Opinião|Um ano após a guerra Israel vs Hamas, Hezbollah, Irã, o que pensar sobre o futuro?


Esta ainda é a primeira guerra árabe-israelense sem um nome e sem um vencedor claro — porque nenhum dos lados tem uma vitória clara ou uma narrativa limpa

Por Thomas Friedman
Atualização:

Então, o que estou pensando neste primeiro aniversário da guerra Hamas-Hezbollah-Irã-Israel? Algo que meu professor de estratégia, John Arquilla, da Escola de Pós-Graduação Naval dos Estados Unidos, me ensinou: todas as guerras se resumem a duas perguntas básicas: quem vence a batalha em campo? E quem vence a batalha da narrativa? E o que estou pensando hoje é como, mesmo depois de um ano de guerra, durante o qual o Hamas, o Hezbollah e Israel infligiram dor terrível às forças e aos civis uns dos outros, ninguém venceu decisivamente a batalha em campo ou a batalha pela narrativa. De fato, um ano após o 7 de outubro, esta ainda é a primeira guerra árabe-israelense sem um nome e sem um vencedor claro — porque nenhum dos lados tem uma vitória clara ou uma narrativa limpa.

Podemos e devemos nos compadecer dos palestinos sem pátria e dos árabes na Cisjordânia vivendo sob a pressão dos assentamentos e restrições israelenses, mas, na minha opinião, não há nada que possa justificar o que os atacantes do Hamas fizeram em 7 de outubro — assassinar, mutilar, sequestrar e abusar sexualmente de qualquer israelense em que pudessem colocar as mãos, sem nenhum objetivo, nenhuma narrativa, além de destruir o estado judeu. Se você acredita, como eu, que a única solução são dois Estados para dois povos nativos entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, a fúria do Hamas atrasou isso imensamente.

No aniversário de um ano do ataque do Hamas, cerimônia foi realizada no local do festival de música Nova, onde centenas de pessoas foram mortas e sequestradas. Foto: Ariel Schalit/AP
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E que narrativa o Irã está contando? A de que teria algum direito, sob a Carta da ONU, de ajudar a criar estados fracassados no Líbano, Síria, Iêmen e Iraque para poder cultivar representantes dentro deles com o propósito de destruir Israel? E com que direito o Hezbollah arrastou o Líbano para uma guerra com Israel na qual o povo e o governo libaneses não tiveram voz, e pela qual agora estão pagando um preço alto?

Mas este governo israelense também carece de uma narrativa limpa em Gaza. Esta seria inevitavelmente a mais feia das guerras entre israelenses e palestinos desde 1947, porque o Hamas se infiltrou em túneis sob casas, escolas, mesquitas e hospitais de Gaza. Não poderia ser atacado sem baixas civis significativas. Portanto, como argumentei desde o início, era duplamente incumbência de Israel deixar claro que esta não era apenas uma guerra para se defender, mas também para destruir o Hamas e dar à luz algo melhor: a única solução justa e estável possível, dois estados para dois povos.

O governo israelense do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu se recusou firmemente a fazer isso, tanto que, um ano depois, ainda não disse ao seu povo, ao seu exército ou ao seu fornecedor de armas (os EUA) o que quer construir em Gaza no lugar do Hamas além da “vitória total”. Com Israel ainda bombardeando escolas para matar alguns combatentes do Hamas escondidos lá dentro, mas falhando em articular qualquer futuro para os moradores de Gaza além da guerra permanente, parece que matar até o último membro do Hamas é o objetivo — não importa quantos civis morram no processo. Essa é uma guerra eterna que vai minar a credibilidade de Israel e dos Estados Unidos, e envergonhará os aliados árabes de Israel.

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Mas a falta de uma boa narrativa está prejudicando Israel de outras maneiras. Os israelenses estão sendo solicitados a enviar seus filhos e filhas para lutar todos os dias contra os inimigos do Hamas e do Hezbollah, mas não podem ter certeza se estão indo para a guerra para salvar o estado de Israel ou a carreira política de seu primeiro-ministro.

Porque há motivos mais do que suficientes para acreditar que Bibi quer manter essa guerra para ter um pretexto para adiar o depoimento em dezembro em seu julgamento por corrupção, para adiar uma comissão independente de inquérito sobre como seu governo falhou em evitar o pior ataque aos judeus desde o Holocausto, bem como para impedir novas eleições israelenses e talvez até mesmo para influenciar a eleição presidencial americana para favorecer Donald Trump. Os parceiros supremacistas judeus de extrema direita de Netanyahu disseram a ele que derrubarão seu governo se ele concordar em parar a guerra em Gaza antes de uma “vitória total” indefinida contra o Hamas e se ele tentar trazer a Autoridade Palestina da Cisjordânia, que abraçou o processo de paz de Oslo, para ajudar a governar Gaza no lugar do Hamas — algo que o Hamas teme, e muito.

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Essa ausência de uma narrativa também está prejudicando Israel estrategicamente. Quanto mais Israel tiver um parceiro palestino legítimo, como uma Autoridade Palestina reformada, maior a chance de sair de Gaza e não presidir uma insurgência permanente ali, mais aliados desejarão ajudar a criar uma força internacional para preencher um eventual vácuo no sul do Líbano e mais os eventuais ataques militares israelenses contra o Irã seriam entendidos como tentativas de preservar a segurança de Israel para tentar fazer a paz com os palestinos — e não para uma anexação israelense da Cisjordânia e Gaza, que é o que alguns dos parceiros de extrema direita de Netanyahu estão buscando.

Não posso garantir que haja um parceiro palestino legítimo para uma paz segura com Israel. Mas posso garantir que este governo israelense fez tudo o que pôde para impedir que um parceiro desse tipo surgisse — fortalecendo o Hamas em Gaza às custas da Autoridade Palestina na Cisjordânia.

Para mim, é simplesmente loucura que os Emirados Árabes Unidos estejam dizendo a Israel que enviariam forças militares para Gaza para estabilizar a paz ali, em conjunto com os EUA e outras forças internacionais — e que a Arábia Saudita indicou que está pronta para normalizar as relações com Israel, ajudar a pagar pela reconstrução de Gaza e abrir um caminho para as relações entre o Estado judeu e todo o mundo muçulmano — e ainda assim Netanyahu até agora diga não a ambos, porque tudo isso exigiria que Israel abrisse negociações com uma Autoridade Palestina reformada a respeito de uma solução de dois estados, e que esta Autoridade Palestina convidasse formalmente os Emirados Árabes Unidos e outros para ajudar a proteger Gaza.

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E isso é desastroso de outra forma que é menos óbvia. Israel acaba de dar um golpe devastador na liderança do Hezbollah. Enquanto operação puramente militar — combinando alta tecnologia, inteligência e ataques de precisão pela Força Aérea Israelense —, ela será estudada por exércitos em todo o mundo. Mas aqui está o problema: posso garantir que a maioria dos pilotos, espiões e tecnólogos israelenses que produziram essa operação eram os mesmos manifestantes de rua israelenses e líderes da oposição ao golpe judicial que Netanyahu tentou no ano anterior à invasão do Hamas, uma tentativa de golpe que dividiu o país e encorajou a invasão do Hamas e a investida do Hezbollah, como Netanyahu foi avisado antes da guerra.

Pessoas se abraçam após acender velas em uma cerimônia que marca o primeiro aniversário dos ataques liderados pelo Hamas contra Israel, em uma sinagoga de Berlim. Foto: AP Photo/Markus Schreiber

Poucos meses antes do 7 de outubro, fui convidado para uma reunião pelo Zoom com centenas de pilotos de caça israelenses, que ficaram gratos pela minha oposição ao golpe judicial. Um deles me perguntou diretamente se ele deveria ficar em Israel ou ir embora. Eu disse a ele que não saberia responder, mas, para mim, foi um grande lembrete do quanto, na guerra, a narrativa de um país importa.

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Ninguém me ensinou mais a respeito da tensão entre as narrativas desses pilotos e a narrativa de Bibi — e suas implicações para o destino de Israel — do que Dan Ben-David, um economista da Universidade de Tel Aviv que dirige a Shoresh Institution for Socioeconomic Research. Escrevi para ele para perguntar o que ele estava pensando a respeito do aniversário do 7 de outubro. Foi isso que ele respondeu por e-mail:

“Minha mãe era uma garota de 13 anos que foi contrabandeada sozinha de Bagdá para a Palestina durante a Segunda Guerra Mundial. Meu pai chegou aqui como órfão; seu pai foi massacrado por seus vizinhos lituanos quando os nazistas chegaram. Após a guerra de independência, as unidades do exército dos meus pais se juntaram para criar o Kibutz Malkiya na fronteira com o Líbano. (Aquele kibutz, onde eles se conheceram e se casaram, se tornou uma cidade fantasma carbonizada no ano passado.) Essa é a história da minha família — mas basta mudar os nomes e temos basicamente a primeira versão da história de Israel.”

Aquela geração, Ben-David continuou, “garantiu que seus filhos e netos entendessem a importância de preservar Israel como o porto seguro do nosso povo, construído sobre a democracia e o estado de direito”. Essa prioridade, essa narrativa, “foi o fio de aço que uniu cada geração à nossa geração fundadora. Ela cria uma situação que torna Israel único, e não apenas em comparação com aqueles que querem nos aniquilar”.

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Veja como “tanto a Ucrânia quanto a Rússia tiveram que aprovar leis para impedir que homens fisicamente aptos saíssem do país durante a guerra”, ele acrescentou. “Mas, quando Israel é ameaçado de guerra, os aviões ficam cheios, mas não de israelenses tentando escapar de um possível inferno, e sim com aqueles que largam tudo no exterior — escola, trabalho, férias — para voltar para casa e defender o país, muitos dos quais acabam perdendo suas vidas ao fazê-lo. Esse tipo de motivação é incomparável”.

O fato de Israel recrutar a maioria dos homens e mulheres de 18 anos, “literalmente fornece ao exército acesso ao melhor do melhor do espectro humano de Israel”, observou Ben-David, e foi esse grupo que “acabou de devastar a liderança do Hezbollah e interceptou o ataque de mísseis balísticos mais massivo da história”.

“Esse fio de aço é o que nos salvou ao longo das décadas — e é exatamente isso que é tão perigoso a respeito da estratégia doméstica de ‘dividir e conquistar’ de Netanyahu, que coloca seus interesses pessoais acima de tudo. Aqui estamos, após o período mais horrível da história de Israel, e Netanyahu continua atacando esse fio”, escreveu Ben-David. “Além de encorajar seus seguidores cultistas a transformar em inimigos do estado as famílias de reféns, pilotos, médicos e qualquer outra pessoa que ouse criticar o grande líder, ele não tem um plano de saída para a crise militar cada vez mais profunda, nenhum orçamento para a crise econômica cada vez mais profunda, nenhuma intenção de recrutar os ultraortodoxos para um exército desesperado por mão de obra para substituir todos aqueles que perdemos. Porque tudo isso pode levar seus aliados de extrema direita a se voltarem contra ele.”

Ativistas seguram cartazes durante uma manifestação pró-palestina.  Foto: AP Photo/Aaron Favila

Então, neste primeiro aniversário do ataque de 7 de outubro, me vejo mais preocupado com o fato de que Israel está lutando uma guerra de múltiplas frentes e os israelenses ainda não saberem se estão lutando para tornar Israel seguro para uma democracia judaica ou seguro para a sobrevivência política do primeiro-ministro, seguro para que os ultraortodoxos nunca tenham que servir nas forças armadas e seguro para que o primeiro-ministro declare ao mundo que está defendendo a fronteira da liberdade em Gaza e no Líbano enquanto sustenta um motor de assentamentos moralmente podre e economicamente desgastante na Cisjordânia.

A maior ameaça a Israel hoje não é o Irã, o Hamas, o Hezbollah ou os Houthis. Um Israel unido pode derrotar todos eles. A ameaça são aqueles que estão desfazendo o fio de aço de Israel — com uma narrativa ruim./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Então, o que estou pensando neste primeiro aniversário da guerra Hamas-Hezbollah-Irã-Israel? Algo que meu professor de estratégia, John Arquilla, da Escola de Pós-Graduação Naval dos Estados Unidos, me ensinou: todas as guerras se resumem a duas perguntas básicas: quem vence a batalha em campo? E quem vence a batalha da narrativa? E o que estou pensando hoje é como, mesmo depois de um ano de guerra, durante o qual o Hamas, o Hezbollah e Israel infligiram dor terrível às forças e aos civis uns dos outros, ninguém venceu decisivamente a batalha em campo ou a batalha pela narrativa. De fato, um ano após o 7 de outubro, esta ainda é a primeira guerra árabe-israelense sem um nome e sem um vencedor claro — porque nenhum dos lados tem uma vitória clara ou uma narrativa limpa.

Podemos e devemos nos compadecer dos palestinos sem pátria e dos árabes na Cisjordânia vivendo sob a pressão dos assentamentos e restrições israelenses, mas, na minha opinião, não há nada que possa justificar o que os atacantes do Hamas fizeram em 7 de outubro — assassinar, mutilar, sequestrar e abusar sexualmente de qualquer israelense em que pudessem colocar as mãos, sem nenhum objetivo, nenhuma narrativa, além de destruir o estado judeu. Se você acredita, como eu, que a única solução são dois Estados para dois povos nativos entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, a fúria do Hamas atrasou isso imensamente.

No aniversário de um ano do ataque do Hamas, cerimônia foi realizada no local do festival de música Nova, onde centenas de pessoas foram mortas e sequestradas. Foto: Ariel Schalit/AP

E que narrativa o Irã está contando? A de que teria algum direito, sob a Carta da ONU, de ajudar a criar estados fracassados no Líbano, Síria, Iêmen e Iraque para poder cultivar representantes dentro deles com o propósito de destruir Israel? E com que direito o Hezbollah arrastou o Líbano para uma guerra com Israel na qual o povo e o governo libaneses não tiveram voz, e pela qual agora estão pagando um preço alto?

Mas este governo israelense também carece de uma narrativa limpa em Gaza. Esta seria inevitavelmente a mais feia das guerras entre israelenses e palestinos desde 1947, porque o Hamas se infiltrou em túneis sob casas, escolas, mesquitas e hospitais de Gaza. Não poderia ser atacado sem baixas civis significativas. Portanto, como argumentei desde o início, era duplamente incumbência de Israel deixar claro que esta não era apenas uma guerra para se defender, mas também para destruir o Hamas e dar à luz algo melhor: a única solução justa e estável possível, dois estados para dois povos.

O governo israelense do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu se recusou firmemente a fazer isso, tanto que, um ano depois, ainda não disse ao seu povo, ao seu exército ou ao seu fornecedor de armas (os EUA) o que quer construir em Gaza no lugar do Hamas além da “vitória total”. Com Israel ainda bombardeando escolas para matar alguns combatentes do Hamas escondidos lá dentro, mas falhando em articular qualquer futuro para os moradores de Gaza além da guerra permanente, parece que matar até o último membro do Hamas é o objetivo — não importa quantos civis morram no processo. Essa é uma guerra eterna que vai minar a credibilidade de Israel e dos Estados Unidos, e envergonhará os aliados árabes de Israel.

Mas a falta de uma boa narrativa está prejudicando Israel de outras maneiras. Os israelenses estão sendo solicitados a enviar seus filhos e filhas para lutar todos os dias contra os inimigos do Hamas e do Hezbollah, mas não podem ter certeza se estão indo para a guerra para salvar o estado de Israel ou a carreira política de seu primeiro-ministro.

Porque há motivos mais do que suficientes para acreditar que Bibi quer manter essa guerra para ter um pretexto para adiar o depoimento em dezembro em seu julgamento por corrupção, para adiar uma comissão independente de inquérito sobre como seu governo falhou em evitar o pior ataque aos judeus desde o Holocausto, bem como para impedir novas eleições israelenses e talvez até mesmo para influenciar a eleição presidencial americana para favorecer Donald Trump. Os parceiros supremacistas judeus de extrema direita de Netanyahu disseram a ele que derrubarão seu governo se ele concordar em parar a guerra em Gaza antes de uma “vitória total” indefinida contra o Hamas e se ele tentar trazer a Autoridade Palestina da Cisjordânia, que abraçou o processo de paz de Oslo, para ajudar a governar Gaza no lugar do Hamas — algo que o Hamas teme, e muito.

Essa ausência de uma narrativa também está prejudicando Israel estrategicamente. Quanto mais Israel tiver um parceiro palestino legítimo, como uma Autoridade Palestina reformada, maior a chance de sair de Gaza e não presidir uma insurgência permanente ali, mais aliados desejarão ajudar a criar uma força internacional para preencher um eventual vácuo no sul do Líbano e mais os eventuais ataques militares israelenses contra o Irã seriam entendidos como tentativas de preservar a segurança de Israel para tentar fazer a paz com os palestinos — e não para uma anexação israelense da Cisjordânia e Gaza, que é o que alguns dos parceiros de extrema direita de Netanyahu estão buscando.

Não posso garantir que haja um parceiro palestino legítimo para uma paz segura com Israel. Mas posso garantir que este governo israelense fez tudo o que pôde para impedir que um parceiro desse tipo surgisse — fortalecendo o Hamas em Gaza às custas da Autoridade Palestina na Cisjordânia.

