Vazamento de segredo do Pentágono na Ucrânia é mais grave que de Snowden e WikiLeaks; leia análise


Embora em menor escala, validade imediata dessas informações preocupa funcionários do governo americano

Por David E. Sanger
Atualização:

WASHINGTON - Quando o WikiLeaks divulgou um imenso volume de comunicações do departamento de estado dos Estados Unidos 13 anos atrás, o mundo teve uma ideia do que fazem diariamente os diplomatas americanos — as cotoveladas, as dúvidas diante de aliados vacilantes e um vislumbre de como Washington estava se preparando para um eventual colapso da Coreia do Norte e as capacidades nucleares do Irã.

Quando Edward Snowden revelou os segredos da Agência de Segurança Nacional, três anos mais tarde, os americanos descobriram subitamente até que ponto a nova era digital tinha trazido consigo uma notável nova era de vigilância por parte da agência, permitindo a ela entrar na indústria chinesa das telecomunicações e nos servidores do Google no exterior para interceptar comunicações estrangeiras.

O conjunto de aproximadamente 100 diagramas apresentado dados operacionais da guerra da Ucrânia é distintamente diferente. Os dados revelados até o momento são menos abrangentes do que os dos vastos arquivos secretos já citados, mas sua relevância é muito mais oportuna. E é justamente a validade imediata dessas informações o que mais preocupa os funcionários da Casa Branca e do Pentágono.

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Parte do material mais delicado (mapas das defesas antiaéreas ucranianas e uma descrição detalhada dos planos sul-coreanos para entregar 330.000 munições à Ucrânia a tempo da sua ofensiva de primavera) é revelada em documentos que parecem ser de apenas 40 dias atrás.

O que torna as revelações particularmente nocivas é a natureza recente dos documentos “secretos” e “ultrassecretos”, e os indícios neles contidos de operações a serem realizadas no futuro, de acordo com funcionários do governo. No domingo, Sabrina Singh, porta-voz do Pentágono, disse que funcionários americanos notificaram as comissões do congresso a respeito do vazamento e encaminharam o caso ao departamento de Justiça, que iniciou uma investigação.

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Entrevista coletiva na sede do Pentágono sobre vazamento de documentos: preocupação no governo americano  Foto: Michael Reynolds/EFE

Envolvimento americano na guerra

As mais de 100 páginas de documentos e diagramas acabam com qualquer dúvida em relação ao envolvimento dos EUA no curso diário da guerra, oferecendo uma precisão na logística e nas informações que ajuda a explicar o sucesso da Ucrânia no conflito até o momento. Se o presidente Biden vetou que forças americanas disparem diretamente contra alvos russos, e impediu o envio de armas que poderiam alcançar o território russo, os documentos deixam claro que, passado um ano desde o início da invasão, os EUA estão profundamente envolvidos em praticamente todos os seus demais aspectos.

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As informações contidas nos documentos são detalhadas a ponto de indicar alvos. Revela a coordenação da longa esteira de logística que leva armas aos ucranianos. E, como deixa claro um documento de 22 de fevereiro, as autoridades americanas já estão se preparando para um ano em que a batalha pelo Donbas “provavelmente avançará para um impasse” que vai frustrar o objetivo de Vladimir Putin de capturar a região, e o objetivo da Ucrânia de expulsar os invasores.

Um funcionário do alto escalão da espionagem ocidental resumiu as revelações como “um pesadelo”. Dmitri Alperovitch, nascido na Rússia e presidente do Silverado Policy Accelerator, mais conhecido pelo seu trabalho pioneiro em segurança cibernética, disse no domingo temer que há “várias maneiras de causar estrago com base nessas informações”. De acordo com ele, isso inclui a possiblidade de a espionagem russa usar as páginas, divulgadas no Twitter e no Telegram, “para entender como estamos reunindo” informações a respeito dos planos do GRU, serviço de espionagem do exército da Rússia, e da movimentação de unidades militares.

Na verdade, os documentos divulgados até o momento são um breve retrato de como os EUA enxergam a guerra na Ucrânia. Muitas páginas parecem tiradas diretamente dos manuais de informações que circulam entre os membros do estado maior conjunto e, em alguns casos, de atualizações de casos do centro operacional da CIA. São uma combinação entre a ordem de batalha atual e projeções americanas de onde as defesas aéreas trazidas às pressas até a Ucrânia podem estar situadas no próximo mês, algo especialmente valioso para o planejamento militar russo.

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Soldados ucraniano embarcam para treinamento em Kiev: exposição de segredos mostrou colaboração entre americanos e ucranianos Foto: (Emile Ducke/The New York Times

Hackers no Canadá

Há também alguns alertas indicando como a Rússia poderia retaliar além da Ucrânia caso o conflito se arraste. Um documento da CIA particularmente preocupante faz referência a um grupo de hackers aliado à Rússia que teria invadido com sucesso a rede canadense de distribuição de gás e estaria “recebendo instruções de um suposto oficial do Serviço Federal de Segurança (F.S.B.) para conservar o acesso à rede canadense de infraestrutura de gás e aguardar novas instruções”. Por enquanto, nada indica que agentes russos tenham iniciado um ataque destrutivo, mas esse era o temor explicitado no documento.

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Como alertas desse tipo são extremamente delicados, muitos dos documentos “ultrassecretos” são restritos a autoridades americanas ou aos “cinco pares de olhos” — a aliança de agências de espionagem dos EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Esse grupo mantém um acordo informal que impede a espionagem mútua. Mas, claramente, isso não se aplica a outros aliados e parceiros dos americanos. Há evidências de que os EUA teriam invadido conversas internas do presidente Volodmir Zelensky e até dos aliados mais próximos do país, como a Coreia do Sul.

