Análise|Venezuela corre risco de isolamento externo e repressão chavista após suspeita de fraude eleitoral


Sem atas que confirmariam resultados, clima é de tensão e analistas temem que protestos terminem em violência

Por Jéssica Petrovna
Atualização:

A eleição na Venezuela era vista como uma oportunidade de conciliação política que agora parece perdida. Com a vitória do ditador Nicolás Maduro contestada pela oposição e a dúvida que paira sobre a lisura do processo, o risco é de isolamento internacional e aumento do radicalismo dentro do país.

O Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo regime, anunciou na madrugada de domingo, com horas de atraso, que o chavista foi eleito para o seu terceiro mandato, mas não divulgou as atas extraídas das urnas, que confirmariam a vitória. O CNE afirma que Nicolás Maduro teve 51% dos votos, mas a oposição rejeita o resultado e alega que o seu candidato Edmundo González Urritia teria 70%.

Em reação ao resultado anunciado pelo CNE, nesta segunda-feira, manifestações espontâneas eclodiram em vários pontos do país. Novos protestos pacíficos foram convocados por María Corina Machado para terça-feira, 29, contra Maduro. O ditador, por sua vez, também mobilizou sua militância para amanhã, o que aumenta o risco de enfrentamento.

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Em um discurso na sede presidêncial, Maduro pediu pela “máxima mobilização cívico-militar-policial para defender a paz” e instou uma vigília contra o que chamou de insurreição e golpe de estado.

Com as eleições questionadas dentro e fora da Venezuela, analistas ouvidos pelo Estadão alertam para o risco de radicalismo e violência política no país, que tende a ficar isolado no mundo.

“A posse de Nicolás Maduro pode levar a Venezuela de volta ao cenário que vimos em 2019, quando a comunidade internacional reconheceu o opositor Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente. Pode levar a Venezuela de volta ao isolamento total dos últimos anos”, lembra o cientista político venezuelano Rafael Villa, que atua no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).

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“Do outro lado, a oposição poderia mobilizar os seus eleitores como forma de pressionar o regime, mas isso é muito arriscado, podemos ver uma onda de violência nos próximos meses”, alerta.

Venezuelanos enfrentam Guarda Nacional em protesto após o resultado das eleições, Caracas, 29 de julho de 2024.  Foto: Fernando Vergara/Associated Press

A repressão marcou todo o processo e o clima é de tensão no despertar das eleições. Durante a votação, a líder opositora María Corina Machado denunciou que seus observadores foram impedidos de acompanhar a votação e não tiveram acesso às atas, como previsto por lei.

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Ela havia sido impedida de concorrer, assim como a primeira escolha da Plataforma Unitária para substituí-la, Corina Yoris. Além disso, cerca de 150 críticos da ditadura foram presos, sendo 135 diretamente ligadas à campanha. Venezuelanos que vivem fora do país enfrentaram dificuldades em se registrar para votar — a grande maioria não conseguiu. E observadores internacionais foram barrados, salvo poucas exceções, como o Centro Carter.

As manobras do regime colocaram em xeque a legitimidade da eleição. Enquanto a oposição alega fraude, o Conselho Nacional Eleitoral atribui a um suposto ataque hacker a demora na divulgação dos resultados e pede investigação.

Sem atas, dúvidas sobre os resultados permanecem

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“Não será a primeira vez que a oposição denuncia fraude. Isso aconteceu antes na Venezuela e em outros países, inclusive no Brasil. O que preocupa é a forma como a eleição foi conduzida”, afirma o professor de política internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Paulo Velasco.

“Há denúncias de eleitores que não conseguiram chegar aos postos de votação, relatos da circulação dos coletivos chavistas, milícias armadas que circulam de moto para intimidar os eleitores e a demora no início da apuração, que começou com Maduro muito na frente”, exemplifica.

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O analista pondera que de nada adianta a segurança das urnas, atestada por técnicos, sem as atas que confirmam os resultados. E afirma que não há explicação para o atraso, que considera antidemocrático.

