Uma guerra contra a China não seria parecido com nada que os americanos já enfrentaram; leia artigo


Uma invasão chinesa a Taiwan pode incluir uma estratégia de guerra em múltiplas frentes que provoque caos na sociedade americana

Por Ross Babbage
Atualização:

Uma grande guerra no Indo-Pacífico é possivelmente mais provável agora do que em qualquer outro momento desde a 2.ª Guerra.

A centelha mais provável é uma invasão chinesa a Taiwan. O presidente chinês, Xi Jinping, afirmou que unificar Taiwan com a China continental “deve ser alcançado”. Seu regime de Partido Comunista se tornou suficientemente forte — militarmente, economicamente e e industrialmente — para tomar Taiwan e desafiar diretamente os Estados Unidos por supremacia regional.

Os americanos têm interesses estratégicos vitais em jogo. Uma invasão chinesa bem-sucedida abriria um buraco na cadeia de defesas dos EUA e seus aliados na região, minando seriamente a posição estratégica americana no Pacífico Ocidental e provavelmente cortaria o acesso dos EUA aos melhores semicondutores do mundo e outros componentes críticos fabricados em Taiwan. Como presidente, Joe Biden declarou repetidamente que defenderia Taiwan.

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Um tripulante da Marinha dos EUA a bordo de uma aeronave de vigilância observa o que seria uma construção chinesa nas disputadas Ilhas Spratly Foto: U.S. Navy/Reuters - 21/5/2015

Mas líderes em Washington também precisam evitar imprudências que levem a uma guerra com a China, porque esse conflito seria diferente de tudo o que os americanos já enfrentaram. Os cidadãos dos EUA se acostumaram a mandar seus militares travar guerras no exterior, bem longe de casa. Mas a China é um tipo diferente de inimigo: uma potência militar, econômica e tecnológica capaz de fazer a guerra ser sentida dentro dos EUA.

Como analista de estratégia e planejador de defesa, incluindo no Departamento da Defesa da Austrália, passei décadas estudando como as guerras podem começar e como elas se desdobrariam, assim como as operações militares e não militares que a China está preparada para conduzir. Estou convencido de que os desafios diante dos EUA são sérios, e seus cidadãos precisam se informar melhor a respeito deles.

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O cenário militar, sozinho, é assustador: a China provavelmente lançaria um ataque relâmpago — aéreo, naval e cibernético — para tomar controle de alvos estratégicos dentro de Taiwan em questão de horas, antes de os EUA e seus aliados serem capazes de intervir. Taiwan é pouco maior que o Estado de Maryland; se nos lembramos de quão rapidamente o Afeganistão e Cabul caíram para o Taleban, em 2021, nós começamos a perceber que a tomada de Taiwan poderia ocorrer com relativa rapidez.

A China também possui mais de 1.350 mísseis balísticos e de cruzeiro posicionados para atacar forças americanas e aliadas no Japão, na Coreia do Sul, nas Filipinas e em territórios controlados pelos EUA no Pacífico Ocidental. E há a dificuldade prática para os EUA de travar uma guerra a milhares de quilômetros através do Pacífico contra um adversário que possui a maior Marinha do mundo e a maior Força Aérea na Ásia.

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Apesar disso, os estrategistas militares dos EUA prefeririam travar uma guerra convencional. Mas os chineses estão preparados para travar um tipo muito mais amplo de guerra, que atingiria profundamente a sociedade americana.

Ao longo da década passada, a China considerou os EUA um país cada vez mais mergulhado em crises políticas e sociais. Xi, que gosta de afirmar que “o Oriente está crescendo enquanto o Ocidente está em declínio”, sente claramente que a maior fraqueza dos EUA é no front doméstico. E eu acredito que ele está pronto para explorar isso por meio de uma campanha em múltiplas frentes para dividir os americanos e minar e exaurir sua determinação em um conflito prolongado — o que os militares chineses chamam de “desintegração do inimigo”.

Guerra cibernética

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Ao longo das duas décadas passadas, a China construiu uma capacidade de guerra cibernética projetada para penetrar, manipular e perturbar os EUA e governos aliados, organizações de imprensa, empresas e sociedade civil. Se a guerra irromper, pode-se esperar que a China use isso para prejudicar comunicações e espalhar fake news e outros tipos de desinformação. O objetivo seria fomentar confusão, discórdia e desconfiança com objetivo de dificultar tomadas de decisão. A China poderia somar a isso ataques eletrônicos e físicos contra satélites e infraestruturas relacionadas.

