Uma Rússia incontrolável ameaça o mundo inteiro, não apenas Kiev


País tem de mostrar que o inimigo é Vladimir Putin, não os 143 milhões de russos comuns

Por The Economist

Como o czar que ele toma de modelo, Vladimir Putin está prestes a ser ungido líder da Rússia por mais seis anos. A eleição que ele vencerá em 17 de março será uma fraude. Mas ainda assim deve servir como alerta para o Ocidente. Ao contrário de colapsar, o regime russo tem se provado resiliente. E as ambições de Putin representam uma ameaça a longo prazo que vai muito além da Ucrânia. Putin pode disseminar mais discórdia na África e no Oriente Médio, vilipendiar a ONU e levar armas nucleares ao espaço. O Ocidente precisa de uma estratégia a longo prazo para lidar com uma Rússia incontrolável muito mais ampla que meramente ajudar a Ucrânia. Neste momento, essa estratégia não existe. O Ocidente também precisa mostrar que seu inimigo é Putin, não os 143 milhões de russos.

Muitos no Ocidente esperaram que as sanções ocidentais e os equívocos de Putin na Ucrânia, incluindo o sacrifício sem sentido de legiões de jovens russos, poderiam desgraçar seu regime. Mas ele sobreviveu. Conforme mostra esta semana nosso estudo a respeito da vida em Vladivostok, essa resiliência tem várias fundações. A economia russa foi remodelada. Exportações de petróleo contornam sanções e são enviadas para o Sul Global. Marcas ocidentais, da BMW à H&M, foram substituídas por alternativas chinesas e locais. Nos livros escolares e nos meios de comunicação, uma sedutora narrativa de nacionalismo russo e vitimização vem sendo promulgada. A dissidência interna foi esganada. O rival político de Putin mais carismático, Alexei Navalni, foi assassinado no gulag em fevereiro. E até aqui o Kremlin não teve nenhuma dificuldade em controlar as corajosas multidões que choram sua morte.

Com o tempo o regime encarará novas vulnerabilidades. Os efeitos cumulativos de ser apartado das tecnologias ocidentais prejudicarão a produtividade: pensem no desgaste dos aviões Boeing ou em ter que depender de softwares pirateados. A militarização da economia prejudicará padrões de vida. A população vai encolher em cerca de um décimo nas próximas duas décadas. E conforme Putin, de 71 anos, envelhecer, uma luta por sucessão se aproximará. Sempre é difícil prever quando um tirano cairá. Mas uma previsão prudente é que Putin permanecerá anos no poder.

continua após a publicidade
Vladimir Putin em entrevista coletiva às vésperas da invasão da Ucrânia. Foto: Sergey Guneyev/ Sputnik, Kremlin Pool via AP

Durante a Guerra Fria, a União Soviética foi uma ameaça militar e ideológica para o mundo livre. O Ocidente a conteve com sucesso e, depois que o regime soviético colapsou, a Rússia democrática e suas reformas capitalistas foram bem recebidas pelos governos ocidentais. Putin, que assumiu o poder em 1999, fez a democracia russa recuar, lentamente no início mas com mais rapidez após russos jovens e urbanos protagonizarem manifestações massivas na década de 2010. Ele culpa o Ocidente pelos desafios ao seu governo e busca salvaguardar seu regime tentando extirpar a influência ocidental e unindo o povo russo numa luta contra uma caricatura dos Estados Unidos e da Otan. Hoje a Rússia tem uma economia apenas mediana e nenhuma ideologia coerente para exportar. Ainda assim, representa uma ameaça global. O perigo imediato é a Ucrânia ser derrotada e, depois disso, a Rússia atacar vizinhos como Moldávia e os países bálticos; mas não é aí que as ambições de Putin terminam.