“O resultado contraria as tendências de muito provável vitória da oposição e o descontentamento popular com Nicolás Maduro. O sistema em si, e a própria oposição reconhece, é seguro. O problema é o que se pode fazer antes e depois da votação”, concorda Rafael Villa.

“A maneira de saber se o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral é confiável é auditar ata por ata. Enquanto isso não ocorrer, a eleição está contaminada pela dúvida sobre a transparência do processo e tanto a oposição quanto a comunidade internacional tem o direito de questionar. Não é pouco o que está em jogo. São 25 anos de chavismo no poder e essa era a oportunidade para o projeto da oposição”, afirma.

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Sem qualquer indício de que a temperatura vá baixar, resta saber como o antichavismo vai reagir com os caminhos legais de contestação, como a Justiça, controlados pelo regime.

Guarda Nacional dispersa protestos em Caracas.  Foto: Fernando Vergara/Associated Press

Nas Forças Armadas, o alto escalão se mantém leal ao chavismo, e o chefe militar Vladimir Padrino sugeriu a vitória de Nicolás Maduro ao dizer que os venezuelanos votaram para condenar as sanções antes mesmo que os resultados fossem anunciados.

“As Forças Armadas têm muito a perder porque, sob Nicolás Maduro, se transformaram em ator político e econômico com muitos privilégios, assumindo o controle de empresas e parte do controle sobre a petroleira. A oposição, por outro lado, não tem conseguido neutralizar as Forças Armadas”, afirma Villa. Ele lembra que uma militar se recusou a cumprimentar María Corina Machado no dia da votação e cita o episódio como símbolo da falta de relações entre os civis da oposição e o Exército cooptado pelo chavismo.

Risco de isolamento e violência

É difícil prever o que vai acontecer até a posse, prevista para janeiro do ano que vem, mas o histórico da Venezuela dá algumas pistas preocupantes — o risco de radicalização e violência.

Com as vias institucionais dominadas pelo chavismo, a oposição pode apelar a uma ação radical, alerta Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembrando que María Corina Machado apoiou o golpe contra Hugo Chávez, em 2002, e pediu intervenção contra Venezuela em 2014.

Caso decida convocar protestos para pressionar o regime, o temor é de forte repressão, como aconteceu em 2017. Naquele ano, os venezuelanos tomaram as ruas depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) sufocou o Parlamento controlado pela oposição. A resposta violenta deixou dezenas de mortos e motivou uma investigação do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Nicolás Maduro por crimes contra humanidade.

“A maior preocupação é que a oposição opte por um caminho de violência, que também não ajudaria em nada, em vez de tentar combater o governo dentro dos moldes democráticos, o que é difícil porque o regime limita muito a participação política. Devem ser longos meses pela frente e nada garante também que o Nicolás Maduro seja reconhecido”, afirma Paulo Velasco.

Também há exemplos disso na história recente. Em 2019, o ditador foi reeleito em votação contestada pela oposição e Juan Guaidó se autoproclamou presidente, sendo reconhecido por mais de 50 países, incluindo o Brasil e os Estados Unidos. Sob Donald Trump, a pressão foi intensificada com a imposição de sanções totais contra a Venezuela.

Limites da pressão internacional

Dessa vez, as cobranças por transparência vêm até mesmo de governos da esquerda sul-americana como o de Gustavo Petro, na Colômbia, e o de Gabriel Boric, no Chile. Ele afirma que só reconhecerá resultados que possam ser verificados.

Mas a história nos mostra que a pressão pode tende a surtir pouco efeito prático. “Gera desconforto, mas até agora não é efetiva a ponto de evitar o controle político do chavismo”, afirma Carolina Silva Pedroso. “A depender do quanto a tensão escale, a comunidade internacional pode ser acionada para mediar saídas para a crise, mas o impacto concreto do não reconhecimento, por exemplo, é muito pouco”, acrescenta, lembrando que o apoio a Juan Guaidó nunca se converteu em poder de fato.

Da mesma forma, as sanções americanas não produziram mudanças, nem quando foram endurecidas por Donald Trump, nem quando foram relaxadas por Joe Biden. Essa foi uma das moedas de troca nos Acordos de Barbados, quando Nicolás Maduro e oposição se comprometeram com as eleições e, mesmo assim, a o regime tirou opositores da disputa — o que levou a Casa Branca a retomar embargos que chegaram a ser retirados.

Nicolás Maduro na sede do Conselho Nacional Eleitoral para proclamação dos resultados.  Foto: Federico Parra/AFP

“Maduro parece mais interessado em consolidar o apoio na parte chavista da sociedade, que é muito expressiva”, afirma Paulo Velasco. “As sanções, é claro, impactam a economia, mas afetam pouco para Nicolás Maduro. Ele nunca recuou, de fato, ou se propôs a promover qualquer forma de abertura ou transição por causa disso.”

Nesse cenário, há muita expectativa pelo Brasil, que busca se projetar como liderança internacional sob o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Em breve comunicado, o Itamaraty disse apenas que acompanha a apuração e aguarda a divulgação das atas, sem mencionar as denúncias de fraude eleitoral.

“A crise na Venezuela é um verdadeiro entrave aos planos internacionais do país, seja no âmbito sul-americano, seja nas suas aspirações globais de mediar uma saída pacífica na Ucrânia, por exemplo. Se não temos capital político para auxiliar na nossa vizinhança, que peso teríamos em arenas ainda mais desafiadoras?”, questiona Silva Pedroso.

A posição fica ainda mais delicada dada a proximidade histórica entre Maduro Lula, que patrocinou sua reabilitação no cenário internacional e evitou fazer críticas até que o regime impediu o registro da segunda candidatura de oposição.

“Vemos outros líderes de esquerda sul-americanos, como Gabriel Boric e Gustavo Petro que são sempre mais enfáticos nas condenações aos regimes antidemocráticos, seja na Venezuela, na Nicarágua ou em Cuba. Infelizmente, o Brasil ainda está muito preso ao passado, aos vínculos históricos e relações interpessoais com o chavismo, e acaba não conseguindo dar esse passo adiante”, afirma Velasco.

O analista pondera que é cauteloso esperar as atas antes de reconhecer resultados, mas lembra que o Brasil tem responsabilidades na América do Sul e, historicamente, agiu para garantir a estabilidade na região, como fez na tentativa de golpe contra Hugo Chávez, há duas décadas.

“Eu diria que o mundo inteiro está olhado o Brasil neste momento para ver como o País vai reagir”, afirma. “O Brasil tem que medir como muito cuidado como vai se posicionar, mas não interessa prolongar a dúvida. É preciso colocar um ponto final nas eleições na Venezuela e isso não pode demorar muito, ou mergulharia o país no caos”, conclui.

A eleição na Venezuela era vista como uma oportunidade de conciliação política que agora parece perdida. Com a vitória do ditador Nicolás Maduro contestada pela oposição e a dúvida que paira sobre a lisura do processo, o risco é de isolamento internacional e aumento do radicalismo dentro do país.

O Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo regime, anunciou na madrugada de domingo, com horas de atraso, que o chavista foi eleito para o seu terceiro mandato, mas não divulgou as atas extraídas das urnas, que confirmariam a vitória. O CNE afirma que Nicolás Maduro teve 51% dos votos, mas a oposição rejeita o resultado e alega que o seu candidato Edmundo González Urritia teria 70%.

Em reação ao resultado anunciado pelo CNE, nesta segunda-feira, manifestações espontâneas eclodiram em vários pontos do país. Novos protestos pacíficos foram convocados por María Corina Machado para terça-feira, 29, contra Maduro. O ditador, por sua vez, também mobilizou sua militância para amanhã, o que aumenta o risco de enfrentamento.

Em um discurso na sede presidêncial, Maduro pediu pela “máxima mobilização cívico-militar-policial para defender a paz” e instou uma vigília contra o que chamou de insurreição e golpe de estado.

