Uma ‘epidemia’ de golpes de Estado ocorreu em 2021. E o ano novo não curou a turbulência política.


Segundo dados, houve pelo menos cinco golpes bem-sucedidos em 2021, além de uma tentativa de tomada de poder por militares no Níger

Por Adam Taylor
Atualização:

O ano passado testemunhou uma série de golpes de Estado em todo o mundo, da África Ocidental ao Sudeste Asiático. Mas as reverberações das transições políticas forçadas continuam no ano novo no Sudão, em Mianmar e outros países. No domingo, apenas dois meses depois de ser restituído por comandantes militares, o primeiro-ministro sudanês Abdalla Hamdok anunciou sua renúncia. “Tentei o quanto pude evitar que nosso país se arrastasse para o desastre”, afirmou ele em um discurso ao país. 

O breve retorno de Hamdok ao cargo despedaçou muitas esperanças de que os líderes do golpe no Sudão poderiam voltar-se para a democracia. Ex-funcionário das Nações Unidas, Hamdok havia se tornado primeiro-ministro em agosto de 2019, em seguida à queda do líder autoritário Omar Bashir, que governava o país havia longa data, em abril daquele ano. Hamdok havia sido incumbido de conduzir a transição no país e realizar eleições este ano. Em vez disso, porém, em meio a relações cada vez mais turbulentas com os poderosos militares do Sudão, ele foi deposto em 25 de outubro e colocado em prisão domiciliar. 

Numa aparente resposta à condenação internacional com que o golpe no Sudão foi recebido - além da suspensão dos milhões de dólares em ajuda que o país recebia -  Hamdok foi restituído no cargo em novembro. Mas, conforme noticiaram Max Bearak e Miriam Berger no Post neste fim de semana, suas relações com os militares continuaram conturbadas, enquanto os manifestantes que haviam derrubado Bashir enfureciam-se porque suas exigências por um governo completamente civil não eram atendidas. 

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Forças de segurança sudanesas vigiamum hospital militar e escritórios do governo durante protestos contra o golpe militar que derrubou a transição para o regime civil em 25 de outubrona cidade gêmea da capital, Omdurman. Foto: AFP

O que se seguirá no Sudão não está claro. Grupos médicos alinhados com o movimento de protesto afirmam que pelo menos 57 civis já morreram desde o golpe, em meio à repressão do governo contra protestos, noticiou a agência "Reuters" na segunda-feira. Os manifestantes argumentam que suas demandas são simples. “Não estamos pedindo algo tão complicado — queremos um governo competente e civil”, afirmou ao "Post" um dos líderes dos protestos, Samuel Dafallah, de 51 anos, no mês passado. 

O golpe militar no Sudão foi apenas um dos casos, num ano atipicamente repleto de transições de poder forçadas. De acordo com dados compilados pela Universidade da Flórida Central e pela Universidade do Kentucky, houve pelo menos cinco golpes bem-sucedidos em 2021, além de uma tentativa de tomada de poder por militares no Níger. Foram mais golpes bem-sucedidos do que nos cinco anos anteriores combinados, um recorde no século 21. 

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O ano passado começou com o golpe militar em Mianmar, em 1.º de fevereiro; depois no Mali, em 24 de maio; na Guiné, em 5 de setembro; e, no mês seguinte, no Sudão. O Chade testemunhou o que muitos críticos qualificaram como um “golpe dinástico”, em abril, depois da morte do presidente no campo de batalha. Quatro a cada cinco dessas transições de poder forçadas ocorreram na África, que tem sido palco da maioria dos golpes de Estado praticados no mundo há décadas. 

Ainda assim, transições de poder forçadas foram objeto de preocupação política em todo o mundo. Em outubro, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, qualificou o fenômeno como uma “epidemia de golpes de Estado” e afirmou que a divisão global ajudou a criar uma ausência de dissuasão:

“O fato de termos fortes divisões geopolíticas; o fato de que o Conselho de Segurança tem muita dificuldade em adotar medidas duras; e o impacto e os problemas ocasionados pela covid e as dificuldades que muitos países enfrentam dos pontos de vista econômico e social — esses três fatores estão criando um ambiente em que alguns líderes militares sentem-se totalmente impunes”, afirmou Guterres a repórteres. “Eles podem fazer o que bem entendem porque nada acontecerá com eles.”

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Em Mianmar, há pouco sinal de que a indignação internacional tenha abrandado o comportamento dos militares. Quase um ano após a junta militar depor o governo eleito democraticamente, a violência continua. Os comandantes militares do país apelaram para uma tática de terra devastada, incendiando vilarejos e cometendo massacres de supostos opositores, de acordo com investigações do "Washington Post" e da "Associated Press".

Centenas de civis foram mortos desde o golpe, de acordo com a análise do Post. “São crimes contra a humanidade”, afirmou ao Post o relator-especial da ONU para Mianmar, Tom Andrews, neste verão, depois de analisar imagens de um suposto massacre na cidade de Bago, notando o padrão “muito sistemático” de violência usado pelos líderes militares. 

Em um massacre praticado na véspera de Natal, os militares birmaneses foram acusados de assassinar 35 moradores de um enclave étnico que tentavam fugir da violência, mulheres e crianças estavam entre os mortos. A liderança militar de Mianmar negou qualquer crime e ordenou que funcionários do governo não recebam notificações emitidas por cortes internacionais buscando processar os líderes da junta, de acordo com notícias publicadas por meios de comunicação independentes.  

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No Mali, a ausência de repercussão é absoluta, enquanto o país sofre golpes de Estado consecutivos. Em 2020, o então presidente, Ibrahim Boubacar Keïta, renunciou depois de ser preso por soldados amotinados, na ação que pode ter sido o primeiro golpe de Estado da era do coronavírus. Menos de um ano depois, o presidente transicional Bah N’Daw e seus aliados foram presos por soldados, e novamente a liderança política do país foi expulsa do poder. 

Apesar de o governo militar ter inicialmente afirmado que organizaria eleições presidenciais e legislativas em fevereiro de 2022, o ministro de Relações Exteriores do Mali afirmou no sábado que propôs aos seus vizinhos da África Ocidental postergar a transição democrática em mais cinco anos.   

A fonte dessa epidemia não é evidente. Há miríades de fatores locais por trás de cada golpe de Estado, apesar do fato deles terem ocorrido durante uma crise global de saúde — a pandemia de coronavírus — ser notável. Conforme noticiei em novembro, análises mostram uma acentuada elevação no número de protestos em 2020, o primeiro ano da pandemia, o que sugere um nível maior de insatisfação política global.

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Contudo, as sementes dos golpes de 2021 foram plantadas muito antes do vírus começar a se espalhar. Um fator provável foi a mudez global na resposta a golpes militares anteriores. Jonathan Powell, um dos pesquisadores que mantêm bancos de dados sobre golpes, argumentou no ano passado em um artigo que escreveu em parceria com seu colega Salah Ben Hammou, na Universidade da Flórida Central, que golpes geram mais golpes, apontando para a indulgente resposta global aos golpes militares no Egito, em 2013, e no Zimbábue, em 2017. 

“Os golpes deste ano provavelmente não são contagiosos no sentido de conspiradores golpistas estarem aprendendo táticas uns com os outros. Mas os recentes sucessos ensinaram aos conspiradores uma lição importante: a comunidade internacional não está disposta a condenar suas ações de nenhuma maneira significativa”, escreveram Powell e Ben Hammou no blog Monkey Cage, do Post. 

Para o presidente Joe Biden, que organizou a “Cúpula pela Democracia” no mês passado, condenar um golpe de Estado pode parecer complicado. O Artigo 508 da Lei de Assistência Estrangeira determina que os Estados Unidos são obrigados a suspender ajudas a países que sofrem golpes militares e passam a ser governados pelos golpistas, e Biden corre o risco de aproximar países a rivais geopolíticos dos EUA, como Rússia e China, que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e têm direito de vetar ações do organismo internacional. 

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Mas com Hamdok fora do poder no Sudão, adiar uma resposta assertiva torna-se uma posição ainda mais difícil de defender. O presidente americano está enfrentando agora cobranças do Congresso e ex-autoridades para dar o apoio dos EUA aos manifestantes pró-democracia no país africano. “O Governo Biden deve tratar o que aconteceu em 25 de outubro como o que realmente aconteceu”, afirmou em um comunicado emitido na segunda-feira o senador James Risch (republicano de Idaho), um graduado membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado. “Um golpe militar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O ano passado testemunhou uma série de golpes de Estado em todo o mundo, da África Ocidental ao Sudeste Asiático. Mas as reverberações das transições políticas forçadas continuam no ano novo no Sudão, em Mianmar e outros países. No domingo, apenas dois meses depois de ser restituído por comandantes militares, o primeiro-ministro sudanês Abdalla Hamdok anunciou sua renúncia. “Tentei o quanto pude evitar que nosso país se arrastasse para o desastre”, afirmou ele em um discurso ao país. 

O breve retorno de Hamdok ao cargo despedaçou muitas esperanças de que os líderes do golpe no Sudão poderiam voltar-se para a democracia. Ex-funcionário das Nações Unidas, Hamdok havia se tornado primeiro-ministro em agosto de 2019, em seguida à queda do líder autoritário Omar Bashir, que governava o país havia longa data, em abril daquele ano. Hamdok havia sido incumbido de conduzir a transição no país e realizar eleições este ano. Em vez disso, porém, em meio a relações cada vez mais turbulentas com os poderosos militares do Sudão, ele foi deposto em 25 de outubro e colocado em prisão domiciliar. 

Numa aparente resposta à condenação internacional com que o golpe no Sudão foi recebido - além da suspensão dos milhões de dólares em ajuda que o país recebia -  Hamdok foi restituído no cargo em novembro. Mas, conforme noticiaram Max Bearak e Miriam Berger no Post neste fim de semana, suas relações com os militares continuaram conturbadas, enquanto os manifestantes que haviam derrubado Bashir enfureciam-se porque suas exigências por um governo completamente civil não eram atendidas. 

Forças de segurança sudanesas vigiamum hospital militar e escritórios do governo durante protestos contra o golpe militar que derrubou a transição para o regime civil em 25 de outubrona cidade gêmea da capital, Omdurman. Foto: AFP

O que se seguirá no Sudão não está claro. Grupos médicos alinhados com o movimento de protesto afirmam que pelo menos 57 civis já morreram desde o golpe, em meio à repressão do governo contra protestos, noticiou a agência "Reuters" na segunda-feira. Os manifestantes argumentam que suas demandas são simples. “Não estamos pedindo algo tão complicado — queremos um governo competente e civil”, afirmou ao "Post" um dos líderes dos protestos, Samuel Dafallah, de 51 anos, no mês passado. 

O golpe militar no Sudão foi apenas um dos casos, num ano atipicamente repleto de transições de poder forçadas. De acordo com dados compilados pela Universidade da Flórida Central e pela Universidade do Kentucky, houve pelo menos cinco golpes bem-sucedidos em 2021, além de uma tentativa de tomada de poder por militares no Níger. Foram mais golpes bem-sucedidos do que nos cinco anos anteriores combinados, um recorde no século 21. 

O ano passado começou com o golpe militar em Mianmar, em 1.º de fevereiro; depois no Mali, em 24 de maio; na Guiné, em 5 de setembro; e, no mês seguinte, no Sudão. O Chade testemunhou o que muitos críticos qualificaram como um “golpe dinástico”, em abril, depois da morte do presidente no campo de batalha. Quatro a cada cinco dessas transições de poder forçadas ocorreram na África, que tem sido palco da maioria dos golpes de Estado praticados no mundo há décadas. 

Ainda assim, transições de poder forçadas foram objeto de preocupação política em todo o mundo. Em outubro, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, qualificou o fenômeno como uma “epidemia de golpes de Estado” e afirmou que a divisão global ajudou a criar uma ausência de dissuasão:

“O fato de termos fortes divisões geopolíticas; o fato de que o Conselho de Segurança tem muita dificuldade em adotar medidas duras; e o impacto e os problemas ocasionados pela covid e as dificuldades que muitos países enfrentam dos pontos de vista econômico e social — esses três fatores estão criando um ambiente em que alguns líderes militares sentem-se totalmente impunes”, afirmou Guterres a repórteres. “Eles podem fazer o que bem entendem porque nada acontecerá com eles.”

Em Mianmar, há pouco sinal de que a indignação internacional tenha abrandado o comportamento dos militares. Quase um ano após a junta militar depor o governo eleito democraticamente, a violência continua. Os comandantes militares do país apelaram para uma tática de terra devastada, incendiando vilarejos e cometendo massacres de supostos opositores, de acordo com investigações do "Washington Post" e da "Associated Press".

Centenas de civis foram mortos desde o golpe, de acordo com a análise do Post. “São crimes contra a humanidade”, afirmou ao Post o relator-especial da ONU para Mianmar, Tom Andrews, neste verão, depois de analisar imagens de um suposto massacre na cidade de Bago, notando o padrão “muito sistemático” de violência usado pelos líderes militares. 

Em um massacre praticado na véspera de Natal, os militares birmaneses foram acusados de assassinar 35 moradores de um enclave étnico que tentavam fugir da violência, mulheres e crianças estavam entre os mortos. A liderança militar de Mianmar negou qualquer crime e ordenou que funcionários do governo não recebam notificações emitidas por cortes internacionais buscando processar os líderes da junta, de acordo com notícias publicadas por meios de comunicação independentes.  

No Mali, a ausência de repercussão é absoluta, enquanto o país sofre golpes de Estado consecutivos. Em 2020, o então presidente, Ibrahim Boubacar Keïta, renunciou depois de ser preso por soldados amotinados, na ação que pode ter sido o primeiro golpe de Estado da era do coronavírus. Menos de um ano depois, o presidente transicional Bah N’Daw e seus aliados foram presos por soldados, e novamente a liderança política do país foi expulsa do poder. 

Apesar de o governo militar ter inicialmente afirmado que organizaria eleições presidenciais e legislativas em fevereiro de 2022, o ministro de Relações Exteriores do Mali afirmou no sábado que propôs aos seus vizinhos da África Ocidental postergar a transição democrática em mais cinco anos.   

A fonte dessa epidemia não é evidente. Há miríades de fatores locais por trás de cada golpe de Estado, apesar do fato deles terem ocorrido durante uma crise global de saúde — a pandemia de coronavírus — ser notável. Conforme noticiei em novembro, análises mostram uma acentuada elevação no número de protestos em 2020, o primeiro ano da pandemia, o que sugere um nível maior de insatisfação política global.

Contudo, as sementes dos golpes de 2021 foram plantadas muito antes do vírus começar a se espalhar. Um fator provável foi a mudez global na resposta a golpes militares anteriores. Jonathan Powell, um dos pesquisadores que mantêm bancos de dados sobre golpes, argumentou no ano passado em um artigo que escreveu em parceria com seu colega Salah Ben Hammou, na Universidade da Flórida Central, que golpes geram mais golpes, apontando para a indulgente resposta global aos golpes militares no Egito, em 2013, e no Zimbábue, em 2017. 

“Os golpes deste ano provavelmente não são contagiosos no sentido de conspiradores golpistas estarem aprendendo táticas uns com os outros. Mas os recentes sucessos ensinaram aos conspiradores uma lição importante: a comunidade internacional não está disposta a condenar suas ações de nenhuma maneira significativa”, escreveram Powell e Ben Hammou no blog Monkey Cage, do Post. 

Para o presidente Joe Biden, que organizou a “Cúpula pela Democracia” no mês passado, condenar um golpe de Estado pode parecer complicado. O Artigo 508 da Lei de Assistência Estrangeira determina que os Estados Unidos são obrigados a suspender ajudas a países que sofrem golpes militares e passam a ser governados pelos golpistas, e Biden corre o risco de aproximar países a rivais geopolíticos dos EUA, como Rússia e China, que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e têm direito de vetar ações do organismo internacional. 

Mas com Hamdok fora do poder no Sudão, adiar uma resposta assertiva torna-se uma posição ainda mais difícil de defender. O presidente americano está enfrentando agora cobranças do Congresso e ex-autoridades para dar o apoio dos EUA aos manifestantes pró-democracia no país africano. “O Governo Biden deve tratar o que aconteceu em 25 de outubro como o que realmente aconteceu”, afirmou em um comunicado emitido na segunda-feira o senador James Risch (republicano de Idaho), um graduado membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado. “Um golpe militar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O ano passado testemunhou uma série de golpes de Estado em todo o mundo, da África Ocidental ao Sudeste Asiático. Mas as reverberações das transições políticas forçadas continuam no ano novo no Sudão, em Mianmar e outros países. No domingo, apenas dois meses depois de ser restituído por comandantes militares, o primeiro-ministro sudanês Abdalla Hamdok anunciou sua renúncia. “Tentei o quanto pude evitar que nosso país se arrastasse para o desastre”, afirmou ele em um discurso ao país. 

O breve retorno de Hamdok ao cargo despedaçou muitas esperanças de que os líderes do golpe no Sudão poderiam voltar-se para a democracia. Ex-funcionário das Nações Unidas, Hamdok havia se tornado primeiro-ministro em agosto de 2019, em seguida à queda do líder autoritário Omar Bashir, que governava o país havia longa data, em abril daquele ano. Hamdok havia sido incumbido de conduzir a transição no país e realizar eleições este ano. Em vez disso, porém, em meio a relações cada vez mais turbulentas com os poderosos militares do Sudão, ele foi deposto em 25 de outubro e colocado em prisão domiciliar. 

Numa aparente resposta à condenação internacional com que o golpe no Sudão foi recebido - além da suspensão dos milhões de dólares em ajuda que o país recebia -  Hamdok foi restituído no cargo em novembro. Mas, conforme noticiaram Max Bearak e Miriam Berger no Post neste fim de semana, suas relações com os militares continuaram conturbadas, enquanto os manifestantes que haviam derrubado Bashir enfureciam-se porque suas exigências por um governo completamente civil não eram atendidas. 

Forças de segurança sudanesas vigiamum hospital militar e escritórios do governo durante protestos contra o golpe militar que derrubou a transição para o regime civil em 25 de outubrona cidade gêmea da capital, Omdurman. Foto: AFP

O que se seguirá no Sudão não está claro. Grupos médicos alinhados com o movimento de protesto afirmam que pelo menos 57 civis já morreram desde o golpe, em meio à repressão do governo contra protestos, noticiou a agência "Reuters" na segunda-feira. Os manifestantes argumentam que suas demandas são simples. “Não estamos pedindo algo tão complicado — queremos um governo competente e civil”, afirmou ao "Post" um dos líderes dos protestos, Samuel Dafallah, de 51 anos, no mês passado. 

O golpe militar no Sudão foi apenas um dos casos, num ano atipicamente repleto de transições de poder forçadas. De acordo com dados compilados pela Universidade da Flórida Central e pela Universidade do Kentucky, houve pelo menos cinco golpes bem-sucedidos em 2021, além de uma tentativa de tomada de poder por militares no Níger. Foram mais golpes bem-sucedidos do que nos cinco anos anteriores combinados, um recorde no século 21. 

O ano passado começou com o golpe militar em Mianmar, em 1.º de fevereiro; depois no Mali, em 24 de maio; na Guiné, em 5 de setembro; e, no mês seguinte, no Sudão. O Chade testemunhou o que muitos críticos qualificaram como um “golpe dinástico”, em abril, depois da morte do presidente no campo de batalha. Quatro a cada cinco dessas transições de poder forçadas ocorreram na África, que tem sido palco da maioria dos golpes de Estado praticados no mundo há décadas. 

Ainda assim, transições de poder forçadas foram objeto de preocupação política em todo o mundo. Em outubro, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, qualificou o fenômeno como uma “epidemia de golpes de Estado” e afirmou que a divisão global ajudou a criar uma ausência de dissuasão:

“O fato de termos fortes divisões geopolíticas; o fato de que o Conselho de Segurança tem muita dificuldade em adotar medidas duras; e o impacto e os problemas ocasionados pela covid e as dificuldades que muitos países enfrentam dos pontos de vista econômico e social — esses três fatores estão criando um ambiente em que alguns líderes militares sentem-se totalmente impunes”, afirmou Guterres a repórteres. “Eles podem fazer o que bem entendem porque nada acontecerá com eles.”

Em Mianmar, há pouco sinal de que a indignação internacional tenha abrandado o comportamento dos militares. Quase um ano após a junta militar depor o governo eleito democraticamente, a violência continua. Os comandantes militares do país apelaram para uma tática de terra devastada, incendiando vilarejos e cometendo massacres de supostos opositores, de acordo com investigações do "Washington Post" e da "Associated Press".

Centenas de civis foram mortos desde o golpe, de acordo com a análise do Post. “São crimes contra a humanidade”, afirmou ao Post o relator-especial da ONU para Mianmar, Tom Andrews, neste verão, depois de analisar imagens de um suposto massacre na cidade de Bago, notando o padrão “muito sistemático” de violência usado pelos líderes militares. 

Em um massacre praticado na véspera de Natal, os militares birmaneses foram acusados de assassinar 35 moradores de um enclave étnico que tentavam fugir da violência, mulheres e crianças estavam entre os mortos. A liderança militar de Mianmar negou qualquer crime e ordenou que funcionários do governo não recebam notificações emitidas por cortes internacionais buscando processar os líderes da junta, de acordo com notícias publicadas por meios de comunicação independentes.  

No Mali, a ausência de repercussão é absoluta, enquanto o país sofre golpes de Estado consecutivos. Em 2020, o então presidente, Ibrahim Boubacar Keïta, renunciou depois de ser preso por soldados amotinados, na ação que pode ter sido o primeiro golpe de Estado da era do coronavírus. Menos de um ano depois, o presidente transicional Bah N’Daw e seus aliados foram presos por soldados, e novamente a liderança política do país foi expulsa do poder. 

Apesar de o governo militar ter inicialmente afirmado que organizaria eleições presidenciais e legislativas em fevereiro de 2022, o ministro de Relações Exteriores do Mali afirmou no sábado que propôs aos seus vizinhos da África Ocidental postergar a transição democrática em mais cinco anos.   

A fonte dessa epidemia não é evidente. Há miríades de fatores locais por trás de cada golpe de Estado, apesar do fato deles terem ocorrido durante uma crise global de saúde — a pandemia de coronavírus — ser notável. Conforme noticiei em novembro, análises mostram uma acentuada elevação no número de protestos em 2020, o primeiro ano da pandemia, o que sugere um nível maior de insatisfação política global.

Contudo, as sementes dos golpes de 2021 foram plantadas muito antes do vírus começar a se espalhar. Um fator provável foi a mudez global na resposta a golpes militares anteriores. Jonathan Powell, um dos pesquisadores que mantêm bancos de dados sobre golpes, argumentou no ano passado em um artigo que escreveu em parceria com seu colega Salah Ben Hammou, na Universidade da Flórida Central, que golpes geram mais golpes, apontando para a indulgente resposta global aos golpes militares no Egito, em 2013, e no Zimbábue, em 2017. 

“Os golpes deste ano provavelmente não são contagiosos no sentido de conspiradores golpistas estarem aprendendo táticas uns com os outros. Mas os recentes sucessos ensinaram aos conspiradores uma lição importante: a comunidade internacional não está disposta a condenar suas ações de nenhuma maneira significativa”, escreveram Powell e Ben Hammou no blog Monkey Cage, do Post. 

Para o presidente Joe Biden, que organizou a “Cúpula pela Democracia” no mês passado, condenar um golpe de Estado pode parecer complicado. O Artigo 508 da Lei de Assistência Estrangeira determina que os Estados Unidos são obrigados a suspender ajudas a países que sofrem golpes militares e passam a ser governados pelos golpistas, e Biden corre o risco de aproximar países a rivais geopolíticos dos EUA, como Rússia e China, que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e têm direito de vetar ações do organismo internacional. 

Mas com Hamdok fora do poder no Sudão, adiar uma resposta assertiva torna-se uma posição ainda mais difícil de defender. O presidente americano está enfrentando agora cobranças do Congresso e ex-autoridades para dar o apoio dos EUA aos manifestantes pró-democracia no país africano. “O Governo Biden deve tratar o que aconteceu em 25 de outubro como o que realmente aconteceu”, afirmou em um comunicado emitido na segunda-feira o senador James Risch (republicano de Idaho), um graduado membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado. “Um golpe militar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O ano passado testemunhou uma série de golpes de Estado em todo o mundo, da África Ocidental ao Sudeste Asiático. Mas as reverberações das transições políticas forçadas continuam no ano novo no Sudão, em Mianmar e outros países. No domingo, apenas dois meses depois de ser restituído por comandantes militares, o primeiro-ministro sudanês Abdalla Hamdok anunciou sua renúncia. “Tentei o quanto pude evitar que nosso país se arrastasse para o desastre”, afirmou ele em um discurso ao país. 

O breve retorno de Hamdok ao cargo despedaçou muitas esperanças de que os líderes do golpe no Sudão poderiam voltar-se para a democracia. Ex-funcionário das Nações Unidas, Hamdok havia se tornado primeiro-ministro em agosto de 2019, em seguida à queda do líder autoritário Omar Bashir, que governava o país havia longa data, em abril daquele ano. Hamdok havia sido incumbido de conduzir a transição no país e realizar eleições este ano. Em vez disso, porém, em meio a relações cada vez mais turbulentas com os poderosos militares do Sudão, ele foi deposto em 25 de outubro e colocado em prisão domiciliar. 

Numa aparente resposta à condenação internacional com que o golpe no Sudão foi recebido - além da suspensão dos milhões de dólares em ajuda que o país recebia -  Hamdok foi restituído no cargo em novembro. Mas, conforme noticiaram Max Bearak e Miriam Berger no Post neste fim de semana, suas relações com os militares continuaram conturbadas, enquanto os manifestantes que haviam derrubado Bashir enfureciam-se porque suas exigências por um governo completamente civil não eram atendidas. 

Forças de segurança sudanesas vigiamum hospital militar e escritórios do governo durante protestos contra o golpe militar que derrubou a transição para o regime civil em 25 de outubrona cidade gêmea da capital, Omdurman. Foto: AFP

O que se seguirá no Sudão não está claro. Grupos médicos alinhados com o movimento de protesto afirmam que pelo menos 57 civis já morreram desde o golpe, em meio à repressão do governo contra protestos, noticiou a agência "Reuters" na segunda-feira. Os manifestantes argumentam que suas demandas são simples. “Não estamos pedindo algo tão complicado — queremos um governo competente e civil”, afirmou ao "Post" um dos líderes dos protestos, Samuel Dafallah, de 51 anos, no mês passado. 

O golpe militar no Sudão foi apenas um dos casos, num ano atipicamente repleto de transições de poder forçadas. De acordo com dados compilados pela Universidade da Flórida Central e pela Universidade do Kentucky, houve pelo menos cinco golpes bem-sucedidos em 2021, além de uma tentativa de tomada de poder por militares no Níger. Foram mais golpes bem-sucedidos do que nos cinco anos anteriores combinados, um recorde no século 21. 

O ano passado começou com o golpe militar em Mianmar, em 1.º de fevereiro; depois no Mali, em 24 de maio; na Guiné, em 5 de setembro; e, no mês seguinte, no Sudão. O Chade testemunhou o que muitos críticos qualificaram como um “golpe dinástico”, em abril, depois da morte do presidente no campo de batalha. Quatro a cada cinco dessas transições de poder forçadas ocorreram na África, que tem sido palco da maioria dos golpes de Estado praticados no mundo há décadas. 

Ainda assim, transições de poder forçadas foram objeto de preocupação política em todo o mundo. Em outubro, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, qualificou o fenômeno como uma “epidemia de golpes de Estado” e afirmou que a divisão global ajudou a criar uma ausência de dissuasão:

“O fato de termos fortes divisões geopolíticas; o fato de que o Conselho de Segurança tem muita dificuldade em adotar medidas duras; e o impacto e os problemas ocasionados pela covid e as dificuldades que muitos países enfrentam dos pontos de vista econômico e social — esses três fatores estão criando um ambiente em que alguns líderes militares sentem-se totalmente impunes”, afirmou Guterres a repórteres. “Eles podem fazer o que bem entendem porque nada acontecerá com eles.”

Em Mianmar, há pouco sinal de que a indignação internacional tenha abrandado o comportamento dos militares. Quase um ano após a junta militar depor o governo eleito democraticamente, a violência continua. Os comandantes militares do país apelaram para uma tática de terra devastada, incendiando vilarejos e cometendo massacres de supostos opositores, de acordo com investigações do "Washington Post" e da "Associated Press".

Centenas de civis foram mortos desde o golpe, de acordo com a análise do Post. “São crimes contra a humanidade”, afirmou ao Post o relator-especial da ONU para Mianmar, Tom Andrews, neste verão, depois de analisar imagens de um suposto massacre na cidade de Bago, notando o padrão “muito sistemático” de violência usado pelos líderes militares. 

Em um massacre praticado na véspera de Natal, os militares birmaneses foram acusados de assassinar 35 moradores de um enclave étnico que tentavam fugir da violência, mulheres e crianças estavam entre os mortos. A liderança militar de Mianmar negou qualquer crime e ordenou que funcionários do governo não recebam notificações emitidas por cortes internacionais buscando processar os líderes da junta, de acordo com notícias publicadas por meios de comunicação independentes.  

No Mali, a ausência de repercussão é absoluta, enquanto o país sofre golpes de Estado consecutivos. Em 2020, o então presidente, Ibrahim Boubacar Keïta, renunciou depois de ser preso por soldados amotinados, na ação que pode ter sido o primeiro golpe de Estado da era do coronavírus. Menos de um ano depois, o presidente transicional Bah N’Daw e seus aliados foram presos por soldados, e novamente a liderança política do país foi expulsa do poder. 

Apesar de o governo militar ter inicialmente afirmado que organizaria eleições presidenciais e legislativas em fevereiro de 2022, o ministro de Relações Exteriores do Mali afirmou no sábado que propôs aos seus vizinhos da África Ocidental postergar a transição democrática em mais cinco anos.   

A fonte dessa epidemia não é evidente. Há miríades de fatores locais por trás de cada golpe de Estado, apesar do fato deles terem ocorrido durante uma crise global de saúde — a pandemia de coronavírus — ser notável. Conforme noticiei em novembro, análises mostram uma acentuada elevação no número de protestos em 2020, o primeiro ano da pandemia, o que sugere um nível maior de insatisfação política global.

