‘Brasil vê eleição de Milei com cautela, mas deve ser pragmático’, diz analista


Para Roberto Uebel vitória de candidato libertário deve afetar cenário regional, mas Milei ‘entende a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina’

Por Jéssica Petrovna
Atualização:
Foto: Roberto Uebel/ESPM/Arquivo Pessoal
Entrevista comRoberto UebelProfessor de Relações Internacionais da ESPM, doutor em Estudos Estratégicos e pesquisador nas áreas de Geopolítica, Geoeconomia e Geografia dos Negócios Internacionais.

O candidato Javier Milei, que vociferava contra parceiros comerciais importantes da Argentina governados pela esquerda, como o Brasil e a China, deve dar lugar ao presidente Milei, mais pragmático e capaz de negociar com países distantes de seu espectro ideológico. Essa é a opinião de Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, doutor em Estudos Estratégicos e pesquisador nas áreas de Geopolítica, Geoeconomia e Geografia dos Negócios Internacionais.

Segundo ele, o governo brasileiro terá cautela com a vitória de Milei, mas tende a adotar uma postura madura de negociar e dialogar com seu principal parceiro regional. E Milei deve fazer o mesmo. “Milei é economista, eu prefiro acreditar que ele entenda a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina. Acho que depende muito mais de como ele enxerga a realidade social e econômica da Argentina que qualquer interesse político e ideológico”, afirma Uebel.

Leia os principais trechos da entrevista:

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Javier Milei ao lado da irmã, Karina Milei, depois de seu primeiro discurso como presidente da Argentina, em Buenos Aires  Foto: Natacha Pisarenko/AP Photo

Como fica a relação Brasil-Argentina com a vitória de Javier Milei?

Acho que o Brasil olha com muita cautela essa vitória de Javier Milei e vai adotar o pragmatismo. O governo brasileiro tem maturidade suficiente de manter relações com um país que vai ser governado por alguém que é de um espectro político totalmente oposto. Eu cito, por exemplo, a relação com a Itália. O presidente Lula quando visitou a Itália no início do ano se reuniu com a Giorgia Meloni, que é uma primeira-ministra da direita. Eles tiraram fotos abraçados e o país tem uma excelente relação com a Itália. É claro que, naturalmente, vai haver um afastamento político entre Brasil e Argentina, capitaneado não pelo Brasil esse movimento, mas pela Argentina se o Milei levar adiante sua retórica. Só que o Milei é economista, eu prefiro acreditar que ele entenda a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina. Acho que depende muito mais de como ele enxerga a realidade social e econômica da Argentina que qualquer interesse político e ideológico.

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Então você avalia que as declarações do Milei sobre o Brasil eram mais para impulsionar a campanha?

Já vimos isso acontecer antes com outros candidatos populistas. Que falam suas bravatas, mas quando chegam na estrutura do governo, especialmente em uma estrutura de governo como da Argentina, que institucionalizado e burocrático, sabem que essas declarações para se transformar em ações encontram uma série de barreiras que são impossíveis. É preciso esperar para ver o que vai acontecer, mas o que nós podemos pensar, sim, é que o Milei vai querer deixar sua marca e essa marca será esse afastamento natural, talvez a tentativa de sair do Mercosul, mas ele sabe que a economia que vai governar a partir de dezembro é fortemente dependente do Brasil, da China e de países do Mercosul. Milei sabe que tem um custo político muito grande. O esforço inicial é primeiro doméstico, ele vai tentar levar adiante essas ideias absurdas de dolarizar a economia, fechar o Banco Central. A política externa viria no segundo momento. Uma coisa era o Milei canditadato. Outra coisa é o Milei agora eleito. São coisas diferentes.

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No último debate, Milei e Massa discutiram sobre a influência do Brasil na campanha, inclusive sobre a presença de marqueteiros brasileiros na Argentina. Mais recentemente, Lula e a primeira-dama Janja expressaram apoio a Massa. Isso pode atrapalhar a relação?

