O mundo se despediu, no último domingo, 14, de um importante ciclo da história da monarquia europeia. Dois dos mais longevos reinados do continente acabaram nos últimos anos: Margrethe II e Elizabeth II, que governaram a Dinamarca e o Reino Unido por 52 e 70 anos, respectivamente, saíram de cena. Agora, com os tronos das famílias reais da Europa ocupados por reis como Charles III, Frederik X e Felipe VI de Espanha, as casas monárquicas se preparam para um novo ciclo, marcado por uma mudança geracional e de gênero.
Cinco países da Europa — Suécia, Espanha, Holanda, Bélgica e Noruega — têm mulheres na linha de sucessão. Com exceção da princesa Ingrid Alexandra, da Noruega, que aparece na linha depois de seu pai, Príncipe Haakon, todas são herdeiras diretas e, portanto, as próximas a serem coroadas. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, esse futuro feminino na liderança das famílias reais representa um grande potencial de transformação, especialmente na abordagem de pautas mais progressistas e no comportamento, já que quatro delas pertencem à geração Z.
“O fato de estarmos vendo mais mulheres subindo ao trono é, em parte, sorte em termos do nascimento de princesas, mas também reflete mudanças nas leis de sucessão que dão às mulheres direitos de primogenitura igual — que o primeiro filho do governante se torne o próximo monarca, independentemente do sexo”, afirma Ellie Woodacre, especialista em realeza e estudos reais na Universidade de Winchester.
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Dos cinco países que possuem mulheres ocupando posições primárias da linha de sucessão do reinado, três passaram por mudanças recentes nas regras de linhagem. Em 1980, a Suécia alterou sua lei de sucessão, permitindo que a filha mais velha do monarca herdasse o trono, independentemente de ter irmãos homens. A mesma mudança ocorreu em 1990 na Noruega e em 2013 na Holanda.
Quem são as futuras rainhas da Europa?
Na Suécia, quem assumirá o trono é a princesa Victoria, de 46 anos, que sucederá ao rei Carl XVI Gustaf e se tornará a primeira rainha do país em quase 300 anos. Victoria beneficia de grande popularidade no seu país. Já com uma agenda ativa de compromissos reais, ela frequentemente se envolve em questões climáticas e de paz internacional. Embora seja a mais velha do próximo ciclo de rainhas, ela também tem como sucessora uma mulher de geração Z, a princesa Estela, nascida em 2012.
Na vizinha Noruega, a princesa Ingrid Alexandra, de 19 anos, é a sucessora mais próxima do rei Harald V, depois de seu pai, o príncipe Haakon, de 50 anos. Embora ela ainda não cumpra uma agenda oficial da realeza, pois está focada nos estudos, desde 2022 ela já conta com um escritório próprio no Palácio Real. Publicamente, ela afirma que tem muito interesse na proteção ambiental e nas questões climáticas.
A princesa Leonor, da Espanha, de 19 anos, é próxima rainha, depois do reinado de Felipe VI. Ela será a primeira mulher a assumir a liderança do Estado e das Forças Armadas desde Isabel II (1833-1868). Leonor, que já cumpre alguns deveres oficiais e é considerada hoje a figura mais popular da realeza, representa para a Espanha um ar de renovação para a coroa, depois de uma crise de reputação que envolve desde alegações de corrupção de seu avô, o ex-rei Juan Carlos, até turismo vacinal na época de covid-19.
A Princesa de Orange da Holanda, Catharina-Amalia, de 20 anos, é a mais velha das três filhas do rei William Alexander. A princesa ainda tem uma vida de deveres oficiais limitada, já que desde 2022 mora em Amsterdã para fazer faculdade. Porém, já conquistou a simpatia dos holandeses para assumir como rainha, especialmente pela sua simplicidade. Durante a crise econômica do país, ela abriu mão de seus subsídios reais e tirou um ano sabático, onde trabalhou em um bar na praia de Haia. Também chamou a atenção por abordar publicamente temas como saúde mental e apoio ao público LGBT+.
A princesa Elizabeth da Bélgica, de 22 anos, é a filha mais velha do rei Filipe I e da rainha Mathilde. Ela será a primeira mulher belga a reinar o país. A jovem, que estuda História e Política em Oxford, herda do seu pai um desafio histórico da família real belga, que é ter um papel mais unificador e representativo do país conhecido pelo separatismo entre os falantes de flamengo e de francês. A monarquia belga é frequentemente criticada pelos separatistas flamengos.
