A última vez que algo remotamente similar à abertura de um processo criminal contra um ex-presidente americano ocorreu foi 150 anos atrás. Envolveu cavalos em alta velocidade e charretes, um vigoroso galopar próximo à Casa Branca e um violador contumaz das regras de trânsito. O apressadinho, no caso, era presidente dos Estados Unidos.
Ulysses S. Grant, que tinha bom olho para escolher cavalos impetuosos, assim como certa ânsia para testar seu vigor, foi preso em 1872 por circular em alta velocidade por uma via de Washington, onde ele conduzia uma charrete de dois lugares. Era a segunda vez em dois dias que a polícia parava o presidente; na primeira ocasião o policial decidiu lhe dar uma advertência.
Na terça-feira, Donald Trump se tornou a segunda pessoa que já ocupou a presidência dos Estados Unidos a ser colocada sob custódia pelas autoridades do país. Durante a audiência na qual se apresentou à Justiça para o recebimento da denúncia contra si, Trump foi brevemente detido e depois liberado após um acordo entre seus advogados e a promotoria de NY. Grant também foi liberado rapidamente, depois de pagar fiança.
O episódio do século 19 aparentemente não foi noticiado pela imprensa na época, mas veio à tona em 1908, quando o jornal The Sunday Star, de Washington, publicou uma entrevista do policial, já aposentado, que abordou o 18.º presidente dos EUA. O nome do ex-policial era William West, um homem negro que havia servido ao Exército da União durante a Guerra Civil Americana. O relato foi confirmado mais de 100 anos depois pelo Departamento de Polícia de Washington.
Ainda que ex-comandantes-chefes já tenham sido investigados — notavelmente, Richard Nixon e Bill Clinton — a prisão de Grant por sua travessura equestre é o que há de mais próximo na história à prisão de Trump.
Grant e vários amigos seus, com os quais ele aparentemente apostava uma corrida pelas ruas da capital americana, foram levados para uma delegacia de polícia. Eles tiveram de pagar uma fiança de US$ 20 cada — que foi descrita na reportagem como um “caução” e equivaleria atualmente a cerca de US$ 500.
O então presidente, que “lembrava um garoto de escola que havia sido pego em flagrante por seu professor”, encarou a prisão sem grandes protestos, de acordo com a reportagem. Ele até deu carona para o policial West em sua charrete até a delegacia onde sua prisão foi registrada.
No caminho, o policial e o presidente conversaram sobre a experiência de West na Guerra Civil. O ex-general “disse-lhe que ele não ficaria em apuros, absolutamente, por realizar a prisão, já que ele admirava um homem que cumpriu seu dever”, segundo a reportagem de 1908.
Nixon e o Watergate
Desde então, o mais próximo de uma prisão presidencial que vimos foi quando Nixon, afrontado por um possível indiciamento criminal, renunciou — e recebeu perdão incondicional de seu sucessor, Gerald Ford, em 1974. No discurso de 10 minutos em que anunciou o perdão, Ford explicou que um julgamento extenso poderia polarizar o povo americano e prejudicar a credibilidade do governo dentro e fora do país. Posteriormente revelou-se que ele escolheu oficializar o perdão em um domingo para exprimir que a compaixão estava acima da Justiça.
Apenas 11 meses antes, o primeiro vice de Nixon, Spiro Agnew, alegou nada ter a contestar a respeito de uma acusação de sonegação de imposto de renda e renunciou. O procurador-chefe na época afirmou haver um temor de que Agnew pudesse se tornar presidente. Uma alegação de nada a contestar evitaria um litígio prolongado e permitiria a Agnew evitar indiciamentos federais por algum esquema de propinas.
Um dos primeiros vice-presidentes do país também enfrentou acusações na Justiça. Depois de deixar a função, Aaron Burr foi julgado por traição, em 1807, e acabou absolvido por falta de provas.
Nos anos recentes, candidatos presidenciais foram submetidos a variados graus de escrutínio por possíveis crimes. Após suas mal sucedidas tentativas de chegar à presidência e à vice, o Departamento de Justiça acusou John Edwards, ex-senador da Carolina do Norte, de fraude em financiamento de campanha também em um escândalo de operação de silenciamento.
Em 2014, um júri de alçada estadual indiciou o então governador do Texas, Rick Perry, acusando-o de abuso de poder por ele ter ameaçado cortar o financiamento do Estado para uma promotora de Justiça democrata. Com o indiciamento ainda em andamento, ele anunciou que se candidataria à presidência em 2015, mas abandonou a disputa três meses depois, e as acusações acabaram indeferidas definitivamente.
O processo contra o ex-presidente Grant e os outros homens foi relatado à Corte Policial no dia seguinte à sua prisão. O juiz emitiu multas pesadas contra os amigos do presidente, apesar de seu protesto veemente em crítica à conduta do policial West. “Quando o nome do general Grant foi chamado, ninguém respondeu”, de acordo com o relato, “e seus US$ 20 foram confiscados”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL