para o Estudo da Guerra, centro de análise com sede em Washington que acompanha e registra desdobramentos no campo de batalha diariamente, calcula que a Ucrânia libertou cerca de 250 quilômetros quadrados desde o início de sua contraofensiva, bem menos do que o Ocidente espera e, conforme reconheceu Zelenski, num ritmo mais lento do que o esperado pelo governo ucraniano.

As expectativas são altas: a contraofensiva ucraniana do outono passado (Hemisfério Norte) rendeu avanços inesperados contra tropas russas despreparadas e desmotivadas, incluindo a retomada de áreas estratégicas nas regiões de Kharkiv e Kherson.

Analistas militares afirmam que há diferenças importantes desta vez que favorecem Moscou. Ao contrário do outono passado, quando os líderes do Kremlin pareciam duvidar da capacidade da Ucrânia de contra-atacar, agora as tropas russas tiveram meses para plantar minas, cavar trincheiras e posicionar unidades anti blindados e drones que têm dificultado o avanço dos ucranianos. E ao contrário da retomada pela Ucrânia da cidade portuária de Kherson, onde Moscou teve dificuldades para reabastecer e defender posições no Rio Dnipro, as forças russas na atual linha de frente não têm grandes obstáculos na retaguarda.

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O presidente da Ucrania, Volodmir Zelenski, reconheceu que Kiev ainda não avançou tanto em sua contraofensiva para recuperar territórios  Foto: Clodagh Kilcoyne / Reuters

Ainda que mostre sinais de tensão — incluindo a dispensa de um alto comandante russo, a morte relatada de um outro graduado militar em um ataque ucraniano e a retirada das forças mercenárias Wagner — o Exército russo tem se mostrado um adversário formidável. A Rússia tem conseguido mandar novos soldados para as linhas de frente, impulsionada em parte pela aceleração da mobilização empreendida por Putin domesticamente.

Outra importante característica das defesas de Moscou é a onipresença de drones que fornecem às forças russas informações granulares em tempo real a respeito das posições das tropas ucranianas, possibilitando-lhes conduzir ataques kamikaze e fazer mira de ataques, um desafio que nem mesmo as forças americanas — apesar de toda sua experiência em combate nas décadas recentes — já encararam nessa escala.

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Analistas afirmam que as tentativas da Ucrânia de romper as defesas russas com unidades de blindados no início da contraofensiva foram respondidas com saraivadas arrasadoras de artilharia, mísseis antitanque, drones kamikaze e fogo de helicópteros, gerando perdas significativas. As autoridades de Kiev afirmam que a Rússia tem sido especialmente ágil em disparar contra veículos blindados e equipamentos de neutralização de minas como cargas de limpeza de minas (MICLIC) quando os ucranianos tentam avançar.

Avanços lentos

Como resultado, os comandantes ucranianos têm optado por avanços mais modestos, envolvendo unidades de 15 a 50 soldados a pé, afirmou a analista Katerina Stepanenko, especialista em Rússia do Instituto para o Estudo da Guerra. Alguns desses militares são operadores de neutralização de minas que avançam arrastando-se no chão para desarmar as minas do inimigo. Outras unidades de infantaria ficam de guarda, armadas com mísseis superfície-ar, para derrubar helicópteros russos.

O ex-oficial de infantaria do Corpo de Fuzileiros Navais Rob Lee, que trabalha atualmente no Instituto de Pesquisa em Política Externa, afirmou que as táticas da Ucrânia podem minimizar baixas — mas têm um lado negativo.

“Avançar a pé provavelmente reduz o desgaste que eles sofrem”, afirmou ele. “Mas significa que os avanços serão mais lentos e haverá menos oportunidade de alcançar um desfecho súbito.”

Kiev ganhou impulso este mês quando o presidente Joe Biden autorizou o fornecimento de munições de fragmentação para as forças ucranianas, liberando um estoque de munições de artilharia controvertidas, mas capaz de suprir a Ucrânia até as nações ocidentais conseguirem fabricar mais projéteis comuns.

Analistas afirmam que outro impedimento à montagem de operações em maior escala é o treinamento limitado que os soldados ucranianos receberam ao longo do inverno em táticas de armas combinadas, estratégia que as forças americanas ensaiam anualmente num centro de treinamento especializado.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se reuniu com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, durante a cúpula da Otan, em Vilna  Foto: Doug Mills / NYT

Autoridades americanas têm relutado em comentar detalhadamente as táticas da Ucrânia porque não querem ser percebidas como críticas em relação a um parceiro próximo num momento de ameaça existencial.

O tenente-general Douglas Sims, oficial sênior do Estado-Maior Conjunto dos EUA, notou que tem sido requerido dos soldados ucranianos empregar novos equipamentos e táticas “ao mesmo tempo que eles são alvo de fogo e bombardeios”, à medida que eles tentam atravessar um campo minado massivo. Sims notou que levou meses até que avanços ocorressem em outros grandes campos de batalha históricos.

“E por este motivo, onde eles estão ganhando centenas de metros por dia, talvez 1 quilômetro em alguns lugares, eles o fazem sob grande custo em termos de esforço”, disse o oficial a repórteres na semana passada. “É uma guerra pesada, em terreno difícil, sob fogo constante. E realmente, levando-se tudo isso em conta, (o esforço ucraniano) é bastante notável”, afirmou ele.

Mas à medida que a campanha segue sem ganhos em grande escala, o general Valeri Zaluzhni, comandante das Forças Armadas da Ucrânia, faz apelos urgentes por doações de armamento aéreo do Ocidente para compensar as desvantagens de Kiev.

Um soldado ucraniano prepara uma carga para um projétil de 152 mm em uma posição na linha de frente perto de Bakhmut, leste da Ucrânia, em 20 de julho de 2023, em meio à invasão russa da Ucrânia Foto: Genya Savilov/ AFP

Ainda que o governo Biden não tenha concordado em fornecer diretamente os caças de combate F-16 que a Ucrânia deseja, a Casa Branca cedeu permitindo que outros países transfiram seus próprios jatos de fabricação americana para os ucranianos. Um esforço de treinamento liderado pelos europeus é aguardado para o próximo mês.

As autoridades ucranianas ressaltaram que Exércitos ocidentais nunca empreenderiam uma operação massiva — num conflito que ele classifica como o mais intenso desde a 2.ª Guerra — sem apoio aéreo.

“Então é no mínimo ridículo pessoas que não têm nem ideia do que é isso dizerem que a coisa está devagar ou rápida demais”, afirmou Zaluzhni em entrevista. “As pessoas não sabem o que é isso. E que Deus as proteja de algum dia passar por isso em suas vidas.”

Privadamente, autoridades americanas afirmam que os jatos ocidentais teriam pouca utilidade nos atuais combates porque a Rússia possui fortes defesas aéreas. “A questão é simplesmente continuar a aplicar pressão com uma estratégia de armas cominadas”, afirmou a autoridade americana.

Autoridades de Washington dizem esperar que a Ucrânia por fim atravesse os campos minados e se aproxime das principais linhas de defesa russas. As forças ucranianas “têm de ter cuidado e calcular bem neste momento o uso de artilharia enquanto atravessam campos minados”, afirmou uma segunda autoridade americana, que, da mesma forma que outras autoridades ouvidas pela reportagem, falou sob condição de anonimato para oferecer uma análise sincera. “Porque eles vão precisar de artilharia mais adiante.”

Recrutas russos convocados para o serviço militar se alinham antes de partir para as bases enquanto se reúnem em um centro de recrutamento em Simferopol, Crimeia, em 25 de abril de 2023. As placas nas sacolas dizem: "Exército da Rússia" Foto: Alexey Pavlishak / Reuters

O governo de Zelenski apontou que o ritmo da contraofensiva e o momento de seu início — em junho, depois de meses de preparação para a ofensiva da “primavera” — são consequência, em parte, do envio gradual das armas do Ocidente, que com frequência chegam apenas após meses de negociações e atrasos logísticos.

“A velocidade e o alcance do avanço (de Kiev) dependem muito da ação do Ocidente”, afirmou uma autoridade de defesa da Otan a respeito da movimentação ucraniana. “O Ocidente está fazendo tudo direito, mas com seis meses de atraso.”

As autoridades da Ucrânia continuam a insistir pelo envio de mísseis de maior alcance, o que, concordam analistas, poderia ajudar a diminuir a capacidade da Rússia de manter posições avançadas. A Rússia respondeu com ultraje na segunda-feira ao segundo grande ataque contra a Ponte Kerch, que constitui uma das principais rotas de abastecimento entre a Rússia e a península ucraniana da Crimeia, que Putin anexou ilegalmente em 2014.

Enquanto a França anunciou, na semana passada, que forneceria mísseis SCALP, de maior alcance, para a Ucrânia após a decisão do Reino Unido de enviar Storm Shadows, o governo americano até aqui tem negado pedidos de Kiev por Sistemas de Mísseis Táticos do Exército (ATACMS), com alcance de aproximadamente 300 quilômetros, em razão de preocupações com os estoques dos EUA e uma potencial escalada com a Rússia.

Uma segunda autoridade da Otan afirmou que “elementos intangíveis” — incluindo moral e motivação — ainda favorecem a Ucrânia. “Mas é uma realidade que a Rússia tem mais recursos em termos gerais e mais contingente, por isso tanta urgência”, acrescentou a autoridade, em “sustentar a pressão e manter esse impulso constante”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A Ucrânia tem alcançado progressos limitados em sua contraofensiva às forças russas, mas ainda não empregou operações em grande escala que, acreditam as autoridades americanas, possibilitariam seu avanço, afirmam autoridades e analistas, o que aprofunda dúvidas entre alguns dos principais apoiadores dos ucranianos a respeito de Kiev ser capaz de se movimentar rapidamente o suficiente com um estoque limitado de munições e armas.

Cinco semanas após o início da operação altamente antecipada, as forças ucranianas tentam enfraquecer as defesas russas disparando saraivadas de projéteis de artilharia e mísseis e acionando pequenas unidades de neutralização de minas nos amplos campos minados que constituem o círculo de defesa mais exterior de sua adversária. Mas o ritmo do avanço em três focos principais ao longo da vasta linha de frente, de 965 quilômetros, tem gerado preocupações no Ocidente a respeito da possibilidade do presidente Volodmir Zelenski não desferir um golpe tão potente quanto poderia.

Uma autoridade americana, que falou sob condição de anonimato para compartilhar o entendimento de Washington a respeito da operação, afirmou que os EUA e outros países treinaram militares ucranianos em manobras ofensivas integradas e forneceram equipamentos de neutralização de minas que incluem rolos antiminas e cargas explosivas disparados por sistemas de foguetes.

Um soldado ucraniano dispara um obus rebocado de 152 mm D-20 em posições russas na linha de frente perto de Bakhmut, leste da Ucrânia, em 20 de julho de 2023, em meio à invasão russa da Ucrânia Foto: Genya Savilov/AFP

“Aplicar todas essas capacidades de maneira que os possibilite romper esses obstáculos — e fazer isso rapidamente — é primordial”, afirmou a autoridade. Ao mesmo tempo, acrescentou a fonte, conforme as forças ucranianas enfrentam ataques intensos de munições antitanque e drones armados da Rússia, “nós não subestimamos nem menosprezamos a situação, que é muito dura”.

Sublinhando análises em evolução a respeito da operação, que Kiev lançou no início de junho após meses de preparativos, há um debate a respeito das táticas mais capazes de permitir à Ucrânia romper linhas russas altamente fortificadas e recapturar território suficiente para possivelmente incentivar o presidente Vladimir Putin a abandonar seu objetivo de cimentar controle permanente sobre vastas faixas da Ucrânia.

Autoridades ocidentais e analistas afirmam que a Ucrânia, até aqui, vem aplicando uma estratégia de desgaste destinada amplamente a criar vulnerabilidades nas linhas russas por meio de disparos de artilharia e mísseis contra bases de comando e infraestruturas de transporte e logística na retaguarda das posições russas, em vez de conduzir o que oficiais militares do Ocidente chamam de operações de “armas combinadas”, que envolvem manobras coordenadas de grandes regimentos de tanques, blindados, infantaria, artilharia e, às vezes, força aérea.