Com as eleições questionadas dentro e fora da Venezuela, analistas ouvidos pelo Estadão alertam para o risco de radicalismo e violência política no país, que tende a ficar isolado no mundo.

“A posse de Nicolás Maduro pode levar a Venezuela de volta ao cenário que vimos em 2019, quando a comunidade internacional reconheceu o opositor Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente. Pode levar a Venezuela de volta ao isolamento total dos últimos anos”, lembra o cientista político venezuelano Rafael Villa, que atua no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).

“Do outro lado, a oposição poderia mobilizar os seus eleitores como forma de pressionar o regime, mas isso é muito arriscado, podemos ver uma onda de violência nos próximos meses”, alerta.

Venezuelanos enfrentam Guarda Nacional em protesto após o resultado das eleições, Caracas, 29 de julho de 2024.  Foto: Fernando Vergara/Associated Press

A repressão marcou todo o processo e o clima é de tensão no despertar das eleições. Durante a votação, a líder opositora María Corina Machado denunciou que seus observadores foram impedidos de acompanhar a votação e não tiveram acesso às atas, como previsto por lei.

Ela havia sido impedida de concorrer, assim como a primeira escolha da Plataforma Unitária para substituí-la, Corina Yoris. Além disso, cerca de 150 críticos da ditadura foram presos, sendo 135 diretamente ligadas à campanha. Venezuelanos que vivem fora do país enfrentaram dificuldades em se registrar para votar — a grande maioria não conseguiu. E observadores internacionais foram barrados, salvo poucas exceções, como o Centro Carter.

As manobras do regime colocaram em xeque a legitimidade da eleição. Enquanto a oposição alega fraude, o Conselho Nacional Eleitoral atribui a um suposto ataque hacker a demora na divulgação dos resultados e pede investigação.

Sem atas, dúvidas sobre os resultados permanecem

“Não será a primeira vez que a oposição denuncia fraude. Isso aconteceu antes na Venezuela e em outros países, inclusive no Brasil. O que preocupa é a forma como a eleição foi conduzida”, afirma o professor de política internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Paulo Velasco.

“Há denúncias de eleitores que não conseguiram chegar aos postos de votação, relatos da circulação dos coletivos chavistas, milícias armadas que circulam de moto para intimidar os eleitores e a demora no início da apuração, que começou com Maduro muito na frente”, exemplifica.

O analista pondera que de nada adianta a segurança das urnas, atestada por técnicos, sem as atas que confirmam os resultados. E afirma que não há explicação para o atraso, que considera antidemocrático.

“O resultado contraria as tendências de muito provável vitória da oposição e o descontentamento popular com Nicolás Maduro. O sistema em si, e a própria oposição reconhece, é seguro. O problema é o que se pode fazer antes e depois da votação”, concorda Rafael Villa.

“A maneira de saber se o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral é confiável é auditar ata por ata. Enquanto isso não ocorrer, a eleição está contaminada pela dúvida sobre a transparência do processo e tanto a oposição quanto a comunidade internacional tem o direito de questionar. Não é pouco o que está em jogo. São 25 anos de chavismo no poder e essa era a oportunidade para o projeto da oposição”, afirma.

Sem qualquer indício de que a temperatura vá baixar, resta saber como o antichavismo vai reagir com os caminhos legais de contestação, como a Justiça, controlados pelo regime.

Guarda Nacional dispersa protestos em Caracas.  Foto: Fernando Vergara/Associated Press

Nas Forças Armadas, o alto escalão se mantém leal ao chavismo, e o chefe militar Vladimir Padrino sugeriu a vitória de Nicolás Maduro ao dizer que os venezuelanos votaram para condenar as sanções antes mesmo que os resultados fossem anunciados.

“As Forças Armadas têm muito a perder porque, sob Nicolás Maduro, se transformaram em ator político e econômico com muitos privilégios, assumindo o controle de empresas e parte do controle sobre a petroleira. A oposição, por outro lado, não tem conseguido neutralizar as Forças Armadas”, afirma Villa. Ele lembra que uma militar se recusou a cumprimentar María Corina Machado no dia da votação e cita o episódio como símbolo da falta de relações entre os civis da oposição e o Exército cooptado pelo chavismo.

