Há décadas, a maioria dos mapas da Venezuela exagera no tamanho do país e “rouba” quase 75% do território da Guiana. A disputa é antiga, e remonta à independência venezuelana da Espanha, em 1810.
Quase toda criança nascida na Venezuela cresce com a certaza de que o Essequibo - a fronteira oriental do país - é venezuelano. Mas com a descoberta de petróleo na Guiana em 2015, a polêmica deixou os bancos escolares e chegou aos tribunais internacionais. Desde então, o presidente Nicolás Maduro tem ampliado a pressão diplomática para anexar essas terras.
Com a transformação da pequena Guiana em uma das economias de crescimento mais rápido do mundo, versões dos gráficos de reivindicação do Essequibo, alguns deles produzidos pelo governo de Maduro, proliferaram nas redes sociais. A Guiana diz que essa disseminação equivale a uma campanha de desinformação com o objetivo de fortalecer as demandas venezuelanas na Justiça internacional.
A pedido da Guiana, em 2018, as Nações Unidas encaminharam o assunto ao Tribunal Internacional de Justiça para o que Georgetown espera que seja a palavra final. Com esse caso pendente, o secretário das Relações Exteriores da Guiana, Robert Persaud, pediu ao Facebook e ao Twitter que retirassem mapas que mostram a Venezuela com um pedaço da Guiana anexado.
O Ministério das Relações Exteriores se reuniu virtualmente com funcionários do Facebook em outubro sobre o que chamou de “campanha de desinformação”.
Os mapas, disse Persaud ao gigante da mídia social, podem “prejudicar permanentemente as relações entre os Estados, incitar a violência contra o território e o povo da Guiana e inviabilizar o atual julgamento do assunto”. Nem o Facebook nem o Twitter responderam aos pedidos de comentários.
“Somos uma nação que ama a paz”, disse Persaud ao Washington Post. “Sempre tentamos ter laços muito fortes e frutíferos com nossos vizinhos, incluindo a Venezuela.”
“Pedimos à plataforma de mídia social que respeite o que as Nações Unidas e o direito internacional são sobre esses assuntos e não contribua de forma alguma para prejudicar as relações de boa vizinhança.”
Uma disputa histórica
A Venezuela diz que seu território se estendeu para o leste até o Rio Essequibo desde que o país declarou independência da Espanha em 1811. A Guiana diz que sua propriedade começou em 1814, quando o Reino Unido assumiu o controle por meio de um tratado com a Holanda. Esse tratado, porém, deixou indefinido o limite ocidental do território.
O Reino Unido encarregou o explorador Robert Schomburgk de esclarecer a fronteira. ele então traçou um meridiano, batizado com seu próprio nome, que concedeu aos britânicos mais território do que eles tinham reivindicado. Pouco tempo depois, jazidas de ouro foram descobertas na região.
Em 1841, a Venezuela disputou as fronteiras do que então era a Guiana Inglesa. Invocando a Doutrina Monroe, Caracas pressionou os Estados Unidos por ajuda. Décadas mais tarde, em 1895, o presidente Grover Cleveland pediu ao Congresso que autorizasse uma comissão de fronteira para determinar a extensão do território venezuelano e declarou que seria dever dos EUA resistir por todos os meios ao seu alcance a qualquer apropriação britânica desse território.
A declaração de Cleveland que o controle britânico da Guiana era agressão deliberada aos seus direitos e interesses dos americanos foi tomada como uma ameaça militar. Uma solução diplomática, então, foi encontrada e as partes concordaram com a arbitragem.
O tribunal de 1899 era composto por cinco juristas - dois nomeados pela Venezuela (advogados americanos, um chefe de justiça dos EUA), dois pelo Reino Unido (advogados britânicos) e um quinto escolhido por esses quatro (um diplomata russo). Eles decidiram que a maior parte do território disputado era da Guiana Britânica.
A situação pareceu resolvida por 50 anos. Então, em 1949, a Venezuela contestou a validade da decisão de 1899, alegando um complô entre o diplomata russo e os britânicos. Quando a Guiana conquistou a independência do Reino Unido em 1966, seu novo governo concordou com a Venezuela que uma comissão conjunta de fronteira resolveria a disputa. Mas as partes não chegaram a um entendimento.