Quem são as futuras rainhas das monarquias europeias
As rainhas do renascimento
Esta não será a estreia de uma maioria feminina frente às famílias reais europeias. No século 16, monarquias já experimentaram uma ampla presença de mulheres, com, por exemplo, os reinados de Catarina de Médici, na França, Elizabeth I, no Reino Unido e Mary Stuart, da Escócia, conforme pontua Camila Maréga, historiadora da PUC-SP com abordagem em história das mulheres.
Desta forma, com a maior parte das realezas já tendo enfrentado questões de gênero no passado — somente a Bélgica nunca teve uma rainha —, para a especialista, a grande transformação com estas novas monarcas possivelmente virá, na verdade, do perfil geracional dessas mulheres. “É uma geração mais nova, mais aberta à tecnologia, ao contato com as pessoas. A geração Z é mais acessível.”
Questões geracionais, segundo Camila, podem se revelar em uma linguagem mais próxima com o público e especialmente na escolha de pautas a serem levantadas, já que a maioria delas cresceu em um contexto de crise climática, guerras no leste europeu e no Oriente Médio e uma pandemia, além de um ambiente com maior abertura para debates sobre raça, gênero e sexualidade.
Um exemplo disso é na Holanda. Em 2021, o primeiro-ministro Mark Rutte confirmou que a princesa Catharina Amalia pode se casar com uma mulher se assim desejar. O país foi o primeiro do mundo a legalizar o casamento igualitário, em 2001, mas os matrimônios da realeza exigiam a aprovação do Parlamento.
“As herdeiras do trono vêm estando alinhadas a questões como pautas LGBT+, questões em relação à saúde mental, que é uma coisa que foi muito negligenciada pelas casas reais no passado... E agora essas herdeiras exploram isso de um modo muito mais leve, muito mais fácil de lidar. Embora não seja um assunto fácil, elas conseguem conversar e se aproximar (do público)”, avalia Camila.
O foco no meio ambiente, que já aparece hoje em falas de Charles III e também é uma causa importante para Frederik X, deverá ser potencializado, segundo as historiadoras. “Dado que as mudanças climáticas são talvez o maior desafio da era atual, estas rainhas podem usar a sua visibilidade e influência para chamar a atenção para a questão. Poderemos até ver uma geração de ‘rainhas em campanha”, sugere Woodacre.
Rei da Dinamarca
A especialista da Universidade de Winchester, entretanto, salienta o sentimento de que as monarquias modernas devem estar acima da disputa política e “podem ter de fazer campanha cuidadosamente, a fim de evitar críticas por excederem o mandato do seu papel”.
Novos reinados, velhos desafios
Apesar do terreno fértil para estas novas pautas, o repertório de desafios que a nova geração de rainhas deve enfrentar não deve ser tão inédito. Questões já conhecidas pelas monarquias contemporâneas, como a permanência de relevância da coroa, modernização, aproximação com o público e confronto com o passado colonial devem fazer parte da grande herança que elas receberão.
“A monarquia perdurou por um longo período de tempo – desde as primeiras sociedades até os dias atuais, porque continuou encontrando um equilíbrio entre a tradição e a evolução para acompanhar as mudanças na sociedade. Este é o desafio que estas mulheres terão de enfrentar durante os seus próprios reinados – como adaptar e manter a sua monarquia relevante na sociedade moderna”, prevê Woodacre.
O ponto de vista é compartilhado por Camila, que acredita que a modernização sempre será uma questão. “A monarquia se trata atualmente de adaptação. Antigamente, era muito ligada à tradição”, aponta. “Elas vão ter que lidar com isso especialmente se quiserem continuar mantendo a casa real em atividade. Você tem que se repaginar, tem que falar com a língua do povo e ser resiliente.”
Porém, mesmo que as questões que elas enfrentem sejam semelhantes as de seus pais e seus avós, o comportamento pode ser diferente, como observa a historiadora da PUC-SP, exemplificando os tradicionais protocolos reais, que há muito vêm sendo alvos de críticas especialmente pela exibição de símbolos de riqueza oriundos do período colonial.
“Elas têm que usar coroas tiaras, rubis, diamantes muitos frutos de espólios de guerra, muitos roubados. Como elas vão agir em relação a isso é uma coisa que a gente ainda não sabe. Elas podem escolher não usar, podem escolher guardar essa joias ou devolvê-las para os seus respectivos povos”, diz Camila. ”Mas eu acredito que elas têm preparo suficiente para saber como lidar com essas questões mais complexas.”