Opinião|Um acordo de divisão de poder entre chavismo e oposição pode salvar a Venezuela


Um acordo de compartilhamento de poder após a eleição pode funcionar como uma trégua política que permitiria ao país superar o impasse da votação sob suspeita

Por Francisco Rodríguez*

Foi uma vitória esmagadora. Quando começaram a chegar de todo o país, os resultados mostraram a oposição vencendo com uma margem superior a dois para um. A anteriormente formidável máquina política no poder provou-se incapaz de convencer milhões de eleitores, que mandaram uma mensagem clara para seu líder autoritário: seu mandato acabou. Mas, apesar da lavada, o partido governista ignorou a vontade do povo, e os aliados do líder o proclamaram presidente reeleito.

Esses eventos ocorreram na Polônia, em 1989, sob o governo do general Wojciech Jaruzelski. Mas poderiam muito bem descrever a Venezuela após a eleição presidencial de 28 de julho. Os casos diferem em aspectos relevantes: ao contrário da Venezuela de Nicolás Maduro, Jaruzelski nunca fora acusado de forjar atas eleitorais (como acredito fortemente que Maduro fez), e a votação na Polônia elegeu uma legislatura, que então nomeou Jaruzelski presidente. Mas acredito que há uma lição para ser depreendida desta comparação, especialmente da sequência de acontecimentos que se sucederam.

Conforme a comunidade internacional pondera sobre como reagir à aparente fraude eleitoral de Maduro, uma sensação compreensível de fadiga paira sobre observadores que desejam um fim desses longo, corrosivo e antidemocrático governo. Afinal, parece que tanto a comunidade internacional quanto a oposição venezuelana tentaram absolutamente de tudo. Sanções contra autoridades do regime? Foram impostas. Sanções contra a indústria de petróleo da Venezuela com objetivo de acabar com os recursos do governo? Houve tentativas também. Alívio de sanções como forma de incentivo para a organização de eleições livres? Também não funcionou. Prometer uma recompensa de US$ 15 milhões pela cabeça de Maduro? Tentar fomentar um levante militar? Confere, confere. Nada funcionou.

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Venezuelanos que vivem na Colômbia protestam contra o ditador Nicolás Maduro em 7 de agosto Foto: Jaime Saldarriaga/AFP

Todas essas tentativas tiveram um objetivo principal em comum: tirar Maduro do poder. E, evidentemente, já que o problema dos ditadores é eles se aferrarem ao poder ilegitimamente, querer retirá-lo faz todo o sentido. Mas nem sempre conseguimos o que desejamos.

Aí entra o exemplo polonês. Em vez de deixar a função após a derrota humilhante nas eleições parlamentares, Jaruzelski fez um acordo com o movimento Solidariedade, de oposição. Jaruzelski continuaria a comandar formalmente o governo como presidente, e seu partido comunista também manteria o controle dos ministérios do interior e da defesa. Um líder do Solidariedade se tornaria primeiro-ministro, com poder para nomear seu próprio gabinete.

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O acordo foi duramente criticado por muitos na oposição. Compartilhar o poder com um ditador que segundo os opositores os reprimia e torturava era, pensavam eles, moralmente inaceitável. Mas essencialmente o acordo funcionou. Jaruzelski absteve-se quase totalmente de usar seus poderes executivos e compôs o cenário para uma das mais bem-sucedidas transições para a democracia no Leste Europeu, marcando o início da queda do comunismo na região.

Um ponto inicial para imaginar como seria um governo de unidade nacional na Venezuela foi de fato produzido pelo governo dos Estados Unidos em março de 2020. Batizado como Ordenamento de Transição Democrática para a Venezuela, o plano previa a criação de um Conselho de Estado, um organismo que teria vários partidos representados e atuaria como o Poder Executivo do país até que novas eleições fossem organizadas.

Mas a proposta institucional chegou tarde demais naquela fase da crise venezuelana, após os EUA terem passado mais de um ano exigindo irrealisticamente que Maduro entregasse o poder ao líder opositor Juan Guaidó, que alegava ser o legítimo presidente-interino do país.

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Mas atualmente o plano serve como um ponto inicial útil. Os contornos de um acordo viável de compartilhamento de poder na Venezuela provavelmente incluiriam uma divisão de responsabilidades dentro do Executivo. A oposição e especialistas não vinculados a partidos ficariam mais bem posicionados para ocupar ministérios encarregados de políticas econômicas e da indústria petroleira. Os chavistas — termo que define os seguidores do mentor de Maduro, Hugo Chávez — poderiam permanecer à frente dos ministérios da segurança e do interior. Os partidos precisariam concordar com um plano de ação para solucionar as emergências humanitária e econômica do país, enquanto a comunidade internacional poderia prometer apoio financeiro ao esforço do novo governo para a reconstrução da economia.

Ainda há tempo até o início do próximo mandato presidencial, previsto para 10 de janeiro de 2025, para negociar e organizar um referendo sobre um projeto de reforma constitucional que instauraria as garantias necessárias para fazer um pacto nacional funcionar. O acordo limitaria os atuais poderes da presidência de subordinar outros ramos do governo às suas decisões e, desta forma, implicaria um compromisso firme e crível de que o governo seguinte aceitaria e respeitaria a separação entre os poderes.

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Facilitadores que tentaram ajudar a intermediar um acordo para uma transição pacífica na Venezuela sublinharam que garantias efetivas para os perdedores são parte vital desse acerto. Mas somente o Estado venezuelano é capaz de assegurar a proteção de milhares de líderes pró-governo que temem vinganças e perdas de direitos políticos caso o regime mude. A melhor maneira de oferecer essa garantia é assegurando que as autoridades chavistas permaneçam no controle das forças de segurança e do Ministério Público e fazer com que o governo seguinte abra mão da atual atribuição de dissolver o Judiciário convocando uma convenção constitucional. O presidente Joe Biden deveria se oferecer para apoiar esse acordo comprometendo-se a garantir clemência a Maduro e outros membros do governo venezuelano atualmente indiciados nos EUA por acusações de narcoterrorismo.

Um acordo de compartilhamento de poder após a eleição pode funcionar como uma trégua política que permitiria ao país superar o impasse da votação sob suspeita. Após a violência em reação às eleições sob suspeita no Quênia deixar centenas de mortos, em 2007, ambos os lados chegaram a um acordo que dividiu entre igualmente os cargos ministeriais do país entre as partes, o que efetivamente ocasionou governança e grandes reformas. Em exemplos mais próximos, Venezuela e Colômbia usaram acordos de compartilhamento de poder para conferir estabilidade às suas recém-nascidas democracias nos anos 50.

Maduro aceitaria um acordo de compartilhamento de poder? Talvez não? Mas líderes quase nunca abrem mão do poder voluntariamente; eles são forçados a fazê-lo quando suas coalizões se fragmentam. Até aqui, a coalizão de Maduro se concentrou em torno dele principalmente por temer vinganças se a oposição chegar ao poder. Um acordo de compartilhamento de poder lhes permitiria continuar a participar da vida política do país com garantias razoáveis. Os líderes esquerdistas de Brasil, Colômbia e México, cujos movimentos políticos são em parte inspirados por Chávez, estão mais bem posicionados para comunicar aos aliados de Maduro que eles poderiam recuperar o legado de seu movimento se ajudassem a construir uma saída do atual impasse político do país.

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Resistência em relação a um acordo de compartilhamento de poder também pode vir do campo opositor. Muitos na oposição considerarão injusto e inaceitável um pacto de compartilhamento de poder. Maduro perdeu a eleição, eles poderão argumentar, e a única negociação que deveria haver é sobre ele abandonar o poder.

Mas a questão que os líderes opositores devem enfrentar na atual encruzilhada é como podem ser capazes de honrar seu compromisso de trazer de volta à Venezuela a democracia e a prosperidade. A Venezuela deve evitar uma derrocada ao que pode vir a se tornar o período mais obscuro de autoritarismo no país. Esperemos que Edmundo González, o oponente de Maduro na disputa pela presidência, e María Corina Machado, a carismática líder do movimento opositor, tenham sobriedade e visão para entender as concessões que têm de ser abertas para transformar em realidade os sonhos democráticos dos venezuelanos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Foi uma vitória esmagadora. Quando começaram a chegar de todo o país, os resultados mostraram a oposição vencendo com uma margem superior a dois para um. A anteriormente formidável máquina política no poder provou-se incapaz de convencer milhões de eleitores, que mandaram uma mensagem clara para seu líder autoritário: seu mandato acabou. Mas, apesar da lavada, o partido governista ignorou a vontade do povo, e os aliados do líder o proclamaram presidente reeleito.

Esses eventos ocorreram na Polônia, em 1989, sob o governo do general Wojciech Jaruzelski. Mas poderiam muito bem descrever a Venezuela após a eleição presidencial de 28 de julho. Os casos diferem em aspectos relevantes: ao contrário da Venezuela de Nicolás Maduro, Jaruzelski nunca fora acusado de forjar atas eleitorais (como acredito fortemente que Maduro fez), e a votação na Polônia elegeu uma legislatura, que então nomeou Jaruzelski presidente. Mas acredito que há uma lição para ser depreendida desta comparação, especialmente da sequência de acontecimentos que se sucederam.

Conforme a comunidade internacional pondera sobre como reagir à aparente fraude eleitoral de Maduro, uma sensação compreensível de fadiga paira sobre observadores que desejam um fim desses longo, corrosivo e antidemocrático governo. Afinal, parece que tanto a comunidade internacional quanto a oposição venezuelana tentaram absolutamente de tudo. Sanções contra autoridades do regime? Foram impostas. Sanções contra a indústria de petróleo da Venezuela com objetivo de acabar com os recursos do governo? Houve tentativas também. Alívio de sanções como forma de incentivo para a organização de eleições livres? Também não funcionou. Prometer uma recompensa de US$ 15 milhões pela cabeça de Maduro? Tentar fomentar um levante militar? Confere, confere. Nada funcionou.