Para mim, é simplesmente loucura que os Emirados Árabes Unidos estejam dizendo a Israel que enviariam forças militares para Gaza para estabilizar a paz ali, em conjunto com os EUA e outras forças internacionais — e que a Arábia Saudita indicou que está pronta para normalizar as relações com Israel, ajudar a pagar pela reconstrução de Gaza e abrir um caminho para as relações entre o Estado judeu e todo o mundo muçulmano — e ainda assim Netanyahu até agora diga não a ambos, porque tudo isso exigiria que Israel abrisse negociações com uma Autoridade Palestina reformada a respeito de uma solução de dois estados, e que esta Autoridade Palestina convidasse formalmente os Emirados Árabes Unidos e outros para ajudar a proteger Gaza.

E isso é desastroso de outra forma que é menos óbvia. Israel acaba de dar um golpe devastador na liderança do Hezbollah. Enquanto operação puramente militar — combinando alta tecnologia, inteligência e ataques de precisão pela Força Aérea Israelense —, ela será estudada por exércitos em todo o mundo. Mas aqui está o problema: posso garantir que a maioria dos pilotos, espiões e tecnólogos israelenses que produziram essa operação eram os mesmos manifestantes de rua israelenses e líderes da oposição ao golpe judicial que Netanyahu tentou no ano anterior à invasão do Hamas, uma tentativa de golpe que dividiu o país e encorajou a invasão do Hamas e a investida do Hezbollah, como Netanyahu foi avisado antes da guerra.

Pessoas se abraçam após acender velas em uma cerimônia que marca o primeiro aniversário dos ataques liderados pelo Hamas contra Israel, em uma sinagoga de Berlim. Foto: AP Photo/Markus Schreiber

Poucos meses antes do 7 de outubro, fui convidado para uma reunião pelo Zoom com centenas de pilotos de caça israelenses, que ficaram gratos pela minha oposição ao golpe judicial. Um deles me perguntou diretamente se ele deveria ficar em Israel ou ir embora. Eu disse a ele que não saberia responder, mas, para mim, foi um grande lembrete do quanto, na guerra, a narrativa de um país importa.

Ninguém me ensinou mais a respeito da tensão entre as narrativas desses pilotos e a narrativa de Bibi — e suas implicações para o destino de Israel — do que Dan Ben-David, um economista da Universidade de Tel Aviv que dirige a Shoresh Institution for Socioeconomic Research. Escrevi para ele para perguntar o que ele estava pensando a respeito do aniversário do 7 de outubro. Foi isso que ele respondeu por e-mail:

“Minha mãe era uma garota de 13 anos que foi contrabandeada sozinha de Bagdá para a Palestina durante a Segunda Guerra Mundial. Meu pai chegou aqui como órfão; seu pai foi massacrado por seus vizinhos lituanos quando os nazistas chegaram. Após a guerra de independência, as unidades do exército dos meus pais se juntaram para criar o Kibutz Malkiya na fronteira com o Líbano. (Aquele kibutz, onde eles se conheceram e se casaram, se tornou uma cidade fantasma carbonizada no ano passado.) Essa é a história da minha família — mas basta mudar os nomes e temos basicamente a primeira versão da história de Israel.”

Aquela geração, Ben-David continuou, “garantiu que seus filhos e netos entendessem a importância de preservar Israel como o porto seguro do nosso povo, construído sobre a democracia e o estado de direito”. Essa prioridade, essa narrativa, “foi o fio de aço que uniu cada geração à nossa geração fundadora. Ela cria uma situação que torna Israel único, e não apenas em comparação com aqueles que querem nos aniquilar”.

Veja como “tanto a Ucrânia quanto a Rússia tiveram que aprovar leis para impedir que homens fisicamente aptos saíssem do país durante a guerra”, ele acrescentou. “Mas, quando Israel é ameaçado de guerra, os aviões ficam cheios, mas não de israelenses tentando escapar de um possível inferno, e sim com aqueles que largam tudo no exterior — escola, trabalho, férias — para voltar para casa e defender o país, muitos dos quais acabam perdendo suas vidas ao fazê-lo. Esse tipo de motivação é incomparável”.

O fato de Israel recrutar a maioria dos homens e mulheres de 18 anos, “literalmente fornece ao exército acesso ao melhor do melhor do espectro humano de Israel”, observou Ben-David, e foi esse grupo que “acabou de devastar a liderança do Hezbollah e interceptou o ataque de mísseis balísticos mais massivo da história”.

“Esse fio de aço é o que nos salvou ao longo das décadas — e é exatamente isso que é tão perigoso a respeito da estratégia doméstica de ‘dividir e conquistar’ de Netanyahu, que coloca seus interesses pessoais acima de tudo. Aqui estamos, após o período mais horrível da história de Israel, e Netanyahu continua atacando esse fio”, escreveu Ben-David. “Além de encorajar seus seguidores cultistas a transformar em inimigos do estado as famílias de reféns, pilotos, médicos e qualquer outra pessoa que ouse criticar o grande líder, ele não tem um plano de saída para a crise militar cada vez mais profunda, nenhum orçamento para a crise econômica cada vez mais profunda, nenhuma intenção de recrutar os ultraortodoxos para um exército desesperado por mão de obra para substituir todos aqueles que perdemos. Porque tudo isso pode levar seus aliados de extrema direita a se voltarem contra ele.”

Ativistas seguram cartazes durante uma manifestação pró-palestina.  Foto: AP Photo/Aaron Favila

Então, neste primeiro aniversário do ataque de 7 de outubro, me vejo mais preocupado com o fato de que Israel está lutando uma guerra de múltiplas frentes e os israelenses ainda não saberem se estão lutando para tornar Israel seguro para uma democracia judaica ou seguro para a sobrevivência política do primeiro-ministro, seguro para que os ultraortodoxos nunca tenham que servir nas forças armadas e seguro para que o primeiro-ministro declare ao mundo que está defendendo a fronteira da liberdade em Gaza e no Líbano enquanto sustenta um motor de assentamentos moralmente podre e economicamente desgastante na Cisjordânia.