Essas operações seriam muito provavelmente acompanhadas de ofensivas cibernéticas para perturbar fornecimentos de eletricidade, gás, água, transporte, assistência médica e outros serviços públicos. A China tem demonstrado suas capacidades — incluindo em Taiwan, onde empreendeu campanhas de desinformação, e em incidentes graves envolvendo hackers dentro dos EUA. Xi tem defendido esse subterfúgio definindo-o como uma arma mágica”.

A China também poderia transformar em arma seu domínio sobre cadeias de fornecimento e frete. O impacto sobre os americanos seria profundo.

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Dependência americana

A economia dos EUA é altamente dependente de recursos da China e mercadorias manufaturadas no país, incluindo muitas com aplicações militares, e os consumidores americanos contam com as importações chinesas moderadamente caras para tudo, de eletrônicos, a móveis e sapatos. O grosso dessas mercadorias é transportado para o exterior a bordo de navios que transitam por vias marítimas cada vez mais controladas por interesses comerciais em última instância subordinados ao Estado-partido chinês. Uma guerra impediria esse comércio (assim como as exportações americanas e dos países aliados para a China).

O fornecimento americano de vários produtos poderia logo escassear, paralisando uma vasta gama de empresas. Levaria meses para restabelecer o comércio, e racionamentos emergenciais de alguns itens seriam necessários. Inflação e desemprego aumentariam, especialmente no período em que a economia receber novo propósito para o esforço de guerra — que poderia incluir alguns fabricantes de automóveis mudando sua produção para aeronaves ou empresas de processamento de alimentos convertendo-se em fábricas de medicamentos prioritários. Mercados de ações nos EUA e em outros países poderiam fechar temporariamente por causa das enormes incertezas econômicas.

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Os EUA poderiam ser forçados a aceitar a chocante percepção de que a força industrial essencial em vitórias como a 2.ª Guerra — o conceito do ex-presidente Franklin Roosevelt dos EUA como “o arsenal da democracia” — murchou e foi superado pela China.

Membros da tripulação sinalizam para um caça F/A-18E Super Hornet se preparando para decolar para um voo de rotina a bordo do porta-aviões americano USS Nimitz no Mar da China Meridional Foto: Joseph Campbell/Reuters - 27/1/2023

A China é atualmente a potência global dominante segundo muitas medidas. Em 2004, a produção manufatureira dos EUA era mais de duas vezes maior que chinesa; em 2021, a produção da China equivaleu ao dobro da americana. A China produz mais navios, aço e smartphones do que qualquer outro país e é líder mundial na produção de elementos químicos, metais, equipamentos pesados para a indústria e eletrônicos — fatores básicos na construção de uma economia militar-industrial.

Crucialmente, os EUA não são mais capazes de superar a China na produção de armas avançadas e outros elementos necessários à guerra, o que o atual conflito na Ucrânia deixou claro. O fornecimento de equipamentos militares para Kiev consumiu os estoques americanos de alguns importantes sistemas militares. Reconstruí-los poderia levar anos. Ainda assim, a escala da guerra na Ucrânia é relativamente pequena em comparação com as prováveis demandas de uma grande guerra no Indo-Pacífico.

Então, o que precisa ser feito?

No front militar, os EUA deveriam acelerar programas já em andamento para fortalecer as posições americanas no Pacífico Ocidental e dispersar suas forças pela região, para torná-las menos vulneráveis a ataques da China. Dentro do EUA, um esforço concertado deve ser empreendido para encontrar maneiras de proteger melhor os meios de comunicação e as redes sociais dos EUA contra desinformação chinesa. Cadeias de fornecimento de itens e serviços críticos precisam ser reconfiguradas para mudar as fábricas para os EUA ou nações aliadas, e os americanos devem perseguir um impulso estratégico mais duradouro para restabelecer sua dominância na manufatura global.

Construir melhor dissuasão solucionando essas fraquezas é a melhor maneira de evitar a guerra. Mas isso levará tempo. Até lá, é importante para Washington evitar provocações e manter um discurso civil com Pequim.