Considerem armas novas ou não convencionais. Relata-se que a Rússia está fazendo experimentos para colocar ogivas nucleares no espaço. Seus drones e guerreiros cibernéticos a permitem projetar força para além de suas fronteiras. Sua indústria de desinformação dissemina mentiras e confusão. Essa combinação maligna desestabilizou países no Sahel e fortaleceu déspotas na Síria e na África Central. A Rússia poderia também influenciar algumas das tantas eleições que o mundo testemunhará este ano. Muitos no Sul Global acreditam na falsa narrativa de que Putin está salvando a Ucrânia de nazistas, a Otan é a verdadeira agressora e que o Ocidente busca impingir suas decadentes normas sociais sobre todos os demais.

continua após a publicidade

A capacidade russa de estorvar as instituições globais estabelecidas após 1945, principalmente o Conselho de Segurança da ONU, não deve ser subestimada. A Rússia tornou-se um inimigo niilista e imprevisível da ordem mundial liberal, dedicada a perturbar e sabotar. É como uma Coreia do Norte ou um Irã sob efeito de esteroides e armada com milhares de ogivas nucleares.

O que o Ocidente deve fazer? Os EUA e a Europa apostaram em duas estratégias: defender a Ucrânia e aplicar sanções. Armar e financiar os defensores da Ucrânia continua a maneira de melhor custo-benefício para conter a agressão russa, mas a determinação do Ocidente em seguir nesse intento titubeia escandalosamente.

continua após a publicidade

As sanções, enquanto isso, têm sido menos eficazes que o esperado. E podem ser contraproducentes, além de uma desculpa para evitar escolhas difíceis. Mais de 80% do mundo segundo a população e 40% segundo o PIB aplicam as sanções, o que permite à Rússia fazer negócios livremente e minar a percepção de legitimidade das restrições. O Ocidente tentar sanções secundárias para forçar o mundo a obedecer sairia pela culatra, levando alguns países a abandonar o sistema financeiro liderado pelos EUA. No longo prazo, o caminho mais plausível é o mais modesto: manter sanções direcionadas contra indivíduos ligados ao Kremlin e garantir que tecnologias avançadas, qu e ainda tendem a ser ocidentais, sejam caras ou impossíveis para a Rússia obter.

Isso significa que uma estratégia eficaz em relação à Rússia precisa colocar mais peso sobre outros dois pilares. O primeiro é um incremento militar para dissuadir outras agressões russas. Na Europa, a debilidade é gritante. Seu gasto anual em defesa é menor que 2% do PIB, e se Donald Trump reconquistar a Casa Branca o comprometimento dos EUA com a Otan deverá minguar. A Europa precisa gastar pelo menos 3% de seu PIB em defesa e se preparar para um Tio Sam mais isolacionista.

Luta de ideias

continua após a publicidade

O Ocidente também precisa acionar uma de suas armas mais poderosas: os valores liberais universais. Foram esses valores, assim como a trilogia original de Guerra nas Estrelas e os dólares americanos, que ajudaram a derrubar o regime soviético expondo a desumanidade de seu sistema totalitário. A diplomacia do Ocidente deve buscar se contrapor à desinformação da Rússia no Sul Global. Também precisa cuidar dos cidadãos russos, em vez de tratá-los como párias. Isso significa expor abusos de direitos humanos, apoiar dissidentes e abrir as portas para russos que desejem fugir de seu país. Significa apoiar as forças da modernização, promovendo o fluxo de notícias e informações reais para a Rússia. E significa garantir que haja exceções humanitárias às sanções, de kits médicos a materiais educativos. No curto prazo, há pouca chance de a elite russa ou os russos comuns expulsarem o regime de Putin. Mas no longo prazo a Rússia só deixará de ser uma nação incontrolável quando seu povo o quiser. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Como o czar que ele toma de modelo, Vladimir Putin está prestes a ser ungido líder da Rússia por mais seis anos. A eleição que ele vencerá em 17 de março será uma fraude. Mas ainda assim deve servir como alerta para o Ocidente. Ao contrário de colapsar, o regime russo tem se provado resiliente. E as ambições de Putin representam uma ameaça a longo prazo que vai muito além da Ucrânia. Putin pode disseminar mais discórdia na África e no Oriente Médio, vilipendiar a ONU e levar armas nucleares ao espaço. O Ocidente precisa de uma estratégia a longo prazo para lidar com uma Rússia incontrolável muito mais ampla que meramente ajudar a Ucrânia. Neste momento, essa estratégia não existe. O Ocidente também precisa mostrar que seu inimigo é Putin, não os 143 milhões de russos.