Contudo, as sementes dos golpes de 2021 foram plantadas muito antes do vírus começar a se espalhar. Um fator provável foi a mudez global na resposta a golpes militares anteriores. Jonathan Powell, um dos pesquisadores que mantêm bancos de dados sobre golpes, argumentou no ano passado em um artigo que escreveu em parceria com seu colega Salah Ben Hammou, na Universidade da Flórida Central, que golpes geram mais golpes, apontando para a indulgente resposta global aos golpes militares no Egito, em 2013, e no Zimbábue, em 2017. 

“Os golpes deste ano provavelmente não são contagiosos no sentido de conspiradores golpistas estarem aprendendo táticas uns com os outros. Mas os recentes sucessos ensinaram aos conspiradores uma lição importante: a comunidade internacional não está disposta a condenar suas ações de nenhuma maneira significativa”, escreveram Powell e Ben Hammou no blog Monkey Cage, do Post. 

Para o presidente Joe Biden, que organizou a “Cúpula pela Democracia” no mês passado, condenar um golpe de Estado pode parecer complicado. O Artigo 508 da Lei de Assistência Estrangeira determina que os Estados Unidos são obrigados a suspender ajudas a países que sofrem golpes militares e passam a ser governados pelos golpistas, e Biden corre o risco de aproximar países a rivais geopolíticos dos EUA, como Rússia e China, que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e têm direito de vetar ações do organismo internacional. 

Mas com Hamdok fora do poder no Sudão, adiar uma resposta assertiva torna-se uma posição ainda mais difícil de defender. O presidente americano está enfrentando agora cobranças do Congresso e ex-autoridades para dar o apoio dos EUA aos manifestantes pró-democracia no país africano. “O Governo Biden deve tratar o que aconteceu em 25 de outubro como o que realmente aconteceu”, afirmou em um comunicado emitido na segunda-feira o senador James Risch (republicano de Idaho), um graduado membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado. “Um golpe militar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

O ano passado testemunhou uma série de golpes de Estado em todo o mundo, da África Ocidental ao Sudeste Asiático. Mas as reverberações das transições políticas forçadas continuam no ano novo no Sudão, em Mianmar e outros países. No domingo, apenas dois meses depois de ser restituído por comandantes militares, o primeiro-ministro sudanês Abdalla Hamdok anunciou sua renúncia. “Tentei o quanto pude evitar que nosso país se arrastasse para o desastre”, afirmou ele em um discurso ao país. 

O breve retorno de Hamdok ao cargo despedaçou muitas esperanças de que os líderes do golpe no Sudão poderiam voltar-se para a democracia. Ex-funcionário das Nações Unidas, Hamdok havia se tornado primeiro-ministro em agosto de 2019, em seguida à queda do líder autoritário Omar Bashir, que governava o país havia longa data, em abril daquele ano. Hamdok havia sido incumbido de conduzir a transição no país e realizar eleições este ano. Em vez disso, porém, em meio a relações cada vez mais turbulentas com os poderosos militares do Sudão, ele foi deposto em 25 de outubro e colocado em prisão domiciliar. 

Numa aparente resposta à condenação internacional com que o golpe no Sudão foi recebido - além da suspensão dos milhões de dólares em ajuda que o país recebia -  Hamdok foi restituído no cargo em novembro. Mas, conforme noticiaram Max Bearak e Miriam Berger no Post neste fim de semana, suas relações com os militares continuaram conturbadas, enquanto os manifestantes que haviam derrubado Bashir enfureciam-se porque suas exigências por um governo completamente civil não eram atendidas. 

Forças de segurança sudanesas vigiamum hospital militar e escritórios do governo durante protestos contra o golpe militar que derrubou a transição para o regime civil em 25 de outubrona cidade gêmea da capital, Omdurman. Foto: AFP

O que se seguirá no Sudão não está claro. Grupos médicos alinhados com o movimento de protesto afirmam que pelo menos 57 civis já morreram desde o golpe, em meio à repressão do governo contra protestos, noticiou a agência "Reuters" na segunda-feira. Os manifestantes argumentam que suas demandas são simples. “Não estamos pedindo algo tão complicado — queremos um governo competente e civil”, afirmou ao "Post" um dos líderes dos protestos, Samuel Dafallah, de 51 anos, no mês passado. 

O golpe militar no Sudão foi apenas um dos casos, num ano atipicamente repleto de transições de poder forçadas. De acordo com dados compilados pela Universidade da Flórida Central e pela Universidade do Kentucky, houve pelo menos cinco golpes bem-sucedidos em 2021, além de uma tentativa de tomada de poder por militares no Níger. Foram mais golpes bem-sucedidos do que nos cinco anos anteriores combinados, um recorde no século 21. 

O ano passado começou com o golpe militar em Mianmar, em 1.º de fevereiro; depois no Mali, em 24 de maio; na Guiné, em 5 de setembro; e, no mês seguinte, no Sudão. O Chade testemunhou o que muitos críticos qualificaram como um “golpe dinástico”, em abril, depois da morte do presidente no campo de batalha. Quatro a cada cinco dessas transições de poder forçadas ocorreram na África, que tem sido palco da maioria dos golpes de Estado praticados no mundo há décadas. 

