Um Putin acuado é mais perigoso do que nunca; leia análise


Após sete meses de guerra, a resolução do conflito parece mais distante do que nunca e suas reverberações estão mais perigosas

Por Roger Cohen

PARIS - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em um discurso na quarta-feira que foi um lembrete da facilidade com que a guerra na Ucrânia poderia se espalhar, dobrou sua ameaça nuclear, acusou o Ocidente de tentar “destruir” seu país e sugeriu que os ucranianos são meros peões da “máquina militar do Ocidente coletivo”.

Horas depois, dirigindo-se à Assembleia-Geral da ONU, o presidente dos EUA, Joe Biden, denunciou as “ameaças nucleares abertas” de Putin contra a Europa, descrevendo-as como “imprudentes”. O Ocidente, disse ele, seria “claro, firme e inabalável” em sua determinação ao enfrentar a “guerra brutal e desnecessária” de Putin na Ucrânia. “Esta guerra é para extinguir o direito da Ucrânia de existir como estado, pura e simplesmente”, disse Biden.

Após sete meses de guerra, a resolução do conflito parece mais distante do que nunca e suas reverberações estão mais perigosas. Talvez desde a crise dos mísseis cubanos, seis décadas atrás, os líderes dos EUA e da Rússia não tenham se confrontado de forma tão explícita e incisiva sobre o perigo de uma guerra nuclear.

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Presidente Vladimir Putin diz que ucranianos são 'peões' da máquina de guerra do Ocidente  Foto: Alexei Kikolsky/AfP

Em um discurso gravado e transmitido pela TV à nação, Putin efetivamente admitiu que a guerra que ele começou em 24 de fevereiro não saiu como ele desejava. Ao convocar cerca de 300 mil reservistas para lutar no que chamou de frente de 1 mil km, sem mencionar a pretensão original de desmilitarizar e “desnazificar” a Ucrânia, ele reconheceu algo que sempre negou: a realidade e a crescente resistência de uma nação ucraniana unificada.

Mas Putin encurralado é Putin em sua forma mais perigosa. Essa foi uma das principais lições que tirou de sua juventude miserável, ao observar a reação furiosa de um rato que ele encurralou em uma escada na que era então cidade de Leningrado.

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Seu discurso imediatamente inverteu uma guerra de agressão contra um vizinho em uma de defesa da “pátria”, um tema que ressoa com os russos mergulhados na versão do Kremlin da história de seu país, e alertou o Ocidente em termos inequívocos – “isso não é um blefe” – que a tentativa de enfraquecer ou derrotar a Rússia poderia provocar um cataclismo nuclear.

“A Rússia venceu suas guerras defensivas contra Napoleão e Hitler, e a coisa mais importante que Putin fez aqui, do ponto de vista psicológico, foi afirmar que isso também é uma guerra defensiva”, disse o francês Michel Eltchaninoff, autor de Inside the Mind of Vladimir Putin (Dentro da Mente de Vladimir Putin, na tradução livre). “Foi uma guerra agressiva. Agora, é a defesa do mundo russo contra a tentativa ocidental de desmembramento.”

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Medida foi tomada no país pela última vez na 2ª Guerra, quatro regiões controladas por Moscou na Ucrânia anunciaram referendos para integração a Rússia

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Esse “Russkiy Mir”, ou mundo imaginado imbuído de alguma essência russa inalienável, cresceu em tamanho quando Putin sugeriu no discurso que o arsenal nuclear do país poderia ser usado para defender as áreas leste e sul da Ucrânia capturadas desde o início da guerra que Moscou pode em breve reivindicar como seu.

Putin disse que a Rússia apoiará referendos iminentes em quatro regiões da Ucrânia sobre a adesão à Rússia. Esse método, descrito esta semana pelo presidente da França, Emmanuel Macron, como “simulacros” de referendos, foi usado na Crimeia em 2014 para justificar a anexação russa.

Parece provável que os referendos, em Donetsk e Luhansk, no leste, e Kherson e Zaporizhzia, no sul – que os Estados Unidos e aliados ocidentais denunciaram como votações “falsas” – também levariam à anexação russa. A essa altura, as contraofensivas ucranianas em curso no leste e no sul para recapturar territórios tomados pela Rússia poderiam, na visão de Moscou, ser chamadas de ataque a solo russo, justificando qualquer retaliação, até mesmo resposta nuclear.

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“Se a integridade territorial de nosso país estiver ameaçada, é claro que usaremos todos os meios à nossa disposição para defender a Rússia e nosso povo”, disse Putin.

Seu discurso, que pode obviamente ser um blefe apesar de sua negação, colocou diante do Ocidente um dilema que tem sido inerente à sua política desde o início da guerra: até que ponto o intenso apoio militar e logístico à Ucrânia - efetivamente tudo menos tropas da Otan no terreno - irá sem desencadear um confronto nuclear?

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Como disse Olaf Scholz, o chanceler alemão, os EUA e seus aliados ocidentais têm tentado usar “todos os meios possíveis” para ajudar a Ucrânia “sem criar uma escalada incontrolável”. Mas o risco dessa escalada, na verdade o início de uma 3ª Guerra, só aumentou, porque o que constitui um ataque “dentro da Rússia” pode agora ser definido de forma diferente por Putin.

Como o Ocidente reagirá a esse novo limite de risco não está claro, embora os líderes tenham sido unânimes em denunciar as ameaças de Putin.

“Acredito que a ameaça nuclear é um blefe, mas dá a Putin um meio de aterrorizar o Ocidente e acentuar as divisões sobre o fornecimento de armas, porque alguns agora podem ver isso como muito perigoso”, disse Sylvie Bermann, ex-embaixadora francesa na Rússia.

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Cheio de raiva e veneno, retratando a Ucrânia como a sede dos neonazistas e o Ocidente como um motor gigante de “russofobia”, Putin parecia tão iludido sobre o vizinho que atacou tanto quanto em seu discurso de 24 de fevereiro, quando anunciou a guerra.

Ele reduziu as ambições militares da Rússia na Ucrânia – derrubadas pela derrota russa em Kiev e recentes reveses no campo de batalha no nordeste – sem diminuir suas obsessões sobre a humilhação russa na dissolução da União Soviética três décadas atrás.

Na quarta-feira, como em fevereiro, ele acusou as autoridades ucranianas, falsamente, de genocídio contra russos étnicos. Ele se gabou de armas nucleares que são “mais avançadas” do que no Ocidente. Ele fez alegações sobre a ameaça à Rússia, aludindo, por exemplo, a “declarações de alguns representantes de alto escalão dos principais estados da Otan sobre a possibilidade e admissibilidade de usar armas de destruição em massa – armas nucleares – contra a Rússia”.

Não há evidencia disso. Putin “alegou que teve de agir porque a Rússia foi ameaçada. Mas ninguém ameaçou a Rússia e ninguém, além da Rússia, buscou conflito”, disse Biden.

A tentativa russa de reconstruir o império perdido com a dissolução da União Soviética encontra-se em uma encruzilhada traiçoeira.

Após vários reveses militares, Putin falou por relativa fraqueza. “A situação é muito perigosa porque Putin está em uma armadilha”, disse Bermann.

PARIS - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em um discurso na quarta-feira que foi um lembrete da facilidade com que a guerra na Ucrânia poderia se espalhar, dobrou sua ameaça nuclear, acusou o Ocidente de tentar “destruir” seu país e sugeriu que os ucranianos são meros peões da “máquina militar do Ocidente coletivo”.

Horas depois, dirigindo-se à Assembleia-Geral da ONU, o presidente dos EUA, Joe Biden, denunciou as “ameaças nucleares abertas” de Putin contra a Europa, descrevendo-as como “imprudentes”. O Ocidente, disse ele, seria “claro, firme e inabalável” em sua determinação ao enfrentar a “guerra brutal e desnecessária” de Putin na Ucrânia. “Esta guerra é para extinguir o direito da Ucrânia de existir como estado, pura e simplesmente”, disse Biden.

Após sete meses de guerra, a resolução do conflito parece mais distante do que nunca e suas reverberações estão mais perigosas. Talvez desde a crise dos mísseis cubanos, seis décadas atrás, os líderes dos EUA e da Rússia não tenham se confrontado de forma tão explícita e incisiva sobre o perigo de uma guerra nuclear.

Presidente Vladimir Putin diz que ucranianos são 'peões' da máquina de guerra do Ocidente  Foto: Alexei Kikolsky/AfP

Em um discurso gravado e transmitido pela TV à nação, Putin efetivamente admitiu que a guerra que ele começou em 24 de fevereiro não saiu como ele desejava. Ao convocar cerca de 300 mil reservistas para lutar no que chamou de frente de 1 mil km, sem mencionar a pretensão original de desmilitarizar e “desnazificar” a Ucrânia, ele reconheceu algo que sempre negou: a realidade e a crescente resistência de uma nação ucraniana unificada.

Mas Putin encurralado é Putin em sua forma mais perigosa. Essa foi uma das principais lições que tirou de sua juventude miserável, ao observar a reação furiosa de um rato que ele encurralou em uma escada na que era então cidade de Leningrado.

Seu discurso imediatamente inverteu uma guerra de agressão contra um vizinho em uma de defesa da “pátria”, um tema que ressoa com os russos mergulhados na versão do Kremlin da história de seu país, e alertou o Ocidente em termos inequívocos – “isso não é um blefe” – que a tentativa de enfraquecer ou derrotar a Rússia poderia provocar um cataclismo nuclear.

“A Rússia venceu suas guerras defensivas contra Napoleão e Hitler, e a coisa mais importante que Putin fez aqui, do ponto de vista psicológico, foi afirmar que isso também é uma guerra defensiva”, disse o francês Michel Eltchaninoff, autor de Inside the Mind of Vladimir Putin (Dentro da Mente de Vladimir Putin, na tradução livre). “Foi uma guerra agressiva. Agora, é a defesa do mundo russo contra a tentativa ocidental de desmembramento.”

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Medida foi tomada no país pela última vez na 2ª Guerra, quatro regiões controladas por Moscou na Ucrânia anunciaram referendos para integração a Rússia

Esse “Russkiy Mir”, ou mundo imaginado imbuído de alguma essência russa inalienável, cresceu em tamanho quando Putin sugeriu no discurso que o arsenal nuclear do país poderia ser usado para defender as áreas leste e sul da Ucrânia capturadas desde o início da guerra que Moscou pode em breve reivindicar como seu.

Putin disse que a Rússia apoiará referendos iminentes em quatro regiões da Ucrânia sobre a adesão à Rússia. Esse método, descrito esta semana pelo presidente da França, Emmanuel Macron, como “simulacros” de referendos, foi usado na Crimeia em 2014 para justificar a anexação russa.

Parece provável que os referendos, em Donetsk e Luhansk, no leste, e Kherson e Zaporizhzia, no sul – que os Estados Unidos e aliados ocidentais denunciaram como votações “falsas” – também levariam à anexação russa. A essa altura, as contraofensivas ucranianas em curso no leste e no sul para recapturar territórios tomados pela Rússia poderiam, na visão de Moscou, ser chamadas de ataque a solo russo, justificando qualquer retaliação, até mesmo resposta nuclear.

“Se a integridade territorial de nosso país estiver ameaçada, é claro que usaremos todos os meios à nossa disposição para defender a Rússia e nosso povo”, disse Putin.

Seu discurso, que pode obviamente ser um blefe apesar de sua negação, colocou diante do Ocidente um dilema que tem sido inerente à sua política desde o início da guerra: até que ponto o intenso apoio militar e logístico à Ucrânia - efetivamente tudo menos tropas da Otan no terreno - irá sem desencadear um confronto nuclear?

Como disse Olaf Scholz, o chanceler alemão, os EUA e seus aliados ocidentais têm tentado usar “todos os meios possíveis” para ajudar a Ucrânia “sem criar uma escalada incontrolável”. Mas o risco dessa escalada, na verdade o início de uma 3ª Guerra, só aumentou, porque o que constitui um ataque “dentro da Rússia” pode agora ser definido de forma diferente por Putin.

Como o Ocidente reagirá a esse novo limite de risco não está claro, embora os líderes tenham sido unânimes em denunciar as ameaças de Putin.

“Acredito que a ameaça nuclear é um blefe, mas dá a Putin um meio de aterrorizar o Ocidente e acentuar as divisões sobre o fornecimento de armas, porque alguns agora podem ver isso como muito perigoso”, disse Sylvie Bermann, ex-embaixadora francesa na Rússia.

Cheio de raiva e veneno, retratando a Ucrânia como a sede dos neonazistas e o Ocidente como um motor gigante de “russofobia”, Putin parecia tão iludido sobre o vizinho que atacou tanto quanto em seu discurso de 24 de fevereiro, quando anunciou a guerra.

Ele reduziu as ambições militares da Rússia na Ucrânia – derrubadas pela derrota russa em Kiev e recentes reveses no campo de batalha no nordeste – sem diminuir suas obsessões sobre a humilhação russa na dissolução da União Soviética três décadas atrás.

Na quarta-feira, como em fevereiro, ele acusou as autoridades ucranianas, falsamente, de genocídio contra russos étnicos. Ele se gabou de armas nucleares que são “mais avançadas” do que no Ocidente. Ele fez alegações sobre a ameaça à Rússia, aludindo, por exemplo, a “declarações de alguns representantes de alto escalão dos principais estados da Otan sobre a possibilidade e admissibilidade de usar armas de destruição em massa – armas nucleares – contra a Rússia”.

Não há evidencia disso. Putin “alegou que teve de agir porque a Rússia foi ameaçada. Mas ninguém ameaçou a Rússia e ninguém, além da Rússia, buscou conflito”, disse Biden.

A tentativa russa de reconstruir o império perdido com a dissolução da União Soviética encontra-se em uma encruzilhada traiçoeira.

Após vários reveses militares, Putin falou por relativa fraqueza. “A situação é muito perigosa porque Putin está em uma armadilha”, disse Bermann.

PARIS - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em um discurso na quarta-feira que foi um lembrete da facilidade com que a guerra na Ucrânia poderia se espalhar, dobrou sua ameaça nuclear, acusou o Ocidente de tentar “destruir” seu país e sugeriu que os ucranianos são meros peões da “máquina militar do Ocidente coletivo”.

Horas depois, dirigindo-se à Assembleia-Geral da ONU, o presidente dos EUA, Joe Biden, denunciou as “ameaças nucleares abertas” de Putin contra a Europa, descrevendo-as como “imprudentes”. O Ocidente, disse ele, seria “claro, firme e inabalável” em sua determinação ao enfrentar a “guerra brutal e desnecessária” de Putin na Ucrânia. “Esta guerra é para extinguir o direito da Ucrânia de existir como estado, pura e simplesmente”, disse Biden.

Após sete meses de guerra, a resolução do conflito parece mais distante do que nunca e suas reverberações estão mais perigosas. Talvez desde a crise dos mísseis cubanos, seis décadas atrás, os líderes dos EUA e da Rússia não tenham se confrontado de forma tão explícita e incisiva sobre o perigo de uma guerra nuclear.

Presidente Vladimir Putin diz que ucranianos são 'peões' da máquina de guerra do Ocidente  Foto: Alexei Kikolsky/AfP

Em um discurso gravado e transmitido pela TV à nação, Putin efetivamente admitiu que a guerra que ele começou em 24 de fevereiro não saiu como ele desejava. Ao convocar cerca de 300 mil reservistas para lutar no que chamou de frente de 1 mil km, sem mencionar a pretensão original de desmilitarizar e “desnazificar” a Ucrânia, ele reconheceu algo que sempre negou: a realidade e a crescente resistência de uma nação ucraniana unificada.

Mas Putin encurralado é Putin em sua forma mais perigosa. Essa foi uma das principais lições que tirou de sua juventude miserável, ao observar a reação furiosa de um rato que ele encurralou em uma escada na que era então cidade de Leningrado.

Seu discurso imediatamente inverteu uma guerra de agressão contra um vizinho em uma de defesa da “pátria”, um tema que ressoa com os russos mergulhados na versão do Kremlin da história de seu país, e alertou o Ocidente em termos inequívocos – “isso não é um blefe” – que a tentativa de enfraquecer ou derrotar a Rússia poderia provocar um cataclismo nuclear.

“A Rússia venceu suas guerras defensivas contra Napoleão e Hitler, e a coisa mais importante que Putin fez aqui, do ponto de vista psicológico, foi afirmar que isso também é uma guerra defensiva”, disse o francês Michel Eltchaninoff, autor de Inside the Mind of Vladimir Putin (Dentro da Mente de Vladimir Putin, na tradução livre). “Foi uma guerra agressiva. Agora, é a defesa do mundo russo contra a tentativa ocidental de desmembramento.”

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Medida foi tomada no país pela última vez na 2ª Guerra, quatro regiões controladas por Moscou na Ucrânia anunciaram referendos para integração a Rússia

Esse “Russkiy Mir”, ou mundo imaginado imbuído de alguma essência russa inalienável, cresceu em tamanho quando Putin sugeriu no discurso que o arsenal nuclear do país poderia ser usado para defender as áreas leste e sul da Ucrânia capturadas desde o início da guerra que Moscou pode em breve reivindicar como seu.

Putin disse que a Rússia apoiará referendos iminentes em quatro regiões da Ucrânia sobre a adesão à Rússia. Esse método, descrito esta semana pelo presidente da França, Emmanuel Macron, como “simulacros” de referendos, foi usado na Crimeia em 2014 para justificar a anexação russa.

Parece provável que os referendos, em Donetsk e Luhansk, no leste, e Kherson e Zaporizhzia, no sul – que os Estados Unidos e aliados ocidentais denunciaram como votações “falsas” – também levariam à anexação russa. A essa altura, as contraofensivas ucranianas em curso no leste e no sul para recapturar territórios tomados pela Rússia poderiam, na visão de Moscou, ser chamadas de ataque a solo russo, justificando qualquer retaliação, até mesmo resposta nuclear.

“Se a integridade territorial de nosso país estiver ameaçada, é claro que usaremos todos os meios à nossa disposição para defender a Rússia e nosso povo”, disse Putin.

Seu discurso, que pode obviamente ser um blefe apesar de sua negação, colocou diante do Ocidente um dilema que tem sido inerente à sua política desde o início da guerra: até que ponto o intenso apoio militar e logístico à Ucrânia - efetivamente tudo menos tropas da Otan no terreno - irá sem desencadear um confronto nuclear?

Como disse Olaf Scholz, o chanceler alemão, os EUA e seus aliados ocidentais têm tentado usar “todos os meios possíveis” para ajudar a Ucrânia “sem criar uma escalada incontrolável”. Mas o risco dessa escalada, na verdade o início de uma 3ª Guerra, só aumentou, porque o que constitui um ataque “dentro da Rússia” pode agora ser definido de forma diferente por Putin.

Como o Ocidente reagirá a esse novo limite de risco não está claro, embora os líderes tenham sido unânimes em denunciar as ameaças de Putin.

“Acredito que a ameaça nuclear é um blefe, mas dá a Putin um meio de aterrorizar o Ocidente e acentuar as divisões sobre o fornecimento de armas, porque alguns agora podem ver isso como muito perigoso”, disse Sylvie Bermann, ex-embaixadora francesa na Rússia.

Cheio de raiva e veneno, retratando a Ucrânia como a sede dos neonazistas e o Ocidente como um motor gigante de “russofobia”, Putin parecia tão iludido sobre o vizinho que atacou tanto quanto em seu discurso de 24 de fevereiro, quando anunciou a guerra.

Ele reduziu as ambições militares da Rússia na Ucrânia – derrubadas pela derrota russa em Kiev e recentes reveses no campo de batalha no nordeste – sem diminuir suas obsessões sobre a humilhação russa na dissolução da União Soviética três décadas atrás.

Na quarta-feira, como em fevereiro, ele acusou as autoridades ucranianas, falsamente, de genocídio contra russos étnicos. Ele se gabou de armas nucleares que são “mais avançadas” do que no Ocidente. Ele fez alegações sobre a ameaça à Rússia, aludindo, por exemplo, a “declarações de alguns representantes de alto escalão dos principais estados da Otan sobre a possibilidade e admissibilidade de usar armas de destruição em massa – armas nucleares – contra a Rússia”.

Não há evidencia disso. Putin “alegou que teve de agir porque a Rússia foi ameaçada. Mas ninguém ameaçou a Rússia e ninguém, além da Rússia, buscou conflito”, disse Biden.

A tentativa russa de reconstruir o império perdido com a dissolução da União Soviética encontra-se em uma encruzilhada traiçoeira.

Após vários reveses militares, Putin falou por relativa fraqueza. “A situação é muito perigosa porque Putin está em uma armadilha”, disse Bermann.

PARIS - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, em um discurso na quarta-feira que foi um lembrete da facilidade com que a guerra na Ucrânia poderia se espalhar, dobrou sua ameaça nuclear, acusou o Ocidente de tentar “destruir” seu país e sugeriu que os ucranianos são meros peões da “máquina militar do Ocidente coletivo”.

Horas depois, dirigindo-se à Assembleia-Geral da ONU, o presidente dos EUA, Joe Biden, denunciou as “ameaças nucleares abertas” de Putin contra a Europa, descrevendo-as como “imprudentes”. O Ocidente, disse ele, seria “claro, firme e inabalável” em sua determinação ao enfrentar a “guerra brutal e desnecessária” de Putin na Ucrânia. “Esta guerra é para extinguir o direito da Ucrânia de existir como estado, pura e simplesmente”, disse Biden.

Após sete meses de guerra, a resolução do conflito parece mais distante do que nunca e suas reverberações estão mais perigosas. Talvez desde a crise dos mísseis cubanos, seis décadas atrás, os líderes dos EUA e da Rússia não tenham se confrontado de forma tão explícita e incisiva sobre o perigo de uma guerra nuclear.

Presidente Vladimir Putin diz que ucranianos são 'peões' da máquina de guerra do Ocidente  Foto: Alexei Kikolsky/AfP

Em um discurso gravado e transmitido pela TV à nação, Putin efetivamente admitiu que a guerra que ele começou em 24 de fevereiro não saiu como ele desejava. Ao convocar cerca de 300 mil reservistas para lutar no que chamou de frente de 1 mil km, sem mencionar a pretensão original de desmilitarizar e “desnazificar” a Ucrânia, ele reconheceu algo que sempre negou: a realidade e a crescente resistência de uma nação ucraniana unificada.

Mas Putin encurralado é Putin em sua forma mais perigosa. Essa foi uma das principais lições que tirou de sua juventude miserável, ao observar a reação furiosa de um rato que ele encurralou em uma escada na que era então cidade de Leningrado.

Seu discurso imediatamente inverteu uma guerra de agressão contra um vizinho em uma de defesa da “pátria”, um tema que ressoa com os russos mergulhados na versão do Kremlin da história de seu país, e alertou o Ocidente em termos inequívocos – “isso não é um blefe” – que a tentativa de enfraquecer ou derrotar a Rússia poderia provocar um cataclismo nuclear.

“A Rússia venceu suas guerras defensivas contra Napoleão e Hitler, e a coisa mais importante que Putin fez aqui, do ponto de vista psicológico, foi afirmar que isso também é uma guerra defensiva”, disse o francês Michel Eltchaninoff, autor de Inside the Mind of Vladimir Putin (Dentro da Mente de Vladimir Putin, na tradução livre). “Foi uma guerra agressiva. Agora, é a defesa do mundo russo contra a tentativa ocidental de desmembramento.”