Venezuelanos que vivem na Colômbia protestam contra o ditador Nicolás Maduro em 7 de agosto Foto: Jaime Saldarriaga/AFP

Todas essas tentativas tiveram um objetivo principal em comum: tirar Maduro do poder. E, evidentemente, já que o problema dos ditadores é eles se aferrarem ao poder ilegitimamente, querer retirá-lo faz todo o sentido. Mas nem sempre conseguimos o que desejamos.

Aí entra o exemplo polonês. Em vez de deixar a função após a derrota humilhante nas eleições parlamentares, Jaruzelski fez um acordo com o movimento Solidariedade, de oposição. Jaruzelski continuaria a comandar formalmente o governo como presidente, e seu partido comunista também manteria o controle dos ministérios do interior e da defesa. Um líder do Solidariedade se tornaria primeiro-ministro, com poder para nomear seu próprio gabinete.

O acordo foi duramente criticado por muitos na oposição. Compartilhar o poder com um ditador que segundo os opositores os reprimia e torturava era, pensavam eles, moralmente inaceitável. Mas essencialmente o acordo funcionou. Jaruzelski absteve-se quase totalmente de usar seus poderes executivos e compôs o cenário para uma das mais bem-sucedidas transições para a democracia no Leste Europeu, marcando o início da queda do comunismo na região.

Um ponto inicial para imaginar como seria um governo de unidade nacional na Venezuela foi de fato produzido pelo governo dos Estados Unidos em março de 2020. Batizado como Ordenamento de Transição Democrática para a Venezuela, o plano previa a criação de um Conselho de Estado, um organismo que teria vários partidos representados e atuaria como o Poder Executivo do país até que novas eleições fossem organizadas.

Mas a proposta institucional chegou tarde demais naquela fase da crise venezuelana, após os EUA terem passado mais de um ano exigindo irrealisticamente que Maduro entregasse o poder ao líder opositor Juan Guaidó, que alegava ser o legítimo presidente-interino do país.

Mas atualmente o plano serve como um ponto inicial útil. Os contornos de um acordo viável de compartilhamento de poder na Venezuela provavelmente incluiriam uma divisão de responsabilidades dentro do Executivo. A oposição e especialistas não vinculados a partidos ficariam mais bem posicionados para ocupar ministérios encarregados de políticas econômicas e da indústria petroleira. Os chavistas — termo que define os seguidores do mentor de Maduro, Hugo Chávez — poderiam permanecer à frente dos ministérios da segurança e do interior. Os partidos precisariam concordar com um plano de ação para solucionar as emergências humanitária e econômica do país, enquanto a comunidade internacional poderia prometer apoio financeiro ao esforço do novo governo para a reconstrução da economia.

Ainda há tempo até o início do próximo mandato presidencial, previsto para 10 de janeiro de 2025, para negociar e organizar um referendo sobre um projeto de reforma constitucional que instauraria as garantias necessárias para fazer um pacto nacional funcionar. O acordo limitaria os atuais poderes da presidência de subordinar outros ramos do governo às suas decisões e, desta forma, implicaria um compromisso firme e crível de que o governo seguinte aceitaria e respeitaria a separação entre os poderes.

Facilitadores que tentaram ajudar a intermediar um acordo para uma transição pacífica na Venezuela sublinharam que garantias efetivas para os perdedores são parte vital desse acerto. Mas somente o Estado venezuelano é capaz de assegurar a proteção de milhares de líderes pró-governo que temem vinganças e perdas de direitos políticos caso o regime mude. A melhor maneira de oferecer essa garantia é assegurando que as autoridades chavistas permaneçam no controle das forças de segurança e do Ministério Público e fazer com que o governo seguinte abra mão da atual atribuição de dissolver o Judiciário convocando uma convenção constitucional. O presidente Joe Biden deveria se oferecer para apoiar esse acordo comprometendo-se a garantir clemência a Maduro e outros membros do governo venezuelano atualmente indiciados nos EUA por acusações de narcoterrorismo.

Um acordo de compartilhamento de poder após a eleição pode funcionar como uma trégua política que permitiria ao país superar o impasse da votação sob suspeita. Após a violência em reação às eleições sob suspeita no Quênia deixar centenas de mortos, em 2007, ambos os lados chegaram a um acordo que dividiu entre igualmente os cargos ministeriais do país entre as partes, o que efetivamente ocasionou governança e grandes reformas. Em exemplos mais próximos, Venezuela e Colômbia usaram acordos de compartilhamento de poder para conferir estabilidade às suas recém-nascidas democracias nos anos 50.

Maduro aceitaria um acordo de compartilhamento de poder? Talvez não? Mas líderes quase nunca abrem mão do poder voluntariamente; eles são forçados a fazê-lo quando suas coalizões se fragmentam. Até aqui, a coalizão de Maduro se concentrou em torno dele principalmente por temer vinganças se a oposição chegar ao poder. Um acordo de compartilhamento de poder lhes permitiria continuar a participar da vida política do país com garantias razoáveis. Os líderes esquerdistas de Brasil, Colômbia e México, cujos movimentos políticos são em parte inspirados por Chávez, estão mais bem posicionados para comunicar aos aliados de Maduro que eles poderiam recuperar o legado de seu movimento se ajudassem a construir uma saída do atual impasse político do país.

