A Venezuela tornou-se uma "narcoditadura" e o não há diálogo possível entre oposição e chavismo. A opinião é da ex-deputada opositora María Corina Machado, líder do movimento Vente Venezuela. "Ainda não vimos o nível mais grave dessa crise humanitária", afirmou em entrevista ao Estado. Corina, que teve seu mandato cassado em um processo conduzido a pedido do presidente, Nicolás Maduro, também acredita que ainda há militares no país capazes de compreender que a crise não tem saída enquanto o líder estiver no poder.
A seguir, a entrevista.
Como a sra. avalia a situação do país após a tomada do poder da Assembleia Nacional pela Constituinte chavista? Estão simplesmente fazendo de fato o que já vêm fazendo há muitos meses. O pouco que restava da República na Venezuela foi aniquilado. Isso de maneira formal porque, na prática, nos últimos meses, vimos como foram tratados os parlamentares, sendo até atacados fisicamente. Estamos diante do momento mais obscuro em relação à violação total da democracia. Por outro lado, é um regime que está sendo arrastado por seus próprios atropelos e, finalmente, dentro e fora da Venezuela é reconhecido como um regime totalitário e precisa sair do poder.
Qual o papel da derrota do chavismo na eleição para a Assembleia Nacional, em 2015, nesse processo? Perderam a legitimidade. Todos sabemos que a chegada de Maduro ao poder foi muito questionada. Não tenho dúvida de que houve um processo fraudulento em 2013. Mesmo assim, exerceu a presidência e, internacionalmente, houve silêncio sobre as violações dos direitos humanos, sobre a deterioração da qualidade de vida dos venezuelanos.
Pra onde esse processo vai? Ainda não vimos o nível mais grave dessa crise humanitária que vai se transformar em catástrofe em poucos meses. Porque o regime não apenas destruiu toda a capacidade produtiva de alimentos, medicamentos, infraestrutura... Mas as coisas estão tão comprometidas que todas as possibilidades de recursos internacionais se esgotaram. Então, há uma PDVSA que está vinculada a atividades de narcotráfico e lavagem de dinheiro. A Venezuela entrou em uma espiral obscura. Se o que estamos vendo agora em termos sociais é grave, o que virá é ainda mais.
Há como frear isso? Um processo de transição.
A negociação com o governo é um caminho? Aqui não há negociação. O que houve até agora foram farsas criadas pelo próprio regime e foram articuladas justamente quando Maduro estava a ponto de precisar aceitar uma saída. No ano passado, quando eles bloquearam o referendo revogatório e houve enormes protestos nas ruas. Então, apareceram o sr. Rodríguez Zapatero e o sr. Ernesto Samper dizendo que havia um diálogo. Envolveram até o papa Francisco. O próprio cardeal Jorge Urosa (arcebispo de Caracas) disse que debocharam do santo padre, Maduro debochou do papa.
Por quê? Porque estava claro que o regime não queria diálogo. O que pretendia era frear os protestos de rua e enganar a comunidade internacional. Seu único objetivo era conseguir oxigênio e tempo.
Os militares aceitariam uma transição? É preciso que a 'massa crítica' dos militares entendam que não há outra opção. Hoje, a Venezuela não é uma ditadura convencional, a Venezuela se transformou em uma narcoditadura, em um Estado mafioso que não só penetrou no poder público, mas no sistema financeiro, os meios de comunicação, as Forças Armadas, toda a sociedade. Os militares têm conhecimento do grau de risco que o país corre de entrar em colapso total. Acredito que ainda haja uma parcela da instituição militar que entende que seu dever é contribuir para salvar a Venezuela.
Há grupos dentro das Forças Armadas se levantando contra o governo? As Forças Armadas hoje estão profundamente atomizadas. O regime foi criando barreiras entre os distintos componentes justamente pelo temor que têm de que uma força que se oponha ao regime. Não tenho dúvida de que no seio das Forças Armadas o descontentamento cresce.