Risco de isolamento e violência

É difícil prever o que vai acontecer até a posse, prevista para janeiro do ano que vem, mas o histórico da Venezuela dá algumas pistas preocupantes — o risco de radicalização e violência.

Com as vias institucionais dominadas pelo chavismo, a oposição pode apelar a uma ação radical, alerta Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembrando que María Corina Machado apoiou o golpe contra Hugo Chávez, em 2002, e pediu intervenção contra Venezuela em 2014.

Caso decida convocar protestos para pressionar o regime, o temor é de forte repressão, como aconteceu em 2017. Naquele ano, os venezuelanos tomaram as ruas depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) sufocou o Parlamento controlado pela oposição. A resposta violenta deixou dezenas de mortos e motivou uma investigação do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Nicolás Maduro por crimes contra humanidade.

“A maior preocupação é que a oposição opte por um caminho de violência, que também não ajudaria em nada, em vez de tentar combater o governo dentro dos moldes democráticos, o que é difícil porque o regime limita muito a participação política. Devem ser longos meses pela frente e nada garante também que o Nicolás Maduro seja reconhecido”, afirma Paulo Velasco.

Também há exemplos disso na história recente. Em 2019, o ditador foi reeleito em votação contestada pela oposição e Juan Guaidó se autoproclamou presidente, sendo reconhecido por mais de 50 países, incluindo o Brasil e os Estados Unidos. Sob Donald Trump, a pressão foi intensificada com a imposição de sanções totais contra a Venezuela.

Limites da pressão internacional

Dessa vez, as cobranças por transparência vêm até mesmo de governos da esquerda sul-americana como o de Gustavo Petro, na Colômbia, e o de Gabriel Boric, no Chile. Ele afirma que só reconhecerá resultados que possam ser verificados.

Mas a história nos mostra que a pressão pode tende a surtir pouco efeito prático. “Gera desconforto, mas até agora não é efetiva a ponto de evitar o controle político do chavismo”, afirma Carolina Silva Pedroso. “A depender do quanto a tensão escale, a comunidade internacional pode ser acionada para mediar saídas para a crise, mas o impacto concreto do não reconhecimento, por exemplo, é muito pouco”, acrescenta, lembrando que o apoio a Juan Guaidó nunca se converteu em poder de fato.

Da mesma forma, as sanções americanas não produziram mudanças, nem quando foram endurecidas por Donald Trump, nem quando foram relaxadas por Joe Biden. Essa foi uma das moedas de troca nos Acordos de Barbados, quando Nicolás Maduro e oposição se comprometeram com as eleições e, mesmo assim, a o regime tirou opositores da disputa — o que levou a Casa Branca a retomar embargos que chegaram a ser retirados.

Nicolás Maduro na sede do Conselho Nacional Eleitoral para proclamação dos resultados.  Foto: Federico Parra/AFP

“Maduro parece mais interessado em consolidar o apoio na parte chavista da sociedade, que é muito expressiva”, afirma Paulo Velasco. “As sanções, é claro, impactam a economia, mas afetam pouco para Nicolás Maduro. Ele nunca recuou, de fato, ou se propôs a promover qualquer forma de abertura ou transição por causa disso.”

Nesse cenário, há muita expectativa pelo Brasil, que busca se projetar como liderança internacional sob o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Em breve comunicado, o Itamaraty disse apenas que acompanha a apuração e aguarda a divulgação das atas, sem mencionar as denúncias de fraude eleitoral.

“A crise na Venezuela é um verdadeiro entrave aos planos internacionais do país, seja no âmbito sul-americano, seja nas suas aspirações globais de mediar uma saída pacífica na Ucrânia, por exemplo. Se não temos capital político para auxiliar na nossa vizinhança, que peso teríamos em arenas ainda mais desafiadoras?”, questiona Silva Pedroso.

A posição fica ainda mais delicada dada a proximidade histórica entre Maduro Lula, que patrocinou sua reabilitação no cenário internacional e evitou fazer críticas até que o regime impediu o registro da segunda candidatura de oposição.

“Vemos outros líderes de esquerda sul-americanos, como Gabriel Boric e Gustavo Petro que são sempre mais enfáticos nas condenações aos regimes antidemocráticos, seja na Venezuela, na Nicarágua ou em Cuba. Infelizmente, o Brasil ainda está muito preso ao passado, aos vínculos históricos e relações interpessoais com o chavismo, e acaba não conseguindo dar esse passo adiante”, afirma Velasco.

O analista pondera que é cauteloso esperar as atas antes de reconhecer resultados, mas lembra que o Brasil tem responsabilidades na América do Sul e, historicamente, agiu para garantir a estabilidade na região, como fez na tentativa de golpe contra Hugo Chávez, há duas décadas.

“Eu diria que o mundo inteiro está olhado o Brasil neste momento para ver como o País vai reagir”, afirma. “O Brasil tem que medir como muito cuidado como vai se posicionar, mas não interessa prolongar a dúvida. É preciso colocar um ponto final nas eleições na Venezuela e isso não pode demorar muito, ou mergulharia o país no caos”, conclui.

A eleição na Venezuela era vista como uma oportunidade de conciliação política que agora parece perdida. Com a vitória do ditador Nicolás Maduro contestada pela oposição e a dúvida que paira sobre a lisura do processo, o risco é de isolamento internacional e aumento do radicalismo dentro do país.

O Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo regime, anunciou na madrugada de domingo, com horas de atraso, que o chavista foi eleito para o seu terceiro mandato, mas não divulgou as atas extraídas das urnas, que confirmariam a vitória. O CNE afirma que Nicolás Maduro teve 51% dos votos, mas a oposição rejeita o resultado e alega que o seu candidato Edmundo González Urritia teria 70%.

Em reação ao resultado anunciado pelo CNE, nesta segunda-feira, manifestações espontâneas eclodiram em vários pontos do país. Novos protestos pacíficos foram convocados por María Corina Machado para terça-feira, 29, contra Maduro. O ditador, por sua vez, também mobilizou sua militância para amanhã, o que aumenta o risco de enfrentamento.

Em um discurso na sede presidêncial, Maduro pediu pela “máxima mobilização cívico-militar-policial para defender a paz” e instou uma vigília contra o que chamou de insurreição e golpe de estado.

Com as eleições questionadas dentro e fora da Venezuela, analistas ouvidos pelo Estadão alertam para o risco de radicalismo e violência política no país, que tende a ficar isolado no mundo.

“A posse de Nicolás Maduro pode levar a Venezuela de volta ao cenário que vimos em 2019, quando a comunidade internacional reconheceu o opositor Juan Guaidó, que se autoproclamou presidente. Pode levar a Venezuela de volta ao isolamento total dos últimos anos”, lembra o cientista político venezuelano Rafael Villa, que atua no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP).

“Do outro lado, a oposição poderia mobilizar os seus eleitores como forma de pressionar o regime, mas isso é muito arriscado, podemos ver uma onda de violência nos próximos meses”, alerta.

Venezuelanos enfrentam Guarda Nacional em protesto após o resultado das eleições, Caracas, 29 de julho de 2024.  Foto: Fernando Vergara/Associated Press

A repressão marcou todo o processo e o clima é de tensão no despertar das eleições. Durante a votação, a líder opositora María Corina Machado denunciou que seus observadores foram impedidos de acompanhar a votação e não tiveram acesso às atas, como previsto por lei.

Ela havia sido impedida de concorrer, assim como a primeira escolha da Plataforma Unitária para substituí-la, Corina Yoris. Além disso, cerca de 150 críticos da ditadura foram presos, sendo 135 diretamente ligadas à campanha. Venezuelanos que vivem fora do país enfrentaram dificuldades em se registrar para votar — a grande maioria não conseguiu. E observadores internacionais foram barrados, salvo poucas exceções, como o Centro Carter.