O balão de grande altitude que atravessou os céus dos EUA este mês foi visto por muitos americanos como uma violação estarrecedora da China à soberania americana. Isso poderia virar brincadeira de criança em comparação ao caos que a China seria capaz de provocar dentro dos EUA em uma guerra. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Uma grande guerra no Indo-Pacífico é possivelmente mais provável agora do que em qualquer outro momento desde a 2.ª Guerra.

A centelha mais provável é uma invasão chinesa a Taiwan. O presidente chinês, Xi Jinping, afirmou que unificar Taiwan com a China continental “deve ser alcançado”. Seu regime de Partido Comunista se tornou suficientemente forte — militarmente, economicamente e e industrialmente — para tomar Taiwan e desafiar diretamente os Estados Unidos por supremacia regional.

Os americanos têm interesses estratégicos vitais em jogo. Uma invasão chinesa bem-sucedida abriria um buraco na cadeia de defesas dos EUA e seus aliados na região, minando seriamente a posição estratégica americana no Pacífico Ocidental e provavelmente cortaria o acesso dos EUA aos melhores semicondutores do mundo e outros componentes críticos fabricados em Taiwan. Como presidente, Joe Biden declarou repetidamente que defenderia Taiwan.

Um tripulante da Marinha dos EUA a bordo de uma aeronave de vigilância observa o que seria uma construção chinesa nas disputadas Ilhas Spratly Foto: U.S. Navy/Reuters - 21/5/2015

Mas líderes em Washington também precisam evitar imprudências que levem a uma guerra com a China, porque esse conflito seria diferente de tudo o que os americanos já enfrentaram. Os cidadãos dos EUA se acostumaram a mandar seus militares travar guerras no exterior, bem longe de casa. Mas a China é um tipo diferente de inimigo: uma potência militar, econômica e tecnológica capaz de fazer a guerra ser sentida dentro dos EUA.

Como analista de estratégia e planejador de defesa, incluindo no Departamento da Defesa da Austrália, passei décadas estudando como as guerras podem começar e como elas se desdobrariam, assim como as operações militares e não militares que a China está preparada para conduzir. Estou convencido de que os desafios diante dos EUA são sérios, e seus cidadãos precisam se informar melhor a respeito deles.

O cenário militar, sozinho, é assustador: a China provavelmente lançaria um ataque relâmpago — aéreo, naval e cibernético — para tomar controle de alvos estratégicos dentro de Taiwan em questão de horas, antes de os EUA e seus aliados serem capazes de intervir. Taiwan é pouco maior que o Estado de Maryland; se nos lembramos de quão rapidamente o Afeganistão e Cabul caíram para o Taleban, em 2021, nós começamos a perceber que a tomada de Taiwan poderia ocorrer com relativa rapidez.

A China também possui mais de 1.350 mísseis balísticos e de cruzeiro posicionados para atacar forças americanas e aliadas no Japão, na Coreia do Sul, nas Filipinas e em territórios controlados pelos EUA no Pacífico Ocidental. E há a dificuldade prática para os EUA de travar uma guerra a milhares de quilômetros através do Pacífico contra um adversário que possui a maior Marinha do mundo e a maior Força Aérea na Ásia.

Apesar disso, os estrategistas militares dos EUA prefeririam travar uma guerra convencional. Mas os chineses estão preparados para travar um tipo muito mais amplo de guerra, que atingiria profundamente a sociedade americana.

Ao longo da década passada, a China considerou os EUA um país cada vez mais mergulhado em crises políticas e sociais. Xi, que gosta de afirmar que “o Oriente está crescendo enquanto o Ocidente está em declínio”, sente claramente que a maior fraqueza dos EUA é no front doméstico. E eu acredito que ele está pronto para explorar isso por meio de uma campanha em múltiplas frentes para dividir os americanos e minar e exaurir sua determinação em um conflito prolongado — o que os militares chineses chamam de “desintegração do inimigo”.

Guerra cibernética

Ao longo das duas décadas passadas, a China construiu uma capacidade de guerra cibernética projetada para penetrar, manipular e perturbar os EUA e governos aliados, organizações de imprensa, empresas e sociedade civil. Se a guerra irromper, pode-se esperar que a China use isso para prejudicar comunicações e espalhar fake news e outros tipos de desinformação. O objetivo seria fomentar confusão, discórdia e desconfiança com objetivo de dificultar tomadas de decisão. A China poderia somar a isso ataques eletrônicos e físicos contra satélites e infraestruturas relacionadas.

Essas operações seriam muito provavelmente acompanhadas de ofensivas cibernéticas para perturbar fornecimentos de eletricidade, gás, água, transporte, assistência médica e outros serviços públicos. A China tem demonstrado suas capacidades — incluindo em Taiwan, onde empreendeu campanhas de desinformação, e em incidentes graves envolvendo hackers dentro dos EUA. Xi tem defendido esse subterfúgio definindo-o como uma arma mágica”.

A China também poderia transformar em arma seu domínio sobre cadeias de fornecimento e frete. O impacto sobre os americanos seria profundo.

Dependência americana

A economia dos EUA é altamente dependente de recursos da China e mercadorias manufaturadas no país, incluindo muitas com aplicações militares, e os consumidores americanos contam com as importações chinesas moderadamente caras para tudo, de eletrônicos, a móveis e sapatos. O grosso dessas mercadorias é transportado para o exterior a bordo de navios que transitam por vias marítimas cada vez mais controladas por interesses comerciais em última instância subordinados ao Estado-partido chinês. Uma guerra impediria esse comércio (assim como as exportações americanas e dos países aliados para a China).

O fornecimento americano de vários produtos poderia logo escassear, paralisando uma vasta gama de empresas. Levaria meses para restabelecer o comércio, e racionamentos emergenciais de alguns itens seriam necessários. Inflação e desemprego aumentariam, especialmente no período em que a economia receber novo propósito para o esforço de guerra — que poderia incluir alguns fabricantes de automóveis mudando sua produção para aeronaves ou empresas de processamento de alimentos convertendo-se em fábricas de medicamentos prioritários. Mercados de ações nos EUA e em outros países poderiam fechar temporariamente por causa das enormes incertezas econômicas.

Os EUA poderiam ser forçados a aceitar a chocante percepção de que a força industrial essencial em vitórias como a 2.ª Guerra — o conceito do ex-presidente Franklin Roosevelt dos EUA como “o arsenal da democracia” — murchou e foi superado pela China.

Membros da tripulação sinalizam para um caça F/A-18E Super Hornet se preparando para decolar para um voo de rotina a bordo do porta-aviões americano USS Nimitz no Mar da China Meridional Foto: Joseph Campbell/Reuters - 27/1/2023

A China é atualmente a potência global dominante segundo muitas medidas. Em 2004, a produção manufatureira dos EUA era mais de duas vezes maior que chinesa; em 2021, a produção da China equivaleu ao dobro da americana. A China produz mais navios, aço e smartphones do que qualquer outro país e é líder mundial na produção de elementos químicos, metais, equipamentos pesados para a indústria e eletrônicos — fatores básicos na construção de uma economia militar-industrial.

Crucialmente, os EUA não são mais capazes de superar a China na produção de armas avançadas e outros elementos necessários à guerra, o que o atual conflito na Ucrânia deixou claro. O fornecimento de equipamentos militares para Kiev consumiu os estoques americanos de alguns importantes sistemas militares. Reconstruí-los poderia levar anos. Ainda assim, a escala da guerra na Ucrânia é relativamente pequena em comparação com as prováveis demandas de uma grande guerra no Indo-Pacífico.

Então, o que precisa ser feito?

No front militar, os EUA deveriam acelerar programas já em andamento para fortalecer as posições americanas no Pacífico Ocidental e dispersar suas forças pela região, para torná-las menos vulneráveis a ataques da China. Dentro do EUA, um esforço concertado deve ser empreendido para encontrar maneiras de proteger melhor os meios de comunicação e as redes sociais dos EUA contra desinformação chinesa. Cadeias de fornecimento de itens e serviços críticos precisam ser reconfiguradas para mudar as fábricas para os EUA ou nações aliadas, e os americanos devem perseguir um impulso estratégico mais duradouro para restabelecer sua dominância na manufatura global.

Construir melhor dissuasão solucionando essas fraquezas é a melhor maneira de evitar a guerra. Mas isso levará tempo. Até lá, é importante para Washington evitar provocações e manter um discurso civil com Pequim.

O balão de grande altitude que atravessou os céus dos EUA este mês foi visto por muitos americanos como uma violação estarrecedora da China à soberania americana. Isso poderia virar brincadeira de criança em comparação ao caos que a China seria capaz de provocar dentro dos EUA em uma guerra. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Uma grande guerra no Indo-Pacífico é possivelmente mais provável agora do que em qualquer outro momento desde a 2.ª Guerra.

A centelha mais provável é uma invasão chinesa a Taiwan. O presidente chinês, Xi Jinping, afirmou que unificar Taiwan com a China continental “deve ser alcançado”. Seu regime de Partido Comunista se tornou suficientemente forte — militarmente, economicamente e e industrialmente — para tomar Taiwan e desafiar diretamente os Estados Unidos por supremacia regional.

Os americanos têm interesses estratégicos vitais em jogo. Uma invasão chinesa bem-sucedida abriria um buraco na cadeia de defesas dos EUA e seus aliados na região, minando seriamente a posição estratégica americana no Pacífico Ocidental e provavelmente cortaria o acesso dos EUA aos melhores semicondutores do mundo e outros componentes críticos fabricados em Taiwan. Como presidente, Joe Biden declarou repetidamente que defenderia Taiwan.

Um tripulante da Marinha dos EUA a bordo de uma aeronave de vigilância observa o que seria uma construção chinesa nas disputadas Ilhas Spratly Foto: U.S. Navy/Reuters - 21/5/2015

Mas líderes em Washington também precisam evitar imprudências que levem a uma guerra com a China, porque esse conflito seria diferente de tudo o que os americanos já enfrentaram. Os cidadãos dos EUA se acostumaram a mandar seus militares travar guerras no exterior, bem longe de casa. Mas a China é um tipo diferente de inimigo: uma potência militar, econômica e tecnológica capaz de fazer a guerra ser sentida dentro dos EUA.

Como analista de estratégia e planejador de defesa, incluindo no Departamento da Defesa da Austrália, passei décadas estudando como as guerras podem começar e como elas se desdobrariam, assim como as operações militares e não militares que a China está preparada para conduzir. Estou convencido de que os desafios diante dos EUA são sérios, e seus cidadãos precisam se informar melhor a respeito deles.

O cenário militar, sozinho, é assustador: a China provavelmente lançaria um ataque relâmpago — aéreo, naval e cibernético — para tomar controle de alvos estratégicos dentro de Taiwan em questão de horas, antes de os EUA e seus aliados serem capazes de intervir. Taiwan é pouco maior que o Estado de Maryland; se nos lembramos de quão rapidamente o Afeganistão e Cabul caíram para o Taleban, em 2021, nós começamos a perceber que a tomada de Taiwan poderia ocorrer com relativa rapidez.

A China também possui mais de 1.350 mísseis balísticos e de cruzeiro posicionados para atacar forças americanas e aliadas no Japão, na Coreia do Sul, nas Filipinas e em territórios controlados pelos EUA no Pacífico Ocidental. E há a dificuldade prática para os EUA de travar uma guerra a milhares de quilômetros através do Pacífico contra um adversário que possui a maior Marinha do mundo e a maior Força Aérea na Ásia.

Apesar disso, os estrategistas militares dos EUA prefeririam travar uma guerra convencional. Mas os chineses estão preparados para travar um tipo muito mais amplo de guerra, que atingiria profundamente a sociedade americana.

Ao longo da década passada, a China considerou os EUA um país cada vez mais mergulhado em crises políticas e sociais. Xi, que gosta de afirmar que “o Oriente está crescendo enquanto o Ocidente está em declínio”, sente claramente que a maior fraqueza dos EUA é no front doméstico. E eu acredito que ele está pronto para explorar isso por meio de uma campanha em múltiplas frentes para dividir os americanos e minar e exaurir sua determinação em um conflito prolongado — o que os militares chineses chamam de “desintegração do inimigo”.

Guerra cibernética

Ao longo das duas décadas passadas, a China construiu uma capacidade de guerra cibernética projetada para penetrar, manipular e perturbar os EUA e governos aliados, organizações de imprensa, empresas e sociedade civil. Se a guerra irromper, pode-se esperar que a China use isso para prejudicar comunicações e espalhar fake news e outros tipos de desinformação. O objetivo seria fomentar confusão, discórdia e desconfiança com objetivo de dificultar tomadas de decisão. A China poderia somar a isso ataques eletrônicos e físicos contra satélites e infraestruturas relacionadas.

Essas operações seriam muito provavelmente acompanhadas de ofensivas cibernéticas para perturbar fornecimentos de eletricidade, gás, água, transporte, assistência médica e outros serviços públicos. A China tem demonstrado suas capacidades — incluindo em Taiwan, onde empreendeu campanhas de desinformação, e em incidentes graves envolvendo hackers dentro dos EUA. Xi tem defendido esse subterfúgio definindo-o como uma arma mágica”.

A China também poderia transformar em arma seu domínio sobre cadeias de fornecimento e frete. O impacto sobre os americanos seria profundo.

Dependência americana

A economia dos EUA é altamente dependente de recursos da China e mercadorias manufaturadas no país, incluindo muitas com aplicações militares, e os consumidores americanos contam com as importações chinesas moderadamente caras para tudo, de eletrônicos, a móveis e sapatos. O grosso dessas mercadorias é transportado para o exterior a bordo de navios que transitam por vias marítimas cada vez mais controladas por interesses comerciais em última instância subordinados ao Estado-partido chinês. Uma guerra impediria esse comércio (assim como as exportações americanas e dos países aliados para a China).

O fornecimento americano de vários produtos poderia logo escassear, paralisando uma vasta gama de empresas. Levaria meses para restabelecer o comércio, e racionamentos emergenciais de alguns itens seriam necessários. Inflação e desemprego aumentariam, especialmente no período em que a economia receber novo propósito para o esforço de guerra — que poderia incluir alguns fabricantes de automóveis mudando sua produção para aeronaves ou empresas de processamento de alimentos convertendo-se em fábricas de medicamentos prioritários. Mercados de ações nos EUA e em outros países poderiam fechar temporariamente por causa das enormes incertezas econômicas.

Os EUA poderiam ser forçados a aceitar a chocante percepção de que a força industrial essencial em vitórias como a 2.ª Guerra — o conceito do ex-presidente Franklin Roosevelt dos EUA como “o arsenal da democracia” — murchou e foi superado pela China.

Membros da tripulação sinalizam para um caça F/A-18E Super Hornet se preparando para decolar para um voo de rotina a bordo do porta-aviões americano USS Nimitz no Mar da China Meridional Foto: Joseph Campbell/Reuters - 27/1/2023

A China é atualmente a potência global dominante segundo muitas medidas. Em 2004, a produção manufatureira dos EUA era mais de duas vezes maior que chinesa; em 2021, a produção da China equivaleu ao dobro da americana. A China produz mais navios, aço e smartphones do que qualquer outro país e é líder mundial na produção de elementos químicos, metais, equipamentos pesados para a indústria e eletrônicos — fatores básicos na construção de uma economia militar-industrial.

Crucialmente, os EUA não são mais capazes de superar a China na produção de armas avançadas e outros elementos necessários à guerra, o que o atual conflito na Ucrânia deixou claro. O fornecimento de equipamentos militares para Kiev consumiu os estoques americanos de alguns importantes sistemas militares. Reconstruí-los poderia levar anos. Ainda assim, a escala da guerra na Ucrânia é relativamente pequena em comparação com as prováveis demandas de uma grande guerra no Indo-Pacífico.

Então, o que precisa ser feito?

No front militar, os EUA deveriam acelerar programas já em andamento para fortalecer as posições americanas no Pacífico Ocidental e dispersar suas forças pela região, para torná-las menos vulneráveis a ataques da China. Dentro do EUA, um esforço concertado deve ser empreendido para encontrar maneiras de proteger melhor os meios de comunicação e as redes sociais dos EUA contra desinformação chinesa. Cadeias de fornecimento de itens e serviços críticos precisam ser reconfiguradas para mudar as fábricas para os EUA ou nações aliadas, e os americanos devem perseguir um impulso estratégico mais duradouro para restabelecer sua dominância na manufatura global.

Construir melhor dissuasão solucionando essas fraquezas é a melhor maneira de evitar a guerra. Mas isso levará tempo. Até lá, é importante para Washington evitar provocações e manter um discurso civil com Pequim.

O balão de grande altitude que atravessou os céus dos EUA este mês foi visto por muitos americanos como uma violação estarrecedora da China à soberania americana. Isso poderia virar brincadeira de criança em comparação ao caos que a China seria capaz de provocar dentro dos EUA em uma guerra. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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