Muitos no Ocidente esperaram que as sanções ocidentais e os equívocos de Putin na Ucrânia, incluindo o sacrifício sem sentido de legiões de jovens russos, poderiam desgraçar seu regime. Mas ele sobreviveu. Conforme mostra esta semana nosso estudo a respeito da vida em Vladivostok, essa resiliência tem várias fundações. A economia russa foi remodelada. Exportações de petróleo contornam sanções e são enviadas para o Sul Global. Marcas ocidentais, da BMW à H&M, foram substituídas por alternativas chinesas e locais. Nos livros escolares e nos meios de comunicação, uma sedutora narrativa de nacionalismo russo e vitimização vem sendo promulgada. A dissidência interna foi esganada. O rival político de Putin mais carismático, Alexei Navalni, foi assassinado no gulag em fevereiro. E até aqui o Kremlin não teve nenhuma dificuldade em controlar as corajosas multidões que choram sua morte.

Com o tempo o regime encarará novas vulnerabilidades. Os efeitos cumulativos de ser apartado das tecnologias ocidentais prejudicarão a produtividade: pensem no desgaste dos aviões Boeing ou em ter que depender de softwares pirateados. A militarização da economia prejudicará padrões de vida. A população vai encolher em cerca de um décimo nas próximas duas décadas. E conforme Putin, de 71 anos, envelhecer, uma luta por sucessão se aproximará. Sempre é difícil prever quando um tirano cairá. Mas uma previsão prudente é que Putin permanecerá anos no poder.

Vladimir Putin em entrevista coletiva às vésperas da invasão da Ucrânia. Foto: Sergey Guneyev/ Sputnik, Kremlin Pool via AP

Durante a Guerra Fria, a União Soviética foi uma ameaça militar e ideológica para o mundo livre. O Ocidente a conteve com sucesso e, depois que o regime soviético colapsou, a Rússia democrática e suas reformas capitalistas foram bem recebidas pelos governos ocidentais. Putin, que assumiu o poder em 1999, fez a democracia russa recuar, lentamente no início mas com mais rapidez após russos jovens e urbanos protagonizarem manifestações massivas na década de 2010. Ele culpa o Ocidente pelos desafios ao seu governo e busca salvaguardar seu regime tentando extirpar a influência ocidental e unindo o povo russo numa luta contra uma caricatura dos Estados Unidos e da Otan. Hoje a Rússia tem uma economia apenas mediana e nenhuma ideologia coerente para exportar. Ainda assim, representa uma ameaça global. O perigo imediato é a Ucrânia ser derrotada e, depois disso, a Rússia atacar vizinhos como Moldávia e os países bálticos; mas não é aí que as ambições de Putin terminam.

Considerem armas novas ou não convencionais. Relata-se que a Rússia está fazendo experimentos para colocar ogivas nucleares no espaço. Seus drones e guerreiros cibernéticos a permitem projetar força para além de suas fronteiras. Sua indústria de desinformação dissemina mentiras e confusão. Essa combinação maligna desestabilizou países no Sahel e fortaleceu déspotas na Síria e na África Central. A Rússia poderia também influenciar algumas das tantas eleições que o mundo testemunhará este ano. Muitos no Sul Global acreditam na falsa narrativa de que Putin está salvando a Ucrânia de nazistas, a Otan é a verdadeira agressora e que o Ocidente busca impingir suas decadentes normas sociais sobre todos os demais.

A capacidade russa de estorvar as instituições globais estabelecidas após 1945, principalmente o Conselho de Segurança da ONU, não deve ser subestimada. A Rússia tornou-se um inimigo niilista e imprevisível da ordem mundial liberal, dedicada a perturbar e sabotar. É como uma Coreia do Norte ou um Irã sob efeito de esteroides e armada com milhares de ogivas nucleares.

O que o Ocidente deve fazer? Os EUA e a Europa apostaram em duas estratégias: defender a Ucrânia e aplicar sanções. Armar e financiar os defensores da Ucrânia continua a maneira de melhor custo-benefício para conter a agressão russa, mas a determinação do Ocidente em seguir nesse intento titubeia escandalosamente.

As sanções, enquanto isso, têm sido menos eficazes que o esperado. E podem ser contraproducentes, além de uma desculpa para evitar escolhas difíceis. Mais de 80% do mundo segundo a população e 40% segundo o PIB aplicam as sanções, o que permite à Rússia fazer negócios livremente e minar a percepção de legitimidade das restrições. O Ocidente tentar sanções secundárias para forçar o mundo a obedecer sairia pela culatra, levando alguns países a abandonar o sistema financeiro liderado pelos EUA. No longo prazo, o caminho mais plausível é o mais modesto: manter sanções direcionadas contra indivíduos ligados ao Kremlin e garantir que tecnologias avançadas, qu e ainda tendem a ser ocidentais, sejam caras ou impossíveis para a Rússia obter.

Isso significa que uma estratégia eficaz em relação à Rússia precisa colocar mais peso sobre outros dois pilares. O primeiro é um incremento militar para dissuadir outras agressões russas. Na Europa, a debilidade é gritante. Seu gasto anual em defesa é menor que 2% do PIB, e se Donald Trump reconquistar a Casa Branca o comprometimento dos EUA com a Otan deverá minguar. A Europa precisa gastar pelo menos 3% de seu PIB em defesa e se preparar para um Tio Sam mais isolacionista.

Luta de ideias

O Ocidente também precisa acionar uma de suas armas mais poderosas: os valores liberais universais. Foram esses valores, assim como a trilogia original de Guerra nas Estrelas e os dólares americanos, que ajudaram a derrubar o regime soviético expondo a desumanidade de seu sistema totalitário. A diplomacia do Ocidente deve buscar se contrapor à desinformação da Rússia no Sul Global. Também precisa cuidar dos cidadãos russos, em vez de tratá-los como párias. Isso significa expor abusos de direitos humanos, apoiar dissidentes e abrir as portas para russos que desejem fugir de seu país. Significa apoiar as forças da modernização, promovendo o fluxo de notícias e informações reais para a Rússia. E significa garantir que haja exceções humanitárias às sanções, de kits médicos a materiais educativos. No curto prazo, há pouca chance de a elite russa ou os russos comuns expulsarem o regime de Putin. Mas no longo prazo a Rússia só deixará de ser uma nação incontrolável quando seu povo o quiser. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Como o czar que ele toma de modelo, Vladimir Putin está prestes a ser ungido líder da Rússia por mais seis anos. A eleição que ele vencerá em 17 de março será uma fraude. Mas ainda assim deve servir como alerta para o Ocidente. Ao contrário de colapsar, o regime russo tem se provado resiliente. E as ambições de Putin representam uma ameaça a longo prazo que vai muito além da Ucrânia. Putin pode disseminar mais discórdia na África e no Oriente Médio, vilipendiar a ONU e levar armas nucleares ao espaço. O Ocidente precisa de uma estratégia a longo prazo para lidar com uma Rússia incontrolável muito mais ampla que meramente ajudar a Ucrânia. Neste momento, essa estratégia não existe. O Ocidente também precisa mostrar que seu inimigo é Putin, não os 143 milhões de russos.

Muitos no Ocidente esperaram que as sanções ocidentais e os equívocos de Putin na Ucrânia, incluindo o sacrifício sem sentido de legiões de jovens russos, poderiam desgraçar seu regime. Mas ele sobreviveu. Conforme mostra esta semana nosso estudo a respeito da vida em Vladivostok, essa resiliência tem várias fundações. A economia russa foi remodelada. Exportações de petróleo contornam sanções e são enviadas para o Sul Global. Marcas ocidentais, da BMW à H&M, foram substituídas por alternativas chinesas e locais. Nos livros escolares e nos meios de comunicação, uma sedutora narrativa de nacionalismo russo e vitimização vem sendo promulgada. A dissidência interna foi esganada. O rival político de Putin mais carismático, Alexei Navalni, foi assassinado no gulag em fevereiro. E até aqui o Kremlin não teve nenhuma dificuldade em controlar as corajosas multidões que choram sua morte.

Com o tempo o regime encarará novas vulnerabilidades. Os efeitos cumulativos de ser apartado das tecnologias ocidentais prejudicarão a produtividade: pensem no desgaste dos aviões Boeing ou em ter que depender de softwares pirateados. A militarização da economia prejudicará padrões de vida. A população vai encolher em cerca de um décimo nas próximas duas décadas. E conforme Putin, de 71 anos, envelhecer, uma luta por sucessão se aproximará. Sempre é difícil prever quando um tirano cairá. Mas uma previsão prudente é que Putin permanecerá anos no poder.

Vladimir Putin em entrevista coletiva às vésperas da invasão da Ucrânia. Foto: Sergey Guneyev/ Sputnik, Kremlin Pool via AP

Durante a Guerra Fria, a União Soviética foi uma ameaça militar e ideológica para o mundo livre. O Ocidente a conteve com sucesso e, depois que o regime soviético colapsou, a Rússia democrática e suas reformas capitalistas foram bem recebidas pelos governos ocidentais. Putin, que assumiu o poder em 1999, fez a democracia russa recuar, lentamente no início mas com mais rapidez após russos jovens e urbanos protagonizarem manifestações massivas na década de 2010. Ele culpa o Ocidente pelos desafios ao seu governo e busca salvaguardar seu regime tentando extirpar a influência ocidental e unindo o povo russo numa luta contra uma caricatura dos Estados Unidos e da Otan. Hoje a Rússia tem uma economia apenas mediana e nenhuma ideologia coerente para exportar. Ainda assim, representa uma ameaça global. O perigo imediato é a Ucrânia ser derrotada e, depois disso, a Rússia atacar vizinhos como Moldávia e os países bálticos; mas não é aí que as ambições de Putin terminam.

Considerem armas novas ou não convencionais. Relata-se que a Rússia está fazendo experimentos para colocar ogivas nucleares no espaço. Seus drones e guerreiros cibernéticos a permitem projetar força para além de suas fronteiras. Sua indústria de desinformação dissemina mentiras e confusão. Essa combinação maligna desestabilizou países no Sahel e fortaleceu déspotas na Síria e na África Central. A Rússia poderia também influenciar algumas das tantas eleições que o mundo testemunhará este ano. Muitos no Sul Global acreditam na falsa narrativa de que Putin está salvando a Ucrânia de nazistas, a Otan é a verdadeira agressora e que o Ocidente busca impingir suas decadentes normas sociais sobre todos os demais.

A capacidade russa de estorvar as instituições globais estabelecidas após 1945, principalmente o Conselho de Segurança da ONU, não deve ser subestimada. A Rússia tornou-se um inimigo niilista e imprevisível da ordem mundial liberal, dedicada a perturbar e sabotar. É como uma Coreia do Norte ou um Irã sob efeito de esteroides e armada com milhares de ogivas nucleares.

O que o Ocidente deve fazer? Os EUA e a Europa apostaram em duas estratégias: defender a Ucrânia e aplicar sanções. Armar e financiar os defensores da Ucrânia continua a maneira de melhor custo-benefício para conter a agressão russa, mas a determinação do Ocidente em seguir nesse intento titubeia escandalosamente.

As sanções, enquanto isso, têm sido menos eficazes que o esperado. E podem ser contraproducentes, além de uma desculpa para evitar escolhas difíceis. Mais de 80% do mundo segundo a população e 40% segundo o PIB aplicam as sanções, o que permite à Rússia fazer negócios livremente e minar a percepção de legitimidade das restrições. O Ocidente tentar sanções secundárias para forçar o mundo a obedecer sairia pela culatra, levando alguns países a abandonar o sistema financeiro liderado pelos EUA. No longo prazo, o caminho mais plausível é o mais modesto: manter sanções direcionadas contra indivíduos ligados ao Kremlin e garantir que tecnologias avançadas, qu e ainda tendem a ser ocidentais, sejam caras ou impossíveis para a Rússia obter.

Isso significa que uma estratégia eficaz em relação à Rússia precisa colocar mais peso sobre outros dois pilares. O primeiro é um incremento militar para dissuadir outras agressões russas. Na Europa, a debilidade é gritante. Seu gasto anual em defesa é menor que 2% do PIB, e se Donald Trump reconquistar a Casa Branca o comprometimento dos EUA com a Otan deverá minguar. A Europa precisa gastar pelo menos 3% de seu PIB em defesa e se preparar para um Tio Sam mais isolacionista.