Resistência em relação a um acordo de compartilhamento de poder também pode vir do campo opositor. Muitos na oposição considerarão injusto e inaceitável um pacto de compartilhamento de poder. Maduro perdeu a eleição, eles poderão argumentar, e a única negociação que deveria haver é sobre ele abandonar o poder.

Mas a questão que os líderes opositores devem enfrentar na atual encruzilhada é como podem ser capazes de honrar seu compromisso de trazer de volta à Venezuela a democracia e a prosperidade. A Venezuela deve evitar uma derrocada ao que pode vir a se tornar o período mais obscuro de autoritarismo no país. Esperemos que Edmundo González, o oponente de Maduro na disputa pela presidência, e María Corina Machado, a carismática líder do movimento opositor, tenham sobriedade e visão para entender as concessões que têm de ser abertas para transformar em realidade os sonhos democráticos dos venezuelanos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Foi uma vitória esmagadora. Quando começaram a chegar de todo o país, os resultados mostraram a oposição vencendo com uma margem superior a dois para um. A anteriormente formidável máquina política no poder provou-se incapaz de convencer milhões de eleitores, que mandaram uma mensagem clara para seu líder autoritário: seu mandato acabou. Mas, apesar da lavada, o partido governista ignorou a vontade do povo, e os aliados do líder o proclamaram presidente reeleito.

Esses eventos ocorreram na Polônia, em 1989, sob o governo do general Wojciech Jaruzelski. Mas poderiam muito bem descrever a Venezuela após a eleição presidencial de 28 de julho. Os casos diferem em aspectos relevantes: ao contrário da Venezuela de Nicolás Maduro, Jaruzelski nunca fora acusado de forjar atas eleitorais (como acredito fortemente que Maduro fez), e a votação na Polônia elegeu uma legislatura, que então nomeou Jaruzelski presidente. Mas acredito que há uma lição para ser depreendida desta comparação, especialmente da sequência de acontecimentos que se sucederam.

Conforme a comunidade internacional pondera sobre como reagir à aparente fraude eleitoral de Maduro, uma sensação compreensível de fadiga paira sobre observadores que desejam um fim desses longo, corrosivo e antidemocrático governo. Afinal, parece que tanto a comunidade internacional quanto a oposição venezuelana tentaram absolutamente de tudo. Sanções contra autoridades do regime? Foram impostas. Sanções contra a indústria de petróleo da Venezuela com objetivo de acabar com os recursos do governo? Houve tentativas também. Alívio de sanções como forma de incentivo para a organização de eleições livres? Também não funcionou. Prometer uma recompensa de US$ 15 milhões pela cabeça de Maduro? Tentar fomentar um levante militar? Confere, confere. Nada funcionou.

Venezuelanos que vivem na Colômbia protestam contra o ditador Nicolás Maduro em 7 de agosto Foto: Jaime Saldarriaga/AFP

Todas essas tentativas tiveram um objetivo principal em comum: tirar Maduro do poder. E, evidentemente, já que o problema dos ditadores é eles se aferrarem ao poder ilegitimamente, querer retirá-lo faz todo o sentido. Mas nem sempre conseguimos o que desejamos.

Aí entra o exemplo polonês. Em vez de deixar a função após a derrota humilhante nas eleições parlamentares, Jaruzelski fez um acordo com o movimento Solidariedade, de oposição. Jaruzelski continuaria a comandar formalmente o governo como presidente, e seu partido comunista também manteria o controle dos ministérios do interior e da defesa. Um líder do Solidariedade se tornaria primeiro-ministro, com poder para nomear seu próprio gabinete.

O acordo foi duramente criticado por muitos na oposição. Compartilhar o poder com um ditador que segundo os opositores os reprimia e torturava era, pensavam eles, moralmente inaceitável. Mas essencialmente o acordo funcionou. Jaruzelski absteve-se quase totalmente de usar seus poderes executivos e compôs o cenário para uma das mais bem-sucedidas transições para a democracia no Leste Europeu, marcando o início da queda do comunismo na região.

Um ponto inicial para imaginar como seria um governo de unidade nacional na Venezuela foi de fato produzido pelo governo dos Estados Unidos em março de 2020. Batizado como Ordenamento de Transição Democrática para a Venezuela, o plano previa a criação de um Conselho de Estado, um organismo que teria vários partidos representados e atuaria como o Poder Executivo do país até que novas eleições fossem organizadas.

Mas a proposta institucional chegou tarde demais naquela fase da crise venezuelana, após os EUA terem passado mais de um ano exigindo irrealisticamente que Maduro entregasse o poder ao líder opositor Juan Guaidó, que alegava ser o legítimo presidente-interino do país.