Acho que foi muito mais um apoio político do que institucional. Não era o governo brasileiro que estava apoiando, até porque seria inconstitucional. O Brasil não tem ingerência sobre a política ou as questões domésticas de outros países. Acho que era muito mais o apoio das figuras, como Lula e a Janja. Assim como Eduardo Bolsonaro e o ex-chanceler Ernesto Araújo apoiaram abertamente o Milei. Isso faz parte do jogo político. Sempre aconteceu e sempre vai acontecer, mas não são apoios institucionais, governamentais. Os marqueteiros, por exemplo, eram ligados ao PT, não eram do governo.

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E acho importante pontuar: vivemos quatro anos de diplomacia não pragmática, de uma diplomacia baseada em declarações do presidente da República, que nos afastava de todos os nossos parceiros. Hoje, com todas as críticas que se possa fazer, há um governo que resgata a política externa e a palavra-chave da nossa política externa é o pragmatismo. O Brasil vai sentar à mesa com o Milei se for necessário.

A questão é se o Milei vai ter esse interesse. Mas temos que lidar com tranquilidade, o Milei é economista, ele sabe da importância do Brasil para economia, não vai rasgar dinheiro e destruir relações. E o Brasil está preparado para negociar. Hoje o Brasil tem maturidade diplomática para negociar seja com um parceiro ideológico próximo ou alguém que seja de outro espectro. As relações não são de governo, são de Estado. São países que têm mais de 200 anos de relação, que compartilham fronteira, que tem uma história. Não são presidentes de direita ou de esquerda que vão acabar com essa relação histórica.

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Existe uma preocupação com relação ao acordo Mercosul-UE. Milei já sugeriu que poderia retirar a Argentina do bloco e, embora precise de aprovação do Congresso para isso, poderia seguir um caminho parecido com o do Lacalle Pou, que mantém o Uruguai no Mercosul, mas demonstrou afastamento com relação ao bloco…

Ele pode seguir o mesmo caminho do Lacalle Pou, que é de centro direita de não sair do bloco, mas enfraquecê-lo. Visitei o Mercosul este ano e, conversando com os técnicos, foi possível perceber um enfraquecimento institucional. E essa visita foi durante o governo Alberto Fernández. O próprio bloco está enfraquecido. O que eu enxergo hoje é que não há uma intencionalidade dos governos europeus e também de países do Mercosul em, de fato, aprovar esse acordo porque já se chega a conclusão hoje, tanto na esfera técnica quanto na política, que não vai ser tão vantajoso assim. O próprio Brasil coloca um freio nesse acordo. Hoje esse acordo já é visto quase como foi a ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas) no passado em que a ideia era muito boa, mas que na prática não era tão benéfico para nenhum dos lados.

O candidato Javier Milei, que vociferava contra parceiros comerciais importantes da Argentina governados pela esquerda, como o Brasil e a China, deve dar lugar ao presidente Milei, mais pragmático e capaz de negociar com países distantes de seu espectro ideológico. Essa é a opinião de Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, doutor em Estudos Estratégicos e pesquisador nas áreas de Geopolítica, Geoeconomia e Geografia dos Negócios Internacionais.

Segundo ele, o governo brasileiro terá cautela com a vitória de Milei, mas tende a adotar uma postura madura de negociar e dialogar com seu principal parceiro regional. E Milei deve fazer o mesmo. “Milei é economista, eu prefiro acreditar que ele entenda a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina. Acho que depende muito mais de como ele enxerga a realidade social e econômica da Argentina que qualquer interesse político e ideológico”, afirma Uebel.

Leia os principais trechos da entrevista:

Javier Milei ao lado da irmã, Karina Milei, depois de seu primeiro discurso como presidente da Argentina, em Buenos Aires  Foto: Natacha Pisarenko/AP Photo

Como fica a relação Brasil-Argentina com a vitória de Javier Milei?

Acho que o Brasil olha com muita cautela essa vitória de Javier Milei e vai adotar o pragmatismo. O governo brasileiro tem maturidade suficiente de manter relações com um país que vai ser governado por alguém que é de um espectro político totalmente oposto. Eu cito, por exemplo, a relação com a Itália. O presidente Lula quando visitou a Itália no início do ano se reuniu com a Giorgia Meloni, que é uma primeira-ministra da direita. Eles tiraram fotos abraçados e o país tem uma excelente relação com a Itália. É claro que, naturalmente, vai haver um afastamento político entre Brasil e Argentina, capitaneado não pelo Brasil esse movimento, mas pela Argentina se o Milei levar adiante sua retórica. Só que o Milei é economista, eu prefiro acreditar que ele entenda a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina. Acho que depende muito mais de como ele enxerga a realidade social e econômica da Argentina que qualquer interesse político e ideológico.

Então você avalia que as declarações do Milei sobre o Brasil eram mais para impulsionar a campanha?

Já vimos isso acontecer antes com outros candidatos populistas. Que falam suas bravatas, mas quando chegam na estrutura do governo, especialmente em uma estrutura de governo como da Argentina, que institucionalizado e burocrático, sabem que essas declarações para se transformar em ações encontram uma série de barreiras que são impossíveis. É preciso esperar para ver o que vai acontecer, mas o que nós podemos pensar, sim, é que o Milei vai querer deixar sua marca e essa marca será esse afastamento natural, talvez a tentativa de sair do Mercosul, mas ele sabe que a economia que vai governar a partir de dezembro é fortemente dependente do Brasil, da China e de países do Mercosul. Milei sabe que tem um custo político muito grande. O esforço inicial é primeiro doméstico, ele vai tentar levar adiante essas ideias absurdas de dolarizar a economia, fechar o Banco Central. A política externa viria no segundo momento. Uma coisa era o Milei canditadato. Outra coisa é o Milei agora eleito. São coisas diferentes.

No último debate, Milei e Massa discutiram sobre a influência do Brasil na campanha, inclusive sobre a presença de marqueteiros brasileiros na Argentina. Mais recentemente, Lula e a primeira-dama Janja expressaram apoio a Massa. Isso pode atrapalhar a relação?

Acho que foi muito mais um apoio político do que institucional. Não era o governo brasileiro que estava apoiando, até porque seria inconstitucional. O Brasil não tem ingerência sobre a política ou as questões domésticas de outros países. Acho que era muito mais o apoio das figuras, como Lula e a Janja. Assim como Eduardo Bolsonaro e o ex-chanceler Ernesto Araújo apoiaram abertamente o Milei. Isso faz parte do jogo político. Sempre aconteceu e sempre vai acontecer, mas não são apoios institucionais, governamentais. Os marqueteiros, por exemplo, eram ligados ao PT, não eram do governo.

E acho importante pontuar: vivemos quatro anos de diplomacia não pragmática, de uma diplomacia baseada em declarações do presidente da República, que nos afastava de todos os nossos parceiros. Hoje, com todas as críticas que se possa fazer, há um governo que resgata a política externa e a palavra-chave da nossa política externa é o pragmatismo. O Brasil vai sentar à mesa com o Milei se for necessário.

A questão é se o Milei vai ter esse interesse. Mas temos que lidar com tranquilidade, o Milei é economista, ele sabe da importância do Brasil para economia, não vai rasgar dinheiro e destruir relações. E o Brasil está preparado para negociar. Hoje o Brasil tem maturidade diplomática para negociar seja com um parceiro ideológico próximo ou alguém que seja de outro espectro. As relações não são de governo, são de Estado. São países que têm mais de 200 anos de relação, que compartilham fronteira, que tem uma história. Não são presidentes de direita ou de esquerda que vão acabar com essa relação histórica.

Existe uma preocupação com relação ao acordo Mercosul-UE. Milei já sugeriu que poderia retirar a Argentina do bloco e, embora precise de aprovação do Congresso para isso, poderia seguir um caminho parecido com o do Lacalle Pou, que mantém o Uruguai no Mercosul, mas demonstrou afastamento com relação ao bloco…

Ele pode seguir o mesmo caminho do Lacalle Pou, que é de centro direita de não sair do bloco, mas enfraquecê-lo. Visitei o Mercosul este ano e, conversando com os técnicos, foi possível perceber um enfraquecimento institucional. E essa visita foi durante o governo Alberto Fernández. O próprio bloco está enfraquecido. O que eu enxergo hoje é que não há uma intencionalidade dos governos europeus e também de países do Mercosul em, de fato, aprovar esse acordo porque já se chega a conclusão hoje, tanto na esfera técnica quanto na política, que não vai ser tão vantajoso assim. O próprio Brasil coloca um freio nesse acordo. Hoje esse acordo já é visto quase como foi a ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas) no passado em que a ideia era muito boa, mas que na prática não era tão benéfico para nenhum dos lados.

O candidato Javier Milei, que vociferava contra parceiros comerciais importantes da Argentina governados pela esquerda, como o Brasil e a China, deve dar lugar ao presidente Milei, mais pragmático e capaz de negociar com países distantes de seu espectro ideológico. Essa é a opinião de Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, doutor em Estudos Estratégicos e pesquisador nas áreas de Geopolítica, Geoeconomia e Geografia dos Negócios Internacionais.

Segundo ele, o governo brasileiro terá cautela com a vitória de Milei, mas tende a adotar uma postura madura de negociar e dialogar com seu principal parceiro regional. E Milei deve fazer o mesmo. “Milei é economista, eu prefiro acreditar que ele entenda a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina. Acho que depende muito mais de como ele enxerga a realidade social e econômica da Argentina que qualquer interesse político e ideológico”, afirma Uebel.

Leia os principais trechos da entrevista:

Javier Milei ao lado da irmã, Karina Milei, depois de seu primeiro discurso como presidente da Argentina, em Buenos Aires  Foto: Natacha Pisarenko/AP Photo

Como fica a relação Brasil-Argentina com a vitória de Javier Milei?

Acho que o Brasil olha com muita cautela essa vitória de Javier Milei e vai adotar o pragmatismo. O governo brasileiro tem maturidade suficiente de manter relações com um país que vai ser governado por alguém que é de um espectro político totalmente oposto. Eu cito, por exemplo, a relação com a Itália. O presidente Lula quando visitou a Itália no início do ano se reuniu com a Giorgia Meloni, que é uma primeira-ministra da direita. Eles tiraram fotos abraçados e o país tem uma excelente relação com a Itália. É claro que, naturalmente, vai haver um afastamento político entre Brasil e Argentina, capitaneado não pelo Brasil esse movimento, mas pela Argentina se o Milei levar adiante sua retórica. Só que o Milei é economista, eu prefiro acreditar que ele entenda a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina. Acho que depende muito mais de como ele enxerga a realidade social e econômica da Argentina que qualquer interesse político e ideológico.

Então você avalia que as declarações do Milei sobre o Brasil eram mais para impulsionar a campanha?

Já vimos isso acontecer antes com outros candidatos populistas. Que falam suas bravatas, mas quando chegam na estrutura do governo, especialmente em uma estrutura de governo como da Argentina, que institucionalizado e burocrático, sabem que essas declarações para se transformar em ações encontram uma série de barreiras que são impossíveis. É preciso esperar para ver o que vai acontecer, mas o que nós podemos pensar, sim, é que o Milei vai querer deixar sua marca e essa marca será esse afastamento natural, talvez a tentativa de sair do Mercosul, mas ele sabe que a economia que vai governar a partir de dezembro é fortemente dependente do Brasil, da China e de países do Mercosul. Milei sabe que tem um custo político muito grande. O esforço inicial é primeiro doméstico, ele vai tentar levar adiante essas ideias absurdas de dolarizar a economia, fechar o Banco Central. A política externa viria no segundo momento. Uma coisa era o Milei canditadato. Outra coisa é o Milei agora eleito. São coisas diferentes.

No último debate, Milei e Massa discutiram sobre a influência do Brasil na campanha, inclusive sobre a presença de marqueteiros brasileiros na Argentina. Mais recentemente, Lula e a primeira-dama Janja expressaram apoio a Massa. Isso pode atrapalhar a relação?

Acho que foi muito mais um apoio político do que institucional. Não era o governo brasileiro que estava apoiando, até porque seria inconstitucional. O Brasil não tem ingerência sobre a política ou as questões domésticas de outros países. Acho que era muito mais o apoio das figuras, como Lula e a Janja. Assim como Eduardo Bolsonaro e o ex-chanceler Ernesto Araújo apoiaram abertamente o Milei. Isso faz parte do jogo político. Sempre aconteceu e sempre vai acontecer, mas não são apoios institucionais, governamentais. Os marqueteiros, por exemplo, eram ligados ao PT, não eram do governo.

E acho importante pontuar: vivemos quatro anos de diplomacia não pragmática, de uma diplomacia baseada em declarações do presidente da República, que nos afastava de todos os nossos parceiros. Hoje, com todas as críticas que se possa fazer, há um governo que resgata a política externa e a palavra-chave da nossa política externa é o pragmatismo. O Brasil vai sentar à mesa com o Milei se for necessário.

A questão é se o Milei vai ter esse interesse. Mas temos que lidar com tranquilidade, o Milei é economista, ele sabe da importância do Brasil para economia, não vai rasgar dinheiro e destruir relações. E o Brasil está preparado para negociar. Hoje o Brasil tem maturidade diplomática para negociar seja com um parceiro ideológico próximo ou alguém que seja de outro espectro. As relações não são de governo, são de Estado. São países que têm mais de 200 anos de relação, que compartilham fronteira, que tem uma história. Não são presidentes de direita ou de esquerda que vão acabar com essa relação histórica.

Existe uma preocupação com relação ao acordo Mercosul-UE. Milei já sugeriu que poderia retirar a Argentina do bloco e, embora precise de aprovação do Congresso para isso, poderia seguir um caminho parecido com o do Lacalle Pou, que mantém o Uruguai no Mercosul, mas demonstrou afastamento com relação ao bloco…

Ele pode seguir o mesmo caminho do Lacalle Pou, que é de centro direita de não sair do bloco, mas enfraquecê-lo. Visitei o Mercosul este ano e, conversando com os técnicos, foi possível perceber um enfraquecimento institucional. E essa visita foi durante o governo Alberto Fernández. O próprio bloco está enfraquecido. O que eu enxergo hoje é que não há uma intencionalidade dos governos europeus e também de países do Mercosul em, de fato, aprovar esse acordo porque já se chega a conclusão hoje, tanto na esfera técnica quanto na política, que não vai ser tão vantajoso assim. O próprio Brasil coloca um freio nesse acordo. Hoje esse acordo já é visto quase como foi a ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas) no passado em que a ideia era muito boa, mas que na prática não era tão benéfico para nenhum dos lados.

O candidato Javier Milei, que vociferava contra parceiros comerciais importantes da Argentina governados pela esquerda, como o Brasil e a China, deve dar lugar ao presidente Milei, mais pragmático e capaz de negociar com países distantes de seu espectro ideológico. Essa é a opinião de Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, doutor em Estudos Estratégicos e pesquisador nas áreas de Geopolítica, Geoeconomia e Geografia dos Negócios Internacionais.

Segundo ele, o governo brasileiro terá cautela com a vitória de Milei, mas tende a adotar uma postura madura de negociar e dialogar com seu principal parceiro regional. E Milei deve fazer o mesmo. “Milei é economista, eu prefiro acreditar que ele entenda a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina. Acho que depende muito mais de como ele enxerga a realidade social e econômica da Argentina que qualquer interesse político e ideológico”, afirma Uebel.

Leia os principais trechos da entrevista:

Javier Milei ao lado da irmã, Karina Milei, depois de seu primeiro discurso como presidente da Argentina, em Buenos Aires  Foto: Natacha Pisarenko/AP Photo

Como fica a relação Brasil-Argentina com a vitória de Javier Milei?

Acho que o Brasil olha com muita cautela essa vitória de Javier Milei e vai adotar o pragmatismo. O governo brasileiro tem maturidade suficiente de manter relações com um país que vai ser governado por alguém que é de um espectro político totalmente oposto. Eu cito, por exemplo, a relação com a Itália. O presidente Lula quando visitou a Itália no início do ano se reuniu com a Giorgia Meloni, que é uma primeira-ministra da direita. Eles tiraram fotos abraçados e o país tem uma excelente relação com a Itália. É claro que, naturalmente, vai haver um afastamento político entre Brasil e Argentina, capitaneado não pelo Brasil esse movimento, mas pela Argentina se o Milei levar adiante sua retórica. Só que o Milei é economista, eu prefiro acreditar que ele entenda a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina. Acho que depende muito mais de como ele enxerga a realidade social e econômica da Argentina que qualquer interesse político e ideológico.

Então você avalia que as declarações do Milei sobre o Brasil eram mais para impulsionar a campanha?

Já vimos isso acontecer antes com outros candidatos populistas. Que falam suas bravatas, mas quando chegam na estrutura do governo, especialmente em uma estrutura de governo como da Argentina, que institucionalizado e burocrático, sabem que essas declarações para se transformar em ações encontram uma série de barreiras que são impossíveis. É preciso esperar para ver o que vai acontecer, mas o que nós podemos pensar, sim, é que o Milei vai querer deixar sua marca e essa marca será esse afastamento natural, talvez a tentativa de sair do Mercosul, mas ele sabe que a economia que vai governar a partir de dezembro é fortemente dependente do Brasil, da China e de países do Mercosul. Milei sabe que tem um custo político muito grande. O esforço inicial é primeiro doméstico, ele vai tentar levar adiante essas ideias absurdas de dolarizar a economia, fechar o Banco Central. A política externa viria no segundo momento. Uma coisa era o Milei canditadato. Outra coisa é o Milei agora eleito. São coisas diferentes.

No último debate, Milei e Massa discutiram sobre a influência do Brasil na campanha, inclusive sobre a presença de marqueteiros brasileiros na Argentina. Mais recentemente, Lula e a primeira-dama Janja expressaram apoio a Massa. Isso pode atrapalhar a relação?

Acho que foi muito mais um apoio político do que institucional. Não era o governo brasileiro que estava apoiando, até porque seria inconstitucional. O Brasil não tem ingerência sobre a política ou as questões domésticas de outros países. Acho que era muito mais o apoio das figuras, como Lula e a Janja. Assim como Eduardo Bolsonaro e o ex-chanceler Ernesto Araújo apoiaram abertamente o Milei. Isso faz parte do jogo político. Sempre aconteceu e sempre vai acontecer, mas não são apoios institucionais, governamentais. Os marqueteiros, por exemplo, eram ligados ao PT, não eram do governo.

E acho importante pontuar: vivemos quatro anos de diplomacia não pragmática, de uma diplomacia baseada em declarações do presidente da República, que nos afastava de todos os nossos parceiros. Hoje, com todas as críticas que se possa fazer, há um governo que resgata a política externa e a palavra-chave da nossa política externa é o pragmatismo. O Brasil vai sentar à mesa com o Milei se for necessário.