Imagens de drones mostram um tanque em chamas depois de ser atingido por um disparo da artilharia russa, em meio ao ataque da Rússia à Ucrânia, em Bakhmut Foto: Exército ucraniano/Reuters

Os comandantes militares ucranianos argumentam que, por lhes faltar poderio aéreo, eles devem evitar perdas contra um adversário com uma reserva de recrutas e armamentos muito maior. Para preservar seus homens, a Ucrânia acionou na atual campanha apenas 4 de suas 12 brigadas treinadas.

“Nós não podemos promover uma carnificina como fazem os russos com suas táticas”, disse em entrevista o ministro ucraniano da Defesa, Oleksii Reznikov. “Para nós, a coisa mais preciosa é a vida e o bem-estar dos nossos soldados. É por este motivo que nossa missão é alcançar sucesso no front ao mesmo tempo protegendo vidas.”

Progresso

O Instituto para o Estudo da Guerra, centro de análise com sede em Washington que acompanha e registra desdobramentos no campo de batalha diariamente, calcula que a Ucrânia libertou cerca de 250 quilômetros quadrados desde o início de sua contraofensiva, bem menos do que o Ocidente espera e, conforme reconheceu Zelenski, num ritmo mais lento do que o esperado pelo governo ucraniano.

As expectativas são altas: a contraofensiva ucraniana do outono passado (Hemisfério Norte) rendeu avanços inesperados contra tropas russas despreparadas e desmotivadas, incluindo a retomada de áreas estratégicas nas regiões de Kharkiv e Kherson.

Analistas militares afirmam que há diferenças importantes desta vez que favorecem Moscou. Ao contrário do outono passado, quando os líderes do Kremlin pareciam duvidar da capacidade da Ucrânia de contra-atacar, agora as tropas russas tiveram meses para plantar minas, cavar trincheiras e posicionar unidades anti blindados e drones que têm dificultado o avanço dos ucranianos. E ao contrário da retomada pela Ucrânia da cidade portuária de Kherson, onde Moscou teve dificuldades para reabastecer e defender posições no Rio Dnipro, as forças russas na atual linha de frente não têm grandes obstáculos na retaguarda.

O presidente da Ucrania, Volodmir Zelenski, reconheceu que Kiev ainda não avançou tanto em sua contraofensiva para recuperar territórios  Foto: Clodagh Kilcoyne / Reuters

Ainda que mostre sinais de tensão — incluindo a dispensa de um alto comandante russo, a morte relatada de um outro graduado militar em um ataque ucraniano e a retirada das forças mercenárias Wagner — o Exército russo tem se mostrado um adversário formidável. A Rússia tem conseguido mandar novos soldados para as linhas de frente, impulsionada em parte pela aceleração da mobilização empreendida por Putin domesticamente.

Outra importante característica das defesas de Moscou é a onipresença de drones que fornecem às forças russas informações granulares em tempo real a respeito das posições das tropas ucranianas, possibilitando-lhes conduzir ataques kamikaze e fazer mira de ataques, um desafio que nem mesmo as forças americanas — apesar de toda sua experiência em combate nas décadas recentes — já encararam nessa escala.

Analistas afirmam que as tentativas da Ucrânia de romper as defesas russas com unidades de blindados no início da contraofensiva foram respondidas com saraivadas arrasadoras de artilharia, mísseis antitanque, drones kamikaze e fogo de helicópteros, gerando perdas significativas. As autoridades de Kiev afirmam que a Rússia tem sido especialmente ágil em disparar contra veículos blindados e equipamentos de neutralização de minas como cargas de limpeza de minas (MICLIC) quando os ucranianos tentam avançar.

Avanços lentos

Como resultado, os comandantes ucranianos têm optado por avanços mais modestos, envolvendo unidades de 15 a 50 soldados a pé, afirmou a analista Katerina Stepanenko, especialista em Rússia do Instituto para o Estudo da Guerra. Alguns desses militares são operadores de neutralização de minas que avançam arrastando-se no chão para desarmar as minas do inimigo. Outras unidades de infantaria ficam de guarda, armadas com mísseis superfície-ar, para derrubar helicópteros russos.

O ex-oficial de infantaria do Corpo de Fuzileiros Navais Rob Lee, que trabalha atualmente no Instituto de Pesquisa em Política Externa, afirmou que as táticas da Ucrânia podem minimizar baixas — mas têm um lado negativo.

“Avançar a pé provavelmente reduz o desgaste que eles sofrem”, afirmou ele. “Mas significa que os avanços serão mais lentos e haverá menos oportunidade de alcançar um desfecho súbito.”

Kiev ganhou impulso este mês quando o presidente Joe Biden autorizou o fornecimento de munições de fragmentação para as forças ucranianas, liberando um estoque de munições de artilharia controvertidas, mas capaz de suprir a Ucrânia até as nações ocidentais conseguirem fabricar mais projéteis comuns.

Analistas afirmam que outro impedimento à montagem de operações em maior escala é o treinamento limitado que os soldados ucranianos receberam ao longo do inverno em táticas de armas combinadas, estratégia que as forças americanas ensaiam anualmente num centro de treinamento especializado.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se reuniu com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, durante a cúpula da Otan, em Vilna  Foto: Doug Mills / NYT

Autoridades americanas têm relutado em comentar detalhadamente as táticas da Ucrânia porque não querem ser percebidas como críticas em relação a um parceiro próximo num momento de ameaça existencial.

O tenente-general Douglas Sims, oficial sênior do Estado-Maior Conjunto dos EUA, notou que tem sido requerido dos soldados ucranianos empregar novos equipamentos e táticas “ao mesmo tempo que eles são alvo de fogo e bombardeios”, à medida que eles tentam atravessar um campo minado massivo. Sims notou que levou meses até que avanços ocorressem em outros grandes campos de batalha históricos.

“E por este motivo, onde eles estão ganhando centenas de metros por dia, talvez 1 quilômetro em alguns lugares, eles o fazem sob grande custo em termos de esforço”, disse o oficial a repórteres na semana passada. “É uma guerra pesada, em terreno difícil, sob fogo constante. E realmente, levando-se tudo isso em conta, (o esforço ucraniano) é bastante notável”, afirmou ele.

Mas à medida que a campanha segue sem ganhos em grande escala, o general Valeri Zaluzhni, comandante das Forças Armadas da Ucrânia, faz apelos urgentes por doações de armamento aéreo do Ocidente para compensar as desvantagens de Kiev.

Um soldado ucraniano prepara uma carga para um projétil de 152 mm em uma posição na linha de frente perto de Bakhmut, leste da Ucrânia, em 20 de julho de 2023, em meio à invasão russa da Ucrânia Foto: Genya Savilov/ AFP

Ainda que o governo Biden não tenha concordado em fornecer diretamente os caças de combate F-16 que a Ucrânia deseja, a Casa Branca cedeu permitindo que outros países transfiram seus próprios jatos de fabricação americana para os ucranianos. Um esforço de treinamento liderado pelos europeus é aguardado para o próximo mês.

As autoridades ucranianas ressaltaram que Exércitos ocidentais nunca empreenderiam uma operação massiva — num conflito que ele classifica como o mais intenso desde a 2.ª Guerra — sem apoio aéreo.

“Então é no mínimo ridículo pessoas que não têm nem ideia do que é isso dizerem que a coisa está devagar ou rápida demais”, afirmou Zaluzhni em entrevista. “As pessoas não sabem o que é isso. E que Deus as proteja de algum dia passar por isso em suas vidas.”

Privadamente, autoridades americanas afirmam que os jatos ocidentais teriam pouca utilidade nos atuais combates porque a Rússia possui fortes defesas aéreas. “A questão é simplesmente continuar a aplicar pressão com uma estratégia de armas cominadas”, afirmou a autoridade americana.

Autoridades de Washington dizem esperar que a Ucrânia por fim atravesse os campos minados e se aproxime das principais linhas de defesa russas. As forças ucranianas “têm de ter cuidado e calcular bem neste momento o uso de artilharia enquanto atravessam campos minados”, afirmou uma segunda autoridade americana, que, da mesma forma que outras autoridades ouvidas pela reportagem, falou sob condição de anonimato para oferecer uma análise sincera. “Porque eles vão precisar de artilharia mais adiante.”

Recrutas russos convocados para o serviço militar se alinham antes de partir para as bases enquanto se reúnem em um centro de recrutamento em Simferopol, Crimeia, em 25 de abril de 2023. As placas nas sacolas dizem: "Exército da Rússia" Foto: Alexey Pavlishak / Reuters

O governo de Zelenski apontou que o ritmo da contraofensiva e o momento de seu início — em junho, depois de meses de preparação para a ofensiva da “primavera” — são consequência, em parte, do envio gradual das armas do Ocidente, que com frequência chegam apenas após meses de negociações e atrasos logísticos.

“A velocidade e o alcance do avanço (de Kiev) dependem muito da ação do Ocidente”, afirmou uma autoridade de defesa da Otan a respeito da movimentação ucraniana. “O Ocidente está fazendo tudo direito, mas com seis meses de atraso.”

As autoridades da Ucrânia continuam a insistir pelo envio de mísseis de maior alcance, o que, concordam analistas, poderia ajudar a diminuir a capacidade da Rússia de manter posições avançadas. A Rússia respondeu com ultraje na segunda-feira ao segundo grande ataque contra a Ponte Kerch, que constitui uma das principais rotas de abastecimento entre a Rússia e a península ucraniana da Crimeia, que Putin anexou ilegalmente em 2014.

Enquanto a França anunciou, na semana passada, que forneceria mísseis SCALP, de maior alcance, para a Ucrânia após a decisão do Reino Unido de enviar Storm Shadows, o governo americano até aqui tem negado pedidos de Kiev por Sistemas de Mísseis Táticos do Exército (ATACMS), com alcance de aproximadamente 300 quilômetros, em razão de preocupações com os estoques dos EUA e uma potencial escalada com a Rússia.

Uma segunda autoridade da Otan afirmou que “elementos intangíveis” — incluindo moral e motivação — ainda favorecem a Ucrânia. “Mas é uma realidade que a Rússia tem mais recursos em termos gerais e mais contingente, por isso tanta urgência”, acrescentou a autoridade, em “sustentar a pressão e manter esse impulso constante”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A Ucrânia tem alcançado progressos limitados em sua contraofensiva às forças russas, mas ainda não empregou operações em grande escala que, acreditam as autoridades americanas, possibilitariam seu avanço, afirmam autoridades e analistas, o que aprofunda dúvidas entre alguns dos principais apoiadores dos ucranianos a respeito de Kiev ser capaz de se movimentar rapidamente o suficiente com um estoque limitado de munições e armas.

Cinco semanas após o início da operação altamente antecipada, as forças ucranianas tentam enfraquecer as defesas russas disparando saraivadas de projéteis de artilharia e mísseis e acionando pequenas unidades de neutralização de minas nos amplos campos minados que constituem o círculo de defesa mais exterior de sua adversária. Mas o ritmo do avanço em três focos principais ao longo da vasta linha de frente, de 965 quilômetros, tem gerado preocupações no Ocidente a respeito da possibilidade do presidente Volodmir Zelenski não desferir um golpe tão potente quanto poderia.

Uma autoridade americana, que falou sob condição de anonimato para compartilhar o entendimento de Washington a respeito da operação, afirmou que os EUA e outros países treinaram militares ucranianos em manobras ofensivas integradas e forneceram equipamentos de neutralização de minas que incluem rolos antiminas e cargas explosivas disparados por sistemas de foguetes.

Um soldado ucraniano dispara um obus rebocado de 152 mm D-20 em posições russas na linha de frente perto de Bakhmut, leste da Ucrânia, em 20 de julho de 2023, em meio à invasão russa da Ucrânia Foto: Genya Savilov/AFP

“Aplicar todas essas capacidades de maneira que os possibilite romper esses obstáculos — e fazer isso rapidamente — é primordial”, afirmou a autoridade. Ao mesmo tempo, acrescentou a fonte, conforme as forças ucranianas enfrentam ataques intensos de munições antitanque e drones armados da Rússia, “nós não subestimamos nem menosprezamos a situação, que é muito dura”.

Sublinhando análises em evolução a respeito da operação, que Kiev lançou no início de junho após meses de preparativos, há um debate a respeito das táticas mais capazes de permitir à Ucrânia romper linhas russas altamente fortificadas e recapturar território suficiente para possivelmente incentivar o presidente Vladimir Putin a abandonar seu objetivo de cimentar controle permanente sobre vastas faixas da Ucrânia.

Autoridades ocidentais e analistas afirmam que a Ucrânia, até aqui, vem aplicando uma estratégia de desgaste destinada amplamente a criar vulnerabilidades nas linhas russas por meio de disparos de artilharia e mísseis contra bases de comando e infraestruturas de transporte e logística na retaguarda das posições russas, em vez de conduzir o que oficiais militares do Ocidente chamam de operações de “armas combinadas”, que envolvem manobras coordenadas de grandes regimentos de tanques, blindados, infantaria, artilharia e, às vezes, força aérea.

Imagens de drones mostram um tanque em chamas depois de ser atingido por um disparo da artilharia russa, em meio ao ataque da Rússia à Ucrânia, em Bakhmut Foto: Exército ucraniano/Reuters

Os comandantes militares ucranianos argumentam que, por lhes faltar poderio aéreo, eles devem evitar perdas contra um adversário com uma reserva de recrutas e armamentos muito maior. Para preservar seus homens, a Ucrânia acionou na atual campanha apenas 4 de suas 12 brigadas treinadas.

“Nós não podemos promover uma carnificina como fazem os russos com suas táticas”, disse em entrevista o ministro ucraniano da Defesa, Oleksii Reznikov. “Para nós, a coisa mais preciosa é a vida e o bem-estar dos nossos soldados. É por este motivo que nossa missão é alcançar sucesso no front ao mesmo tempo protegendo vidas.”

Progresso

O Instituto para o Estudo da Guerra, centro de análise com sede em Washington que acompanha e registra desdobramentos no campo de batalha diariamente, calcula que a Ucrânia libertou cerca de 250 quilômetros quadrados desde o início de sua contraofensiva, bem menos do que o Ocidente espera e, conforme reconheceu Zelenski, num ritmo mais lento do que o esperado pelo governo ucraniano.

As expectativas são altas: a contraofensiva ucraniana do outono passado (Hemisfério Norte) rendeu avanços inesperados contra tropas russas despreparadas e desmotivadas, incluindo a retomada de áreas estratégicas nas regiões de Kharkiv e Kherson.

Analistas militares afirmam que há diferenças importantes desta vez que favorecem Moscou. Ao contrário do outono passado, quando os líderes do Kremlin pareciam duvidar da capacidade da Ucrânia de contra-atacar, agora as tropas russas tiveram meses para plantar minas, cavar trincheiras e posicionar unidades anti blindados e drones que têm dificultado o avanço dos ucranianos. E ao contrário da retomada pela Ucrânia da cidade portuária de Kherson, onde Moscou teve dificuldades para reabastecer e defender posições no Rio Dnipro, as forças russas na atual linha de frente não têm grandes obstáculos na retaguarda.

O presidente da Ucrania, Volodmir Zelenski, reconheceu que Kiev ainda não avançou tanto em sua contraofensiva para recuperar territórios  Foto: Clodagh Kilcoyne / Reuters

Ainda que mostre sinais de tensão — incluindo a dispensa de um alto comandante russo, a morte relatada de um outro graduado militar em um ataque ucraniano e a retirada das forças mercenárias Wagner — o Exército russo tem se mostrado um adversário formidável. A Rússia tem conseguido mandar novos soldados para as linhas de frente, impulsionada em parte pela aceleração da mobilização empreendida por Putin domesticamente.

Outra importante característica das defesas de Moscou é a onipresença de drones que fornecem às forças russas informações granulares em tempo real a respeito das posições das tropas ucranianas, possibilitando-lhes conduzir ataques kamikaze e fazer mira de ataques, um desafio que nem mesmo as forças americanas — apesar de toda sua experiência em combate nas décadas recentes — já encararam nessa escala.

Analistas afirmam que as tentativas da Ucrânia de romper as defesas russas com unidades de blindados no início da contraofensiva foram respondidas com saraivadas arrasadoras de artilharia, mísseis antitanque, drones kamikaze e fogo de helicópteros, gerando perdas significativas. As autoridades de Kiev afirmam que a Rússia tem sido especialmente ágil em disparar contra veículos blindados e equipamentos de neutralização de minas como cargas de limpeza de minas (MICLIC) quando os ucranianos tentam avançar.

Avanços lentos

Como resultado, os comandantes ucranianos têm optado por avanços mais modestos, envolvendo unidades de 15 a 50 soldados a pé, afirmou a analista Katerina Stepanenko, especialista em Rússia do Instituto para o Estudo da Guerra. Alguns desses militares são operadores de neutralização de minas que avançam arrastando-se no chão para desarmar as minas do inimigo. Outras unidades de infantaria ficam de guarda, armadas com mísseis superfície-ar, para derrubar helicópteros russos.

O ex-oficial de infantaria do Corpo de Fuzileiros Navais Rob Lee, que trabalha atualmente no Instituto de Pesquisa em Política Externa, afirmou que as táticas da Ucrânia podem minimizar baixas — mas têm um lado negativo.

“Avançar a pé provavelmente reduz o desgaste que eles sofrem”, afirmou ele. “Mas significa que os avanços serão mais lentos e haverá menos oportunidade de alcançar um desfecho súbito.”

Kiev ganhou impulso este mês quando o presidente Joe Biden autorizou o fornecimento de munições de fragmentação para as forças ucranianas, liberando um estoque de munições de artilharia controvertidas, mas capaz de suprir a Ucrânia até as nações ocidentais conseguirem fabricar mais projéteis comuns.

Analistas afirmam que outro impedimento à montagem de operações em maior escala é o treinamento limitado que os soldados ucranianos receberam ao longo do inverno em táticas de armas combinadas, estratégia que as forças americanas ensaiam anualmente num centro de treinamento especializado.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se reuniu com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, durante a cúpula da Otan, em Vilna  Foto: Doug Mills / NYT

Autoridades americanas têm relutado em comentar detalhadamente as táticas da Ucrânia porque não querem ser percebidas como críticas em relação a um parceiro próximo num momento de ameaça existencial.

O tenente-general Douglas Sims, oficial sênior do Estado-Maior Conjunto dos EUA, notou que tem sido requerido dos soldados ucranianos empregar novos equipamentos e táticas “ao mesmo tempo que eles são alvo de fogo e bombardeios”, à medida que eles tentam atravessar um campo minado massivo. Sims notou que levou meses até que avanços ocorressem em outros grandes campos de batalha históricos.

“E por este motivo, onde eles estão ganhando centenas de metros por dia, talvez 1 quilômetro em alguns lugares, eles o fazem sob grande custo em termos de esforço”, disse o oficial a repórteres na semana passada. “É uma guerra pesada, em terreno difícil, sob fogo constante. E realmente, levando-se tudo isso em conta, (o esforço ucraniano) é bastante notável”, afirmou ele.

Mas à medida que a campanha segue sem ganhos em grande escala, o general Valeri Zaluzhni, comandante das Forças Armadas da Ucrânia, faz apelos urgentes por doações de armamento aéreo do Ocidente para compensar as desvantagens de Kiev.

Um soldado ucraniano prepara uma carga para um projétil de 152 mm em uma posição na linha de frente perto de Bakhmut, leste da Ucrânia, em 20 de julho de 2023, em meio à invasão russa da Ucrânia Foto: Genya Savilov/ AFP

Ainda que o governo Biden não tenha concordado em fornecer diretamente os caças de combate F-16 que a Ucrânia deseja, a Casa Branca cedeu permitindo que outros países transfiram seus próprios jatos de fabricação americana para os ucranianos. Um esforço de treinamento liderado pelos europeus é aguardado para o próximo mês.

As autoridades ucranianas ressaltaram que Exércitos ocidentais nunca empreenderiam uma operação massiva — num conflito que ele classifica como o mais intenso desde a 2.ª Guerra — sem apoio aéreo.

“Então é no mínimo ridículo pessoas que não têm nem ideia do que é isso dizerem que a coisa está devagar ou rápida demais”, afirmou Zaluzhni em entrevista. “As pessoas não sabem o que é isso. E que Deus as proteja de algum dia passar por isso em suas vidas.”

Privadamente, autoridades americanas afirmam que os jatos ocidentais teriam pouca utilidade nos atuais combates porque a Rússia possui fortes defesas aéreas. “A questão é simplesmente continuar a aplicar pressão com uma estratégia de armas cominadas”, afirmou a autoridade americana.

Autoridades de Washington dizem esperar que a Ucrânia por fim atravesse os campos minados e se aproxime das principais linhas de defesa russas. As forças ucranianas “têm de ter cuidado e calcular bem neste momento o uso de artilharia enquanto atravessam campos minados”, afirmou uma segunda autoridade americana, que, da mesma forma que outras autoridades ouvidas pela reportagem, falou sob condição de anonimato para oferecer uma análise sincera. “Porque eles vão precisar de artilharia mais adiante.”

Recrutas russos convocados para o serviço militar se alinham antes de partir para as bases enquanto se reúnem em um centro de recrutamento em Simferopol, Crimeia, em 25 de abril de 2023. As placas nas sacolas dizem: "Exército da Rússia" Foto: Alexey Pavlishak / Reuters

O governo de Zelenski apontou que o ritmo da contraofensiva e o momento de seu início — em junho, depois de meses de preparação para a ofensiva da “primavera” — são consequência, em parte, do envio gradual das armas do Ocidente, que com frequência chegam apenas após meses de negociações e atrasos logísticos.

“A velocidade e o alcance do avanço (de Kiev) dependem muito da ação do Ocidente”, afirmou uma autoridade de defesa da Otan a respeito da movimentação ucraniana. “O Ocidente está fazendo tudo direito, mas com seis meses de atraso.”

As autoridades da Ucrânia continuam a insistir pelo envio de mísseis de maior alcance, o que, concordam analistas, poderia ajudar a diminuir a capacidade da Rússia de manter posições avançadas. A Rússia respondeu com ultraje na segunda-feira ao segundo grande ataque contra a Ponte Kerch, que constitui uma das principais rotas de abastecimento entre a Rússia e a península ucraniana da Crimeia, que Putin anexou ilegalmente em 2014.

Enquanto a França anunciou, na semana passada, que forneceria mísseis SCALP, de maior alcance, para a Ucrânia após a decisão do Reino Unido de enviar Storm Shadows, o governo americano até aqui tem negado pedidos de Kiev por Sistemas de Mísseis Táticos do Exército (ATACMS), com alcance de aproximadamente 300 quilômetros, em razão de preocupações com os estoques dos EUA e uma potencial escalada com a Rússia.

Uma segunda autoridade da Otan afirmou que “elementos intangíveis” — incluindo moral e motivação — ainda favorecem a Ucrânia. “Mas é uma realidade que a Rússia tem mais recursos em termos gerais e mais contingente, por isso tanta urgência”, acrescentou a autoridade, em “sustentar a pressão e manter esse impulso constante”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

A Ucrânia tem alcançado progressos limitados em sua contraofensiva às forças russas, mas ainda não empregou operações em grande escala que, acreditam as autoridades americanas, possibilitariam seu avanço, afirmam autoridades e analistas, o que aprofunda dúvidas entre alguns dos principais apoiadores dos ucranianos a respeito de Kiev ser capaz de se movimentar rapidamente o suficiente com um estoque limitado de munições e armas.

Cinco semanas após o início da operação altamente antecipada, as forças ucranianas tentam enfraquecer as defesas russas disparando saraivadas de projéteis de artilharia e mísseis e acionando pequenas unidades de neutralização de minas nos amplos campos minados que constituem o círculo de defesa mais exterior de sua adversária. Mas o ritmo do avanço em três focos principais ao longo da vasta linha de frente, de 965 quilômetros, tem gerado preocupações no Ocidente a respeito da possibilidade do presidente Volodmir Zelenski não desferir um golpe tão potente quanto poderia.

Uma autoridade americana, que falou sob condição de anonimato para compartilhar o entendimento de Washington a respeito da operação, afirmou que os EUA e outros países treinaram militares ucranianos em manobras ofensivas integradas e forneceram equipamentos de neutralização de minas que incluem rolos antiminas e cargas explosivas disparados por sistemas de foguetes.

Um soldado ucraniano dispara um obus rebocado de 152 mm D-20 em posições russas na linha de frente perto de Bakhmut, leste da Ucrânia, em 20 de julho de 2023, em meio à invasão russa da Ucrânia Foto: Genya Savilov/AFP

“Aplicar todas essas capacidades de maneira que os possibilite romper esses obstáculos — e fazer isso rapidamente — é primordial”, afirmou a autoridade. Ao mesmo tempo, acrescentou a fonte, conforme as forças ucranianas enfrentam ataques intensos de munições antitanque e drones armados da Rússia, “nós não subestimamos nem menosprezamos a situação, que é muito dura”.

Sublinhando análises em evolução a respeito da operação, que Kiev lançou no início de junho após meses de preparativos, há um debate a respeito das táticas mais capazes de permitir à Ucrânia romper linhas russas altamente fortificadas e recapturar território suficiente para possivelmente incentivar o presidente Vladimir Putin a abandonar seu objetivo de cimentar controle permanente sobre vastas faixas da Ucrânia.

Autoridades ocidentais e analistas afirmam que a Ucrânia, até aqui, vem aplicando uma estratégia de desgaste destinada amplamente a criar vulnerabilidades nas linhas russas por meio de disparos de artilharia e mísseis contra bases de comando e infraestruturas de transporte e logística na retaguarda das posições russas, em vez de conduzir o que oficiais militares do Ocidente chamam de operações de “armas combinadas”, que envolvem manobras coordenadas de grandes regimentos de tanques, blindados, infantaria, artilharia e, às vezes, força aérea.

Imagens de drones mostram um tanque em chamas depois de ser atingido por um disparo da artilharia russa, em meio ao ataque da Rússia à Ucrânia, em Bakhmut Foto: Exército ucraniano/Reuters

Os comandantes militares ucranianos argumentam que, por lhes faltar poderio aéreo, eles devem evitar perdas contra um adversário com uma reserva de recrutas e armamentos muito maior. Para preservar seus homens, a Ucrânia acionou na atual campanha apenas 4 de suas 12 brigadas treinadas.

“Nós não podemos promover uma carnificina como fazem os russos com suas táticas”, disse em entrevista o ministro ucraniano da Defesa, Oleksii Reznikov. “Para nós, a coisa mais preciosa é a vida e o bem-estar dos nossos soldados. É por este motivo que nossa missão é alcançar sucesso no front ao mesmo tempo protegendo vidas.”

Progresso

O Instituto para o Estudo da Guerra, centro de análise com sede em Washington que acompanha e registra desdobramentos no campo de batalha diariamente, calcula que a Ucrânia libertou cerca de 250 quilômetros quadrados desde o início de sua contraofensiva, bem menos do que o Ocidente espera e, conforme reconheceu Zelenski, num ritmo mais lento do que o esperado pelo governo ucraniano.

As expectativas são altas: a contraofensiva ucraniana do outono passado (Hemisfério Norte) rendeu avanços inesperados contra tropas russas despreparadas e desmotivadas, incluindo a retomada de áreas estratégicas nas regiões de Kharkiv e Kherson.

Analistas militares afirmam que há diferenças importantes desta vez que favorecem Moscou. Ao contrário do outono passado, quando os líderes do Kremlin pareciam duvidar da capacidade da Ucrânia de contra-atacar, agora as tropas russas tiveram meses para plantar minas, cavar trincheiras e posicionar unidades anti blindados e drones que têm dificultado o avanço dos ucranianos. E ao contrário da retomada pela Ucrânia da cidade portuária de Kherson, onde Moscou teve dificuldades para reabastecer e defender posições no Rio Dnipro, as forças russas na atual linha de frente não têm grandes obstáculos na retaguarda.

O presidente da Ucrania, Volodmir Zelenski, reconheceu que Kiev ainda não avançou tanto em sua contraofensiva para recuperar territórios  Foto: Clodagh Kilcoyne / Reuters

Ainda que mostre sinais de tensão — incluindo a dispensa de um alto comandante russo, a morte relatada de um outro graduado militar em um ataque ucraniano e a retirada das forças mercenárias Wagner — o Exército russo tem se mostrado um adversário formidável. A Rússia tem conseguido mandar novos soldados para as linhas de frente, impulsionada em parte pela aceleração da mobilização empreendida por Putin domesticamente.

Outra importante característica das defesas de Moscou é a onipresença de drones que fornecem às forças russas informações granulares em tempo real a respeito das posições das tropas ucranianas, possibilitando-lhes conduzir ataques kamikaze e fazer mira de ataques, um desafio que nem mesmo as forças americanas — apesar de toda sua experiência em combate nas décadas recentes — já encararam nessa escala.

Analistas afirmam que as tentativas da Ucrânia de romper as defesas russas com unidades de blindados no início da contraofensiva foram respondidas com saraivadas arrasadoras de artilharia, mísseis antitanque, drones kamikaze e fogo de helicópteros, gerando perdas significativas. As autoridades de Kiev afirmam que a Rússia tem sido especialmente ágil em disparar contra veículos blindados e equipamentos de neutralização de minas como cargas de limpeza de minas (MICLIC) quando os ucranianos tentam avançar.

Avanços lentos

Como resultado, os comandantes ucranianos têm optado por avanços mais modestos, envolvendo unidades de 15 a 50 soldados a pé, afirmou a analista Katerina Stepanenko, especialista em Rússia do Instituto para o Estudo da Guerra. Alguns desses militares são operadores de neutralização de minas que avançam arrastando-se no chão para desarmar as minas do inimigo. Outras unidades de infantaria ficam de guarda, armadas com mísseis superfície-ar, para derrubar helicópteros russos.