Mas atualmente o plano serve como um ponto inicial útil. Os contornos de um acordo viável de compartilhamento de poder na Venezuela provavelmente incluiriam uma divisão de responsabilidades dentro do Executivo. A oposição e especialistas não vinculados a partidos ficariam mais bem posicionados para ocupar ministérios encarregados de políticas econômicas e da indústria petroleira. Os chavistas — termo que define os seguidores do mentor de Maduro, Hugo Chávez — poderiam permanecer à frente dos ministérios da segurança e do interior. Os partidos precisariam concordar com um plano de ação para solucionar as emergências humanitária e econômica do país, enquanto a comunidade internacional poderia prometer apoio financeiro ao esforço do novo governo para a reconstrução da economia.

Ainda há tempo até o início do próximo mandato presidencial, previsto para 10 de janeiro de 2025, para negociar e organizar um referendo sobre um projeto de reforma constitucional que instauraria as garantias necessárias para fazer um pacto nacional funcionar. O acordo limitaria os atuais poderes da presidência de subordinar outros ramos do governo às suas decisões e, desta forma, implicaria um compromisso firme e crível de que o governo seguinte aceitaria e respeitaria a separação entre os poderes.

Facilitadores que tentaram ajudar a intermediar um acordo para uma transição pacífica na Venezuela sublinharam que garantias efetivas para os perdedores são parte vital desse acerto. Mas somente o Estado venezuelano é capaz de assegurar a proteção de milhares de líderes pró-governo que temem vinganças e perdas de direitos políticos caso o regime mude. A melhor maneira de oferecer essa garantia é assegurando que as autoridades chavistas permaneçam no controle das forças de segurança e do Ministério Público e fazer com que o governo seguinte abra mão da atual atribuição de dissolver o Judiciário convocando uma convenção constitucional. O presidente Joe Biden deveria se oferecer para apoiar esse acordo comprometendo-se a garantir clemência a Maduro e outros membros do governo venezuelano atualmente indiciados nos EUA por acusações de narcoterrorismo.

Um acordo de compartilhamento de poder após a eleição pode funcionar como uma trégua política que permitiria ao país superar o impasse da votação sob suspeita. Após a violência em reação às eleições sob suspeita no Quênia deixar centenas de mortos, em 2007, ambos os lados chegaram a um acordo que dividiu entre igualmente os cargos ministeriais do país entre as partes, o que efetivamente ocasionou governança e grandes reformas. Em exemplos mais próximos, Venezuela e Colômbia usaram acordos de compartilhamento de poder para conferir estabilidade às suas recém-nascidas democracias nos anos 50.

Maduro aceitaria um acordo de compartilhamento de poder? Talvez não? Mas líderes quase nunca abrem mão do poder voluntariamente; eles são forçados a fazê-lo quando suas coalizões se fragmentam. Até aqui, a coalizão de Maduro se concentrou em torno dele principalmente por temer vinganças se a oposição chegar ao poder. Um acordo de compartilhamento de poder lhes permitiria continuar a participar da vida política do país com garantias razoáveis. Os líderes esquerdistas de Brasil, Colômbia e México, cujos movimentos políticos são em parte inspirados por Chávez, estão mais bem posicionados para comunicar aos aliados de Maduro que eles poderiam recuperar o legado de seu movimento se ajudassem a construir uma saída do atual impasse político do país.

Resistência em relação a um acordo de compartilhamento de poder também pode vir do campo opositor. Muitos na oposição considerarão injusto e inaceitável um pacto de compartilhamento de poder. Maduro perdeu a eleição, eles poderão argumentar, e a única negociação que deveria haver é sobre ele abandonar o poder.

Mas a questão que os líderes opositores devem enfrentar na atual encruzilhada é como podem ser capazes de honrar seu compromisso de trazer de volta à Venezuela a democracia e a prosperidade. A Venezuela deve evitar uma derrocada ao que pode vir a se tornar o período mais obscuro de autoritarismo no país. Esperemos que Edmundo González, o oponente de Maduro na disputa pela presidência, e María Corina Machado, a carismática líder do movimento opositor, tenham sobriedade e visão para entender as concessões que têm de ser abertas para transformar em realidade os sonhos democráticos dos venezuelanos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Foi uma vitória esmagadora. Quando começaram a chegar de todo o país, os resultados mostraram a oposição vencendo com uma margem superior a dois para um. A anteriormente formidável máquina política no poder provou-se incapaz de convencer milhões de eleitores, que mandaram uma mensagem clara para seu líder autoritário: seu mandato acabou. Mas, apesar da lavada, o partido governista ignorou a vontade do povo, e os aliados do líder o proclamaram presidente reeleito.

Esses eventos ocorreram na Polônia, em 1989, sob o governo do general Wojciech Jaruzelski. Mas poderiam muito bem descrever a Venezuela após a eleição presidencial de 28 de julho. Os casos diferem em aspectos relevantes: ao contrário da Venezuela de Nicolás Maduro, Jaruzelski nunca fora acusado de forjar atas eleitorais (como acredito fortemente que Maduro fez), e a votação na Polônia elegeu uma legislatura, que então nomeou Jaruzelski presidente. Mas acredito que há uma lição para ser depreendida desta comparação, especialmente da sequência de acontecimentos que se sucederam.