A maior ameaça a Israel hoje não é o Irã, o Hamas, o Hezbollah ou os Houthis. Um Israel unido pode derrotar todos eles. A ameaça são aqueles que estão desfazendo o fio de aço de Israel — com uma narrativa ruim./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Então, o que estou pensando neste primeiro aniversário da guerra Hamas-Hezbollah-Irã-Israel? Algo que meu professor de estratégia, John Arquilla, da Escola de Pós-Graduação Naval dos Estados Unidos, me ensinou: todas as guerras se resumem a duas perguntas básicas: quem vence a batalha em campo? E quem vence a batalha da narrativa? E o que estou pensando hoje é como, mesmo depois de um ano de guerra, durante o qual o Hamas, o Hezbollah e Israel infligiram dor terrível às forças e aos civis uns dos outros, ninguém venceu decisivamente a batalha em campo ou a batalha pela narrativa. De fato, um ano após o 7 de outubro, esta ainda é a primeira guerra árabe-israelense sem um nome e sem um vencedor claro — porque nenhum dos lados tem uma vitória clara ou uma narrativa limpa.

Podemos e devemos nos compadecer dos palestinos sem pátria e dos árabes na Cisjordânia vivendo sob a pressão dos assentamentos e restrições israelenses, mas, na minha opinião, não há nada que possa justificar o que os atacantes do Hamas fizeram em 7 de outubro — assassinar, mutilar, sequestrar e abusar sexualmente de qualquer israelense em que pudessem colocar as mãos, sem nenhum objetivo, nenhuma narrativa, além de destruir o estado judeu. Se você acredita, como eu, que a única solução são dois Estados para dois povos nativos entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, a fúria do Hamas atrasou isso imensamente.

No aniversário de um ano do ataque do Hamas, cerimônia foi realizada no local do festival de música Nova, onde centenas de pessoas foram mortas e sequestradas. Foto: Ariel Schalit/AP

E que narrativa o Irã está contando? A de que teria algum direito, sob a Carta da ONU, de ajudar a criar estados fracassados no Líbano, Síria, Iêmen e Iraque para poder cultivar representantes dentro deles com o propósito de destruir Israel? E com que direito o Hezbollah arrastou o Líbano para uma guerra com Israel na qual o povo e o governo libaneses não tiveram voz, e pela qual agora estão pagando um preço alto?

Mas este governo israelense também carece de uma narrativa limpa em Gaza. Esta seria inevitavelmente a mais feia das guerras entre israelenses e palestinos desde 1947, porque o Hamas se infiltrou em túneis sob casas, escolas, mesquitas e hospitais de Gaza. Não poderia ser atacado sem baixas civis significativas. Portanto, como argumentei desde o início, era duplamente incumbência de Israel deixar claro que esta não era apenas uma guerra para se defender, mas também para destruir o Hamas e dar à luz algo melhor: a única solução justa e estável possível, dois estados para dois povos.

O governo israelense do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu se recusou firmemente a fazer isso, tanto que, um ano depois, ainda não disse ao seu povo, ao seu exército ou ao seu fornecedor de armas (os EUA) o que quer construir em Gaza no lugar do Hamas além da “vitória total”. Com Israel ainda bombardeando escolas para matar alguns combatentes do Hamas escondidos lá dentro, mas falhando em articular qualquer futuro para os moradores de Gaza além da guerra permanente, parece que matar até o último membro do Hamas é o objetivo — não importa quantos civis morram no processo. Essa é uma guerra eterna que vai minar a credibilidade de Israel e dos Estados Unidos, e envergonhará os aliados árabes de Israel.

Mas a falta de uma boa narrativa está prejudicando Israel de outras maneiras. Os israelenses estão sendo solicitados a enviar seus filhos e filhas para lutar todos os dias contra os inimigos do Hamas e do Hezbollah, mas não podem ter certeza se estão indo para a guerra para salvar o estado de Israel ou a carreira política de seu primeiro-ministro.

Porque há motivos mais do que suficientes para acreditar que Bibi quer manter essa guerra para ter um pretexto para adiar o depoimento em dezembro em seu julgamento por corrupção, para adiar uma comissão independente de inquérito sobre como seu governo falhou em evitar o pior ataque aos judeus desde o Holocausto, bem como para impedir novas eleições israelenses e talvez até mesmo para influenciar a eleição presidencial americana para favorecer Donald Trump. Os parceiros supremacistas judeus de extrema direita de Netanyahu disseram a ele que derrubarão seu governo se ele concordar em parar a guerra em Gaza antes de uma “vitória total” indefinida contra o Hamas e se ele tentar trazer a Autoridade Palestina da Cisjordânia, que abraçou o processo de paz de Oslo, para ajudar a governar Gaza no lugar do Hamas — algo que o Hamas teme, e muito.

Essa ausência de uma narrativa também está prejudicando Israel estrategicamente. Quanto mais Israel tiver um parceiro palestino legítimo, como uma Autoridade Palestina reformada, maior a chance de sair de Gaza e não presidir uma insurgência permanente ali, mais aliados desejarão ajudar a criar uma força internacional para preencher um eventual vácuo no sul do Líbano e mais os eventuais ataques militares israelenses contra o Irã seriam entendidos como tentativas de preservar a segurança de Israel para tentar fazer a paz com os palestinos — e não para uma anexação israelense da Cisjordânia e Gaza, que é o que alguns dos parceiros de extrema direita de Netanyahu estão buscando.

Não posso garantir que haja um parceiro palestino legítimo para uma paz segura com Israel. Mas posso garantir que este governo israelense fez tudo o que pôde para impedir que um parceiro desse tipo surgisse — fortalecendo o Hamas em Gaza às custas da Autoridade Palestina na Cisjordânia.

Para mim, é simplesmente loucura que os Emirados Árabes Unidos estejam dizendo a Israel que enviariam forças militares para Gaza para estabilizar a paz ali, em conjunto com os EUA e outras forças internacionais — e que a Arábia Saudita indicou que está pronta para normalizar as relações com Israel, ajudar a pagar pela reconstrução de Gaza e abrir um caminho para as relações entre o Estado judeu e todo o mundo muçulmano — e ainda assim Netanyahu até agora diga não a ambos, porque tudo isso exigiria que Israel abrisse negociações com uma Autoridade Palestina reformada a respeito de uma solução de dois estados, e que esta Autoridade Palestina convidasse formalmente os Emirados Árabes Unidos e outros para ajudar a proteger Gaza.