As manobras do regime colocaram em xeque a legitimidade da eleição. Enquanto a oposição alega fraude, o Conselho Nacional Eleitoral atribui a um suposto ataque hacker a demora na divulgação dos resultados e pede investigação.

Sem atas, dúvidas sobre os resultados permanecem

“Não será a primeira vez que a oposição denuncia fraude. Isso aconteceu antes na Venezuela e em outros países, inclusive no Brasil. O que preocupa é a forma como a eleição foi conduzida”, afirma o professor de política internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Paulo Velasco.

“Há denúncias de eleitores que não conseguiram chegar aos postos de votação, relatos da circulação dos coletivos chavistas, milícias armadas que circulam de moto para intimidar os eleitores e a demora no início da apuração, que começou com Maduro muito na frente”, exemplifica.

O analista pondera que de nada adianta a segurança das urnas, atestada por técnicos, sem as atas que confirmam os resultados. E afirma que não há explicação para o atraso, que considera antidemocrático.

“O resultado contraria as tendências de muito provável vitória da oposição e o descontentamento popular com Nicolás Maduro. O sistema em si, e a própria oposição reconhece, é seguro. O problema é o que se pode fazer antes e depois da votação”, concorda Rafael Villa.

“A maneira de saber se o resultado anunciado pelo Conselho Nacional Eleitoral é confiável é auditar ata por ata. Enquanto isso não ocorrer, a eleição está contaminada pela dúvida sobre a transparência do processo e tanto a oposição quanto a comunidade internacional tem o direito de questionar. Não é pouco o que está em jogo. São 25 anos de chavismo no poder e essa era a oportunidade para o projeto da oposição”, afirma.

Sem qualquer indício de que a temperatura vá baixar, resta saber como o antichavismo vai reagir com os caminhos legais de contestação, como a Justiça, controlados pelo regime.

Guarda Nacional dispersa protestos em Caracas.  Foto: Fernando Vergara/Associated Press

Nas Forças Armadas, o alto escalão se mantém leal ao chavismo, e o chefe militar Vladimir Padrino sugeriu a vitória de Nicolás Maduro ao dizer que os venezuelanos votaram para condenar as sanções antes mesmo que os resultados fossem anunciados.

“As Forças Armadas têm muito a perder porque, sob Nicolás Maduro, se transformaram em ator político e econômico com muitos privilégios, assumindo o controle de empresas e parte do controle sobre a petroleira. A oposição, por outro lado, não tem conseguido neutralizar as Forças Armadas”, afirma Villa. Ele lembra que uma militar se recusou a cumprimentar María Corina Machado no dia da votação e cita o episódio como símbolo da falta de relações entre os civis da oposição e o Exército cooptado pelo chavismo.

Risco de isolamento e violência

É difícil prever o que vai acontecer até a posse, prevista para janeiro do ano que vem, mas o histórico da Venezuela dá algumas pistas preocupantes — o risco de radicalização e violência.

Com as vias institucionais dominadas pelo chavismo, a oposição pode apelar a uma ação radical, alerta Carolina Silva Pedroso, professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembrando que María Corina Machado apoiou o golpe contra Hugo Chávez, em 2002, e pediu intervenção contra Venezuela em 2014.

Caso decida convocar protestos para pressionar o regime, o temor é de forte repressão, como aconteceu em 2017. Naquele ano, os venezuelanos tomaram as ruas depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) sufocou o Parlamento controlado pela oposição. A resposta violenta deixou dezenas de mortos e motivou uma investigação do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Nicolás Maduro por crimes contra humanidade.

“A maior preocupação é que a oposição opte por um caminho de violência, que também não ajudaria em nada, em vez de tentar combater o governo dentro dos moldes democráticos, o que é difícil porque o regime limita muito a participação política. Devem ser longos meses pela frente e nada garante também que o Nicolás Maduro seja reconhecido”, afirma Paulo Velasco.

Também há exemplos disso na história recente. Em 2019, o ditador foi reeleito em votação contestada pela oposição e Juan Guaidó se autoproclamou presidente, sendo reconhecido por mais de 50 países, incluindo o Brasil e os Estados Unidos. Sob Donald Trump, a pressão foi intensificada com a imposição de sanções totais contra a Venezuela.

Limites da pressão internacional

Dessa vez, as cobranças por transparência vêm até mesmo de governos da esquerda sul-americana como o de Gustavo Petro, na Colômbia, e o de Gabriel Boric, no Chile. Ele afirma que só reconhecerá resultados que possam ser verificados.

Mas a história nos mostra que a pressão pode tende a surtir pouco efeito prático. “Gera desconforto, mas até agora não é efetiva a ponto de evitar o controle político do chavismo”, afirma Carolina Silva Pedroso. “A depender do quanto a tensão escale, a comunidade internacional pode ser acionada para mediar saídas para a crise, mas o impacto concreto do não reconhecimento, por exemplo, é muito pouco”, acrescenta, lembrando que o apoio a Juan Guaidó nunca se converteu em poder de fato.

Da mesma forma, as sanções americanas não produziram mudanças, nem quando foram endurecidas por Donald Trump, nem quando foram relaxadas por Joe Biden. Essa foi uma das moedas de troca nos Acordos de Barbados, quando Nicolás Maduro e oposição se comprometeram com as eleições e, mesmo assim, a o regime tirou opositores da disputa — o que levou a Casa Branca a retomar embargos que chegaram a ser retirados.

Nicolás Maduro na sede do Conselho Nacional Eleitoral para proclamação dos resultados.  Foto: Federico Parra/AFP

“Maduro parece mais interessado em consolidar o apoio na parte chavista da sociedade, que é muito expressiva”, afirma Paulo Velasco. “As sanções, é claro, impactam a economia, mas afetam pouco para Nicolás Maduro. Ele nunca recuou, de fato, ou se propôs a promover qualquer forma de abertura ou transição por causa disso.”

Nesse cenário, há muita expectativa pelo Brasil, que busca se projetar como liderança internacional sob o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Em breve comunicado, o Itamaraty disse apenas que acompanha a apuração e aguarda a divulgação das atas, sem mencionar as denúncias de fraude eleitoral.

“A crise na Venezuela é um verdadeiro entrave aos planos internacionais do país, seja no âmbito sul-americano, seja nas suas aspirações globais de mediar uma saída pacífica na Ucrânia, por exemplo. Se não temos capital político para auxiliar na nossa vizinhança, que peso teríamos em arenas ainda mais desafiadoras?”, questiona Silva Pedroso.

A posição fica ainda mais delicada dada a proximidade histórica entre Maduro Lula, que patrocinou sua reabilitação no cenário internacional e evitou fazer críticas até que o regime impediu o registro da segunda candidatura de oposição.

“Vemos outros líderes de esquerda sul-americanos, como Gabriel Boric e Gustavo Petro que são sempre mais enfáticos nas condenações aos regimes antidemocráticos, seja na Venezuela, na Nicarágua ou em Cuba. Infelizmente, o Brasil ainda está muito preso ao passado, aos vínculos históricos e relações interpessoais com o chavismo, e acaba não conseguindo dar esse passo adiante”, afirma Velasco.

O analista pondera que é cauteloso esperar as atas antes de reconhecer resultados, mas lembra que o Brasil tem responsabilidades na América do Sul e, historicamente, agiu para garantir a estabilidade na região, como fez na tentativa de golpe contra Hugo Chávez, há duas décadas.

“Eu diria que o mundo inteiro está olhado o Brasil neste momento para ver como o País vai reagir”, afirma. “O Brasil tem que medir como muito cuidado como vai se posicionar, mas não interessa prolongar a dúvida. É preciso colocar um ponto final nas eleições na Venezuela e isso não pode demorar muito, ou mergulharia o país no caos”, conclui.

Análise por Jéssica Petrovna

Repórter da editoria de Internacional. É potiguar, formada em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Foi trainee do Estadão (2018) e editora de internacional em Band Jornalismo e CNN Brasil.

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