O ex-oficial de infantaria do Corpo de Fuzileiros Navais Rob Lee, que trabalha atualmente no Instituto de Pesquisa em Política Externa, afirmou que as táticas da Ucrânia podem minimizar baixas — mas têm um lado negativo.

“Avançar a pé provavelmente reduz o desgaste que eles sofrem”, afirmou ele. “Mas significa que os avanços serão mais lentos e haverá menos oportunidade de alcançar um desfecho súbito.”

Kiev ganhou impulso este mês quando o presidente Joe Biden autorizou o fornecimento de munições de fragmentação para as forças ucranianas, liberando um estoque de munições de artilharia controvertidas, mas capaz de suprir a Ucrânia até as nações ocidentais conseguirem fabricar mais projéteis comuns.

Analistas afirmam que outro impedimento à montagem de operações em maior escala é o treinamento limitado que os soldados ucranianos receberam ao longo do inverno em táticas de armas combinadas, estratégia que as forças americanas ensaiam anualmente num centro de treinamento especializado.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se reuniu com o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, durante a cúpula da Otan, em Vilna  Foto: Doug Mills / NYT

Autoridades americanas têm relutado em comentar detalhadamente as táticas da Ucrânia porque não querem ser percebidas como críticas em relação a um parceiro próximo num momento de ameaça existencial.

O tenente-general Douglas Sims, oficial sênior do Estado-Maior Conjunto dos EUA, notou que tem sido requerido dos soldados ucranianos empregar novos equipamentos e táticas “ao mesmo tempo que eles são alvo de fogo e bombardeios”, à medida que eles tentam atravessar um campo minado massivo. Sims notou que levou meses até que avanços ocorressem em outros grandes campos de batalha históricos.

“E por este motivo, onde eles estão ganhando centenas de metros por dia, talvez 1 quilômetro em alguns lugares, eles o fazem sob grande custo em termos de esforço”, disse o oficial a repórteres na semana passada. “É uma guerra pesada, em terreno difícil, sob fogo constante. E realmente, levando-se tudo isso em conta, (o esforço ucraniano) é bastante notável”, afirmou ele.

Mas à medida que a campanha segue sem ganhos em grande escala, o general Valeri Zaluzhni, comandante das Forças Armadas da Ucrânia, faz apelos urgentes por doações de armamento aéreo do Ocidente para compensar as desvantagens de Kiev.

Um soldado ucraniano prepara uma carga para um projétil de 152 mm em uma posição na linha de frente perto de Bakhmut, leste da Ucrânia, em 20 de julho de 2023, em meio à invasão russa da Ucrânia Foto: Genya Savilov/ AFP

Ainda que o governo Biden não tenha concordado em fornecer diretamente os caças de combate F-16 que a Ucrânia deseja, a Casa Branca cedeu permitindo que outros países transfiram seus próprios jatos de fabricação americana para os ucranianos. Um esforço de treinamento liderado pelos europeus é aguardado para o próximo mês.

As autoridades ucranianas ressaltaram que Exércitos ocidentais nunca empreenderiam uma operação massiva — num conflito que ele classifica como o mais intenso desde a 2.ª Guerra — sem apoio aéreo.

“Então é no mínimo ridículo pessoas que não têm nem ideia do que é isso dizerem que a coisa está devagar ou rápida demais”, afirmou Zaluzhni em entrevista. “As pessoas não sabem o que é isso. E que Deus as proteja de algum dia passar por isso em suas vidas.”

Privadamente, autoridades americanas afirmam que os jatos ocidentais teriam pouca utilidade nos atuais combates porque a Rússia possui fortes defesas aéreas. “A questão é simplesmente continuar a aplicar pressão com uma estratégia de armas cominadas”, afirmou a autoridade americana.

Autoridades de Washington dizem esperar que a Ucrânia por fim atravesse os campos minados e se aproxime das principais linhas de defesa russas. As forças ucranianas “têm de ter cuidado e calcular bem neste momento o uso de artilharia enquanto atravessam campos minados”, afirmou uma segunda autoridade americana, que, da mesma forma que outras autoridades ouvidas pela reportagem, falou sob condição de anonimato para oferecer uma análise sincera. “Porque eles vão precisar de artilharia mais adiante.”

Recrutas russos convocados para o serviço militar se alinham antes de partir para as bases enquanto se reúnem em um centro de recrutamento em Simferopol, Crimeia, em 25 de abril de 2023. As placas nas sacolas dizem: "Exército da Rússia" Foto: Alexey Pavlishak / Reuters

O governo de Zelenski apontou que o ritmo da contraofensiva e o momento de seu início — em junho, depois de meses de preparação para a ofensiva da “primavera” — são consequência, em parte, do envio gradual das armas do Ocidente, que com frequência chegam apenas após meses de negociações e atrasos logísticos.

“A velocidade e o alcance do avanço (de Kiev) dependem muito da ação do Ocidente”, afirmou uma autoridade de defesa da Otan a respeito da movimentação ucraniana. “O Ocidente está fazendo tudo direito, mas com seis meses de atraso.”

As autoridades da Ucrânia continuam a insistir pelo envio de mísseis de maior alcance, o que, concordam analistas, poderia ajudar a diminuir a capacidade da Rússia de manter posições avançadas. A Rússia respondeu com ultraje na segunda-feira ao segundo grande ataque contra a Ponte Kerch, que constitui uma das principais rotas de abastecimento entre a Rússia e a península ucraniana da Crimeia, que Putin anexou ilegalmente em 2014.

Enquanto a França anunciou, na semana passada, que forneceria mísseis SCALP, de maior alcance, para a Ucrânia após a decisão do Reino Unido de enviar Storm Shadows, o governo americano até aqui tem negado pedidos de Kiev por Sistemas de Mísseis Táticos do Exército (ATACMS), com alcance de aproximadamente 300 quilômetros, em razão de preocupações com os estoques dos EUA e uma potencial escalada com a Rússia.

Uma segunda autoridade da Otan afirmou que “elementos intangíveis” — incluindo moral e motivação — ainda favorecem a Ucrânia. “Mas é uma realidade que a Rússia tem mais recursos em termos gerais e mais contingente, por isso tanta urgência”, acrescentou a autoridade, em “sustentar a pressão e manter esse impulso constante”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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