E isso é desastroso de outra forma que é menos óbvia. Israel acaba de dar um golpe devastador na liderança do Hezbollah. Enquanto operação puramente militar — combinando alta tecnologia, inteligência e ataques de precisão pela Força Aérea Israelense —, ela será estudada por exércitos em todo o mundo. Mas aqui está o problema: posso garantir que a maioria dos pilotos, espiões e tecnólogos israelenses que produziram essa operação eram os mesmos manifestantes de rua israelenses e líderes da oposição ao golpe judicial que Netanyahu tentou no ano anterior à invasão do Hamas, uma tentativa de golpe que dividiu o país e encorajou a invasão do Hamas e a investida do Hezbollah, como Netanyahu foi avisado antes da guerra.

Pessoas se abraçam após acender velas em uma cerimônia que marca o primeiro aniversário dos ataques liderados pelo Hamas contra Israel, em uma sinagoga de Berlim. Foto: AP Photo/Markus Schreiber

Poucos meses antes do 7 de outubro, fui convidado para uma reunião pelo Zoom com centenas de pilotos de caça israelenses, que ficaram gratos pela minha oposição ao golpe judicial. Um deles me perguntou diretamente se ele deveria ficar em Israel ou ir embora. Eu disse a ele que não saberia responder, mas, para mim, foi um grande lembrete do quanto, na guerra, a narrativa de um país importa.

Ninguém me ensinou mais a respeito da tensão entre as narrativas desses pilotos e a narrativa de Bibi — e suas implicações para o destino de Israel — do que Dan Ben-David, um economista da Universidade de Tel Aviv que dirige a Shoresh Institution for Socioeconomic Research. Escrevi para ele para perguntar o que ele estava pensando a respeito do aniversário do 7 de outubro. Foi isso que ele respondeu por e-mail:

“Minha mãe era uma garota de 13 anos que foi contrabandeada sozinha de Bagdá para a Palestina durante a Segunda Guerra Mundial. Meu pai chegou aqui como órfão; seu pai foi massacrado por seus vizinhos lituanos quando os nazistas chegaram. Após a guerra de independência, as unidades do exército dos meus pais se juntaram para criar o Kibutz Malkiya na fronteira com o Líbano. (Aquele kibutz, onde eles se conheceram e se casaram, se tornou uma cidade fantasma carbonizada no ano passado.) Essa é a história da minha família — mas basta mudar os nomes e temos basicamente a primeira versão da história de Israel.”

Aquela geração, Ben-David continuou, “garantiu que seus filhos e netos entendessem a importância de preservar Israel como o porto seguro do nosso povo, construído sobre a democracia e o estado de direito”. Essa prioridade, essa narrativa, “foi o fio de aço que uniu cada geração à nossa geração fundadora. Ela cria uma situação que torna Israel único, e não apenas em comparação com aqueles que querem nos aniquilar”.

Veja como “tanto a Ucrânia quanto a Rússia tiveram que aprovar leis para impedir que homens fisicamente aptos saíssem do país durante a guerra”, ele acrescentou. “Mas, quando Israel é ameaçado de guerra, os aviões ficam cheios, mas não de israelenses tentando escapar de um possível inferno, e sim com aqueles que largam tudo no exterior — escola, trabalho, férias — para voltar para casa e defender o país, muitos dos quais acabam perdendo suas vidas ao fazê-lo. Esse tipo de motivação é incomparável”.

O fato de Israel recrutar a maioria dos homens e mulheres de 18 anos, “literalmente fornece ao exército acesso ao melhor do melhor do espectro humano de Israel”, observou Ben-David, e foi esse grupo que “acabou de devastar a liderança do Hezbollah e interceptou o ataque de mísseis balísticos mais massivo da história”.

“Esse fio de aço é o que nos salvou ao longo das décadas — e é exatamente isso que é tão perigoso a respeito da estratégia doméstica de ‘dividir e conquistar’ de Netanyahu, que coloca seus interesses pessoais acima de tudo. Aqui estamos, após o período mais horrível da história de Israel, e Netanyahu continua atacando esse fio”, escreveu Ben-David. “Além de encorajar seus seguidores cultistas a transformar em inimigos do estado as famílias de reféns, pilotos, médicos e qualquer outra pessoa que ouse criticar o grande líder, ele não tem um plano de saída para a crise militar cada vez mais profunda, nenhum orçamento para a crise econômica cada vez mais profunda, nenhuma intenção de recrutar os ultraortodoxos para um exército desesperado por mão de obra para substituir todos aqueles que perdemos. Porque tudo isso pode levar seus aliados de extrema direita a se voltarem contra ele.”

Ativistas seguram cartazes durante uma manifestação pró-palestina.  Foto: AP Photo/Aaron Favila

Então, neste primeiro aniversário do ataque de 7 de outubro, me vejo mais preocupado com o fato de que Israel está lutando uma guerra de múltiplas frentes e os israelenses ainda não saberem se estão lutando para tornar Israel seguro para uma democracia judaica ou seguro para a sobrevivência política do primeiro-ministro, seguro para que os ultraortodoxos nunca tenham que servir nas forças armadas e seguro para que o primeiro-ministro declare ao mundo que está defendendo a fronteira da liberdade em Gaza e no Líbano enquanto sustenta um motor de assentamentos moralmente podre e economicamente desgastante na Cisjordânia.

