O presidente Jair Bolsonaro começa nesta segunda-feira, 14, uma viagem à Rússia e em seguida seguirá para a Hungria, liderada pelo populista Viktor Orbán. Segundo o ex-embaixador do Brasil em Washington, Rubens Ricupero, as visitas representam uma mancha na nova administração do Itamaraty, que vinha tentando se distanciar da guinada ideológica do ex-chanceler Ernesto Araújo.
Desde novembro, a Rússia está em uma escalada com os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na fronteira com a Ucrânia. Segundo o governo dos Estados Unidos, uma invasão russa pode acontecer a qualquer momento, em especial nesta semana - quando Bolsonaro ainda estará na região.
Já para a Hungria, o Brasil possui pouca justificativa para uma visita neste momento, a não ser para movimentar a base mais extremista do presidente Jair Bolsonaro em ano eleitoral. Orbán é considerado um dos últimos líderes da extrema-direita ainda no poder e tem orgulho de se definir um “iliberal”. Em abril o país passará por eleições, em que Orbán corre sérios riscos de perder para uma “frente ampla” montada contra ele.
Estadão: O que representa essa visita de Bolsonaro a Vladimir Putin e a Viktor Orbán neste momento?
Rubens Ricupero: Em primeiro lugar eu fiquei surpreso que essas visitas foram mantidas. A ideia vinha já de muito tempo, da época do Ernesto Araújo, mas pensei que depois da substituição de Araújo, esse tipo de viagem seria deixado de lado. É uma mudança de rumo na tendência do novo chanceler, do Carlos França, porque desde que entrou ele não chegou a realizar nada de importante do ponto de vista de novas iniciativas, mas pelo menos ele tinha evitado a repetição daqueles erros ideológicos.
Essas duas viagens dão a impressão muito mais de um tipo de ação que seria tomada pelo Ernesto Araújo do que pelo atual chanceler. Não tem muito a ver com aquele perfil de evitar os problemas e esse lado ideológicos. É uma anomalia na nova gestão. É como por exemplo, se o novo ministro do meio ambiente começasse a fazer declarações como o Ricardo Salles fazia a favor do garimpo, ou se o novo ministro da Educação fizesse o que fazia o Abraham Weintraub. É um desvio da rota que parecia que estava sendo seguida no sentido de corrigir aqueles erros [ideológicos].
Do ponto de vista do interesse internacional, de melhorar a imagem, essa visita não melhora nada, apenas acentua aquilo que o mundo já pensa do Bolsonaro. Porque ele vai visitar dois dirigentes que são autocratas. É uma mancha na gestão do Carlos França. Porque, ainda que ele não fizesse grande coisa, ele pelo menos evitava mancadas. E essas viagens são mancadas, que obviamente não ajudam em nada.
Ao ir para a Rússia em meio à crise na Ucrânia, que mensagem o Brasil passa aos seus aliados que fazem parte da Otan?
Há um aspecto muito grave no caso da Rússia, porque o momento não podia ser mais inoportuno por causa dessa ameaça de invasão da Ucrânia. Segundo os americanos, é uma coisa iminente. Uma viagem nesse momento dá a impressão de uma certa indiferença a uma ação que, como disse o secretário de estado, [Antony] Blinken, se houver invasão, vai ser o fato mais grave em relação à paz mundial desde a Segunda Guerra Mundial. Então é uma coisa gravíssima. Como que você tem a indiferença de fazer isso?
E a visita à Hungria, por que também é uma mancha na gestão do novo chanceler?
O Orban é um autoritário. Lá ainda existe democracia, mas é uma democracia iliberal, como ele mesmo diz. Ele assume essa ideia da democracia iliberal até no nome, ele se orgulha disso. Bolsonaro, ao visitar esses países, ele se associa a duas figuras e reforça a ideia que já existe sobre ele no mundo, que também é um autocrata, autoritário, inimigo da democracia, um homem favorável a essa democracia iliberal. Ele simplesmente confirma toda a imagem negativa que ele já tem.
Além disso, vai haver eleições na Hungria. Embora ninguém saiba o que vai acontecer, pela primeira vez parece que a oposição se uniu para ter uma certa chance. E esse governo aqui nosso tem essa característica de sempre apostar em aliados errados, porque são todos aliados que perdem o poder. Como foi o [Donald] Trump, como foi o Benyamin Netanyahu [em Israel], o [Matteo] Salvini na Itália. Eu acho que é difícil de justificar ou de compreender do ponto de vista diplomático das relações internacionais.
Se não há qualquer ganho diplomático nessas viagens, então quais seriam os supostos benefícios que o governo estaria mirando?
O Bolsonaro só tem ganhos internamente. Eu colocaria isso, mas num contexto das críticas recentes que ele recebeu tanto do Ernesto Araújo quanto do Abraham Weintraub. Aqueles ministros da primeira fase, que era a fase do Olavo de Carvalho, daquela fase mais lunática de extrema-direita, estão criticando cada vez mais o Bolsonaro pelas alianças que ele fez com o Centrão, que, segundo eles, isso deturpa todo o sentido da candidatura dele.
Segundo os jornais, ele se irritou muito, tanto com o Weintraub quanto com o Araújo, porque isso é claro que tem consequências naquele núcleo mais fiel dele, dos fanáticos a todo preço. Então eu acho que isso é um gesto que ele faz em direção a esse grupo. Não podem se afastar do Centrão, que é o objetivo dessas críticas do Araújo e do Weintraub, ele pelo menos reforça esse lado ideológico de extrema-direita, visitando esses dois mandatários que são simpatizantes desse grupo. É a única vantagem que eu posso ver, mas parece uma coisa tão pequena, porque não é um grupo, aqui no Brasil, que tem um peso muito importante, ao contrário, é um grupo que já vota nele mesmo.
Teremos eleições este ano e as viagens internacionais de um presidente que tenta reeleição são importantes para o eleitorado. Mas o governo brasileiro está com a fama de pária internacional desde Ernesto Araújo. Esta viagem é uma tentativa de dizer que não está isolado?
Se a intenção é mostrar que ele não está isolado, na verdade o resultado é patético. Na América do Sul mesmo, você viu que ele foi ao Suriname e à Guiana. São dois países limítrofes e tudo, mas insignificantes. Ele não tem mais condições de ir em nenhum outro país. Não pode ir à Argentina, não pode ir ao Chile, não pode ir ao México, a lugar nenhum.
Talvez eles queiram dar a impressão, em um ano eleitoral, da vantagem dele ser o presidente, uma pessoa que viaja, que se expõe. Mas é tão pouco, tão magro o resultado. É um pouco melancólico. É um final de governo cada vez mais sem nada a apresentar, em qualquer campo. A economia é um grande fracasso, em matéria social o país tá com uma miséria muito grande, desemprego de 14 milhões, a educação é um desastre como se viu nesses últimos tempos, na saúde o que houve de certo foram mais os governadores, o meio ambiente é uma catástrofe, você vai percorrendo um por um nos setores e você vê que não tem nada. E em relações exteriores é a mesma coisa. É uma coisa muito pobre.