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Unanimidade rara
Na Venezuela, o apoio à retomada do Essequibo é quase unânime. “Todos concordam com isso”, disse o consultor político Pablo Quintero. “Quem estava no governo e quem estava na oposição estudava com os mesmos livros. Eles receberam a mesma perspectiva histórica. Nesse sentido, há apenas uma realidade.”
Já a Casa Branca não está mais do lado de Caracas. “A sentença arbitral de 1899 determinou a fronteira terrestre entre a Guiana e a Venezuela e deve ser respeitada, a menos ou até que seja determinado de outra forma por um órgão legal competente”, tuitou Brian A. Nichols, secretário de Estado adjunto para assuntos do Hemisfério Ocidental, em outubro.
Evan Ellis, professor pesquisador de estudos latino-americanos no U.S. Army War College, disse que há apenas uma “base tênue para a Venezuela manter isso vivo”, mas tornou-se um artigo de fé “que o Esquibo foi tirado deles… Os venezuelanos foram historicamente injustiçados e [que] a lei só é lei por causa dessa injustiça das grandes potências que colaboram contra nós”.
Para os venezuelanos, disse ele, a questão é: “Nosso governo está fazendo o suficiente para defender nossos interesses aqui?”
“A Venezuela nunca desistiu. Mas eles começaram a se importar mais quando descobriram que havia pelo menos 11 bilhões de barris de petróleo recuperável naquela área”, disse ele.
Mudanças na política latino-americana podem aumentar o vigor com que a Venezuela afirma sua reivindicação. Uma recente mudança para a esquerda significa que Caracas tem “novos amigos ideológicos” liderando nações próximas, acrescentou o analista.
“É muito fácil ver como a nova política pode mudar completamente o que era uma questão bastante resolvida até o ano passado”, disse.
Descoberta de petróleo
Assim como a descoberta de ouro despertou a disputa na década de 1880, o mesmo ocorreu com mais de 30 descobertas de petróleo, totalizando quase 11 milhões de barris desde 2015. Esse benefício, bem administrado, poderia transformar a Guiana, agora uma nação de renda média de 800 mil pessoas.
“É difícil superestimar o quanto esse petróleo significa para o futuro da Guiana”, disse Ellis. Ele fornece “ao que já foi um dos países mais pobres de todo o hemisfério, em termos per capita, o potencial, se não for totalmente desperdiçado … de possivelmente se tornar um dos países mais ricos do hemisfério.”
O petróleo representou 62% do produto interno bruto da Guiana em 2022. Em 2019, era apenas 2% do PIB. O Banco Mundial estimou que o PIB real do país cresceu 57,8% no ano passado. O país projetou que a receita estatal do petróleo aumentaria ainda mais, atingindo US$ 1,63 bilhão cerca de (R$ 8,4 bilhões) este ano.
Foi em torno da exploração de petróleo que a Venezuela começou a assediar navios, supostamente detendo dois barcos de pesca em 2012; despejar um navio de exploração de petróleo operado pelos EUA em 2013; e interceptando um navio de exploração de petróleo da ExxonMobil em 2018.
E agora?
A Venezuela argumentou perante a Corte Internacional de Justiça em novembro que o caso da Guiana deveria ser arquivado. Espera-se uma decisão ainda este ano.
Maduro diz que a Venezuela está aderindo ao Acordo de Genebra de 1966, que comprometeu os países a “chegar a um acordo prático e mutuamente satisfatório por meio de negociações amistosas”. A existência desse acordo, Caracas argumenta, indica que o tribunal de 1899 não foi definitivo.
“Estamos agora no segundo capítulo da fase anterior do processo judicial”, disse Kenneth Ramírez, presidente do Conselho Venezuelano de Relações Exteriores. Ele disse que os navios petroleiros operam em “território que ainda não foi delimitado”.
Persaud, secretário das Relações Exteriores da Guiana, disse que não há nenhum requisito no acordo que proíba a Guiana de usar os recursos em seu território. “Todos os países, exceto a Venezuela, reconheceram que este é o território da Guiana.”