A maior ameaça a Israel hoje não é o Irã, o Hamas, o Hezbollah ou os Houthis. Um Israel unido pode derrotar todos eles. A ameaça são aqueles que estão desfazendo o fio de aço de Israel — com uma narrativa ruim./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Então, o que estou pensando neste primeiro aniversário da guerra Hamas-Hezbollah-Irã-Israel? Algo que meu professor de estratégia, John Arquilla, da Escola de Pós-Graduação Naval dos Estados Unidos, me ensinou: todas as guerras se resumem a duas perguntas básicas: quem vence a batalha em campo? E quem vence a batalha da narrativa? E o que estou pensando hoje é como, mesmo depois de um ano de guerra, durante o qual o Hamas, o Hezbollah e Israel infligiram dor terrível às forças e aos civis uns dos outros, ninguém venceu decisivamente a batalha em campo ou a batalha pela narrativa. De fato, um ano após o 7 de outubro, esta ainda é a primeira guerra árabe-israelense sem um nome e sem um vencedor claro — porque nenhum dos lados tem uma vitória clara ou uma narrativa limpa.

Podemos e devemos nos compadecer dos palestinos sem pátria e dos árabes na Cisjordânia vivendo sob a pressão dos assentamentos e restrições israelenses, mas, na minha opinião, não há nada que possa justificar o que os atacantes do Hamas fizeram em 7 de outubro — assassinar, mutilar, sequestrar e abusar sexualmente de qualquer israelense em que pudessem colocar as mãos, sem nenhum objetivo, nenhuma narrativa, além de destruir o estado judeu. Se você acredita, como eu, que a única solução são dois Estados para dois povos nativos entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo, a fúria do Hamas atrasou isso imensamente.

No aniversário de um ano do ataque do Hamas, cerimônia foi realizada no local do festival de música Nova, onde centenas de pessoas foram mortas e sequestradas. Foto: Ariel Schalit/AP

E que narrativa o Irã está contando? A de que teria algum direito, sob a Carta da ONU, de ajudar a criar estados fracassados no Líbano, Síria, Iêmen e Iraque para poder cultivar representantes dentro deles com o propósito de destruir Israel? E com que direito o Hezbollah arrastou o Líbano para uma guerra com Israel na qual o povo e o governo libaneses não tiveram voz, e pela qual agora estão pagando um preço alto?

Mas este governo israelense também carece de uma narrativa limpa em Gaza. Esta seria inevitavelmente a mais feia das guerras entre israelenses e palestinos desde 1947, porque o Hamas se infiltrou em túneis sob casas, escolas, mesquitas e hospitais de Gaza. Não poderia ser atacado sem baixas civis significativas. Portanto, como argumentei desde o início, era duplamente incumbência de Israel deixar claro que esta não era apenas uma guerra para se defender, mas também para destruir o Hamas e dar à luz algo melhor: a única solução justa e estável possível, dois estados para dois povos.

O governo israelense do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu se recusou firmemente a fazer isso, tanto que, um ano depois, ainda não disse ao seu povo, ao seu exército ou ao seu fornecedor de armas (os EUA) o que quer construir em Gaza no lugar do Hamas além da “vitória total”. Com Israel ainda bombardeando escolas para matar alguns combatentes do Hamas escondidos lá dentro, mas falhando em articular qualquer futuro para os moradores de Gaza além da guerra permanente, parece que matar até o último membro do Hamas é o objetivo — não importa quantos civis morram no processo. Essa é uma guerra eterna que vai minar a credibilidade de Israel e dos Estados Unidos, e envergonhará os aliados árabes de Israel.

Mas a falta de uma boa narrativa está prejudicando Israel de outras maneiras. Os israelenses estão sendo solicitados a enviar seus filhos e filhas para lutar todos os dias contra os inimigos do Hamas e do Hezbollah, mas não podem ter certeza se estão indo para a guerra para salvar o estado de Israel ou a carreira política de seu primeiro-ministro.

Porque há motivos mais do que suficientes para acreditar que Bibi quer manter essa guerra para ter um pretexto para adiar o depoimento em dezembro em seu julgamento por corrupção, para adiar uma comissão independente de inquérito sobre como seu governo falhou em evitar o pior ataque aos judeus desde o Holocausto, bem como para impedir novas eleições israelenses e talvez até mesmo para influenciar a eleição presidencial americana para favorecer Donald Trump. Os parceiros supremacistas judeus de extrema direita de Netanyahu disseram a ele que derrubarão seu governo se ele concordar em parar a guerra em Gaza antes de uma “vitória total” indefinida contra o Hamas e se ele tentar trazer a Autoridade Palestina da Cisjordânia, que abraçou o processo de paz de Oslo, para ajudar a governar Gaza no lugar do Hamas — algo que o Hamas teme, e muito.

Essa ausência de uma narrativa também está prejudicando Israel estrategicamente. Quanto mais Israel tiver um parceiro palestino legítimo, como uma Autoridade Palestina reformada, maior a chance de sair de Gaza e não presidir uma insurgência permanente ali, mais aliados desejarão ajudar a criar uma força internacional para preencher um eventual vácuo no sul do Líbano e mais os eventuais ataques militares israelenses contra o Irã seriam entendidos como tentativas de preservar a segurança de Israel para tentar fazer a paz com os palestinos — e não para uma anexação israelense da Cisjordânia e Gaza, que é o que alguns dos parceiros de extrema direita de Netanyahu estão buscando.

Não posso garantir que haja um parceiro palestino legítimo para uma paz segura com Israel. Mas posso garantir que este governo israelense fez tudo o que pôde para impedir que um parceiro desse tipo surgisse — fortalecendo o Hamas em Gaza às custas da Autoridade Palestina na Cisjordânia.

Para mim, é simplesmente loucura que os Emirados Árabes Unidos estejam dizendo a Israel que enviariam forças militares para Gaza para estabilizar a paz ali, em conjunto com os EUA e outras forças internacionais — e que a Arábia Saudita indicou que está pronta para normalizar as relações com Israel, ajudar a pagar pela reconstrução de Gaza e abrir um caminho para as relações entre o Estado judeu e todo o mundo muçulmano — e ainda assim Netanyahu até agora diga não a ambos, porque tudo isso exigiria que Israel abrisse negociações com uma Autoridade Palestina reformada a respeito de uma solução de dois estados, e que esta Autoridade Palestina convidasse formalmente os Emirados Árabes Unidos e outros para ajudar a proteger Gaza.

E isso é desastroso de outra forma que é menos óbvia. Israel acaba de dar um golpe devastador na liderança do Hezbollah. Enquanto operação puramente militar — combinando alta tecnologia, inteligência e ataques de precisão pela Força Aérea Israelense —, ela será estudada por exércitos em todo o mundo. Mas aqui está o problema: posso garantir que a maioria dos pilotos, espiões e tecnólogos israelenses que produziram essa operação eram os mesmos manifestantes de rua israelenses e líderes da oposição ao golpe judicial que Netanyahu tentou no ano anterior à invasão do Hamas, uma tentativa de golpe que dividiu o país e encorajou a invasão do Hamas e a investida do Hezbollah, como Netanyahu foi avisado antes da guerra.

Pessoas se abraçam após acender velas em uma cerimônia que marca o primeiro aniversário dos ataques liderados pelo Hamas contra Israel, em uma sinagoga de Berlim. Foto: AP Photo/Markus Schreiber

Poucos meses antes do 7 de outubro, fui convidado para uma reunião pelo Zoom com centenas de pilotos de caça israelenses, que ficaram gratos pela minha oposição ao golpe judicial. Um deles me perguntou diretamente se ele deveria ficar em Israel ou ir embora. Eu disse a ele que não saberia responder, mas, para mim, foi um grande lembrete do quanto, na guerra, a narrativa de um país importa.

Ninguém me ensinou mais a respeito da tensão entre as narrativas desses pilotos e a narrativa de Bibi — e suas implicações para o destino de Israel — do que Dan Ben-David, um economista da Universidade de Tel Aviv que dirige a Shoresh Institution for Socioeconomic Research. Escrevi para ele para perguntar o que ele estava pensando a respeito do aniversário do 7 de outubro. Foi isso que ele respondeu por e-mail:

“Minha mãe era uma garota de 13 anos que foi contrabandeada sozinha de Bagdá para a Palestina durante a Segunda Guerra Mundial. Meu pai chegou aqui como órfão; seu pai foi massacrado por seus vizinhos lituanos quando os nazistas chegaram. Após a guerra de independência, as unidades do exército dos meus pais se juntaram para criar o Kibutz Malkiya na fronteira com o Líbano. (Aquele kibutz, onde eles se conheceram e se casaram, se tornou uma cidade fantasma carbonizada no ano passado.) Essa é a história da minha família — mas basta mudar os nomes e temos basicamente a primeira versão da história de Israel.”

Aquela geração, Ben-David continuou, “garantiu que seus filhos e netos entendessem a importância de preservar Israel como o porto seguro do nosso povo, construído sobre a democracia e o estado de direito”. Essa prioridade, essa narrativa, “foi o fio de aço que uniu cada geração à nossa geração fundadora. Ela cria uma situação que torna Israel único, e não apenas em comparação com aqueles que querem nos aniquilar”.

Veja como “tanto a Ucrânia quanto a Rússia tiveram que aprovar leis para impedir que homens fisicamente aptos saíssem do país durante a guerra”, ele acrescentou. “Mas, quando Israel é ameaçado de guerra, os aviões ficam cheios, mas não de israelenses tentando escapar de um possível inferno, e sim com aqueles que largam tudo no exterior — escola, trabalho, férias — para voltar para casa e defender o país, muitos dos quais acabam perdendo suas vidas ao fazê-lo. Esse tipo de motivação é incomparável”.

O fato de Israel recrutar a maioria dos homens e mulheres de 18 anos, “literalmente fornece ao exército acesso ao melhor do melhor do espectro humano de Israel”, observou Ben-David, e foi esse grupo que “acabou de devastar a liderança do Hezbollah e interceptou o ataque de mísseis balísticos mais massivo da história”.

“Esse fio de aço é o que nos salvou ao longo das décadas — e é exatamente isso que é tão perigoso a respeito da estratégia doméstica de ‘dividir e conquistar’ de Netanyahu, que coloca seus interesses pessoais acima de tudo. Aqui estamos, após o período mais horrível da história de Israel, e Netanyahu continua atacando esse fio”, escreveu Ben-David. “Além de encorajar seus seguidores cultistas a transformar em inimigos do estado as famílias de reféns, pilotos, médicos e qualquer outra pessoa que ouse criticar o grande líder, ele não tem um plano de saída para a crise militar cada vez mais profunda, nenhum orçamento para a crise econômica cada vez mais profunda, nenhuma intenção de recrutar os ultraortodoxos para um exército desesperado por mão de obra para substituir todos aqueles que perdemos. Porque tudo isso pode levar seus aliados de extrema direita a se voltarem contra ele.”

Ativistas seguram cartazes durante uma manifestação pró-palestina.  Foto: AP Photo/Aaron Favila

Então, neste primeiro aniversário do ataque de 7 de outubro, me vejo mais preocupado com o fato de que Israel está lutando uma guerra de múltiplas frentes e os israelenses ainda não saberem se estão lutando para tornar Israel seguro para uma democracia judaica ou seguro para a sobrevivência política do primeiro-ministro, seguro para que os ultraortodoxos nunca tenham que servir nas forças armadas e seguro para que o primeiro-ministro declare ao mundo que está defendendo a fronteira da liberdade em Gaza e no Líbano enquanto sustenta um motor de assentamentos moralmente podre e economicamente desgastante na Cisjordânia.

A maior ameaça a Israel hoje não é o Irã, o Hamas, o Hezbollah ou os Houthis. Um Israel unido pode derrotar todos eles. A ameaça são aqueles que estão desfazendo o fio de aço de Israel — com uma narrativa ruim./ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Opinião por Thomas Friedman

é colunista de assuntos internacionais do The New York Times. Entrou para o jornal em 1981 e ganhou três prêmios Pulitzer. É autor de sete livros, incluindo 'De Beirute a Jerusalém', que venceu o Prêmio Nacional do Livro.

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