Em um documento que lembra bastante os vazamentos do WikiLeaks de 2010, um despacho baseado naquilo que é descrito delicadamente como “inteligência de sinais” descreve o debate interno em Seul a respeito de como lidar com a pressão americana pelo envio de mais auxílio letal à Ucrânia, o que violaria a prática do país de não enviar armamento diretamente para uma zona de guerra. O material informa que o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, temia a possibilidade de ser chamado por Biden a fazer maiores contribuições para os militares da Ucrânia.

Trata-se de um tema extremamente delicado entre as autoridades sul-coreanas. Em visita recente a Seul, antes do surgimento dos documentos vazados, funcionários do governo se esquivaram das perguntas de um repórter a respeito dos planos para o envio de munição de artilharia de 155 milímetros, produzida no país em grandes quantidades, para auxiliar o esforço de guerra. Um funcionário disse que a Coreia do Sul não quer violar suas próprias políticas, nem colocar em risco sua delicada relação com Moscou.

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Agora o mundo inteiro viu o “cronograma de entrega” do Pentágono prevendo um carregamento marítimo dessa munição, além de estimativas do custo dessa remessa (US$ 26 milhões).

Tanque em Bakhmut, durante combates entre russos e ucranianos: americanos tem assessorado militares  Foto: Tyler Hicks/NYT

Interesse público?

É claro que cada vazamento de documentos secretos traz o temor de um estrago duradouro, que às vezes é exagerado. Isso ocorreu em 2010, quando o New York Times começou a publicar uma série de reportagens chamada “Segredos de Estado”, detalhando e analisando documentos selecionados a partir do imenso volume de material levado por Chelsea Manning, que na época servia no exército no Iraque, e publicado por Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Pouco após a publicação de alguns artigos, a secretária de estado Hillary Clinton expressou o temor de todos se afastarem para sempre dos diplomatas americanos.

“Além de colocar em perigo indivíduos específicos, revelações desse tipo erodem o tecido da função adequada e um governo responsável”, disse ela aos repórteres nas instalações do departamento de estado. É claro que o contato com diplomatas americanos não cessou, mas muitas autoridades estrangeiras dizem que, ao manter contato com eles atualmente, tomam cuidado com o que dizem, temendo serem citados em documentos do departamento que podem vazar no futuro.

Quando Snowden divulgou um vasto volume de dados da Agência de Segurança Nacional, reunidos a partir de um software de US$ 100 que simplesmente reuniu as informações às quais ele tinha acesso em uma instalação no Havaí, houve temores semelhantes de estragos na coleta de espionagem. A agência passou anos alterando seus programas, a um custo de centenas de milhões de dólares, e as autoridades dizem que ainda estão acompanhando o estrago causado, mesmo dez anos depois. Em setembro, Putin concedeu a cidadania russa plena a Snowden, um funcionário de espionagem de baixo escalão; os EUA ainda tentam trazê-lo ao país para processá-lo.

Mas Manning e Snowden dizem que sua motivação foi revelar aquilo que consideraram transgressões por parte dos EUA. “Dessa vez, não parece ser uma questão ideológica”, disse Alperovitch. O surgimento de alguns dos documentos parece ter ocorrido em plataformas de games, talvez como forma de encerrar uma discussão online a respeito dos combates na Ucrânia.

“Pense nisso”, disse Alperovitch. “Uma discussão na internet que acaba virando um grande desastre para a espionagem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

WASHINGTON - Quando o WikiLeaks divulgou um imenso volume de comunicações do departamento de estado dos Estados Unidos 13 anos atrás, o mundo teve uma ideia do que fazem diariamente os diplomatas americanos — as cotoveladas, as dúvidas diante de aliados vacilantes e um vislumbre de como Washington estava se preparando para um eventual colapso da Coreia do Norte e as capacidades nucleares do Irã.

Quando Edward Snowden revelou os segredos da Agência de Segurança Nacional, três anos mais tarde, os americanos descobriram subitamente até que ponto a nova era digital tinha trazido consigo uma notável nova era de vigilância por parte da agência, permitindo a ela entrar na indústria chinesa das telecomunicações e nos servidores do Google no exterior para interceptar comunicações estrangeiras.

O conjunto de aproximadamente 100 diagramas apresentado dados operacionais da guerra da Ucrânia é distintamente diferente. Os dados revelados até o momento são menos abrangentes do que os dos vastos arquivos secretos já citados, mas sua relevância é muito mais oportuna. E é justamente a validade imediata dessas informações o que mais preocupa os funcionários da Casa Branca e do Pentágono.

Parte do material mais delicado (mapas das defesas antiaéreas ucranianas e uma descrição detalhada dos planos sul-coreanos para entregar 330.000 munições à Ucrânia a tempo da sua ofensiva de primavera) é revelada em documentos que parecem ser de apenas 40 dias atrás.

O que torna as revelações particularmente nocivas é a natureza recente dos documentos “secretos” e “ultrassecretos”, e os indícios neles contidos de operações a serem realizadas no futuro, de acordo com funcionários do governo. No domingo, Sabrina Singh, porta-voz do Pentágono, disse que funcionários americanos notificaram as comissões do congresso a respeito do vazamento e encaminharam o caso ao departamento de Justiça, que iniciou uma investigação.

Entrevista coletiva na sede do Pentágono sobre vazamento de documentos: preocupação no governo americano  Foto: Michael Reynolds/EFE

Envolvimento americano na guerra

As mais de 100 páginas de documentos e diagramas acabam com qualquer dúvida em relação ao envolvimento dos EUA no curso diário da guerra, oferecendo uma precisão na logística e nas informações que ajuda a explicar o sucesso da Ucrânia no conflito até o momento. Se o presidente Biden vetou que forças americanas disparem diretamente contra alvos russos, e impediu o envio de armas que poderiam alcançar o território russo, os documentos deixam claro que, passado um ano desde o início da invasão, os EUA estão profundamente envolvidos em praticamente todos os seus demais aspectos.

As informações contidas nos documentos são detalhadas a ponto de indicar alvos. Revela a coordenação da longa esteira de logística que leva armas aos ucranianos. E, como deixa claro um documento de 22 de fevereiro, as autoridades americanas já estão se preparando para um ano em que a batalha pelo Donbas “provavelmente avançará para um impasse” que vai frustrar o objetivo de Vladimir Putin de capturar a região, e o objetivo da Ucrânia de expulsar os invasores.

Um funcionário do alto escalão da espionagem ocidental resumiu as revelações como “um pesadelo”. Dmitri Alperovitch, nascido na Rússia e presidente do Silverado Policy Accelerator, mais conhecido pelo seu trabalho pioneiro em segurança cibernética, disse no domingo temer que há “várias maneiras de causar estrago com base nessas informações”. De acordo com ele, isso inclui a possiblidade de a espionagem russa usar as páginas, divulgadas no Twitter e no Telegram, “para entender como estamos reunindo” informações a respeito dos planos do GRU, serviço de espionagem do exército da Rússia, e da movimentação de unidades militares.

Na verdade, os documentos divulgados até o momento são um breve retrato de como os EUA enxergam a guerra na Ucrânia. Muitas páginas parecem tiradas diretamente dos manuais de informações que circulam entre os membros do estado maior conjunto e, em alguns casos, de atualizações de casos do centro operacional da CIA. São uma combinação entre a ordem de batalha atual e projeções americanas de onde as defesas aéreas trazidas às pressas até a Ucrânia podem estar situadas no próximo mês, algo especialmente valioso para o planejamento militar russo.

Soldados ucraniano embarcam para treinamento em Kiev: exposição de segredos mostrou colaboração entre americanos e ucranianos Foto: (Emile Ducke/The New York Times

Hackers no Canadá

Há também alguns alertas indicando como a Rússia poderia retaliar além da Ucrânia caso o conflito se arraste. Um documento da CIA particularmente preocupante faz referência a um grupo de hackers aliado à Rússia que teria invadido com sucesso a rede canadense de distribuição de gás e estaria “recebendo instruções de um suposto oficial do Serviço Federal de Segurança (F.S.B.) para conservar o acesso à rede canadense de infraestrutura de gás e aguardar novas instruções”. Por enquanto, nada indica que agentes russos tenham iniciado um ataque destrutivo, mas esse era o temor explicitado no documento.

Como alertas desse tipo são extremamente delicados, muitos dos documentos “ultrassecretos” são restritos a autoridades americanas ou aos “cinco pares de olhos” — a aliança de agências de espionagem dos EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Esse grupo mantém um acordo informal que impede a espionagem mútua. Mas, claramente, isso não se aplica a outros aliados e parceiros dos americanos. Há evidências de que os EUA teriam invadido conversas internas do presidente Volodmir Zelensky e até dos aliados mais próximos do país, como a Coreia do Sul.

Em um documento que lembra bastante os vazamentos do WikiLeaks de 2010, um despacho baseado naquilo que é descrito delicadamente como “inteligência de sinais” descreve o debate interno em Seul a respeito de como lidar com a pressão americana pelo envio de mais auxílio letal à Ucrânia, o que violaria a prática do país de não enviar armamento diretamente para uma zona de guerra. O material informa que o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, temia a possibilidade de ser chamado por Biden a fazer maiores contribuições para os militares da Ucrânia.

Trata-se de um tema extremamente delicado entre as autoridades sul-coreanas. Em visita recente a Seul, antes do surgimento dos documentos vazados, funcionários do governo se esquivaram das perguntas de um repórter a respeito dos planos para o envio de munição de artilharia de 155 milímetros, produzida no país em grandes quantidades, para auxiliar o esforço de guerra. Um funcionário disse que a Coreia do Sul não quer violar suas próprias políticas, nem colocar em risco sua delicada relação com Moscou.

Agora o mundo inteiro viu o “cronograma de entrega” do Pentágono prevendo um carregamento marítimo dessa munição, além de estimativas do custo dessa remessa (US$ 26 milhões).

Tanque em Bakhmut, durante combates entre russos e ucranianos: americanos tem assessorado militares  Foto: Tyler Hicks/NYT

Interesse público?

É claro que cada vazamento de documentos secretos traz o temor de um estrago duradouro, que às vezes é exagerado. Isso ocorreu em 2010, quando o New York Times começou a publicar uma série de reportagens chamada “Segredos de Estado”, detalhando e analisando documentos selecionados a partir do imenso volume de material levado por Chelsea Manning, que na época servia no exército no Iraque, e publicado por Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Pouco após a publicação de alguns artigos, a secretária de estado Hillary Clinton expressou o temor de todos se afastarem para sempre dos diplomatas americanos.

“Além de colocar em perigo indivíduos específicos, revelações desse tipo erodem o tecido da função adequada e um governo responsável”, disse ela aos repórteres nas instalações do departamento de estado. É claro que o contato com diplomatas americanos não cessou, mas muitas autoridades estrangeiras dizem que, ao manter contato com eles atualmente, tomam cuidado com o que dizem, temendo serem citados em documentos do departamento que podem vazar no futuro.

Quando Snowden divulgou um vasto volume de dados da Agência de Segurança Nacional, reunidos a partir de um software de US$ 100 que simplesmente reuniu as informações às quais ele tinha acesso em uma instalação no Havaí, houve temores semelhantes de estragos na coleta de espionagem. A agência passou anos alterando seus programas, a um custo de centenas de milhões de dólares, e as autoridades dizem que ainda estão acompanhando o estrago causado, mesmo dez anos depois. Em setembro, Putin concedeu a cidadania russa plena a Snowden, um funcionário de espionagem de baixo escalão; os EUA ainda tentam trazê-lo ao país para processá-lo.

Mas Manning e Snowden dizem que sua motivação foi revelar aquilo que consideraram transgressões por parte dos EUA. “Dessa vez, não parece ser uma questão ideológica”, disse Alperovitch. O surgimento de alguns dos documentos parece ter ocorrido em plataformas de games, talvez como forma de encerrar uma discussão online a respeito dos combates na Ucrânia.

“Pense nisso”, disse Alperovitch. “Uma discussão na internet que acaba virando um grande desastre para a espionagem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

WASHINGTON - Quando o WikiLeaks divulgou um imenso volume de comunicações do departamento de estado dos Estados Unidos 13 anos atrás, o mundo teve uma ideia do que fazem diariamente os diplomatas americanos — as cotoveladas, as dúvidas diante de aliados vacilantes e um vislumbre de como Washington estava se preparando para um eventual colapso da Coreia do Norte e as capacidades nucleares do Irã.

Quando Edward Snowden revelou os segredos da Agência de Segurança Nacional, três anos mais tarde, os americanos descobriram subitamente até que ponto a nova era digital tinha trazido consigo uma notável nova era de vigilância por parte da agência, permitindo a ela entrar na indústria chinesa das telecomunicações e nos servidores do Google no exterior para interceptar comunicações estrangeiras.

O conjunto de aproximadamente 100 diagramas apresentado dados operacionais da guerra da Ucrânia é distintamente diferente. Os dados revelados até o momento são menos abrangentes do que os dos vastos arquivos secretos já citados, mas sua relevância é muito mais oportuna. E é justamente a validade imediata dessas informações o que mais preocupa os funcionários da Casa Branca e do Pentágono.

Parte do material mais delicado (mapas das defesas antiaéreas ucranianas e uma descrição detalhada dos planos sul-coreanos para entregar 330.000 munições à Ucrânia a tempo da sua ofensiva de primavera) é revelada em documentos que parecem ser de apenas 40 dias atrás.

O que torna as revelações particularmente nocivas é a natureza recente dos documentos “secretos” e “ultrassecretos”, e os indícios neles contidos de operações a serem realizadas no futuro, de acordo com funcionários do governo. No domingo, Sabrina Singh, porta-voz do Pentágono, disse que funcionários americanos notificaram as comissões do congresso a respeito do vazamento e encaminharam o caso ao departamento de Justiça, que iniciou uma investigação.

Entrevista coletiva na sede do Pentágono sobre vazamento de documentos: preocupação no governo americano  Foto: Michael Reynolds/EFE

Envolvimento americano na guerra

As mais de 100 páginas de documentos e diagramas acabam com qualquer dúvida em relação ao envolvimento dos EUA no curso diário da guerra, oferecendo uma precisão na logística e nas informações que ajuda a explicar o sucesso da Ucrânia no conflito até o momento. Se o presidente Biden vetou que forças americanas disparem diretamente contra alvos russos, e impediu o envio de armas que poderiam alcançar o território russo, os documentos deixam claro que, passado um ano desde o início da invasão, os EUA estão profundamente envolvidos em praticamente todos os seus demais aspectos.

As informações contidas nos documentos são detalhadas a ponto de indicar alvos. Revela a coordenação da longa esteira de logística que leva armas aos ucranianos. E, como deixa claro um documento de 22 de fevereiro, as autoridades americanas já estão se preparando para um ano em que a batalha pelo Donbas “provavelmente avançará para um impasse” que vai frustrar o objetivo de Vladimir Putin de capturar a região, e o objetivo da Ucrânia de expulsar os invasores.

Um funcionário do alto escalão da espionagem ocidental resumiu as revelações como “um pesadelo”. Dmitri Alperovitch, nascido na Rússia e presidente do Silverado Policy Accelerator, mais conhecido pelo seu trabalho pioneiro em segurança cibernética, disse no domingo temer que há “várias maneiras de causar estrago com base nessas informações”. De acordo com ele, isso inclui a possiblidade de a espionagem russa usar as páginas, divulgadas no Twitter e no Telegram, “para entender como estamos reunindo” informações a respeito dos planos do GRU, serviço de espionagem do exército da Rússia, e da movimentação de unidades militares.

Na verdade, os documentos divulgados até o momento são um breve retrato de como os EUA enxergam a guerra na Ucrânia. Muitas páginas parecem tiradas diretamente dos manuais de informações que circulam entre os membros do estado maior conjunto e, em alguns casos, de atualizações de casos do centro operacional da CIA. São uma combinação entre a ordem de batalha atual e projeções americanas de onde as defesas aéreas trazidas às pressas até a Ucrânia podem estar situadas no próximo mês, algo especialmente valioso para o planejamento militar russo.

Soldados ucraniano embarcam para treinamento em Kiev: exposição de segredos mostrou colaboração entre americanos e ucranianos Foto: (Emile Ducke/The New York Times

Hackers no Canadá

Há também alguns alertas indicando como a Rússia poderia retaliar além da Ucrânia caso o conflito se arraste. Um documento da CIA particularmente preocupante faz referência a um grupo de hackers aliado à Rússia que teria invadido com sucesso a rede canadense de distribuição de gás e estaria “recebendo instruções de um suposto oficial do Serviço Federal de Segurança (F.S.B.) para conservar o acesso à rede canadense de infraestrutura de gás e aguardar novas instruções”. Por enquanto, nada indica que agentes russos tenham iniciado um ataque destrutivo, mas esse era o temor explicitado no documento.

Como alertas desse tipo são extremamente delicados, muitos dos documentos “ultrassecretos” são restritos a autoridades americanas ou aos “cinco pares de olhos” — a aliança de agências de espionagem dos EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Esse grupo mantém um acordo informal que impede a espionagem mútua. Mas, claramente, isso não se aplica a outros aliados e parceiros dos americanos. Há evidências de que os EUA teriam invadido conversas internas do presidente Volodmir Zelensky e até dos aliados mais próximos do país, como a Coreia do Sul.

Em um documento que lembra bastante os vazamentos do WikiLeaks de 2010, um despacho baseado naquilo que é descrito delicadamente como “inteligência de sinais” descreve o debate interno em Seul a respeito de como lidar com a pressão americana pelo envio de mais auxílio letal à Ucrânia, o que violaria a prática do país de não enviar armamento diretamente para uma zona de guerra. O material informa que o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, temia a possibilidade de ser chamado por Biden a fazer maiores contribuições para os militares da Ucrânia.

Trata-se de um tema extremamente delicado entre as autoridades sul-coreanas. Em visita recente a Seul, antes do surgimento dos documentos vazados, funcionários do governo se esquivaram das perguntas de um repórter a respeito dos planos para o envio de munição de artilharia de 155 milímetros, produzida no país em grandes quantidades, para auxiliar o esforço de guerra. Um funcionário disse que a Coreia do Sul não quer violar suas próprias políticas, nem colocar em risco sua delicada relação com Moscou.

Agora o mundo inteiro viu o “cronograma de entrega” do Pentágono prevendo um carregamento marítimo dessa munição, além de estimativas do custo dessa remessa (US$ 26 milhões).

Tanque em Bakhmut, durante combates entre russos e ucranianos: americanos tem assessorado militares  Foto: Tyler Hicks/NYT

Interesse público?

É claro que cada vazamento de documentos secretos traz o temor de um estrago duradouro, que às vezes é exagerado. Isso ocorreu em 2010, quando o New York Times começou a publicar uma série de reportagens chamada “Segredos de Estado”, detalhando e analisando documentos selecionados a partir do imenso volume de material levado por Chelsea Manning, que na época servia no exército no Iraque, e publicado por Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Pouco após a publicação de alguns artigos, a secretária de estado Hillary Clinton expressou o temor de todos se afastarem para sempre dos diplomatas americanos.

“Além de colocar em perigo indivíduos específicos, revelações desse tipo erodem o tecido da função adequada e um governo responsável”, disse ela aos repórteres nas instalações do departamento de estado. É claro que o contato com diplomatas americanos não cessou, mas muitas autoridades estrangeiras dizem que, ao manter contato com eles atualmente, tomam cuidado com o que dizem, temendo serem citados em documentos do departamento que podem vazar no futuro.

Quando Snowden divulgou um vasto volume de dados da Agência de Segurança Nacional, reunidos a partir de um software de US$ 100 que simplesmente reuniu as informações às quais ele tinha acesso em uma instalação no Havaí, houve temores semelhantes de estragos na coleta de espionagem. A agência passou anos alterando seus programas, a um custo de centenas de milhões de dólares, e as autoridades dizem que ainda estão acompanhando o estrago causado, mesmo dez anos depois. Em setembro, Putin concedeu a cidadania russa plena a Snowden, um funcionário de espionagem de baixo escalão; os EUA ainda tentam trazê-lo ao país para processá-lo.

Mas Manning e Snowden dizem que sua motivação foi revelar aquilo que consideraram transgressões por parte dos EUA. “Dessa vez, não parece ser uma questão ideológica”, disse Alperovitch. O surgimento de alguns dos documentos parece ter ocorrido em plataformas de games, talvez como forma de encerrar uma discussão online a respeito dos combates na Ucrânia.

“Pense nisso”, disse Alperovitch. “Uma discussão na internet que acaba virando um grande desastre para a espionagem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

WASHINGTON - Quando o WikiLeaks divulgou um imenso volume de comunicações do departamento de estado dos Estados Unidos 13 anos atrás, o mundo teve uma ideia do que fazem diariamente os diplomatas americanos — as cotoveladas, as dúvidas diante de aliados vacilantes e um vislumbre de como Washington estava se preparando para um eventual colapso da Coreia do Norte e as capacidades nucleares do Irã.

Quando Edward Snowden revelou os segredos da Agência de Segurança Nacional, três anos mais tarde, os americanos descobriram subitamente até que ponto a nova era digital tinha trazido consigo uma notável nova era de vigilância por parte da agência, permitindo a ela entrar na indústria chinesa das telecomunicações e nos servidores do Google no exterior para interceptar comunicações estrangeiras.

O conjunto de aproximadamente 100 diagramas apresentado dados operacionais da guerra da Ucrânia é distintamente diferente. Os dados revelados até o momento são menos abrangentes do que os dos vastos arquivos secretos já citados, mas sua relevância é muito mais oportuna. E é justamente a validade imediata dessas informações o que mais preocupa os funcionários da Casa Branca e do Pentágono.

Parte do material mais delicado (mapas das defesas antiaéreas ucranianas e uma descrição detalhada dos planos sul-coreanos para entregar 330.000 munições à Ucrânia a tempo da sua ofensiva de primavera) é revelada em documentos que parecem ser de apenas 40 dias atrás.

O que torna as revelações particularmente nocivas é a natureza recente dos documentos “secretos” e “ultrassecretos”, e os indícios neles contidos de operações a serem realizadas no futuro, de acordo com funcionários do governo. No domingo, Sabrina Singh, porta-voz do Pentágono, disse que funcionários americanos notificaram as comissões do congresso a respeito do vazamento e encaminharam o caso ao departamento de Justiça, que iniciou uma investigação.

Entrevista coletiva na sede do Pentágono sobre vazamento de documentos: preocupação no governo americano  Foto: Michael Reynolds/EFE

Envolvimento americano na guerra

As mais de 100 páginas de documentos e diagramas acabam com qualquer dúvida em relação ao envolvimento dos EUA no curso diário da guerra, oferecendo uma precisão na logística e nas informações que ajuda a explicar o sucesso da Ucrânia no conflito até o momento. Se o presidente Biden vetou que forças americanas disparem diretamente contra alvos russos, e impediu o envio de armas que poderiam alcançar o território russo, os documentos deixam claro que, passado um ano desde o início da invasão, os EUA estão profundamente envolvidos em praticamente todos os seus demais aspectos.

As informações contidas nos documentos são detalhadas a ponto de indicar alvos. Revela a coordenação da longa esteira de logística que leva armas aos ucranianos. E, como deixa claro um documento de 22 de fevereiro, as autoridades americanas já estão se preparando para um ano em que a batalha pelo Donbas “provavelmente avançará para um impasse” que vai frustrar o objetivo de Vladimir Putin de capturar a região, e o objetivo da Ucrânia de expulsar os invasores.

Um funcionário do alto escalão da espionagem ocidental resumiu as revelações como “um pesadelo”. Dmitri Alperovitch, nascido na Rússia e presidente do Silverado Policy Accelerator, mais conhecido pelo seu trabalho pioneiro em segurança cibernética, disse no domingo temer que há “várias maneiras de causar estrago com base nessas informações”. De acordo com ele, isso inclui a possiblidade de a espionagem russa usar as páginas, divulgadas no Twitter e no Telegram, “para entender como estamos reunindo” informações a respeito dos planos do GRU, serviço de espionagem do exército da Rússia, e da movimentação de unidades militares.

Na verdade, os documentos divulgados até o momento são um breve retrato de como os EUA enxergam a guerra na Ucrânia. Muitas páginas parecem tiradas diretamente dos manuais de informações que circulam entre os membros do estado maior conjunto e, em alguns casos, de atualizações de casos do centro operacional da CIA. São uma combinação entre a ordem de batalha atual e projeções americanas de onde as defesas aéreas trazidas às pressas até a Ucrânia podem estar situadas no próximo mês, algo especialmente valioso para o planejamento militar russo.

Soldados ucraniano embarcam para treinamento em Kiev: exposição de segredos mostrou colaboração entre americanos e ucranianos Foto: (Emile Ducke/The New York Times

Hackers no Canadá

Há também alguns alertas indicando como a Rússia poderia retaliar além da Ucrânia caso o conflito se arraste. Um documento da CIA particularmente preocupante faz referência a um grupo de hackers aliado à Rússia que teria invadido com sucesso a rede canadense de distribuição de gás e estaria “recebendo instruções de um suposto oficial do Serviço Federal de Segurança (F.S.B.) para conservar o acesso à rede canadense de infraestrutura de gás e aguardar novas instruções”. Por enquanto, nada indica que agentes russos tenham iniciado um ataque destrutivo, mas esse era o temor explicitado no documento.

Como alertas desse tipo são extremamente delicados, muitos dos documentos “ultrassecretos” são restritos a autoridades americanas ou aos “cinco pares de olhos” — a aliança de agências de espionagem dos EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Esse grupo mantém um acordo informal que impede a espionagem mútua. Mas, claramente, isso não se aplica a outros aliados e parceiros dos americanos. Há evidências de que os EUA teriam invadido conversas internas do presidente Volodmir Zelensky e até dos aliados mais próximos do país, como a Coreia do Sul.

Em um documento que lembra bastante os vazamentos do WikiLeaks de 2010, um despacho baseado naquilo que é descrito delicadamente como “inteligência de sinais” descreve o debate interno em Seul a respeito de como lidar com a pressão americana pelo envio de mais auxílio letal à Ucrânia, o que violaria a prática do país de não enviar armamento diretamente para uma zona de guerra. O material informa que o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, temia a possibilidade de ser chamado por Biden a fazer maiores contribuições para os militares da Ucrânia.

Trata-se de um tema extremamente delicado entre as autoridades sul-coreanas. Em visita recente a Seul, antes do surgimento dos documentos vazados, funcionários do governo se esquivaram das perguntas de um repórter a respeito dos planos para o envio de munição de artilharia de 155 milímetros, produzida no país em grandes quantidades, para auxiliar o esforço de guerra. Um funcionário disse que a Coreia do Sul não quer violar suas próprias políticas, nem colocar em risco sua delicada relação com Moscou.

Agora o mundo inteiro viu o “cronograma de entrega” do Pentágono prevendo um carregamento marítimo dessa munição, além de estimativas do custo dessa remessa (US$ 26 milhões).

Tanque em Bakhmut, durante combates entre russos e ucranianos: americanos tem assessorado militares  Foto: Tyler Hicks/NYT

Interesse público?

É claro que cada vazamento de documentos secretos traz o temor de um estrago duradouro, que às vezes é exagerado. Isso ocorreu em 2010, quando o New York Times começou a publicar uma série de reportagens chamada “Segredos de Estado”, detalhando e analisando documentos selecionados a partir do imenso volume de material levado por Chelsea Manning, que na época servia no exército no Iraque, e publicado por Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Pouco após a publicação de alguns artigos, a secretária de estado Hillary Clinton expressou o temor de todos se afastarem para sempre dos diplomatas americanos.

“Além de colocar em perigo indivíduos específicos, revelações desse tipo erodem o tecido da função adequada e um governo responsável”, disse ela aos repórteres nas instalações do departamento de estado. É claro que o contato com diplomatas americanos não cessou, mas muitas autoridades estrangeiras dizem que, ao manter contato com eles atualmente, tomam cuidado com o que dizem, temendo serem citados em documentos do departamento que podem vazar no futuro.

Quando Snowden divulgou um vasto volume de dados da Agência de Segurança Nacional, reunidos a partir de um software de US$ 100 que simplesmente reuniu as informações às quais ele tinha acesso em uma instalação no Havaí, houve temores semelhantes de estragos na coleta de espionagem. A agência passou anos alterando seus programas, a um custo de centenas de milhões de dólares, e as autoridades dizem que ainda estão acompanhando o estrago causado, mesmo dez anos depois. Em setembro, Putin concedeu a cidadania russa plena a Snowden, um funcionário de espionagem de baixo escalão; os EUA ainda tentam trazê-lo ao país para processá-lo.

Mas Manning e Snowden dizem que sua motivação foi revelar aquilo que consideraram transgressões por parte dos EUA. “Dessa vez, não parece ser uma questão ideológica”, disse Alperovitch. O surgimento de alguns dos documentos parece ter ocorrido em plataformas de games, talvez como forma de encerrar uma discussão online a respeito dos combates na Ucrânia.

“Pense nisso”, disse Alperovitch. “Uma discussão na internet que acaba virando um grande desastre para a espionagem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

WASHINGTON - Quando o WikiLeaks divulgou um imenso volume de comunicações do departamento de estado dos Estados Unidos 13 anos atrás, o mundo teve uma ideia do que fazem diariamente os diplomatas americanos — as cotoveladas, as dúvidas diante de aliados vacilantes e um vislumbre de como Washington estava se preparando para um eventual colapso da Coreia do Norte e as capacidades nucleares do Irã.

Quando Edward Snowden revelou os segredos da Agência de Segurança Nacional, três anos mais tarde, os americanos descobriram subitamente até que ponto a nova era digital tinha trazido consigo uma notável nova era de vigilância por parte da agência, permitindo a ela entrar na indústria chinesa das telecomunicações e nos servidores do Google no exterior para interceptar comunicações estrangeiras.

O conjunto de aproximadamente 100 diagramas apresentado dados operacionais da guerra da Ucrânia é distintamente diferente. Os dados revelados até o momento são menos abrangentes do que os dos vastos arquivos secretos já citados, mas sua relevância é muito mais oportuna. E é justamente a validade imediata dessas informações o que mais preocupa os funcionários da Casa Branca e do Pentágono.

Parte do material mais delicado (mapas das defesas antiaéreas ucranianas e uma descrição detalhada dos planos sul-coreanos para entregar 330.000 munições à Ucrânia a tempo da sua ofensiva de primavera) é revelada em documentos que parecem ser de apenas 40 dias atrás.

O que torna as revelações particularmente nocivas é a natureza recente dos documentos “secretos” e “ultrassecretos”, e os indícios neles contidos de operações a serem realizadas no futuro, de acordo com funcionários do governo. No domingo, Sabrina Singh, porta-voz do Pentágono, disse que funcionários americanos notificaram as comissões do congresso a respeito do vazamento e encaminharam o caso ao departamento de Justiça, que iniciou uma investigação.

Entrevista coletiva na sede do Pentágono sobre vazamento de documentos: preocupação no governo americano  Foto: Michael Reynolds/EFE

Envolvimento americano na guerra

As mais de 100 páginas de documentos e diagramas acabam com qualquer dúvida em relação ao envolvimento dos EUA no curso diário da guerra, oferecendo uma precisão na logística e nas informações que ajuda a explicar o sucesso da Ucrânia no conflito até o momento. Se o presidente Biden vetou que forças americanas disparem diretamente contra alvos russos, e impediu o envio de armas que poderiam alcançar o território russo, os documentos deixam claro que, passado um ano desde o início da invasão, os EUA estão profundamente envolvidos em praticamente todos os seus demais aspectos.

As informações contidas nos documentos são detalhadas a ponto de indicar alvos. Revela a coordenação da longa esteira de logística que leva armas aos ucranianos. E, como deixa claro um documento de 22 de fevereiro, as autoridades americanas já estão se preparando para um ano em que a batalha pelo Donbas “provavelmente avançará para um impasse” que vai frustrar o objetivo de Vladimir Putin de capturar a região, e o objetivo da Ucrânia de expulsar os invasores.

Um funcionário do alto escalão da espionagem ocidental resumiu as revelações como “um pesadelo”. Dmitri Alperovitch, nascido na Rússia e presidente do Silverado Policy Accelerator, mais conhecido pelo seu trabalho pioneiro em segurança cibernética, disse no domingo temer que há “várias maneiras de causar estrago com base nessas informações”. De acordo com ele, isso inclui a possiblidade de a espionagem russa usar as páginas, divulgadas no Twitter e no Telegram, “para entender como estamos reunindo” informações a respeito dos planos do GRU, serviço de espionagem do exército da Rússia, e da movimentação de unidades militares.