A questão é se o Milei vai ter esse interesse. Mas temos que lidar com tranquilidade, o Milei é economista, ele sabe da importância do Brasil para economia, não vai rasgar dinheiro e destruir relações. E o Brasil está preparado para negociar. Hoje o Brasil tem maturidade diplomática para negociar seja com um parceiro ideológico próximo ou alguém que seja de outro espectro. As relações não são de governo, são de Estado. São países que têm mais de 200 anos de relação, que compartilham fronteira, que tem uma história. Não são presidentes de direita ou de esquerda que vão acabar com essa relação histórica.

Existe uma preocupação com relação ao acordo Mercosul-UE. Milei já sugeriu que poderia retirar a Argentina do bloco e, embora precise de aprovação do Congresso para isso, poderia seguir um caminho parecido com o do Lacalle Pou, que mantém o Uruguai no Mercosul, mas demonstrou afastamento com relação ao bloco…

Ele pode seguir o mesmo caminho do Lacalle Pou, que é de centro direita de não sair do bloco, mas enfraquecê-lo. Visitei o Mercosul este ano e, conversando com os técnicos, foi possível perceber um enfraquecimento institucional. E essa visita foi durante o governo Alberto Fernández. O próprio bloco está enfraquecido. O que eu enxergo hoje é que não há uma intencionalidade dos governos europeus e também de países do Mercosul em, de fato, aprovar esse acordo porque já se chega a conclusão hoje, tanto na esfera técnica quanto na política, que não vai ser tão vantajoso assim. O próprio Brasil coloca um freio nesse acordo. Hoje esse acordo já é visto quase como foi a ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas) no passado em que a ideia era muito boa, mas que na prática não era tão benéfico para nenhum dos lados.

O candidato Javier Milei, que vociferava contra parceiros comerciais importantes da Argentina governados pela esquerda, como o Brasil e a China, deve dar lugar ao presidente Milei, mais pragmático e capaz de negociar com países distantes de seu espectro ideológico. Essa é a opinião de Roberto Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, doutor em Estudos Estratégicos e pesquisador nas áreas de Geopolítica, Geoeconomia e Geografia dos Negócios Internacionais.

Segundo ele, o governo brasileiro terá cautela com a vitória de Milei, mas tende a adotar uma postura madura de negociar e dialogar com seu principal parceiro regional. E Milei deve fazer o mesmo. “Milei é economista, eu prefiro acreditar que ele entenda a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina. Acho que depende muito mais de como ele enxerga a realidade social e econômica da Argentina que qualquer interesse político e ideológico”, afirma Uebel.

Leia os principais trechos da entrevista:

Javier Milei ao lado da irmã, Karina Milei, depois de seu primeiro discurso como presidente da Argentina, em Buenos Aires  Foto: Natacha Pisarenko/AP Photo

Como fica a relação Brasil-Argentina com a vitória de Javier Milei?

Acho que o Brasil olha com muita cautela essa vitória de Javier Milei e vai adotar o pragmatismo. O governo brasileiro tem maturidade suficiente de manter relações com um país que vai ser governado por alguém que é de um espectro político totalmente oposto. Eu cito, por exemplo, a relação com a Itália. O presidente Lula quando visitou a Itália no início do ano se reuniu com a Giorgia Meloni, que é uma primeira-ministra da direita. Eles tiraram fotos abraçados e o país tem uma excelente relação com a Itália. É claro que, naturalmente, vai haver um afastamento político entre Brasil e Argentina, capitaneado não pelo Brasil esse movimento, mas pela Argentina se o Milei levar adiante sua retórica. Só que o Milei é economista, eu prefiro acreditar que ele entenda a importância de Brasil, China e do próprio Mercosul para economia argentina. Acho que depende muito mais de como ele enxerga a realidade social e econômica da Argentina que qualquer interesse político e ideológico.

Então você avalia que as declarações do Milei sobre o Brasil eram mais para impulsionar a campanha?