Conforme a comunidade internacional pondera sobre como reagir à aparente fraude eleitoral de Maduro, uma sensação compreensível de fadiga paira sobre observadores que desejam um fim desses longo, corrosivo e antidemocrático governo. Afinal, parece que tanto a comunidade internacional quanto a oposição venezuelana tentaram absolutamente de tudo. Sanções contra autoridades do regime? Foram impostas. Sanções contra a indústria de petróleo da Venezuela com objetivo de acabar com os recursos do governo? Houve tentativas também. Alívio de sanções como forma de incentivo para a organização de eleições livres? Também não funcionou. Prometer uma recompensa de US$ 15 milhões pela cabeça de Maduro? Tentar fomentar um levante militar? Confere, confere. Nada funcionou.

Venezuelanos que vivem na Colômbia protestam contra o ditador Nicolás Maduro em 7 de agosto Foto: Jaime Saldarriaga/AFP

Todas essas tentativas tiveram um objetivo principal em comum: tirar Maduro do poder. E, evidentemente, já que o problema dos ditadores é eles se aferrarem ao poder ilegitimamente, querer retirá-lo faz todo o sentido. Mas nem sempre conseguimos o que desejamos.

Aí entra o exemplo polonês. Em vez de deixar a função após a derrota humilhante nas eleições parlamentares, Jaruzelski fez um acordo com o movimento Solidariedade, de oposição. Jaruzelski continuaria a comandar formalmente o governo como presidente, e seu partido comunista também manteria o controle dos ministérios do interior e da defesa. Um líder do Solidariedade se tornaria primeiro-ministro, com poder para nomear seu próprio gabinete.

O acordo foi duramente criticado por muitos na oposição. Compartilhar o poder com um ditador que segundo os opositores os reprimia e torturava era, pensavam eles, moralmente inaceitável. Mas essencialmente o acordo funcionou. Jaruzelski absteve-se quase totalmente de usar seus poderes executivos e compôs o cenário para uma das mais bem-sucedidas transições para a democracia no Leste Europeu, marcando o início da queda do comunismo na região.

Um ponto inicial para imaginar como seria um governo de unidade nacional na Venezuela foi de fato produzido pelo governo dos Estados Unidos em março de 2020. Batizado como Ordenamento de Transição Democrática para a Venezuela, o plano previa a criação de um Conselho de Estado, um organismo que teria vários partidos representados e atuaria como o Poder Executivo do país até que novas eleições fossem organizadas.

Mas a proposta institucional chegou tarde demais naquela fase da crise venezuelana, após os EUA terem passado mais de um ano exigindo irrealisticamente que Maduro entregasse o poder ao líder opositor Juan Guaidó, que alegava ser o legítimo presidente-interino do país.

Mas atualmente o plano serve como um ponto inicial útil. Os contornos de um acordo viável de compartilhamento de poder na Venezuela provavelmente incluiriam uma divisão de responsabilidades dentro do Executivo. A oposição e especialistas não vinculados a partidos ficariam mais bem posicionados para ocupar ministérios encarregados de políticas econômicas e da indústria petroleira. Os chavistas — termo que define os seguidores do mentor de Maduro, Hugo Chávez — poderiam permanecer à frente dos ministérios da segurança e do interior. Os partidos precisariam concordar com um plano de ação para solucionar as emergências humanitária e econômica do país, enquanto a comunidade internacional poderia prometer apoio financeiro ao esforço do novo governo para a reconstrução da economia.

Ainda há tempo até o início do próximo mandato presidencial, previsto para 10 de janeiro de 2025, para negociar e organizar um referendo sobre um projeto de reforma constitucional que instauraria as garantias necessárias para fazer um pacto nacional funcionar. O acordo limitaria os atuais poderes da presidência de subordinar outros ramos do governo às suas decisões e, desta forma, implicaria um compromisso firme e crível de que o governo seguinte aceitaria e respeitaria a separação entre os poderes.

Facilitadores que tentaram ajudar a intermediar um acordo para uma transição pacífica na Venezuela sublinharam que garantias efetivas para os perdedores são parte vital desse acerto. Mas somente o Estado venezuelano é capaz de assegurar a proteção de milhares de líderes pró-governo que temem vinganças e perdas de direitos políticos caso o regime mude. A melhor maneira de oferecer essa garantia é assegurando que as autoridades chavistas permaneçam no controle das forças de segurança e do Ministério Público e fazer com que o governo seguinte abra mão da atual atribuição de dissolver o Judiciário convocando uma convenção constitucional. O presidente Joe Biden deveria se oferecer para apoiar esse acordo comprometendo-se a garantir clemência a Maduro e outros membros do governo venezuelano atualmente indiciados nos EUA por acusações de narcoterrorismo.

Um acordo de compartilhamento de poder após a eleição pode funcionar como uma trégua política que permitiria ao país superar o impasse da votação sob suspeita. Após a violência em reação às eleições sob suspeita no Quênia deixar centenas de mortos, em 2007, ambos os lados chegaram a um acordo que dividiu entre igualmente os cargos ministeriais do país entre as partes, o que efetivamente ocasionou governança e grandes reformas. Em exemplos mais próximos, Venezuela e Colômbia usaram acordos de compartilhamento de poder para conferir estabilidade às suas recém-nascidas democracias nos anos 50.

Maduro aceitaria um acordo de compartilhamento de poder? Talvez não? Mas líderes quase nunca abrem mão do poder voluntariamente; eles são forçados a fazê-lo quando suas coalizões se fragmentam. Até aqui, a coalizão de Maduro se concentrou em torno dele principalmente por temer vinganças se a oposição chegar ao poder. Um acordo de compartilhamento de poder lhes permitiria continuar a participar da vida política do país com garantias razoáveis. Os líderes esquerdistas de Brasil, Colômbia e México, cujos movimentos políticos são em parte inspirados por Chávez, estão mais bem posicionados para comunicar aos aliados de Maduro que eles poderiam recuperar o legado de seu movimento se ajudassem a construir uma saída do atual impasse político do país.

Resistência em relação a um acordo de compartilhamento de poder também pode vir do campo opositor. Muitos na oposição considerarão injusto e inaceitável um pacto de compartilhamento de poder. Maduro perdeu a eleição, eles poderão argumentar, e a única negociação que deveria haver é sobre ele abandonar o poder.

Mas a questão que os líderes opositores devem enfrentar na atual encruzilhada é como podem ser capazes de honrar seu compromisso de trazer de volta à Venezuela a democracia e a prosperidade. A Venezuela deve evitar uma derrocada ao que pode vir a se tornar o período mais obscuro de autoritarismo no país. Esperemos que Edmundo González, o oponente de Maduro na disputa pela presidência, e María Corina Machado, a carismática líder do movimento opositor, tenham sobriedade e visão para entender as concessões que têm de ser abertas para transformar em realidade os sonhos democráticos dos venezuelanos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Foi uma vitória esmagadora. Quando começaram a chegar de todo o país, os resultados mostraram a oposição vencendo com uma margem superior a dois para um. A anteriormente formidável máquina política no poder provou-se incapaz de convencer milhões de eleitores, que mandaram uma mensagem clara para seu líder autoritário: seu mandato acabou. Mas, apesar da lavada, o partido governista ignorou a vontade do povo, e os aliados do líder o proclamaram presidente reeleito.

Esses eventos ocorreram na Polônia, em 1989, sob o governo do general Wojciech Jaruzelski. Mas poderiam muito bem descrever a Venezuela após a eleição presidencial de 28 de julho. Os casos diferem em aspectos relevantes: ao contrário da Venezuela de Nicolás Maduro, Jaruzelski nunca fora acusado de forjar atas eleitorais (como acredito fortemente que Maduro fez), e a votação na Polônia elegeu uma legislatura, que então nomeou Jaruzelski presidente. Mas acredito que há uma lição para ser depreendida desta comparação, especialmente da sequência de acontecimentos que se sucederam.

Conforme a comunidade internacional pondera sobre como reagir à aparente fraude eleitoral de Maduro, uma sensação compreensível de fadiga paira sobre observadores que desejam um fim desses longo, corrosivo e antidemocrático governo. Afinal, parece que tanto a comunidade internacional quanto a oposição venezuelana tentaram absolutamente de tudo. Sanções contra autoridades do regime? Foram impostas. Sanções contra a indústria de petróleo da Venezuela com objetivo de acabar com os recursos do governo? Houve tentativas também. Alívio de sanções como forma de incentivo para a organização de eleições livres? Também não funcionou. Prometer uma recompensa de US$ 15 milhões pela cabeça de Maduro? Tentar fomentar um levante militar? Confere, confere. Nada funcionou.

Venezuelanos que vivem na Colômbia protestam contra o ditador Nicolás Maduro em 7 de agosto Foto: Jaime Saldarriaga/AFP

Todas essas tentativas tiveram um objetivo principal em comum: tirar Maduro do poder. E, evidentemente, já que o problema dos ditadores é eles se aferrarem ao poder ilegitimamente, querer retirá-lo faz todo o sentido. Mas nem sempre conseguimos o que desejamos.

Aí entra o exemplo polonês. Em vez de deixar a função após a derrota humilhante nas eleições parlamentares, Jaruzelski fez um acordo com o movimento Solidariedade, de oposição. Jaruzelski continuaria a comandar formalmente o governo como presidente, e seu partido comunista também manteria o controle dos ministérios do interior e da defesa. Um líder do Solidariedade se tornaria primeiro-ministro, com poder para nomear seu próprio gabinete.

O acordo foi duramente criticado por muitos na oposição. Compartilhar o poder com um ditador que segundo os opositores os reprimia e torturava era, pensavam eles, moralmente inaceitável. Mas essencialmente o acordo funcionou. Jaruzelski absteve-se quase totalmente de usar seus poderes executivos e compôs o cenário para uma das mais bem-sucedidas transições para a democracia no Leste Europeu, marcando o início da queda do comunismo na região.

