Um novo som entra pelas janelas abertas à noite nesta cidade perto da linha de frente: crianças gritam umas para as outras no quarteirão, mesmo muito depois de escurecer.
Os mercados estão cheios. As vendas aumentaram na loja de bicicletas. Tulipas vermelhas, plantadas à mão, desabrocham por toda parte.
É notável – “Irreconhecível”, disse um funcionário da cidade – como esta pequena cidade no leste da Ucrânia está diferente de um ano atrás. No verão passado, Pokrovsk era um cenário assustador de casas fechadas com tábuas e quintais cheios de mato. Não havia ninguém por ali. Agora é difícil dar alguns passos sem cruzar com alguém na calçada.
Nada mudou fora de Pokrovsk. A linha de frente ainda está a 50 km de distância. Os ucranianos continuam morrendo às dezenas. Um dos maiores exércitos do mundo, o da Federação Russa, continua bombardeando cidades enquanto os ucranianos dormem e tenta tomar o máximo de território possível, a um custo assustador.
Mas o que mudou –e isso reflete algo mais amplo que está acontecendo nas pequenas cidades deste enorme país– são os cálculos das pessoas. Quanto perigo elas estão dispostas a aceitar? O que é melhor para elas e suas famílias? Como devem se adaptar à guerra diariamente? As respostas a essas perguntas parecem diferentes este ano e, sem se consultar entre si, muitas pessoas chegaram à mesma decisão.
É resiliência, sim, mas talvez também algo um pouco menos bonito: resignação. “A guerra está aqui. Não há lugar seguro na Ucrânia. Então é melhor você se acostumar”, disse a doutora Natalia Medvedieva, médica de família que tentou morar em um lugar mais seguro no oeste do país com seu filho, mas voltou para cá alguns meses depois.
“É difícil descrever o que há de tão especial em nossa casa”, disse Pavel Rudiev, engenheiro da pequena estação de trem de Pokrovsk. “É onde tudo é familiar, onde você conhece as pessoas, onde você tem amigos.”
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Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, esse princípio não funcionou. Mais de 13 milhões de ucranianos –um terço do país– fugiram de suas casas. Mas com o passar do tempo ficou mais difícil continuar afastados.
Desde o último verão, num ritmo bastante constante, os ucranianos estão retornando. Mais de 5,5 milhões voltaram para casa, de acordo com a Organização Internacional para Migração, e não apenas para grandes cidades como Kiev, a capital, ou Dnipro, mas também para lugares pequenos, mesmo aqueles logo atrás da linha de frente.
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A menos de dois quilômetros da linha de frente, em Avdiivka, cerca de 1.800 ucranianos se recusam a ir embora, preferindo a vida nos porões
Claro que há preocupação. Medvedieva guarda uma sacola cheia de documentos, dinheiro e algumas roupas. A veterinária Viktoriia Perederii, que voltou a Pokrovsk no ano passado depois de tentar morar no centro da Ucrânia, disse que muitas famílias trazem seus animais de estimação para obter novos certificados de saúde para viagens internacionais, caso precisem partir às pressas.
“É difícil avaliar os riscos”, disse ela. “Não há lugar seguro na Ucrânia. Olhe para Uman”, acrescentou, referindo-se ao recente ataque com mísseis que matou 25 pessoas numa cidade que, até aquele momento, muitos ucranianos consideravam perfeitamente segura.
Nesta época do ano, Pokrovsk se aquece com a primavera. Pétalas brancas de flores de cerejeira flutuam delicadamente no ar e se acumulam ao longo do meio-fio em belos montes. As longas ruas laterais, ladeadas por modestas casas térreas com telhados pontiagudos, cheiram a terra recém-revolvida. Nos jardins, mulheres de avental e lenço na cabeça plantam flores –algo que você não faz se estiver prestes a fazer as malas e fugir.
“Os negócios vão bem”, disse Larysa Titorenko, vendedora de sementes no movimentado mercado central de Pokrovsk. Suas prateleiras de pacotes alegremente decorados estavam se esvaziando rapidamente –margaridas, melões, rabanetes, cenouras e cerca de oito variedades de pepino.
Então lágrimas brilharam em seus olhos. A casa de sua filha tinha sido destruída recentemente numa cidade da linha de frente não muito distante. “Estou bem, sério”, ela insistiu, enxugando os olhos com a manga.
Essa dualidade está em toda parte. As pessoas na guerra fazem algo que a maioria no mundo não precisa fazer –elas mantêm dois grandes pensamentos em suas cabeças o tempo todo: viver a vida o mais plena e ricamente possível e, ao mesmo tempo, planejar para que ela seja virada de cabeça para baixo.
Desde o verão passado, os russos cortaram Bakhmut, se aproximaram de Avdiivka e arrasaram Marinka –todas cidades a cerca de uma hora de carro. A linha de frente está se aproximando. Você constantemente ouve baques surdos, quase como portas se fechando.
Mas as pessoas continuam como se fosse uma tempestade distante. Em um parque à beira do lago perto do centro da cidade, adolescentes fazem auréolas de dentes-de-leão, como fazem há eras, e vídeos de dança do TikTok.
Pokrovsk é uma cidade mineira. Muitos homens aqui extraem carvão para viver. Antes da guerra, a população era de cerca de 50 mil. Caiu para 30 mil na primavera passada, quando tantas pessoas em todo o país fugiram para o oeste. Agora está de volta para 57 mil, disse Serhiy Dobriak, chefe da administração militar de Pokrovsk. Além dos moradores que retornaram, vieram outros das localidades vizinhas mais quentes, como Avdiivka ou mesmo Mariupol.
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Antes da guerra Pokrovsk tinha grandes planos. Um outdoor erguendo-se num cruzamento lamacento mostra um desenho esquemático de novas torres de escritórios e muitas luzes. “Mas temos que ser realistas”, disse Dobriak. “Provavelmente seremos uma zona militarizada.”
Ninguém aqui espera que a guerra termine logo. “Anos” é a previsão reinante. Alguns temem que a aceitação disso, a ideia de que a vida deve continuar independentemente da guerra, significa que haverá menos pressão para acabar com ela.
Um comboio militar passou por um cruzamento, deixando para trás um rastro de fumaça de diesel. Não muito atrás, um menino pedalava furiosamente uma bicicleta, determinado a alcançar seus amigos.
Era uma noite quente, e o ar estava fresco, dando uma sensação maravilhosa na pele exposta. É uma época do ano tão magnífica que ninguém queria entrar, mesmo com o toque de recolher se aproximando.