Na verdade, os documentos divulgados até o momento são um breve retrato de como os EUA enxergam a guerra na Ucrânia. Muitas páginas parecem tiradas diretamente dos manuais de informações que circulam entre os membros do estado maior conjunto e, em alguns casos, de atualizações de casos do centro operacional da CIA. São uma combinação entre a ordem de batalha atual e projeções americanas de onde as defesas aéreas trazidas às pressas até a Ucrânia podem estar situadas no próximo mês, algo especialmente valioso para o planejamento militar russo.

Soldados ucraniano embarcam para treinamento em Kiev: exposição de segredos mostrou colaboração entre americanos e ucranianos Foto: (Emile Ducke/The New York Times

Hackers no Canadá

Há também alguns alertas indicando como a Rússia poderia retaliar além da Ucrânia caso o conflito se arraste. Um documento da CIA particularmente preocupante faz referência a um grupo de hackers aliado à Rússia que teria invadido com sucesso a rede canadense de distribuição de gás e estaria “recebendo instruções de um suposto oficial do Serviço Federal de Segurança (F.S.B.) para conservar o acesso à rede canadense de infraestrutura de gás e aguardar novas instruções”. Por enquanto, nada indica que agentes russos tenham iniciado um ataque destrutivo, mas esse era o temor explicitado no documento.

Como alertas desse tipo são extremamente delicados, muitos dos documentos “ultrassecretos” são restritos a autoridades americanas ou aos “cinco pares de olhos” — a aliança de agências de espionagem dos EUA, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e Canadá. Esse grupo mantém um acordo informal que impede a espionagem mútua. Mas, claramente, isso não se aplica a outros aliados e parceiros dos americanos. Há evidências de que os EUA teriam invadido conversas internas do presidente Volodmir Zelensky e até dos aliados mais próximos do país, como a Coreia do Sul.

Em um documento que lembra bastante os vazamentos do WikiLeaks de 2010, um despacho baseado naquilo que é descrito delicadamente como “inteligência de sinais” descreve o debate interno em Seul a respeito de como lidar com a pressão americana pelo envio de mais auxílio letal à Ucrânia, o que violaria a prática do país de não enviar armamento diretamente para uma zona de guerra. O material informa que o presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, temia a possibilidade de ser chamado por Biden a fazer maiores contribuições para os militares da Ucrânia.

Trata-se de um tema extremamente delicado entre as autoridades sul-coreanas. Em visita recente a Seul, antes do surgimento dos documentos vazados, funcionários do governo se esquivaram das perguntas de um repórter a respeito dos planos para o envio de munição de artilharia de 155 milímetros, produzida no país em grandes quantidades, para auxiliar o esforço de guerra. Um funcionário disse que a Coreia do Sul não quer violar suas próprias políticas, nem colocar em risco sua delicada relação com Moscou.

Agora o mundo inteiro viu o “cronograma de entrega” do Pentágono prevendo um carregamento marítimo dessa munição, além de estimativas do custo dessa remessa (US$ 26 milhões).

Tanque em Bakhmut, durante combates entre russos e ucranianos: americanos tem assessorado militares  Foto: Tyler Hicks/NYT

Interesse público?

É claro que cada vazamento de documentos secretos traz o temor de um estrago duradouro, que às vezes é exagerado. Isso ocorreu em 2010, quando o New York Times começou a publicar uma série de reportagens chamada “Segredos de Estado”, detalhando e analisando documentos selecionados a partir do imenso volume de material levado por Chelsea Manning, que na época servia no exército no Iraque, e publicado por Julian Assange, fundador do WikiLeaks. Pouco após a publicação de alguns artigos, a secretária de estado Hillary Clinton expressou o temor de todos se afastarem para sempre dos diplomatas americanos.

“Além de colocar em perigo indivíduos específicos, revelações desse tipo erodem o tecido da função adequada e um governo responsável”, disse ela aos repórteres nas instalações do departamento de estado. É claro que o contato com diplomatas americanos não cessou, mas muitas autoridades estrangeiras dizem que, ao manter contato com eles atualmente, tomam cuidado com o que dizem, temendo serem citados em documentos do departamento que podem vazar no futuro.

Quando Snowden divulgou um vasto volume de dados da Agência de Segurança Nacional, reunidos a partir de um software de US$ 100 que simplesmente reuniu as informações às quais ele tinha acesso em uma instalação no Havaí, houve temores semelhantes de estragos na coleta de espionagem. A agência passou anos alterando seus programas, a um custo de centenas de milhões de dólares, e as autoridades dizem que ainda estão acompanhando o estrago causado, mesmo dez anos depois. Em setembro, Putin concedeu a cidadania russa plena a Snowden, um funcionário de espionagem de baixo escalão; os EUA ainda tentam trazê-lo ao país para processá-lo.

Mas Manning e Snowden dizem que sua motivação foi revelar aquilo que consideraram transgressões por parte dos EUA. “Dessa vez, não parece ser uma questão ideológica”, disse Alperovitch. O surgimento de alguns dos documentos parece ter ocorrido em plataformas de games, talvez como forma de encerrar uma discussão online a respeito dos combates na Ucrânia.

“Pense nisso”, disse Alperovitch. “Uma discussão na internet que acaba virando um grande desastre para a espionagem.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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