Atenuar a percepção de isolamento do Brasil no cenário internacional talvez tenha sido a principal motivação do presidente Jair Bolsonaro para decidir, ainda no ano passado, visitar, em janeiro deste ano, a Guiana e o Suriname e, em meados deste mês, a Rússia e a Hungria, países “conservadores” e afins ideologicamente, na visão presidencial.
Com data marcada há algum tempo, o encontro de Bolsonaro com Vladimir Putin em Moscou coincide com o agravamento da crise entre a Rússia e a Ucrânia. A escalada retórica de Washington, por razões de política interna, e as dificuldades para unificar as posições dos países europeus tornam ainda mais incerta a situação.
Com a manutenção da viagem e a presença do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, era de se esperar, em termos diplomáticos, que os EUA se comunicassem com o governo em Brasília para transmitir as percepções e posições de Washington e manifestar sua preocupação com a situação no teatro de operações na Ucrânia. Segundo a visão norte-americana, o agravamento da crise poderia levar a uma intervenção militar russa, o que é negado por Putin.
Embora as conversas com o ministro Carlos França tenham sido consideradas por analistas como pressão norte-americana, dificilmente poderá ter havido um pedido para o adiamento da viagem. Mas é provável que os EUA tenham pedido para o Brasil transmitir ao presidente russo uma palavra de moderação e solicitado apoio para a convocação de sessão aberta do CSNU para discutir o impasse geopolítico. O Brasil votou a favor e, na discussão no Conselho, na linha de sua atuação tradicional, pronunciou-se por uma solução negociada para a crise.
A visita a Putin, nesse momento, não deverá interferir no bom relacionamento bilateral com os EUA, como ficou claro recentemente com a decisão dos EUA de desbloquear a adesão de novos países a OCDE, o que beneficiou o Brasil. A viagem não deixa de ter riscos, se coincidir com a eclosão de um conflito militar ou se manifestações presidenciais forem vistas como apoio a Rússia ou aproveitadas e exploradas por Putin, o que agravará ainda mais o isolamento do Brasil.
A participação no CSNU tornará obrigatória a tomada de posições pelo Brasil em matérias em que normalmente Brasília não teria capacidade de interferir por não ter excedente de poder. Nas disputas geopolíticas entre os EUA e a China, no momento, deixadas para um segundo plano, e entre os EUA e a Rússia, em vista do crescente ativismo de Putin em busca de reconhecimento de seu pais como uma potência global, o Brasil deveria manter uma posição de equidistância para resguardar e defender, em primeiro lugar, o interesse nacional.
*Ex-embaixador de Brasil em Washington e presidente do IRICE