A recente decisão do governo da Venezuela de ratificar a desqualificação do principal líder da oposição para concorrer à presidência nas eleições deste ano foi decepcionante, mas não chega a ser uma surpresa. O presidente Nicolás Maduro sabe que provavelmente perderia para María Corina Machado, uma crítica ferrenha do regime há muito tempo, e teme que ela responsabilize a ele e a seus aliados por corrupção e abusos de direitos humanos. Mas ainda há um caminho para uma disputa confiável, com a reintegração de Machado, se Maduro reconhecer que é de seu interesse negociar com sua principal adversária.
Como as autoridades ainda precisam apresentar um calendário confiável para a realização de uma eleição no segundo semestre do ano - que o mundo democrático espera que seja livre, justa e competitiva - os EUA estão pedindo ao presidente colombiano Gustavo Petro que faça a ponte entre o governo venezuelano e a oposição para evitar crises e polarização que aprofundariam uma desconfiança já aguda. Todas essas medidas são necessárias para evitar que o acordo eleitoral de Barbados, assinado em outubro, seja prejudicado.
O ponto crucial do impasse diplomático é que Maduro enfrenta duas escolhas desagradáveis enquanto se prepara para concorrer à reeleição. Em um cenário, ele poderia perder e concordar em deixar o cargo. Maduro enfrenta uma reeleição difícil, devido ao seu baixo índice de aprovação e à raiva dos eleitores venezuelanos em relação a uma economia marcada por anos de alto desemprego, inflação astronômica, escassez de bens essenciais e colapso dos serviços públicos, como a eletricidade.
As esperanças de uma recuperação econômica robusta este ano foram reduzidas quando o governo Biden reagiu à proibição da candidatura de Machado ameaçando reimpor sanções ao petróleo e ao gás, o coração da economia do país.
Em outro cenário, o governo poderia arquitetar a reeleição de Maduro ao se recusar a permitir o registro de um candidato legítimo da oposição - nem Machado nem qualquer outra figura que uma oposição unida pudesse apoiar. Isso significaria um novo isolamento diplomático, a reimposição de sanções dos EUA e o congelamento de investimentos estrangeiros, revertendo as principais conquistas políticas de Maduro nos últimos anos.
Um terceiro cenário teórico - Maduro vencendo com uma pluralidade de votos, dividindo a oposição e desencorajando os apoiadores de seus rivais a comparecerem às urnas - parece improvável por enquanto, dada a coesão da oposição e o compromisso dos eleitores com as eleições e a rejeição de um boicote.
Pessoas familiarizadas com o pensamento de Maduro acreditam que, se ele não puder vencer uma eleição que atenda aos padrões mínimos, ele estará disposto a ceder o poder a um candidato da oposição, mas não a Machado. O problema com essa abordagem é que, se as autoridades governamentais e militares buscam garantias para protegê-las de possíveis processos, nenhuma outra figura além de Machado tem a posição e o espaço político para negociar e cumprir um pacto que faça concessões ao regime.
Por muito tempo visto como uma ativista radical e marginal, Machado é hoje a político mais popular do país. Os antigos líderes da oposição estão exilados ou isolados politicamente. Eles não poderiam vender um acordo com Maduro a um eleitorado venezuelano irritado ou a uma Washington em dúvida. Porém, poucos questionariam um acordo negociado por Machado, que lapidou sua reputação como crítica intransigente de Maduro e de seu antecessor, Hugo Chávez.
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Ao longo dos anos, Machado promoveu boicotes eleitorais, rejeitou negociações com o regime, pediu sanções econômicas ao país e defendeu uma ação militar internacional para remover o regime de Maduro. Mas Machado também é inteligente e pragmática, e sua recente moderação retórica, seus apelos à unidade nacional e seu compromisso com as eleições como meio de produzir mudanças ajudaram a impulsionar sua vitória nas primárias da oposição e a estabeleceram como líder inquestionável da oposição.
Uma solução negociada
As questões que fariam parte de qualquer pacto negociado entre o governo e a oposição não seriam facilmente resolvidas. Os negociadores teriam de lidar com questões legais, como a acusação de Maduro pelo Departamento de Justiça dos EUA por tráfico de drogas, a oferta do Departamento de Estado de até US$ 15 milhões por informações que levem à sua prisão e condenação e a investigação do Tribunal Penal Internacional sobre crimes contra a humanidade cometidos pelo governo e pelos militares venezuelanos. As partes também precisariam chegar a um acordo sobre o controle do judiciário, do conselho eleitoral e das forças de segurança, sem mencionar a competição pela autoridade legislativa entre as duas Assembleias Nacionais.
Os direitos políticos e civis de todas as partes também teriam de ser garantidos. O Partido Socialista no poder, o PSUV, inclui pessoas dispostas a competir e operar dentro de uma estrutura democrática. Uma derrota eleitoral neste ano não significaria o fim do partido, mas sim uma oportunidade de se refazer como um movimento social-democrata. O PSUV, que alcançou níveis de comando durante o governo de Chávez, continua sendo o maior partido político do país e mantém uma base eleitoral de 30%, apesar das calamidades econômicas e humanitárias pelas quais o país passou durante seu governo nos últimos anos. Um retorno de um PSUV renovado em eleições futuras não estaria fora de cogitação.
O regime e a oposição também podem chegar a um acordo sobre alguns parâmetros econômicos básicos que protegeriam os interesses políticos legítimos de ambos os lados sem prejudicar o próximo governo. Machado e Maduro poderiam encontrar um ponto em comum sobre a necessidade de atrair investimentos estrangeiros, diversificar a economia e proteger os mais vulneráveis, especialmente durante um período de ajuste econômico.
Com certeza, os dois lados estão longe de começar a explorar qualquer um desses tópicos. Os campos de Machado e Maduro se aproximaram um do outro nos últimos meses, mas ainda não houve um engajamento real. A desconfiança é tão profunda e que provavelmente será necessária uma terceira parte para facilitar qualquer conversa. Um país europeu neutro pode desempenhar esse papel. A Colômbia também poderia ser uma ponte, dado o relacionamento do presidente esquerdista Petro com Maduro e a possível nomeação como ministro interino das Relações Exteriores de Luis Murillo, o habilidoso embaixador nos EUA.
Essa grande barganha pode parecer irrealista, considerando o abismo ideológico que divide o governo e a oposição, a relutância do regime em enfrentar uma competição eleitoral genuína e um cronograma eleitoral apertado e mal definido. Mas, dada a complementaridade dos interesses centrais de cada lado, ainda há um caminho para salvar a eleição como um passo para resolver as várias crises do país. Os diplomatas devem aproveitar a oportunidade.
* Mark Feierstein é consultor sênior do Instituto da Paz dos EUA, do Albright Stonebridge Group e do GBAO. Foi assistente especial do presidente Obama e diretor sênior para Assuntos do Hemisfério Ocidental no Conselho de Segurança Nacional.