Pacientes acometidos por sintomas decorrentes de exposição ao sol e o calor, como elevação da temperatura corporal e queimaduras na pele ocasionadas pelo contato com o pavimento quente, lotam os hospitais.
Aparelhos de ar-condicionado quebram em abrigos para pessoas sem-teto. O instituto de medicina legal instala câmaras resfriadas do tamanho de contêineres para armazenar corpos, o que não ocorria desde os primeiros tempos da pandemia de covid-19.
Por 31 dias consecutivos — de 30 de junho até o domingo passado, o penúltimo dia de julho — a temperatura em Phoenix ultrapassou 43ºC, o que não apenas quebrou o recorde de uma onda de calor que durou 18 dias em 1974, mas estabeleceu um novo recorde significativo.
Na segunda-feira, último dia de julho, a onda de calor mais recente finalmente cedeu, mas apenas por 1ºC: a temperatura baixou para 42ºC. Tempestades ofereceram um refresco tênue e breve. A previsão do tempo afirma que as temperaturas acima de 43ºC voltarão esta semana.
Phoenix já tinha quebrado outro recorde na semana passada, de dias consecutivos com temperaturas acima de 46ºC, resultante da onda de calor global que tornou julho de 2023 o mês mais quente já registrado.
Assim transcorreu o julho infernal de Phoenix: um mês inteiro de calor implacável que prejudicou a saúde — e perturbou a paciência — do 1,6 milhão de habitantes da cidade; ao mesmo tempo que ocasionou uma campanha que se espalhou pela região para proteger pessoas sem-teto e idosos, as populações mais vulneráveis.
“Não aguento mais essa situação”, afirmou Rae Hicks, de 45 anos, sentada no chão, ao lado do filho de 7 anos, de um centro de assistência para cidadãos fugirem do calor, em Tempe, entre malas com seus pertences.
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Fazia 47,8ºC do lado de fora, e depois que o centro de atendimento fechasse, eles não teriam onde passar a noite, da mesma forma que milhares de outros habitantes de Phoenix e seu entorno que acabaram sem moradia em razão de uma elevação no valor dos aluguéis e da retomada da prática de despejos.
O calor-recorde tornou o verão (Hemisfério Norte) dessas pessoas uma busca desesperada por sobrevivência — alternando-se entre bibliotecas, supermercados e locais de assistência durante o dia e dormindo em motéis, dentro de carros ou em centros de acolhimento para evitar as ruas escaldantes.
Com pelo menos dois meses de calor ainda adiante, alguns sem-teto afirmam que não sabem mais quanto poderão aguentar.
“Isso castiga as pessoas”, afirmou Kevin Conboy, médico-assistente da ONG Circle the City, que oferece tratamento de saúde para moradores de sua em Phoenix. “As temperaturas corporais de todos estão em torno de 37,8ºC. Todos se queixam de fatiga, estão muito cansados.”
Até mesmo os ônibus de assistência médica móvel da entidade vêm sucumbindo ao calor, que tem mandado veículos para oficina, interrompendo a ajuda.
O instituto de medicina legal de Phoenix constatou 25 mortes relacionadas às altas temperaturas este ano e afirmou que investiga outras 249 mortes suspeitas de ter sido provocadas pelo calor. No Condado de Maricopa houve 425 mortes relacionadas ao calor no ano passado, um recorde.
Hospitais em toda Phoenix também afirmaram que trataram mais pessoas por males relacionados ao calor e queimaduras em julho deste ano em comparação a verões anteriores, ministrando-lhes soro fisiológico ou envolvendo-lhes em sacos de cadáveres cheios de gelo, que por vezes vazam água no chão, formando poças que fazem enfermeiros escorregar.
“Nós estamos muito lotados”, afirmou a médica de emergência Kara Geren, do Centro Médico Valleywise, no centro de Phoenix. “Nós vemos de tudo: câimbras causadas por desidratação, insolações e mortes.”
Geren afirmou que os hospitais estão tratando mais pacientes sem-teto e dependentes de drogas em razão de males relacionados ao calor neste verão, assim como mais pessoas com queimaduras nas pernas e nas costas ocasionadas quando elas caem sobre o pavimento das vias, cuja temperatura pode chegar a 82,2ºC.
Nesta semana, uma mulher com cerca de 80 anos foi ao hospital tratar-se de queimaduras que sofreu ao cair no quintal de sua casa — precisando de ajuda para se levantar, ela ficou duas horas sobre o concreto quente antes que alguém ouvisse seus gritos de socorro.
Os altos cactos-saguaro estão caindo em razão do calor, e os agaves, os arbustos creosote e os atarracados cactos-barril que delineiam as estradas da região estão ficando amarelos. Trilhas de caminhada têm sido fechadas ao meio-dia há mais de um mês para proteger excursionistas (e os paramédicos que têm de resgatá-los).
Até o noticiário local pareceu à beira do desespero, na semana passada, quando o jornal Arizona Republic berrou: “Será que este inferno nunca vai acabar?”.
Austin Davis, que administra uma modesta ONG de assistência a pessoas sem-teto chamada AZ Hugs, passa os dias tentando atender pedidos de moradores de rua que buscam evitar dormir ao relento no calor. “Você nem imagina quantas pessoas ligam para mim chorando, pedindo um quarto de hotel, dizendo, ‘Eu não consigo sobreviver a mais um dia assim’”, afirmou ele.
Muitos abrigos para sem-teto de Phoenix estão lotados, e a espera para liberação de financiamentos públicos leva semanas ou meses, afirmaram famílias em entrevistas.
Os sem-teto veem o número de telefone de Davis rabiscado em lousas de recados nos centros de refresco ou o conseguem com funcionários de abrigos ou outros sem-teto e entram em contato quando não há alternativa. Na tarde da quinta-feira, Davis tinha 268 mensagens de texto não lidas no telefone.
“Minha família está dormindo no parque neste momento, eu, meu marido e nossos sete filhos”, dizia uma mensagem. Davis respondeu pedindo suas datas de nascimento, nível de renda e outras informações que ele precisaria para conectá-los com programas de habitação e acolhimento — e se despediu com dois emojis de coração.
Outro chamado veio de Melissa Duckett, de 40 anos, que dormia no carro com sua mulher e seu filho de 11 anos depois que a família foi despejadas na primavera. Duckett afirmou que vivia com a família em um apartamento subsidiado, mas o pagamento do aluguel atrasou quando ela ficou doente.
Quando as ondas de calor começaram a fazer o centro de Phoenix ferver, no fim de junho, Duckett e sua mulher decidiram ir com a criança para Flagstaff, onde não é tão quente. Mas seu carro não resistiu ao calor. Elas conseguiram alívio em um trailer que Davis reformou, equipando com beliches e ar-condicionado, para acolher provisoriamente famílias que não têm onde morar. “Já estamos felizes só por sair do calor”, afirmou Duckett. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO