O último ano em Israel não foi fácil. O país está envolvido em uma guerra contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza e a milícia xiita radical libanesa Hezbollah, também troca ataques diretos com o Irã e precisa se defender de mísseis que vem da Síria e de grupos terroristas associados a Teerã no Iêmen e Iraque. Mesmo assim, nada disso impediu que mais de 29 mil judeus se mudassem para Israel desde os ataques terroristas do Hamas, no dia 7 de outubro do ano passado.
Os dados da Organização Mundial Sionista e da Agência Judaica, órgão responsável por realizar o processo burocrático de imigração a Israel, mostram que o número de judeus que quiseram se mudar para Israel aumentou com o passar dos meses, depois de despencar logo após os ataques terroristas do Hamas, que deixaram 1,2 mil mortos e 250 sequestrados.
Em outubro de 2023, apenas 1.163 pessoas mudaram-se para Israel, em comparação com 2.364 pessoas em Setembro, segundo o Gabinete Central de Estatísticas de Israel. Os números foram aumentando lentamente nos meses que se seguiram. De outubro a abril, mais de 12 mil imigrantes se mudaram para Israel.
Em 2023, um total de 42.700 judeus se mudaram. Os números de 2024 ainda estão menores, mas muito acima do esperado para um país em guerra.
Segundo analistas e imigrantes recém-chegados a Israel que foram entrevistados pelo Estadão a onda de antissemitismo nos Estados Unidos, Europa e também na América do Sul foi um dos principais fatores para o aumento da imigração, assim como o fortalecimento do sentimento sionista dos judeus que vivem na diáspora.
“Desde o 7 de outubro o antissemitismo aumentou a ponto de muitos judeus acreditarem que é mais fácil ser judeu em Israel”, avalia Karina Calandrin, assessora acadêmica do Instituto Brasil-Israel e professora de relações internacionais da Universidade de Sorocaba.
Antissemitismo
Segundo dados da Agência Judaica, a maioria dos judeus que se mudaram desde de outubro do ano passado vieram de países ocidentais como Estados Unidos, França, Canadá e Reino Unido.
De acordo com a Liga Antidifamação (ADL, na sigla em inglês), uma organização americana que luta contra o antissemitismo, os casos de crimes de ódio contra judeus aumentaram 360% nos Estados Unidos depois dos ataques terroristas do Hamas.
A França também registrou uma alta de casos de antissemitismo. Após os ataques do Hamas, os números foram de 436 em 2022 para 1676 em 2023, segundo dados da Universidade de Tel-Aviv e da Liga Antidifamação.
No Brasil os casos de antissemitíssimo também aumentaram. Segundo dados da Confederação Israelita do Brasil (Conib), órgão que representa a comunidade judaica brasileira, denúncias de antissemitismo tiveram um aumento de 961,36% desde os ataques terroristas do Hamas, em outubro do ano passado.
Para a assessora acadêmica do Instituto Brasil-Israel, o movimento sionista se tornou alvo de ataques por uma confusão de conceitos. “Ser sionista só é ser a favor da autodeterminação do povo judeu, não significa necessariamente ser contra a criação de um Estado palestino ou a favor do que está acontecendo em Gaza”.
A especialista também destacou que muitos judeus da diáspora são questionados por uma chamada “dupla lealdade”. “O antissemitismo vem também dessa questão de muitos pensarem que os judeus são mais leais a Israel do que ao país que nasceram, é um discurso de ódio clássico”.
Lei do retorno
Todos os judeus que quiserem se mudar para Israel têm este direito. O Estado de Israel aceita a chegada de pessoas que tenham pelo menos um avô judeu (materno ou paterno).
Dois anos após a criação do Estado, em 1950, o país adotou a chamada Lei do Retorno, que concede o direito de residência e cidadania a judeus de qualquer lugar do mundo que queiram se mudar para o território israelense.
Os judeus que decidem fazer a chamada Aliá, termo em hebraico que designa a imigração judaica para Israel, ganham diversos benefícios como a passagem de ida para o território israelense, convênio médico para os primeiros seis meses, 500 horas de aula de hebraico e ajuda financeira. Para imigrantes mais jovens, bolsas de estudo para graduação e mestrado podem ser oferecidas pelo governo.
Quem decide se mudar também tem direito a um passaporte israelense e pode manter a sua cidadania de origem.
Sionismo
Para dois brasileiros recém-chegados em Israel que foram entrevistados pelo Estadão, o sentimento sionista contribuiu para a mudança em um período tão incerto para o país.
O carioca Rafael Arkader, de 26 anos, se mudou em janeiro para Israel. Ele é formado em direito e quer se especializar em resolução de conflitos, para trabalhar com temas relacionados ao conflito israelo-palestino.
A sua mudança teve que ser adiada por conta dos ataques terroristas do Hamas. “Eu ia me mudar no dia 14 de outubro, cheguei a fazer a minha despedida no dia 8, mas não achei voos para Israel e acabei preferindo realizar a mudança em janeiro também como uma forma de tranquilizar a minha família”.
Apesar do medo de se mudar para um país em guerra, os atentados terroristas em Israel apenas reforçaram a vontade de Arkader. “Para mim os ataques de 7 de outubro se tornaram mais um motivo de porque eu queria estar aqui e trabalhar com temas relacionados a esse conflito”.
O brasileiro-israelense mora em Jerusalém e é ativista no movimento Standing Together, que promove iniciativas para aproximar judeus israelenses e a comunidade árabe do país.
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Pertencimento
O empresário paulistano Maurício Somekh, de 66 anos, é outro morador de Jerusalém. Ele se mudou para Israel em março e disse que os ataques terroristas do Hamas apenas reiteraram a sua vontade de estar em Israel.
“O ataque aumentou a minha vontade de estar aqui. Eu não tenho idade e nem força para fazer guerra com ninguém, só queria sentir que estava participando da sociedade israelense neste momento muito difícil. Estou feliz e não me arrependo”, aponta Somekh.
Quando chegou em Israel, o empresário relata que sentiu um clima de “tristeza profunda” entre os israelenses por conta da guerra, mas a vida está normal em Jerusalém. “É possível andar na rua sem saber que a guerra está acontecendo. As pessoas estão vivendo a vida normalmente, apesar de carregarem esse sentimento triste”.