Um ponto inicial para imaginar como seria um governo de unidade nacional na Venezuela foi de fato produzido pelo governo dos Estados Unidos em março de 2020. Batizado como Ordenamento de Transição Democrática para a Venezuela, o plano previa a criação de um Conselho de Estado, um organismo que teria vários partidos representados e atuaria como o Poder Executivo do país até que novas eleições fossem organizadas.

Mas a proposta institucional chegou tarde demais naquela fase da crise venezuelana, após os EUA terem passado mais de um ano exigindo irrealisticamente que Maduro entregasse o poder ao líder opositor Juan Guaidó, que alegava ser o legítimo presidente-interino do país.

Mas atualmente o plano serve como um ponto inicial útil. Os contornos de um acordo viável de compartilhamento de poder na Venezuela provavelmente incluiriam uma divisão de responsabilidades dentro do Executivo. A oposição e especialistas não vinculados a partidos ficariam mais bem posicionados para ocupar ministérios encarregados de políticas econômicas e da indústria petroleira. Os chavistas — termo que define os seguidores do mentor de Maduro, Hugo Chávez — poderiam permanecer à frente dos ministérios da segurança e do interior. Os partidos precisariam concordar com um plano de ação para solucionar as emergências humanitária e econômica do país, enquanto a comunidade internacional poderia prometer apoio financeiro ao esforço do novo governo para a reconstrução da economia.

Ainda há tempo até o início do próximo mandato presidencial, previsto para 10 de janeiro de 2025, para negociar e organizar um referendo sobre um projeto de reforma constitucional que instauraria as garantias necessárias para fazer um pacto nacional funcionar. O acordo limitaria os atuais poderes da presidência de subordinar outros ramos do governo às suas decisões e, desta forma, implicaria um compromisso firme e crível de que o governo seguinte aceitaria e respeitaria a separação entre os poderes.

Facilitadores que tentaram ajudar a intermediar um acordo para uma transição pacífica na Venezuela sublinharam que garantias efetivas para os perdedores são parte vital desse acerto. Mas somente o Estado venezuelano é capaz de assegurar a proteção de milhares de líderes pró-governo que temem vinganças e perdas de direitos políticos caso o regime mude. A melhor maneira de oferecer essa garantia é assegurando que as autoridades chavistas permaneçam no controle das forças de segurança e do Ministério Público e fazer com que o governo seguinte abra mão da atual atribuição de dissolver o Judiciário convocando uma convenção constitucional. O presidente Joe Biden deveria se oferecer para apoiar esse acordo comprometendo-se a garantir clemência a Maduro e outros membros do governo venezuelano atualmente indiciados nos EUA por acusações de narcoterrorismo.

Um acordo de compartilhamento de poder após a eleição pode funcionar como uma trégua política que permitiria ao país superar o impasse da votação sob suspeita. Após a violência em reação às eleições sob suspeita no Quênia deixar centenas de mortos, em 2007, ambos os lados chegaram a um acordo que dividiu entre igualmente os cargos ministeriais do país entre as partes, o que efetivamente ocasionou governança e grandes reformas. Em exemplos mais próximos, Venezuela e Colômbia usaram acordos de compartilhamento de poder para conferir estabilidade às suas recém-nascidas democracias nos anos 50.

Maduro aceitaria um acordo de compartilhamento de poder? Talvez não? Mas líderes quase nunca abrem mão do poder voluntariamente; eles são forçados a fazê-lo quando suas coalizões se fragmentam. Até aqui, a coalizão de Maduro se concentrou em torno dele principalmente por temer vinganças se a oposição chegar ao poder. Um acordo de compartilhamento de poder lhes permitiria continuar a participar da vida política do país com garantias razoáveis. Os líderes esquerdistas de Brasil, Colômbia e México, cujos movimentos políticos são em parte inspirados por Chávez, estão mais bem posicionados para comunicar aos aliados de Maduro que eles poderiam recuperar o legado de seu movimento se ajudassem a construir uma saída do atual impasse político do país.

Resistência em relação a um acordo de compartilhamento de poder também pode vir do campo opositor. Muitos na oposição considerarão injusto e inaceitável um pacto de compartilhamento de poder. Maduro perdeu a eleição, eles poderão argumentar, e a única negociação que deveria haver é sobre ele abandonar o poder.

Mas a questão que os líderes opositores devem enfrentar na atual encruzilhada é como podem ser capazes de honrar seu compromisso de trazer de volta à Venezuela a democracia e a prosperidade. A Venezuela deve evitar uma derrocada ao que pode vir a se tornar o período mais obscuro de autoritarismo no país. Esperemos que Edmundo González, o oponente de Maduro na disputa pela presidência, e María Corina Machado, a carismática líder do movimento opositor, tenham sobriedade e visão para entender as concessões que têm de ser abertas para transformar em realidade os sonhos democráticos dos venezuelanos. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Opinião por Francisco Rodríguez*

The New York Times: é professor na Escola de Estudos Internacionais Josef Korbel da Universidade de Denver

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