Já vimos isso acontecer antes com outros candidatos populistas. Que falam suas bravatas, mas quando chegam na estrutura do governo, especialmente em uma estrutura de governo como da Argentina, que institucionalizado e burocrático, sabem que essas declarações para se transformar em ações encontram uma série de barreiras que são impossíveis. É preciso esperar para ver o que vai acontecer, mas o que nós podemos pensar, sim, é que o Milei vai querer deixar sua marca e essa marca será esse afastamento natural, talvez a tentativa de sair do Mercosul, mas ele sabe que a economia que vai governar a partir de dezembro é fortemente dependente do Brasil, da China e de países do Mercosul. Milei sabe que tem um custo político muito grande. O esforço inicial é primeiro doméstico, ele vai tentar levar adiante essas ideias absurdas de dolarizar a economia, fechar o Banco Central. A política externa viria no segundo momento. Uma coisa era o Milei canditadato. Outra coisa é o Milei agora eleito. São coisas diferentes.

No último debate, Milei e Massa discutiram sobre a influência do Brasil na campanha, inclusive sobre a presença de marqueteiros brasileiros na Argentina. Mais recentemente, Lula e a primeira-dama Janja expressaram apoio a Massa. Isso pode atrapalhar a relação?

Acho que foi muito mais um apoio político do que institucional. Não era o governo brasileiro que estava apoiando, até porque seria inconstitucional. O Brasil não tem ingerência sobre a política ou as questões domésticas de outros países. Acho que era muito mais o apoio das figuras, como Lula e a Janja. Assim como Eduardo Bolsonaro e o ex-chanceler Ernesto Araújo apoiaram abertamente o Milei. Isso faz parte do jogo político. Sempre aconteceu e sempre vai acontecer, mas não são apoios institucionais, governamentais. Os marqueteiros, por exemplo, eram ligados ao PT, não eram do governo.

E acho importante pontuar: vivemos quatro anos de diplomacia não pragmática, de uma diplomacia baseada em declarações do presidente da República, que nos afastava de todos os nossos parceiros. Hoje, com todas as críticas que se possa fazer, há um governo que resgata a política externa e a palavra-chave da nossa política externa é o pragmatismo. O Brasil vai sentar à mesa com o Milei se for necessário.

A questão é se o Milei vai ter esse interesse. Mas temos que lidar com tranquilidade, o Milei é economista, ele sabe da importância do Brasil para economia, não vai rasgar dinheiro e destruir relações. E o Brasil está preparado para negociar. Hoje o Brasil tem maturidade diplomática para negociar seja com um parceiro ideológico próximo ou alguém que seja de outro espectro. As relações não são de governo, são de Estado. São países que têm mais de 200 anos de relação, que compartilham fronteira, que tem uma história. Não são presidentes de direita ou de esquerda que vão acabar com essa relação histórica.

Existe uma preocupação com relação ao acordo Mercosul-UE. Milei já sugeriu que poderia retirar a Argentina do bloco e, embora precise de aprovação do Congresso para isso, poderia seguir um caminho parecido com o do Lacalle Pou, que mantém o Uruguai no Mercosul, mas demonstrou afastamento com relação ao bloco…

Ele pode seguir o mesmo caminho do Lacalle Pou, que é de centro direita de não sair do bloco, mas enfraquecê-lo. Visitei o Mercosul este ano e, conversando com os técnicos, foi possível perceber um enfraquecimento institucional. E essa visita foi durante o governo Alberto Fernández. O próprio bloco está enfraquecido. O que eu enxergo hoje é que não há uma intencionalidade dos governos europeus e também de países do Mercosul em, de fato, aprovar esse acordo porque já se chega a conclusão hoje, tanto na esfera técnica quanto na política, que não vai ser tão vantajoso assim. O próprio Brasil coloca um freio nesse acordo. Hoje esse acordo já é visto quase como foi a ALCA (Área de Livre-Comércio das Américas) no passado em que a ideia era muito boa, mas que na prática não era tão benéfico para nenhum dos lados.

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