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Medida foi tomada no país pela última vez na 2ª Guerra, quatro regiões controladas por Moscou na Ucrânia anunciaram referendos para integração a Rússia

Esse “Russkiy Mir”, ou mundo imaginado imbuído de alguma essência russa inalienável, cresceu em tamanho quando Putin sugeriu no discurso que o arsenal nuclear do país poderia ser usado para defender as áreas leste e sul da Ucrânia capturadas desde o início da guerra que Moscou pode em breve reivindicar como seu.

Putin disse que a Rússia apoiará referendos iminentes em quatro regiões da Ucrânia sobre a adesão à Rússia. Esse método, descrito esta semana pelo presidente da França, Emmanuel Macron, como “simulacros” de referendos, foi usado na Crimeia em 2014 para justificar a anexação russa.

Parece provável que os referendos, em Donetsk e Luhansk, no leste, e Kherson e Zaporizhzia, no sul – que os Estados Unidos e aliados ocidentais denunciaram como votações “falsas” – também levariam à anexação russa. A essa altura, as contraofensivas ucranianas em curso no leste e no sul para recapturar territórios tomados pela Rússia poderiam, na visão de Moscou, ser chamadas de ataque a solo russo, justificando qualquer retaliação, até mesmo resposta nuclear.

“Se a integridade territorial de nosso país estiver ameaçada, é claro que usaremos todos os meios à nossa disposição para defender a Rússia e nosso povo”, disse Putin.

Seu discurso, que pode obviamente ser um blefe apesar de sua negação, colocou diante do Ocidente um dilema que tem sido inerente à sua política desde o início da guerra: até que ponto o intenso apoio militar e logístico à Ucrânia - efetivamente tudo menos tropas da Otan no terreno - irá sem desencadear um confronto nuclear?

Como disse Olaf Scholz, o chanceler alemão, os EUA e seus aliados ocidentais têm tentado usar “todos os meios possíveis” para ajudar a Ucrânia “sem criar uma escalada incontrolável”. Mas o risco dessa escalada, na verdade o início de uma 3ª Guerra, só aumentou, porque o que constitui um ataque “dentro da Rússia” pode agora ser definido de forma diferente por Putin.

Como o Ocidente reagirá a esse novo limite de risco não está claro, embora os líderes tenham sido unânimes em denunciar as ameaças de Putin.

“Acredito que a ameaça nuclear é um blefe, mas dá a Putin um meio de aterrorizar o Ocidente e acentuar as divisões sobre o fornecimento de armas, porque alguns agora podem ver isso como muito perigoso”, disse Sylvie Bermann, ex-embaixadora francesa na Rússia.

Cheio de raiva e veneno, retratando a Ucrânia como a sede dos neonazistas e o Ocidente como um motor gigante de “russofobia”, Putin parecia tão iludido sobre o vizinho que atacou tanto quanto em seu discurso de 24 de fevereiro, quando anunciou a guerra.

Ele reduziu as ambições militares da Rússia na Ucrânia – derrubadas pela derrota russa em Kiev e recentes reveses no campo de batalha no nordeste – sem diminuir suas obsessões sobre a humilhação russa na dissolução da União Soviética três décadas atrás.

Na quarta-feira, como em fevereiro, ele acusou as autoridades ucranianas, falsamente, de genocídio contra russos étnicos. Ele se gabou de armas nucleares que são “mais avançadas” do que no Ocidente. Ele fez alegações sobre a ameaça à Rússia, aludindo, por exemplo, a “declarações de alguns representantes de alto escalão dos principais estados da Otan sobre a possibilidade e admissibilidade de usar armas de destruição em massa – armas nucleares – contra a Rússia”.

Não há evidencia disso. Putin “alegou que teve de agir porque a Rússia foi ameaçada. Mas ninguém ameaçou a Rússia e ninguém, além da Rússia, buscou conflito”, disse Biden.

A tentativa russa de reconstruir o império perdido com a dissolução da União Soviética encontra-se em uma encruzilhada traiçoeira.

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