Luta de ideias

O Ocidente também precisa acionar uma de suas armas mais poderosas: os valores liberais universais. Foram esses valores, assim como a trilogia original de Guerra nas Estrelas e os dólares americanos, que ajudaram a derrubar o regime soviético expondo a desumanidade de seu sistema totalitário. A diplomacia do Ocidente deve buscar se contrapor à desinformação da Rússia no Sul Global. Também precisa cuidar dos cidadãos russos, em vez de tratá-los como párias. Isso significa expor abusos de direitos humanos, apoiar dissidentes e abrir as portas para russos que desejem fugir de seu país. Significa apoiar as forças da modernização, promovendo o fluxo de notícias e informações reais para a Rússia. E significa garantir que haja exceções humanitárias às sanções, de kits médicos a materiais educativos. No curto prazo, há pouca chance de a elite russa ou os russos comuns expulsarem o regime de Putin. Mas no longo prazo a Rússia só deixará de ser uma nação incontrolável quando seu povo o quiser. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Como o czar que ele toma de modelo, Vladimir Putin está prestes a ser ungido líder da Rússia por mais seis anos. A eleição que ele vencerá em 17 de março será uma fraude. Mas ainda assim deve servir como alerta para o Ocidente. Ao contrário de colapsar, o regime russo tem se provado resiliente. E as ambições de Putin representam uma ameaça a longo prazo que vai muito além da Ucrânia. Putin pode disseminar mais discórdia na África e no Oriente Médio, vilipendiar a ONU e levar armas nucleares ao espaço. O Ocidente precisa de uma estratégia a longo prazo para lidar com uma Rússia incontrolável muito mais ampla que meramente ajudar a Ucrânia. Neste momento, essa estratégia não existe. O Ocidente também precisa mostrar que seu inimigo é Putin, não os 143 milhões de russos.

Muitos no Ocidente esperaram que as sanções ocidentais e os equívocos de Putin na Ucrânia, incluindo o sacrifício sem sentido de legiões de jovens russos, poderiam desgraçar seu regime. Mas ele sobreviveu. Conforme mostra esta semana nosso estudo a respeito da vida em Vladivostok, essa resiliência tem várias fundações. A economia russa foi remodelada. Exportações de petróleo contornam sanções e são enviadas para o Sul Global. Marcas ocidentais, da BMW à H&M, foram substituídas por alternativas chinesas e locais. Nos livros escolares e nos meios de comunicação, uma sedutora narrativa de nacionalismo russo e vitimização vem sendo promulgada. A dissidência interna foi esganada. O rival político de Putin mais carismático, Alexei Navalni, foi assassinado no gulag em fevereiro. E até aqui o Kremlin não teve nenhuma dificuldade em controlar as corajosas multidões que choram sua morte.

Com o tempo o regime encarará novas vulnerabilidades. Os efeitos cumulativos de ser apartado das tecnologias ocidentais prejudicarão a produtividade: pensem no desgaste dos aviões Boeing ou em ter que depender de softwares pirateados. A militarização da economia prejudicará padrões de vida. A população vai encolher em cerca de um décimo nas próximas duas décadas. E conforme Putin, de 71 anos, envelhecer, uma luta por sucessão se aproximará. Sempre é difícil prever quando um tirano cairá. Mas uma previsão prudente é que Putin permanecerá anos no poder.

Vladimir Putin em entrevista coletiva às vésperas da invasão da Ucrânia. Foto: Sergey Guneyev/ Sputnik, Kremlin Pool via AP

Durante a Guerra Fria, a União Soviética foi uma ameaça militar e ideológica para o mundo livre. O Ocidente a conteve com sucesso e, depois que o regime soviético colapsou, a Rússia democrática e suas reformas capitalistas foram bem recebidas pelos governos ocidentais. Putin, que assumiu o poder em 1999, fez a democracia russa recuar, lentamente no início mas com mais rapidez após russos jovens e urbanos protagonizarem manifestações massivas na década de 2010. Ele culpa o Ocidente pelos desafios ao seu governo e busca salvaguardar seu regime tentando extirpar a influência ocidental e unindo o povo russo numa luta contra uma caricatura dos Estados Unidos e da Otan. Hoje a Rússia tem uma economia apenas mediana e nenhuma ideologia coerente para exportar. Ainda assim, representa uma ameaça global. O perigo imediato é a Ucrânia ser derrotada e, depois disso, a Rússia atacar vizinhos como Moldávia e os países bálticos; mas não é aí que as ambições de Putin terminam.

Considerem armas novas ou não convencionais. Relata-se que a Rússia está fazendo experimentos para colocar ogivas nucleares no espaço. Seus drones e guerreiros cibernéticos a permitem projetar força para além de suas fronteiras. Sua indústria de desinformação dissemina mentiras e confusão. Essa combinação maligna desestabilizou países no Sahel e fortaleceu déspotas na Síria e na África Central. A Rússia poderia também influenciar algumas das tantas eleições que o mundo testemunhará este ano. Muitos no Sul Global acreditam na falsa narrativa de que Putin está salvando a Ucrânia de nazistas, a Otan é a verdadeira agressora e que o Ocidente busca impingir suas decadentes normas sociais sobre todos os demais.

A capacidade russa de estorvar as instituições globais estabelecidas após 1945, principalmente o Conselho de Segurança da ONU, não deve ser subestimada. A Rússia tornou-se um inimigo niilista e imprevisível da ordem mundial liberal, dedicada a perturbar e sabotar. É como uma Coreia do Norte ou um Irã sob efeito de esteroides e armada com milhares de ogivas nucleares.

O que o Ocidente deve fazer? Os EUA e a Europa apostaram em duas estratégias: defender a Ucrânia e aplicar sanções. Armar e financiar os defensores da Ucrânia continua a maneira de melhor custo-benefício para conter a agressão russa, mas a determinação do Ocidente em seguir nesse intento titubeia escandalosamente.

As sanções, enquanto isso, têm sido menos eficazes que o esperado. E podem ser contraproducentes, além de uma desculpa para evitar escolhas difíceis. Mais de 80% do mundo segundo a população e 40% segundo o PIB aplicam as sanções, o que permite à Rússia fazer negócios livremente e minar a percepção de legitimidade das restrições. O Ocidente tentar sanções secundárias para forçar o mundo a obedecer sairia pela culatra, levando alguns países a abandonar o sistema financeiro liderado pelos EUA. No longo prazo, o caminho mais plausível é o mais modesto: manter sanções direcionadas contra indivíduos ligados ao Kremlin e garantir que tecnologias avançadas, qu e ainda tendem a ser ocidentais, sejam caras ou impossíveis para a Rússia obter.

Isso significa que uma estratégia eficaz em relação à Rússia precisa colocar mais peso sobre outros dois pilares. O primeiro é um incremento militar para dissuadir outras agressões russas. Na Europa, a debilidade é gritante. Seu gasto anual em defesa é menor que 2% do PIB, e se Donald Trump reconquistar a Casa Branca o comprometimento dos EUA com a Otan deverá minguar. A Europa precisa gastar pelo menos 3% de seu PIB em defesa e se preparar para um Tio Sam mais isolacionista.

Luta de ideias

O Ocidente também precisa acionar uma de suas armas mais poderosas: os valores liberais universais. Foram esses valores, assim como a trilogia original de Guerra nas Estrelas e os dólares americanos, que ajudaram a derrubar o regime soviético expondo a desumanidade de seu sistema totalitário. A diplomacia do Ocidente deve buscar se contrapor à desinformação da Rússia no Sul Global. Também precisa cuidar dos cidadãos russos, em vez de tratá-los como párias. Isso significa expor abusos de direitos humanos, apoiar dissidentes e abrir as portas para russos que desejem fugir de seu país. Significa apoiar as forças da modernização, promovendo o fluxo de notícias e informações reais para a Rússia. E significa garantir que haja exceções humanitárias às sanções, de kits médicos a materiais educativos. No curto prazo, há pouca chance de a elite russa ou os russos comuns expulsarem o regime de Putin. Mas no longo prazo a Rússia só deixará de ser uma nação incontrolável quando seu povo o quiser. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.