Ainda assim, transições de poder forçadas foram objeto de preocupação política em todo o mundo. Em outubro, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, qualificou o fenômeno como uma “epidemia de golpes de Estado” e afirmou que a divisão global ajudou a criar uma ausência de dissuasão:

“O fato de termos fortes divisões geopolíticas; o fato de que o Conselho de Segurança tem muita dificuldade em adotar medidas duras; e o impacto e os problemas ocasionados pela covid e as dificuldades que muitos países enfrentam dos pontos de vista econômico e social — esses três fatores estão criando um ambiente em que alguns líderes militares sentem-se totalmente impunes”, afirmou Guterres a repórteres. “Eles podem fazer o que bem entendem porque nada acontecerá com eles.”

Em Mianmar, há pouco sinal de que a indignação internacional tenha abrandado o comportamento dos militares. Quase um ano após a junta militar depor o governo eleito democraticamente, a violência continua. Os comandantes militares do país apelaram para uma tática de terra devastada, incendiando vilarejos e cometendo massacres de supostos opositores, de acordo com investigações do "Washington Post" e da "Associated Press".

Centenas de civis foram mortos desde o golpe, de acordo com a análise do Post. “São crimes contra a humanidade”, afirmou ao Post o relator-especial da ONU para Mianmar, Tom Andrews, neste verão, depois de analisar imagens de um suposto massacre na cidade de Bago, notando o padrão “muito sistemático” de violência usado pelos líderes militares. 

Em um massacre praticado na véspera de Natal, os militares birmaneses foram acusados de assassinar 35 moradores de um enclave étnico que tentavam fugir da violência, mulheres e crianças estavam entre os mortos. A liderança militar de Mianmar negou qualquer crime e ordenou que funcionários do governo não recebam notificações emitidas por cortes internacionais buscando processar os líderes da junta, de acordo com notícias publicadas por meios de comunicação independentes.  

No Mali, a ausência de repercussão é absoluta, enquanto o país sofre golpes de Estado consecutivos. Em 2020, o então presidente, Ibrahim Boubacar Keïta, renunciou depois de ser preso por soldados amotinados, na ação que pode ter sido o primeiro golpe de Estado da era do coronavírus. Menos de um ano depois, o presidente transicional Bah N’Daw e seus aliados foram presos por soldados, e novamente a liderança política do país foi expulsa do poder. 

Apesar de o governo militar ter inicialmente afirmado que organizaria eleições presidenciais e legislativas em fevereiro de 2022, o ministro de Relações Exteriores do Mali afirmou no sábado que propôs aos seus vizinhos da África Ocidental postergar a transição democrática em mais cinco anos.   

A fonte dessa epidemia não é evidente. Há miríades de fatores locais por trás de cada golpe de Estado, apesar do fato deles terem ocorrido durante uma crise global de saúde — a pandemia de coronavírus — ser notável. Conforme noticiei em novembro, análises mostram uma acentuada elevação no número de protestos em 2020, o primeiro ano da pandemia, o que sugere um nível maior de insatisfação política global.

Contudo, as sementes dos golpes de 2021 foram plantadas muito antes do vírus começar a se espalhar. Um fator provável foi a mudez global na resposta a golpes militares anteriores. Jonathan Powell, um dos pesquisadores que mantêm bancos de dados sobre golpes, argumentou no ano passado em um artigo que escreveu em parceria com seu colega Salah Ben Hammou, na Universidade da Flórida Central, que golpes geram mais golpes, apontando para a indulgente resposta global aos golpes militares no Egito, em 2013, e no Zimbábue, em 2017. 

“Os golpes deste ano provavelmente não são contagiosos no sentido de conspiradores golpistas estarem aprendendo táticas uns com os outros. Mas os recentes sucessos ensinaram aos conspiradores uma lição importante: a comunidade internacional não está disposta a condenar suas ações de nenhuma maneira significativa”, escreveram Powell e Ben Hammou no blog Monkey Cage, do Post. 

Para o presidente Joe Biden, que organizou a “Cúpula pela Democracia” no mês passado, condenar um golpe de Estado pode parecer complicado. O Artigo 508 da Lei de Assistência Estrangeira determina que os Estados Unidos são obrigados a suspender ajudas a países que sofrem golpes militares e passam a ser governados pelos golpistas, e Biden corre o risco de aproximar países a rivais geopolíticos dos EUA, como Rússia e China, que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e têm direito de vetar ações do organismo internacional. 

Mas com Hamdok fora do poder no Sudão, adiar uma resposta assertiva torna-se uma posição ainda mais difícil de defender. O presidente americano está enfrentando agora cobranças do Congresso e ex-autoridades para dar o apoio dos EUA aos manifestantes pró-democracia no país africano. “O Governo Biden deve tratar o que aconteceu em 25 de outubro como o que realmente aconteceu”, afirmou em um comunicado emitido na segunda-feira o senador James Risch (republicano de Idaho), um graduado membro da Comissão de Relações Exteriores do Senado. “Um golpe militar.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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